segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

"O Dragão de Verde-Erva-Sobre- o Mar"


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

domingo, 24 de fevereiro de 2019



Trailando por Verde-Erva-Sobre-O-Mar

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

E pronto, amigos caninos, acabou a angústia, o J.C chegou a casa, são e salvo! Não sei como lhe correu o Trail dos Dinossauros porque ele está ainda muito ofegante e não bota discurso de jeito para além de não conseguir andar direito, mas pelo menos está vivo e até já disse que vai só tomar um duche rápido e fazer o nosso almoço... E isso, para mim, basta...






Foto: João Coutinho - (direitos reservados)

James

(Cão de Valmedo)



sábado, 23 de fevereiro de 2019




E amanhã será dia deste dinossauro ir "correr" por arribas  e trilhos jurássicos de Verde-Erva-Sobre-O-Mar, em busca da velocidade perdida...



João Lentinho

(Atleta de Valmedo)



sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019



LESÕES, PELADAS, ACHAQUES....



Amigos caninos, deleitava-me eu ali, estratégicamente refastelado no meu predilecto canto, absorvendo de um lado a brisa suave que vinha do norte para me humedecer o nariz enquanto aquecia a pelagem no calorzinho delicioso que vinha do longínquo oriente, quando, daquele modo súbito mas infalível, ouvi aquele inconfundivel barulhinho... "O J.C estava a abrir a sua infernal máquina!". Vai daí, uma dúzia de loucas galgadas e chegado ao muro, pendurei-me ofegando...
   - Calma, bicho! Não me ia embora sem ti... - disse o J.C, sem se dignar olhar para trás, debruçado sobre a sua barulhenta viatura...
E então caíu-me tudo, o focinho, as patas, o rabo, fiquei preso numa onda do tempo, imóvel, é que reparei que ele estava equipado, fato de treino e sapatos de corrida, era hoje, finalmente!
  - Uuuuuuuuuhhhhhh!!!! - lati....
  - Jameeees! Não te volto a avisar, ou te portas bem ou não vamos! O que é que decides? - perguntou-me o enorme indicador dele pressionando entre os meus olhos...


Em recuperação...
 - Vejam bem, amigos caninos, é que há demasiadas luas que não saíamos de casa para os nossos treinos... Primeiro foi o a entorse crónica do J.C no tornozelo (sabem, o homem pensa que tem 20 anos e ainda se mete a jogar futsal e depois dá nisto!), semanas a fio sem correr, e depois a pelada que me atacou, mesmo em cima da omoplata esquerda, uma comichão horrível e lancinante que me tirava do sério e que me fazia esgravatar até fazer sangue... E claro que o alívio era pouco por mais lambidelas que desse, nem creme nem a T-shirt com que me vestiram impediam a ânsia de me coçar!

E uma bela manhã o J.C abeirou-se de mim e falou:
    - Bicho, só tens uma saída: pára de te coçar ou então nunca mais saras essa pelada e nunca mais vais poder ir comigo treinar por Verde-Erva-Sobre-O-Mar e olha que o Trail dos Dinossauros vem já aí!...
 E vestiram-me uma T-Shirt de corrida  e aplicaram-me cremes e puxaram-me as orelhas, até que um dia....
  - Pronto, James, parece que a tua DAPP (Dermatite Aguda à Picada de Pulga) está curada... Vamos lá então treinar para o Trail...







E lá fomos nós, amigos caninos, deixando lesões, peladas e achaques para trás, eu contente por finalmente poder dar asas ao meu sprint e o J.C, lento e mancando, e por isso estou muito desconfiado que ele não estará em condições de ir ao tão aguardado Trail dos Dinossauros, é que não imaginam as vezes que tive que voltar atrás para o puxar e animar...



James

(Cão de Valmedo)





CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XI


OBITUÁRIOS E OUTRAS CENAS DOMÉSTICAS...



Quantas vezes já tinha passado por ali, milhares, milhões? De facto, não interessa muito a contabilidade, até poderia ter reparado logo à primeira mas acontece, por vicissitudes várias concerteza, que nunca tinha até ontem perdido um segundo do meu mui valioso tempo com a cena que se oferece ao incauto cidadão que se dirija à escadaria do nobre edificío que alberga o Tribunal e as Conservatórias dos Registos Prediais e Civis da Lourinhã, capital jurássica e de Verde-Erva-Sobre-O-Mar, para esperar na fila entretanto já longa...









