terça-feira, 29 de setembro de 2015

"SPAGHETTI ALLA PUTTANESCA"

                 Há pratos que não se limitam a fazer parte dos manuais de culinária, antes se tornam expressão da cultura, arte e história de uma localidade, região ou país. É o caso deste delicioso "ESPARGUETE À MODA DA PUTA", criado nos anos 60 do séc. XX  e cuja autoria é incerta mas da qual rezam várias lendas. Há quem jure que foi inventado por Yvette La Francese, uma prostituta (puttana) que para além de gerir um bordel tinha uma casa de pasto e que devido a ter pouco tempo disponível sentiu necessidade de criar um prato rápido, fácil, económico e adequado ao gosto italiano. Outra versão mais recente aponta o criador deste manjar para Sandro Petti, um dos proprietários de um restaurante e que um dia terá sido surpreendido com a chegada bastante tardia de um grupo de clientes conhecidos; estando com falta de géneros para confeccionar um prato da ementa disse-lhes que não poderia preparar-lhes o jantar, ao que eles ripostaram:
          - "Facci una puttanata qualsiasi ", traduzindo à letra " Faz uma porcaria qualquer".   Na língua italiana, puttanata (porcaria, insignificância) deriva de puttana (puta), daí o puttanesca ... Petti terá então pegado no pouco que tinha na dispensa e desenrascou um molho que se tornaria imortal....
                     Assim como putas, que as há e muitas, também muitas versões do molho surgiriam, uns à moda napolitana (com anchovas e oregãos), outros à siciliana (com pimentos verdes), outros com atum, malaguetas ou alcaparras, até a pasta utilizada pode ir do  penne ao linguine ou ao tagliatelli, enfim o mais importante é que é daquelas receitas que dependem do tempo disponível, dos ingredientes à mão, do instinto, do improviso....
                     Mas para honrar o bom estilo mediterrânico é obrigatório não abdicar do azeite, alho, cebola, tomate, manjericão....

         
  Assim, aqui vai a versão deste vosso servo do

                                               "ESPARGUETE À MODA DA PUTA"

Ingredientes:
                    - esparguete (ou outra massa a gosto) 400 grs
                    - 2 latas de atum ao natural
                    - bacon (100 grs)
                    - cogumelos frescos (150 grs)
                    - azeitonas pretas (descaroçadas)
                    - 4 tomates maduros
                    - azeite (1 dl)
                    - dentes de alho (4-5)
                    - 1 cebola roxa pequena
                    - sal e pimenta
                    - 2 hastes de oregãos
                    - 2 filetes de anchova  (conserva)
                    - folhas de manjericão (a gosto)  

            Sabido que qualquer que seja a massa (pasta) escolhida deve ser cozinhada até estar "al dente", passemos ao mais importante, a confecção do MOLHO:

                    - levar ao lume uma frigideira com azeite e os cogumelos; saltear, temperar com sal e pimenta e reservar;
                     - levar ao lume um tacho com azeite, a cebola e os dentes de alho picados, juntar o bacon e deixar alourar;
                           - adicionar os tomates picados, mexer e deixar cozinhar 6 min;
                    - juntar o atum às lascas, as azeitonas (cortadas em metades), os cogumelos, as anchovas (picadas)  e as folhas de manjericão às tiras e misturar; envolver e deixar apurar;
                            - verificar o sal, juntar pimenta preta moída e as folhas de oregãos,
                         - finalmente, adicionar o esparguete cozido al dente e escorrido, misturar bem e servir decorado a gosto  ( por cima pode levar algumas azeitonas, folhas de manjericão e claro, oregãos....)

                Os ingredientes, à boa maneira do sul da Europa, devem ser frescos, mas se uma pessoa teve um dia FILHO DA PUTA, então será permitido confeccionar com cogumelos e tomate picado enlatados que a coisa ficará ainda mais rápida e fácil e de igual modo deliciosa.......
                   Duas notas: em primeiro lugar, este repasto deve ser acompanhado com tinto alentejano ou da região do Dão,  e também muito importante, não usar oregãos enfrascados, passem pelo Ribatejo um fim de semana destes e colham-nos em plena natureza... são os melhores do mundo a par dos da Toscânia, que o digam os italianos....



