sábado, 21 de janeiro de 2017



EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO - I


O tempo não é exacto, nem imutável, nem definitivamente passado...o tempo antes é relativo, sinuoso e ondulante, misteriosamente moldável... Se EINSTEIN já tinha teorizado no século XX todas estas e algumas outras qualidades do tempo eis que, há poucas semanas, Pedro Rolo Duarte e João Gobern evidenciaram a maravilhosa elasticidade do espaço-tempo ao mostrarem-me como um singelo minuto se pode transformar em horas ou dias!...


HOTEL BABILÓNIA 
Por puro acaso, numa deslocação de automóvel à capital ligo o rádio e busco algo de interessante para entreter, eram exactamente 10 horas da manhã de um sábado luminoso e fiquei sintonizado no noticiário da Antena 1... Nem me ocorreu naquele momento que surgiria de seguida um dos mais interessantes programas da actualidade radiofónica nacional, o HOTEL BABILÓNIA, o qual nos últimos tempos raramente consigo acompanhar devido a horários de trabalho desconchavados... Mas este em boa hora o apanhei! O convidado era o Mário Augusto, conhecido crítico de cinema, a propósito do lançamento de "A sebenta do tempo", uma viagem alucinante às memórias de quem nasceu nos anos 60 e cresceu nos 70, desde leituras, televisão, divertimentos ou curiosidades do dia-a-dia de então.
Ia decorrendo o programa de forma escorreita e deleitante, não fossem os intervenientes de excelente conversatória, e já algumas das memórias ali evocadas me faziam recuar à minha infância e adolescência de uma forma tão sensorial que mais parecia ser eu o condutor de uma já inventada máquina de viajar pelo tempo, tão depressa estava no recreio da escola primária a lançar o pião como no minuto seguinte estava rastejando de lanterna na mão a explorar a gruta da Fonte Vale! E pensava para comigo como tinha sido possível ter esquecido completamente certas coisas que tão importantes tinham sido na minha vida, como por exemplo certas séries que passavam na RTP como os Pequenos Vagabundos, até a música que tantos vezes tinha assobiado teimava em não me vir à ideia.... Agora que, passados 30 anos, acabei de ver novamente e desta vez a cores os 8 episódios da série, (abençoada Internet) com mais prazer ainda do que então porque mais atento a pequenos pormenores que na altura passaram despercebidos constato que afinal eu era mesmo um desses esquecidos que precisavam de revisitar as memórias, sem manual nem guião mas com a ilusão de que recordar é poder ser feliz outra vez, livre e inocente, de peito aberto para o misterioso mundo do futuro...



Aquele minuto em que me liguei ao Hotel Babilónia transformou-se desde então em horas de puro prazer e (re)descoberta, quer na visualização de séries, quer em releituras ou até na recriação de brincadeiras estou revivendo aquela gloriosa época e surpreendo-me a cada "visita"... Embora me falte a inigualável arte de MARCEL PROUST (a quem "roubei" aquele maravilhoso título de romance) para transmutar o pensamento em sensação e para transportar das lembranças para o papel a beleza do gesto, a harmonia do movimento ou as impressões da mente e da natureza, queiram acompanhar-me então nesta busca do tempo perdido em que o protagonista é um jovem inocente mas intrépido aventureiro, de olhar sonhador e timidez disfarçada, habitante de um pequeno reino encantado do interior ribatejano, entre o Almonda e o Alviela, à beira da Serra d'Aire...

E porque teimou ele em se apresentar aqui de fato domingueiro comecemos pelo domingo na aldeia, um dia tão especial e solene que recriá-lo à boa maneira proustiana ocuparia vários volumes de uma extensa obra... Domingo, para além do dia da missa era o dia do café! Nem toda a gente ia à missa mas todo o mundo passava pelo café, poder-se-ia chamar CENTRAL como em milhares de outros sítios, mas era apenas o do Fernando, café e mercearia, o estabelecimento mais amplo e confortável das redondezas, reconhecido também pela sua modernidade, tudo o que era novidade aparecia primeiro aí, as cadernetas de cromos mais recentes, os gelados de última geração, a primeira bica a sair ou os melhores matraquilhos, até o primeiro mini-snooker com pinos do mercado era lá que tudo despontava... E também era lá que havia a maior televisão do burgo, como se poderia ver bem o TARZAN se não fosse ali? E depois, enquanto punham conversas de uma semana em dia e alinhavavam negócios de produtos e serviços agrícolas, os adultos jogavam à sueca ou à malha no largo enquanto nós assistíamos, bando de miúdos curiosos, isto se não fosse dia de uma grande cowboyada ou de grandes aventuras na Tarde de Cinema.....




O largo do café


J.C


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