E se a manhã for simpática como foi o caso, fria mas solarenga, até podemos dar engenhosas graças a quem planeou este edifício virado a sul, de altos e convidativos pilares onde uma alma se pode encostar e receber em plena face os quentes e justos raios do real astro...  E depois algo chama a atenção, enquanto deste lado uns estão a braços com um qualquer mísero assunto mundano relacionado com a existência ou com a propriedade, outros, mais espirituais, começam a emergir da escura e longa noite imbuídos de nobres e elevados sentimentos comunitários e religiosos... Curiosos, atravessam a rua, passam diante da porta da Igreja do Convento de Santo António, ainda fechada, e quedam-se defronte de uma estrutura singular, uma singela vitrine pintada de branco tal qual a alvura da estátua de uma imaculada personagem erigida mesmo ao lado: JOÃO XXIII!



Olham, lêem, voltam a olhar, trocam olhares, baixam a cabeça ou seguem, eventualmente indiferentes, rumo à rotina engendrada pelos deuses... Estas pessoas são a identidade de uma pequena civilização jurássica, familiar nos laços porque pequena e afectuosa nos gestos porque sim, faz parte, atenciosa para com os seus semelhantes, muitos deles desconhecidos... E é uma raridade este fenómeno, ausente das grandes e desumanas cidades desta era virtual em que os obituários são comunicados enfáticamente pelas redes sociais e em que as páginas dos jornais dedicadas a tal assunto não são compradas nem lidas, haver em pleno século XXI um santuário destes, uma plataforma que liga as pessoas e as memórias, é um autêntico milagre...
 - "Olha, estudou comigo...", ouve-se dizer!
E ao lado, impávido e sereno, apaziguador, JOÃO XXIII, aquele mesmo que deve ter tido uma visão divina às portas da morte, célebre por ter convocado o maior concílio da história, 2500 padres fechados a discutir questões estéreis de pecado e santidade... 
 - Senha A- 01! - ouve-se dizer....
Sou eu, e lá vou para o que der e vier, oxalá seja assim quando tiver que prestar contas a São Pedro...




João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)


CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - X


O CASAMENTO DO ARROZ E DO IDÊNTICO


Enquanto abria a porta do carro ouvi um suspiro canino atrás de mim, não seria preciso voltar-me para saber que, como habitualmente nas partidas e chegadas, ansioso e de orelha caída nas primeiras e aos saltos exaurientes nas segundas, lá estaria o James pendurado na grade do muro...


Não precisava ele de falar, adivinhava-se o que queria: ouvir da minha voz onde ia eu e se demorava muito...
   - Calma, bicho! Ainda não é o nosso treino, só amanhã...
E então ele, inclinando a cabeça, olhou-me para as pernas e reparando certamente que eu não estava equipado de fato de treino e sapatilhas, acalmou...
    - Hoje vou só lá abaixo à vila renovar o meu cartão de cidadão!
    - E o meu boletim sanitário e o meu registo? - perguntou-me ele num olhar incisivo dos seus olhos cor de mel... 
    - Ainda te lembras disso? Não, não é preciso, está tudo em dia. Volto já! E amanhã iremos treinar por Verde-Erva-Sobre-O-Mar, prometido!
E enquanto descia a estrada deixando para trás o Casal Valmedo e o Casal da Gaita em direcção à Lourinhã, a capital dinossáurica deste mundo e arredores e também de Verde-Erva-Sobre-O-Mar, o território canino ocupado pelos antepassados do James antes de a humanidade se instalar por aqui, pensava eu como os cães conseguem também ter memória de elefante no que concerne a cheiros, sons e contactos com pessoas especiais para eles, como os veterinários...  E depois como foi gratificante aquela hora matinal que passei na Conservatória do Registo Civil, rapidamente esqueci o desconforto que espera o cidadão naquele exíguo corredor de espera e até consegui perdoar o barulho irritante, produzido primeiro pelos funcionários num arranque conturbado de dia e depois por quem reclamava da lentidão no arranque do viciado sistema informático, ao deparar com um aviso deveras interessante:








Pelos vistos, o casamento é um grande risco para noivos e convidados devido ao ARROZ e ao IDÊNTICO, os quais parecem passíveis de criar graves acidentes! Ora, a tradição de felicitar os noivos com uma chuva de arroz tem barbas, remonta há mais de 4000 anos quando na China Antiga um alto dignitário do estado encomendou uma chuva do abençoado grão para o casamento da sua filha com o intuito de demonstrar os seus votos de prosperidade ... Não havia melhor escolha já que o arroz sempre tinha sido a base da alimentação de muitos povos do continente asiático e naturalmente tornou-se ao longo dos séculos um símbolo de prosperidade e fertilidade. O casamento da filha do tal inventor da ideia deve ter resultado muito bem, a moça terá sido muito feliz com o seu noivo e terá decerto dado à prole uma carrada de filhos saudáveis porque passou toda a gente a imitar o gesto, até hoje...