João Ratão

(Chef de Valmedo)

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

                                                                  SMS nº 6  - OS CASTORES


     Amigo Rui, chegado aqui não tens outra saída que não seja a de colocar novamente o glorioso na senda do sucesso, mas exige-se agora que seja um caminho longo e recto, semeado de vitórias, sem mais paragens nem recuos, e não estás decerto à espera de facilidades na próxima jornada (haverá mesmo algum jogo fácil pela frente?). O meu conselho de amigo para amanhã é só este:  não terás muitos problemas para ganhar desde que, nota bem, A EQUIPA NÃO META ÁGUA!!!!! E já deves imaginar porquê, é que lá do norte vêm os CASTORES, esses roedores craques em construir diques nos cursos de água graças aos fabulosos e afiados incisivos que ostentam e a que nenhum tronco, pau ou cepo consegue resistir (e olha que alguns jogadores teus tendem por vezes a armar-se em cepos); ora já se vê: se o onze que elegeres meter água, e não é preciso muita, a corrente criativa da equipa (que nesta fase se resume quase exclusivamente ao Gaitan) pode encalhar na represa daqueles malandros e poderá ser um cabo dos trabalhos....
     A outra característica fundamental destes roedores é que DEFENDEM o seu território com unhas e dentes, até à morte se necessário e portanto os teus jogadores devem evitar aproximar-se muito deles senão ainda se lembram de roer a bola e as canelas alheias e quiçá o juízo à plateia; assim, só resta à equipa criar espaços e não desperdiçar a mínima ocasião para facturar na toca!
   
    Mas sabes, estou bastante optimista porque me parece um bom augúrio o facto do lema dos castores ser "Por Paços, Esforço e Vitória", é que eles esqueceram-se que, embora possam esforçar-se até mais não, o Vitória agora é nosso, como é que eles se vão safar desta?

   

 Assim, sendo amigo Rui, não percas a fé e tudo correrá bem mas tens que dotar o meio-campo de criatividade e consistência pois reafirmo que o Pizzi e o Talisca estão curtos (e a nação benfiquista exige saber se afinal os marroquinos são mesmo reforços ou simplesmente não contam?) E o Djuricic, anda ali só para treinar? Porque não o despacharam então? Sei que vais dar a melhor resposta a estas dúvidas mas não te esqueças de desligar o telemóvel e dormir uma boa sesta (os castores também a fazem!).

28666

quarta-feira, 23 de setembro de 2015



"Porto das Barcas - Outono"

                               

Jean Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

terça-feira, 22 de setembro de 2015

                                         "NÃO SEI"

Por que desígnios nos cruzámos não sei,

que forças no mundo nos atraem e repelem não entendo,

mas por mais vazio que sintas o teu dia

ou por mais curta que seja a tua esperança,

e mesmo que te pareça breve a vida,

até no mais pequeno e frio mês

não desistas de te procurar,

porque ainda que te aches pouco

encontraste um nada de mim.

E assim, de ínfimas dádivas alheias

vamos inventando forças com que resistimos

e revelam-se-nos ignotos caminhos que hoje nos apartam

para nos unir depois,

para além da porta que espera,

e mesmo que não te cruzes com ninguém no teu caminho,

lembra-te do nada meu que tens,

e nunca caminharás só.

Isso eu sei...


J.C

(poeta de Valmedo)

2/11/07

" Hoje não te preocupes em fazer tudo aquilo que te pedem   ou que te exigem, antes procura fazer o mais possível                         daquilo que a tua consciência mandar..."