Mas entretanto as coisas já não são o que eram, talvez devido ao seu custo ou outra mania qualquer, os nubentes de hoje passaram a substituir o arroz pelo IDÊNTICO, pelos vistos ao gosto de cada um, numa afronta ao espirito sagrado das milenares tradições e superstições: ele pode ser os cotovelinhos, as espirais, os bagos, os cuscus, as pevides, até o macarronete...! Talvez seja por esta adulteração que o casamento anda pelas ruas da amargura, e se já perdeu muito estatuto e credibilidade corre ainda o risco de vir a ser considerado coisa esquisita de gente estranha. E de muita coragem precisam os coitados dos noivos porque mesmo antes das previsíveis fracturas da relação matrimonial que de santidade pouco já tem, começam logo por correr os riscos de fracturas devido ao arroz e ao idêntico... E finalmente, que desperdício, tanto arroz deitado ao lixo, mais valia alimentar com ele bocas famintas ou os convidados da boda ao sabor de um arroz de grelo, arroz malandrinho ou arroz de mexilhão...


João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

domingo, 17 de fevereiro de 2019

"Areia branca nocturna"



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


GRANDE DEMAIS PARA UM PEQUENO MUNDO...


Se o artista que sobe ao palco cria empatia com o público com uma descarada naturalidade, a pessoa que no final se revela entre autógrafos e um par de minutos de conversa desarma pela simpatia e sentido de humor, completa-se... Com simplicidade e genuinidade, como devem ser feitos os cantautores, SAMUEL ÚRIA vai trilhando o seu caminho espacial pela constelação da música portuguesa, sem se armar em estrela embora se diga que já é uma figura de culto, vai carregando por aqui e por ali uma mensagem que vale a pena escutar. E desmentindo-se a si próprio, o músico que deixou o medo atrás das costas e desceu do Dão para conquistar o grande mundo, num espectáculo intimista apenas acompanhado às teclas por Miguel Ferreira (conhecido dos Clã, por exemplo), provou que continua a crescer e que para nosso gozo se adivinha muita coisa boa a sair dali num auspicioso futuro próximo desta galáxia...   Ficou a água na boca por um prometido concerto com banda... 






Samuel Úria na AMAL - Lourinhã


"Eu já não sei inventar-me
É só mais do mesmo
Fermento em massa de autismo
Eu nem de mim já me pasmo
Há mar e marasmo
Há ir e voltar aforismo

Mas eu só sei crescer..."

in "É preciso que eu diminua"










João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

sábado, 16 de fevereiro de 2019




Começou a contagem decrescente, estamos apenas a 10 horas de um serão que se adivinha inesquecível, o SAMUEL ÚRIA visita logo a jurássica vila da Lourinhã para um espectáculo que decerto ficará na memória daqueles que tiverem o privilégio de assistir.... É tempo de tirar a ferrugem, fundir os santos da terra, sofrer uma carga de ombro e não parar de crescer.... Haja mãos suficientes e até logo!


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

O INSTINTO MEDROSO



"Quando se pergunta às pessoas nos inquéritos do que têm mais medo, há quatro respostas que tendem a ocupar os lugares cimeiros: cobras, aranhas, alturas e ficar preso em lugares apertados. Em seguida, surge uma longa lista nada surpreendente: falar em público, agulhas, aviões, ratos, estranhos, CÃES, multidões, sangue, escuro, fogo, afogamento...
Estes medos estão profundamente incrustrados no nosso cérebro por óbvias razões evolutivas. Os medos de danos físicos, de cativeiro e de veneno ajudaram outrora os nossos antepassados a sobreviver. Nos tempos modernos, as percepções destes perigos continuam a desencadear o nosso instinto de medo."


in "Factfulness",  Hans Rosling







João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019


CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - IX



A ARTE VAMPIRESCA


Já existia a surreal, a abstracta, a impressionista e a impressionante, a realista e a incompreensível, a pós-moderna e todas as outras pós qualquer coisa, agora inventou-se a também a ARTE VAMPIRESCA e que curiosamente não é obra de vampiros, antes são os espectadores que são vampirizados...



"Colheita" - Jean-Charles Forgeronne


Chama-se "Black Horizon", é uma exposição da autoria de dois artistas russos, Andrei Molodkin e Eric Bulatov, com um conceito no mínimo inovador, diferente de tudo o que já se viu até hoje e está em exibição até Maio em Charleroi, na Bélgica. Pretendem os visionários autores chamar a atenção para o negro horizonte que se vive na Rússia de Putin no que toca à censura e à propaganda, alertando ainda para a necessidade de travar uma luta sem tréguas contra o definhamento da liberdade de expressão que grassa pelas estepes dos czares...  









Mas o curioso visitante irá ser deveras surpreendido com a interactividade da exposição, não irá observar pinturas, estátuas, fotografias, colagens ou outras formas de expressão comuns, o que os seus olhos verão será painéis com palavras de ordem, ou antes, letras de músicas censuradas pelo Kremlin, as quais são reveladas a vermelho bem vivo, provavelmente do seu próprio sangue! Imagine-se, caro leitor, em plena exposição, deitado numa marquesa, agulha espetada na veia e a ver o seu sangue a correr fluido por tubagens intrincadas até dar vida à sua frase preferida, porque é esse o criativo laço entre o objecto artístico e o observador!? Não se conhecem mais detalhes sobre o modus operandi da "Black Horizon" mas, antes de lá pôr o pé, exigiria eu saber se a dádiva de sangue é opcional e se a mesma seria feita por um experiente Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica, é que seria impressionante se fossem os próprios artistas a brincar com agulhas e então eu prefereria antes ir a uma exibição de arte impressionista...








Ainda não há dados sobre a afluência de público a esta mostra de arte mas se atentarmos no facto de as AGULHAS  e o SANGUE constarem do pódio dos maiores medos da humanidade, então não seria surpreendente que a Black Horizon estivesse votada ao insucesso, mas nunca se sabe, é que o ser humano consegue surpreender a cada dia que passa e mesmo que a exposição seja mais frequentada pelas moscas do que por gente corajosa, os seus autores terão sempre o mérito de ter chamado a atenção para a sua causa, nem que seja na página de curiosidades de um jornal ou numa publicação de um qualquer curioso blogger...
E fico fazendo figas para que esta exposição passe por Portugal, assim se veria de que têmpera é feito o sangue lusitano...


João Plástico

(Artista de Valmedo)

domingo, 10 de fevereiro de 2019

sábado, 9 de fevereiro de 2019




MEMORABILIA



Memorabilia, factos ou coisas dignas de memória, lembranças que nunca se esquecerão; substantivo  derivado do adjectivo latino memorabílis, digno de memória, memorável... (Dicionário Houaiss da Lígua Portuguesa).

Inesquecível e integrando a memorabilia da vida deste vosso melónamo foi o show dado ontem pelos THE LAST INTERNATIONALE em Torres Vedras, no Bang Venue, onde regressaram passado um ano e picos, e se as expectativas eram altas elas foram pulverizadas, melhores ainda do quem em Dezembro de 2017, cada vez mais seguros e à vontade na relação especial e intimista com a audiência, desconcertaram e encantaram com a deliciosa voz de DELILA PAZ e a sublime arte de distorção de EDGEY PIRES nas guitarras.... E uma palavra de apreço para o excelente e comprometido baterista, um poço de energia e competência à altura das circunstâncias! 








E depois, passados 5 anos sobre o lançamento do primeiro álbum - We will reign -, após o ter ouvido n, centenas, milhares de vezes, tê-lo finalmente autografado foi um delírio...








E o que reserva o futuro a esta banda muito especial? Seguramente que muito mais e melhor, e quanto a mim, glorioso será o futuro próximo a desfrutar do novo álbum "SOUL IN FIRE", que literalmente incendeia a alma, ainda por cima autografado...







João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019




ALMA AO RUBRO










Hoje é dia de incendiar a alma, que é como quem diz, zarpar ao BANG para um reencontro muito especial: os "THE LAST INTERNATIONALE" vão apresentar o seu novo álbum,  "Soul on fire"... Passados cinco anos sobre a sua estreia com o fantástico "We will reign", EDGEY PIRES e DELILA PEREZ prometem grandiosas emoções... Até já!


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)



LIVROS 5 ESTRELAS - VIII


EPISÓDIOS ROMÂNTICOS DA ADOLESCÊNCIA...