Yuehan Kaluosí
(filósofo taoísta de Valmedo) 

sábado, 19 de setembro de 2015

                                                                LIXO, LIXOSOS e LIXADOS



        Bom dia, companheiros caninos, eu sou o James e estreio-me hoje neste espaço que partilho com o JC, um dos quatro humanóides da família, por acaso aquele a quem dou mais respeito devido à sua corpulência, voz forte e autoritária e um olhar por vezes magneticamente intimador. Mas da família terei muitas ocasiões para discorrer e convém, antes de abordar o assunto que me trouxe aqui, apresentar-me um pouco mais: nasci há 15 meses e vivo no território a que os nossos antepassados, há milhares de anos, chamaram "Verde Erva Sobre O Mar". Nome simples mas a propósito, basta virem até cá e passear um pouco e logo verão a pertinência do baptismo, já os humanóides lhe chamaram Lourinhã mas, reparem bem, esqueceram o porquê e nenhuma das explicações que apresentam é tida como  absolutamente verdadeira. Aliás, as perdas de informação e memória são, no meu entender, os maiores problemas que afectam o mundo humano, como veremos seguidamente por outros exemplos. Olhem, basta pensar no JC que se farta de perder o sítio às coisas e às vezes passa dias a matutar onde as deixou....e nada lhe acontece, enquanto eu, se me esquecer da mínima regra da casa vou logo de castigo para avivar a memória, privilégio de uns e azares de cão!
         É que hoje, e para entrar com a pata direita, decidi debruçar-me sobre um assunto que interessa a todos, raça canina, humanóides e restante bicheza: LIXO! A história começa há doze luas cheias atrás quando numa caminhada que fiz com o JC pelas falésias de Paimogo e Caniçal deparámos com um acontecimento deveras interessante e espectacular: dezenas de carros nas bermas da estrada, centenas de pessoas em movimento e, pasme-se, dezenas de companheiros nossos por ali espalhados, uns atrelados aos donos, outros ainda enclausurados nas jaulas transportadoras e outros em exercícios. Era um espectáculo de ver, consistia o inusitado evento numa demonstração de treino de cães de caça, organizado por associações de humanóides ligadas ao treino e exercícios de caça, tudo muito bonito e até havia várias tendas com venda de bebidas e petiscos, e sabemos nós como os humanos não conseguem organizar algo que não tenha comida e bebida! Eu e o JC passámos ao largo, evitámos a maior confusão e regressámos a casa,ainda reclamei, disse-lhe que tendo eu genes de caçador poderia entrar na festa mas ele fez ouvidos de mercador e até me ameaçou com castigo...
      A história não acaba aqui, passadas algumas luas voltámos a passear por lá e deparámos com um espectáculo lastimoso: dezenas de embalagens de plástico e cartão vazias abandonadas pela berma da estrada, lixo indiferenciado espalhado por todo o lado, isto numa paisagem única....  Mas o mais impressionante é que exactamente passado um ano sobre o evento, a situação mantém-se como prova esta foto que eu mesmo tirei ontem...


Ora cá está o problema de memória de que vos falei há pouco: os humanóides esqueceram-se de levar o lixo com eles ou então esqueceram-se do local onde colocaram os papelões e os plasticões!

E disse-me o JC que um dia destes, os mesmos indivíduos, devido ao sucesso desta iniciativa, voltarão a fazer o mesmo e então o lixo duplica ou triplica(!!!!), com o beneplácito e patrocínio das entidades oficiais e fiscalizadoras....
E também ouvi dizer que a Câmara Municipal deve ter assuntos mais pertinentes do que zelar pelo meio ambiente... sinais dos tempos!


Mas nas belas arribas do Verde Erva Sobre o Mar existem outros exemplos de esquecimento dos humanóides, ele são papéis, plásticos, cartões, tudo o que se pode imaginar, até roupas, de tudo é possível encontrar....

                     E confesso amigos caninos, que até levei nas orelhas por tentar olfactar uns estranhos artefactos em plástico transparente, de forma cilíndrica e que o JC diz estar associado às feromonas humanas.... quer dizer, mais um exemplo do problema de memória  que os ataca, eles esqueceram-se onde fica a sua casa, local de eleição para os devaneios amorosos, e ainda que não tenham um quarto à mão numa situação de aperto poderiam sempre alugar um das muitas milhares de casas vazias deste território... Estranho? Confuso?  É o mundo humanóide!   Agora vejam só, um dia destes passou-me a cadela da vizinha à frente do portão, naquele ar tão sedutor que só visto e cheirado, e eu, num daqueles momentos de exaltação que a espécie humana deve desconhecer, passei-me dos carretos e desatei a feromonar tudo o que era muro ou parede!!!! Reconheço, perdi um pouco do controlo, mas levei com dois dias de castigo de atrelagem! Acham justo? Comparem isto com o lixo que muitas pessoas fazem sob o efeito das feromonas e depois digam-me.... Vida de cão, é a minha, por vezes....
       Razão tem o JC quando diz que os LIXOSOS (criaturas que perdem lixo) deveriam ser bem LIXADOS e depois reciclados!!!!!    Chegou o tempo de ser um pouco mais justo para com a minha família, eles todos se irritam e lutam contra estes atentados dos da sua raça, e reconheço que ás vezes os castigos de que sou alvo se justificam, agora também posso dizer que nós, cães, somos muitas vezes mais civilizados que grande parte das pessoas... O mundo deles é mesmo muito esquisito, não achais? Acho que é um problema de finanças, é que ouvi o JC dizer entre dentes que quem paga a factura dessas bestas cretinas é a natureza....!
                                                                                                                       

James

(Cão de Valmedo)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

                                                              "THE LAST INTERNATIONALE"


           Uma paixão recente mas que promete ser duradoura! Já tinham vindo a Portugal mas passou-me ao lado, vá lá um homem saber o que perde por ignorância, mas desta vez agarrei-os no Avante.... ainda que com problemas de som valeu a pena.... a coisa mais genuína que a música deu à luz nos últimos tempos!!!!


Os créditos da foto são para o grande amigo e repórter João Coutinho; o resto fica para irem à descoberta....






                                                 wanted man - the last internationale


Só faltou o Brad, melhor baterista do mundo, mas lá irei onde for preciso...


João Sem Dó
 
(Musicólogo de Valmedo)

SMS nº 5 -  VITÓRIA E ARTE

     Amigo Rui, que se pode dizer da tua próxima batalha? Que é apenas mais uma no longo caminho para a vitória final é um facto mas que é daquelas que pode mudar o rumo de uma guerra não há dúvidas!
E visto  que és tu o verdadeiro especialista na estratégia e na arte da guerra (o outro é apenas pseudo-mestre da táctica) estou à espera que no domingo dês cabo do dragão, apesar de o inimigo ter um exército poderoso e melhor apetrechado nalgumas frentes da batalha, especialmente no meio do campo. Essa, adivinho eu, deve ser a tua dor de cabeça, quem juntar ao Samaris? (Talisca e Pizzi não! um por ser inconstante, o outro por azelhice sazonal, os dois por defenderem mal) Será o Feijão? Parece ser essa a hipótese mais badalada pelos doutorados da bola que mandam palpites nas TV´s, e, desta vez, sou obrigado a pensar assim também porque se o Cristante e o gordo do Taarabt não contam para ti, ficas sem soldados para o lugar. De resto, a equipa manter-se-á, apenas com o eventual recuo do Jonas em relação ao grego, e fazendo fé na tua coragem vais apostar novamente nos miúdos, até porque é nestes jogos que eles amadurecem.  

    De resto,   penso eu, será nas alas que poderá estar o segredo da tua vitória: se a direita (Ala   dos Meninos) e a Ala dos Consagrados (na esquerda)  funcionarem, isto é, se pararem   os extremos do inimigo e conseguirem invadir com inteligência o último reduto  adversário, a vitória fica mais perto e real, até porque a estratégia do adversário passará por jogo nos extremos e bolas para a área.  