Acontece que por vezes nos prendemos às memórias por uma fina guita entrelaçada de coincidências que impede que certas ocorrências, por mais ou menos fantásticas que sejam, caiam para sempre no nosso saco do esquecimento... Esse fino fio que me liga ao passado traz-me de volta um belo dia da adolescência, teria por aí uns quinze anos e picos, e subia a colina para o castelo em direcção à Biblioteca Municipal, acompanhado do TóZé, colega preferido de turma, como era costume em certos intervalos das aulas. Íamos em busca dos novos Tintins, Astérix, Michel Vaillant... Mas naquele dia o tema de conversa foi diferente, ainda sob o efeito do recente ultimato do professor de Português:
   - Que seca! - exclamava o TóZé - Sabes que é um calhamaço do caraças, chato ainda por cima? São para aí umas setecentas páginas para ler...
E eu, que ainda não sabia o que nos esperava, olhando-o de esguelha e surpreendido pela sua exaltação nada conforme com a sua calma e educação esmerada, não achei melhor para dizer:
   - Mas como é que sabes que são tantas páginas? Tens o livro?
   - Já estive a espreitá-lo, o meu pai tem um exemplar lá em casa.... E sabes o que vou fazer? Vou ler as primeiras páginas, algumas do meio e o último capítulo e depois faço um apanhado, deve chegar.







Curiosa e surpreendentemente foi fácil convencer a minha mãe a desembolsar os escudos para a compra de tão afamada obra, ainda por cima numa edição de capa rebuscada de um vermelho carregado, convencida pela obrigatoriedade da leitura e pelo importante efeito na educação e no futuro dos jovens alunos deste país... E então, decidido a imitar o plano do ToZé, com o caderno ao lado para resumir a coisa, lá abri o livro com a intenção de ler apenas o princípio, o meio e o fim, mas uma coisa estranha aconteceu, aquilo que deveria ser um castigo, uma tortura sem fim, tornou-se a pouco e pouco numa agradável experiência de prazer, página após página ia seguindo as aventuras, os sonhos e as tragédias de Carlos da Maia, um herói simpático que me caiu no goto... Quando dei por mim, já tinha lido uma terça parte e medindo a posta restante entre indicador e polegar, corajosamente decidi que não iria fazer batota, iria ler o tijolo todo até à última linha, até porque não só me estava a dar gozo como me parecia, naquela altura, bem mais interessante do que o estudo da Matemática trigonométrica ou do papel das moléculas nas ligações químicas...






Na verdade, outras obras do Eça caberiam aqui nas cinco estrelas, "A Cidade e as Serras", "O Primo Basílio", "O Crime do Padre Amaro" que recentementente ganhou outro interesse através do cinema, até a "A Ilustre Casa de Ramires", mas "Os Maias", pela descoberta do prazer da leitura, destaca-se a léguas... E depois, há o lado sensorial da questão, ainda hoje me vejo sentado debaixo da laranjeira da minha avó, à beira de uma eira que já não tinha uso, ouvindo os pássaros em viagens contorcionistas e enebriado com os aromas que vinham da romãzeira encostada ao muro por detrás de mim. De vez em quando, quando a trama se tornava densa, levantava a cabeça de olhos fechados e deixava-me invadir pelas duas naturezas, aquela outra da vida dos heróis românticos e trágicos da cidade e aquela ali, paradoxalmente mais parecida com o ambiente das aventuras de Jacinto pelas serras de Tormes... E coincidência, se desde aquele tempo não tive notícias do Tozé, lembro-me dele por vezes quando passo com os olhos pelo volume dos "Maias" que espreita ali da estante, é que, tal como o Eça, e também filho de advogado, cursou Direito, e ainda o vejo a deliciar-se com a leitura do Astérix...


João Vírgula

(Leitor de Valmedo) 


ENCONTROS IMEDIATOS COM ESCRITORES - III


EÇA DE QUEIROZ


Quem descer a Rua das Flores desde o Camões em direcção ao  Cais do Sodré e com o Tejo à vista, ao admirar chiques lojas e sedutores restaurantes talvez não saiba que aqueles edificios centenários albergavam dantes antigas cavalariças e vacarias e que, calcorreadas  escassas dezenas de metros, à sua esquerda, encontrará o tranquilo e pequeno largo do Barão de Quintela, que poderia muito bem lhe passar despercebido não fosse a ilustre personagem que habita o seu centro...  
O largo era propriedade privada do barão, mais tarde marquês, (ainda não havia à época congelamento de carreiras) e tendo ele terminado a construção do seu palácio em 1790, decidiu oferecer à Câmara o espaço fronteiro mediante a condição de nada se construir nele e assim facilitar o acesso de carruagens e outros veículos ao pátio interior da sua fidalga casa...