      Certamente que tens a estratégia pronta e afinada mas, não tenhas tu esquecido algum pormenor, por falta de tempo ou por a pressão estar alta, relembro-te apenas alguns ensinamentos do mestre Sun Tzu, teu mestre também e onde bebeste muita da tua sabedoria. Como sabes, foi ele  o primeiro mestre da táctica e já escrevia ele há 2500 anos sobre o inimigo:
                                                                           
                                      . se o inimigo for orgulhoso, provoca-o
                                      - se for humilde, encoraja a sua arrogância
                                      - se estiver descansado, desgasta-o
                                      - se estiver unido, estimula a divisão entre os seus sectores. 

          E também disse Sun Tzu no manual de guerra mais antigo do mundo: "Um comandante militar deve atacar onde o inimigo está desprevenido e deve utilizar estratégias que, para o inimigo, são inesperadas!" 

         Por isso, amigo Rui, não te esqueças de desligar o telemóvel, de dormir uma boa sesta e de entrar para ganhar, porque só disso (a falta de coragem para ganhar) a pátria benfiquista te poderá apontar o dedo, mas se fores bravo até te perdoarão o insucesso porque nada fica decidido então. Mas o futuro ficará mais claro e fica com mais uma pérola do teu mestre Sun Tzu: "As vitórias dos bons guerreiros assentam na inteligência e na bravura".  E a ti nada disso te falta...

Sócio 28666

                                                                                                                              








quinta-feira, 17 de setembro de 2015

                                                 UMA QUESTÃO DE BOM GOSTO

Uma noite de insónia e o recurso ao zapping contemplaram-me com a exibição num canal generalista do filme "The hottest state", traduzido à letra para o mercado português. A curiosidade  do evento não reside apenas no facto do horário obscuro  (o sol quase raiava) mas também na estranheza de o filme ter sido considerado erótico ou coisa do género, tendo em conta a bolinha vermelha que ostentava no canto do ecrã (terá sido sugestão do título?). Afinal o estado quente é o Texas, terra natal do realizador/argumentista e a trama não passa de uma história em parte autobiográfica sobre jovens, uma paixão, sonhos e devaneios, traumas familiares e viagem à infância enquanto se aguarda o futuro... podia passar à hora da missa e certamente haverá inúmeras novelas bem mais quentes!
Embora o filme não tenha feito carreira comercial (é daqueles que passadas poucas semanas se restringe ao DVD) tem muita coisa boa para referir, a começar pelo realizador, ETHAN HAWKE. Este moço, actor que também tem uma paixão especial pelo teatro, é famoso especialmente pela trilogia "Antes d..........", pelo "Clube dos Poetas Mortos" e ultimamente por "Boyhood", mas além disso também escreve e bem (o filme é baseado na obra homónima dele) e tem ainda muito bom gosto para duas coisas: música e mulheres (Uma Thurman)!


www.youtube.com/watch?v=ZifyUOWc9Eo



Interessa mais aqui a música e a particularidade da banda sonora é a de conter 16 temas originais compostos especialmente para o filme por Jesse Harris e o amigo Ethan convidou vários nomes para os tocar, a saber alguns: Black Keys, Willie Nelson, Emmilou Harris, Norah Jones, Feist.... Mas também um nome que eu desconhecia e que foi uma agradável surpresa: Rosário Ortega, argentina de voz   cristalina ( afinal das pampas não vêm só craques do futebol). Este filme, esta música e este livro levam à descoberta de muitas emoções e provam que as insónias e um erro de casting são benvindos...