Que encontra então o viajante naquele singelo mas ilustre largo? Nada menos que EÇA DE QUEIROZ, um dos maiores vultos literários lusitanos, numa belíssima estátua de TEIXEIRA LOPES, datada de 1903, e em que o grande escritor se vê a braços com a nua VERDADE, um alegórico e belíssimo corpo feminino, tão real e pungente que derrota toda e qualquer visão romântica ou fantasiosa da realidade, o paradigma queirosiano... E na base da estátua pode-se ler, retirado de "A Relíquia", a célebre frase "Sobre a nudez forte da verdade o manto diáphano da phantasia"... 




E que melhor local haveria para Lisboa homenagear o grande homem das letras do que aquele singelo largo, apesar de ter morado durante anos na casa paterna ao Rossio e de possuir há muito uma pequena rua com o seu nome que entronca na Duque de Loulé, foi por ali, pelo Camões, pelo Chiado e pelo Bairro Alto que deambulou, que escreveu, que viveu... Era assíduo frequentador do Teatro da Trindade e tascas vizinhas, da Havaneza do Chiado, da Rua Garrett, da Rua do Loreto, da Rua das Flores... Era um cidadão daquele mundo! Portanto, a estátua não foi ali erigida por causa de uma obra genial que Eça escreveu sobre aquele ambiente único de Lisboa e que passou oito décadas na gaveta, apenas editada postumamente em 1980: "A Tragédia da Rua das Flores"... Consta que Eça, que viveu emigrado a maior parte da sua vida e que matava saudades da pátria com a leitura dos jornais que lhe conseguiam fazer chegar, terá deparado um dia com a notícia do aparecimento de um cadáver no passeio da Rua das Flores e isso foi a ignição para a escrita de um romance, nunca editado porque, segundo os especialistas queirosianos, foi sendo adiado e serviu de gérmen e esboço para os posteriores e maiores romances "Os Maias" e o "O Primo Basílio", ao qual foram buscar personagens e ocorrências...


E começa assim:

"Era no Teatro da Trindade. Representava-se o Barba Azul."



João Conde Valbom

(Olisipógrafo de Lisboa)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019



AS JANELAS VERDES TÊM OUTROS ENCANTOS...


Às janelas que nem todas são verdes foi a célebre rua buscar o nome para depois o emprestar a todo o bairro envolvente, começa ela após o derrame da Presidente Arriaga no Jardim 9 de Abril, em plena esquina do Palácio Alvor, também chamado, claro, Palácio das Janelas Verdes e que hoje alberga o Museu Nacional de Arte Antiga, para escorrer até à Rua de Santos-o-Velho, umas centenas de metros abaixo...  E se foi no bairro de Santos-o-Velho que se instalaram a nobreza e a burguesia lisboeta do século XVIII, então não admira que ao longo da belíssima e real RUA DAS JANELAS VERDES tropecemos com inúmeros antigos palácios e palacetes, prenhes de histórias por contar, como é exemplo maior aquele chamado de RAMALHETE...




As janelas verdes do Palácio das Janelas Verdes


"A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete, ou simplesmente o RAMALHETE. Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de residência eclesiástica que competia a uma edificação da senhora D. Maria Pia: com uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um colégio de Jesuítas. O nome de Ramalhete provinha decerto de um revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do escudo de armas, que nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de girassóis atado por uma fita onde se distinguiam letras e números de uma data."

Assim começa "OS MAIAS", a obra-prima de EÇA DE QUEIROZ, que se terá inspirado naquele palacete para a criação da casa lisboeta de Carlos da Maia...





O Palácio do Ramalhete


A história e a vida dão curiosa voltas e desconcertantes piruetas como muito bem sabia Eça e que vividamente o plasmou nas suas cenas românticas e realistas, senão repare-se como ele ligou o passado ancestral ao presente ao dotar o Ramalhete de uma aura religiosa que viria a repetir-se quase século e meio depois, como se o grande escritor soubesse que hoje, precisamente hoje, o Ramalhete conservaria esse ambiente eclesiástico ao albergar MADONNA, aquela superstar famosa por quebrar regras e afrontar tabus com um grande crucifixo ao pescoço, qual virgem lançada à fogueira, e que agora religiosamente se entretém a beber o Tejo do alto das suas janelas verdes, aquelas mesmo onde Carlos ia esfumaçar enquanto não chegava a hora da visita à sua amada....



O Fontanário das Janelas Verdes



Mas a história, a vida e o ambiente da Rua das Janelas Verdes vão para além do Museu Nacional de Arte Antiga, do Ramalhete ou de outros palacetes, antes estendem-se às igrejas, fontanários ou jardins, deambulam ali pelas travessas e escadarias, pelos recantos dos jardins e entram  pelas galerias de arte adentro como a WOZEN ou pelas lojas de design, abancam nas esplanadas de tascas e restaurantes,  vivem por ali, de dia e de noite...









João Conde Valbom

(Olisipógrafo de Valmedo)



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019




A ARTE DOS CIDADÃOS DO MUNDO



WOZEN, assim se chama, e por ser acrónimo de WOrld CitiZEN revela a sua essência, um projecto que pretende unir as boas vontades e a criatividade numa proposta diferente e abrangente, não só é uma galeria de arte mas também abarca um atelier de experiências multidisciplares,  uma residência para artistas convidados e um estúdio de tatuagem, tudo junto apelando ao desenvolvimento da consciência humana e a um maior envolvimento com o mundo, assente na luta pela preservação do meio ambiente e na procura de uma energia mais positiva, quer individual quer global...



WOZEN - Rua das Janelas Verdes
Tudo começou quando dois cariocas, João Cavalcanti, Johny após cinco minutos de conversa (e que gozo dá trocar ideias com pessoas assim entre dois goles de tinto) e Rique Inglez, que zarparam do Rio em direcção a Lisboa com um sonho na bagagem e ainda bem que o fizeram porque assim abriram  mais uma belíssima janela para o mundo, e coincidência ou não, tão verde e sedutora como as janelas da rua onde se instalaram...



Se a ideia é promissora, mais feliz ainda foi a escolha do espaço, situado mesmo em frente do imponente MUSEU NACIONAL DE ARTE ANTIGA porque assim, desde que se esteja desperto para tal, é possível unir a majestosa memória do passado e a deliciosa irreverência do presente, sair de um e entrar noutra, e entre os dois, poder absorver a desconcertante beleza que nos rodeia e que muitas vezes deixamos escapar por qualquer estúpida razão... 









O último evento levado a cabo pela WOZEN  e que ainda decorre, chama-se NO FUTURE WITHOUT MEMORY, da autoria da dupla EXPANDED EYE, ou seja, o casal de artistas Jade Tomlinson e Kevin James, que após terem residido na WOZEN durante três meses e depois de terem recolhido uma tonelada de desperdícios das obras e dos aterros e das lixeiras envolventes, no bairro de Santos, especialmente madeira e azulejos mas também outros materiais que teriam pura e simplesmente acabado no lixo, (fotografias e escritos, por exemplo) e que após 700 (!) horas de trabalho, deram ao mundo uma série de obras geniais...  E de facto, quem entra na galeria e perde um pouco do "seu" tempo perante estes "quadros", sai muito mais rico do que quando entrou... Porque, confrontado com a memória, despertou para o futuro... Por isso, obrigado Wozen!






João Plástico

(Artista de Valmedo)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019




"I am Lisboa" - Jade Tomlinson & Kevin James



Técnica mista: Acrílico e assemblagem de materiais antigos e madeira
Ano - 2018
Autores: - Jade Tomlinson e Kevin James
Local - WOZEN Galeria, Lisboa





João Plástico

(Artista de Valmedo)

sábado, 2 de fevereiro de 2019



A TOUPEIRA DE FEVEREIRO


VITÓRIA FORA, FUTURO EM CASA...



Se nas imediações da Luz a confusão era tanta que parecia ter chegado a hora do Apocalipse, imaginem então o ambiente que se vivia na sala onde se iria realizar a tão aguardada conferência de imprensa... Já não cabia nem mais uma mosca e muitos lá fora, sócios, populares, infiltrados e até jornalistas não creditados em busca de um furo, todos dariam a vida por uma metamorfose que os transformassem num pequeno insecto para ouvir e ver o grande acontecimento...
O pequeno auditório estava à pinha, jornalistas nervosos e demais em pulgas aguardavam ansiosamente pela entrada do palestrante, a famosa toupeira que só emergia das profundezas de mês a mês para opinar sobre a extraordinária e por vezes nebulosa saga do clube da águia...  E então algo de extraordinário aconteceu, arregalaram-se olhos, abriram-se desmesuradamente as bocas e petrificaram-se os corpos porque uma voz rouca e profunda se fez ouvir, vinda sabe-se lá de onde, e dizia ela:








"Acabei de construir a minha toca e parece-me que ficou bem. Do exterior, só se vê um grande buraco que, na realidade, não conduz a parte nenhuma, depois de dar uns passos, chocamos com rocha firme, não vou vangloriar-me de ter concebido esta artimanha intencionalmente, ela foi, antes, o que restou de uma das várias tentativas de construção infrutíferas, mas finalmente parece-me vantajoso deixar este buraco sem protecção. É certo que muitas artimanhas são tão subtis que se anulam a si próprias, sei isso melhor do que ninguém, e, sem dúvida, é temerário chamar a atenção, através deste buraco, para a possibilidade de haver aqui qualquer coisa que valha a pena investigar. Mas, quem pensa que sou medroso e que foi por medo que construí esta toca, não me conhece."  


Sem surpresa, um silêncio de morte instalou-se, mas que raio vem a ser isto, todos se interrogavam... E então a criatura, timidamente mas de ar confiante entrou sem hesitar e sentou-se... Virou a cabeça numa e noutra direcção, olhou para o tecto, inspirou e pousou o livro que trazia nas patas dianteiras. Esboçou aquilo que pareceu um sorriso para alguns mas que não passou de um esgar para outros e disse para o entrevistador ao seu lado:
    - Peço desculpa, vinha entretido com o grande KAFKA e o seu delicioso conto sobre a toupeira, está a ver, sobre alguém da minha espécie, compreende?
     O outro sorriu, um sorriso tímido é certo, e perguntou;
    - Então, amiga toupeira, que nos diz sobre aquilo que se passou no último mês? Foi-se o VITÓRIA, emancipou-se o LAGE, despachou-se o Ferreyra e o Castillo, não se comprou ninguém...




O futuro mora em casa...



 - Pois é - respondeu o bicho - e parece-me que o glorioso arriscou tudo nesta importante fase da sua vida, trocou as compras de inverno pela aposta nos jovens talentos da casa, despachou o amigo Rui que se tinha posto a jeito para tal, amigos como dantes, e apostou tudo em VITÓRIA FORA e FUTURO EM CASA, Félix, Jota, Ferro... E seria bom que a coisa começasse a resultar já amanhã em Alvalade com uma vitória fora porque uma boa intenção carece sempre de bons resultados!
  - Então concorda com esta estratégia?
  - Uma estratégia kafkiana, é certo, e em Março lhe responderei... - e a toupeira levantou-se devagar, lançou um último olhar sobre a plateia, inspirou de nariz levantado e abrindo o livro de Kafka que tinha ao colo, regressou para as profundezas deste mundo...


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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

"Os bébés de Cerny" - Praga



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


LENDAS E NARRATIVAS - IX


O FRANKENSTEIN JUDEU



Decorria o século XIII quando a comunidade judaica se instalou em Praga, num bairro atrofiado dentro de muralhas porque assim o exigia as leis de Roma que não permitiam que judeus e cristãos se misturassem. Apesar de sujeitos a muitas discriminações e encurralados no seu gueto, os judeus lograram alcançar grande prosperidade e desenvolver uma frenética vida intelectual até finais do século XIX, acabando então o bairro por cair na miséria e se tornar num assombrado emaranhado de ruelas tenebrosas e ruas escuras...










Na mais famosa lenda de Praga, por volta do século XVI terá o principal sábio e líder espiritual do gueto, o rabino LOEW, que também era filósofo, cientista e astrónomo, e utilizando os seus conhecimentos secretos e processos esotéricos associados à CABALA, criado a partir de um monte de barro o GOLEM, uma criatura bruta mas com imenso poder e que se tornou uma espécie de servo e protector do bairro, obedecendo apenas ao seu criador... Para lhe dar vida, o rabino tinha escrito na sua testa EMETH (verdade) e como a criatura não estava autorizada a trabalhar no Sabbath, todas as sextas-feiras à noite o sábio era obrigado a apagar a primeira letra e assim inactivar a criatura: METH (morte). Até que um dia, por esquecimento ou talvez não, o rabino esqueceu-se de apagar a tal letra o que desencadeou um ataque feroz da criatura que espalhou pânico e morte, levando os habitantes de Praga a prometer ao rabino o fim dos ataques aos judeus se ele destruísse o GOLEM, coisa que ele fez apagando todas as letras da testa da criatura, a qual se desfez naquilo que era ao princípio, um monte de barro...



A Sinagoga Velha-Nova - Casa do Golem



Consta que que isso não foi o fim do monstro, diz-se que ainda hoje os seus restos mortais repousam no sótão da Sinagoga Velha-Nova, fechado num quarto até ser ressuscitado novamente...



João Palmilha

(Viajante de Valmedo)