                                                   www.youtube.com/watch?v=bxpXNmFTKHg


João Película

(Cinéfilo de Valmedo)

sexta-feira, 11 de setembro de 2015




                                              "NÃO SE PODE VIVER SEM LIVROS"

O que faz um profissional de saúde atravessar o portão da escola e dirigir-se a uma aula, de modo livre e consciente, e ademais sabendo que o aguarda um sala repleta de jovens, irrequietos e exigentes alunos?     
Esta questão, que coloquei a mim próprio diversas vezes e com maior assiduidade à medida que se aproximava a hora da verdade, ficou muitas vezes sem resposta, embora no íntimo a soubesse desde sempre: a paixão pelos livros!
E embora estejam os poetas cansados de me avisar que a paixão pode levar à felicidade mas também a actos tresloucados que a toldada razão não consegue refrear, não resisti ao estimulante desafio. Assim, e especificando melhor, no âmbito do programa "Ler, lazer e aprender" da Profª Rosalina Nunes, fui convidado para falar sobre livros aos alunos do 8º ano (Turma A) da Escola Dr. João das Regras.
E assim começou esta aventura....
Se a resposta ao desafio foi imediata, afinal nenhum outro assunto alheio à minha área profissional me levaria a apresentar uma exposição do género, as dificuldades começaram no instante seguinte. Falar sobre que livros? Falar sobre que escritores? Ou apenas sobre leitura? A única certeza era a de que não se pretenderia qualquer programa de sugestão de leituras ou de determinadas obras.
Alguns dias a matutar, meio desconsolado pela indecisão, e a resposta estava ali mesmo, era óbvia!: tinha que falar de mim, do modo como os livros nunca me abandonaram na conturbada fase da adolescência, e como me ajudaram a perceber e a encarar o mundo e os outros, mas acima de tudo como ajudaram a entender-me a mim próprio, e de uma forma tão arrebatadora que nunca mais me separei deles! Afinal, se falasse de mim, falaria de livros e de como, sem eles, nem eu hoje seria o mesmo, nem a vida seria assim, nem o mundo seria igual....
Tudo seria pior....
E eu seria menos feliz.....

Bom, nesta fase já tinha uma ideia, mas pensei "estás a levantar muitas expectativas, estás febril e entusiasmado, mas sabes bem que é impossível atingir esses objectivos numa simples conversa, porque é disso que se trata, de uma simples conversa..." "E com jovens de 14 anos ainda por cima,, não te iludas, mais complicado se vai tornar", alguém me lembrou...

Entretanto o tempo escoava e tinha de me decidir, portanto, mãos à obra, falemos então de livros, ou antes, de mim e dos livros, correndo o risco de não passar toda a mensagem mas confortava-me a ideia que assimilei com a leitura: vale sempre a pena, porque se restar eventualmente algo por dizer ou demonstrar também se ganhará sempre muito coisa com aquilo que se conseguiu dizer... Afinal, à semelhança dos livros, em que nenhum é tão mau assim que não possa ser útil sob algum aspecto (como dizia Plínio) também da palestra mais desastrada será certamente possível retirar algo de positivo, ou não?

Voltando às dificuldades, comecemos pelo título.... Algumas ideias, nenhuma sobreviveu mais de 2 horas, fosse devido à extensão ("Eu, os meus livros, os outros e o mundo"), ou por levantar muitas expectativas (As minhas aventuras com os livros") ou até por parecer presunçoso demais ("Nós somos os livros que lemos"),  Até que, fatalmente, seria com a ajuda de um dos meus livros que teria a ideia perfeita: dei com os olhos nele, sereno na estante, comunicamos mentalmente e eis que as suas desventuras e a beleza das suas palavras me fizeram viajar no tempo e sentir novamente a magia da sua leitura, e definitivamente pensei que se a leitura é paixão se tornaria inevitável transformar o "non se puede vivir sin amar", a máxima existencial de Malcolm Lowry e do seu cônsul inglês no México, no título desta singela dissertação?

                                                  "NÃO SE PODE VIVER SEM LIVROS"
Assim ficou.



Nasci e cresci em casa onde não havia livros. Mas como a leitura não se faz apenas de livros, é importante referir que havia jornais, especialmente a "A Bola", o único que o meu pai comprava e cuja dissecação me ocupava vários dias. Naquele tempo, os jornais desportivos eram muito diferentes dos actuais, primeiro porque eram trissemanários, portanto cada edição era mais rica e cuidada, segundo porque tinham muito mais reportagens e crónicas sociais, e ainda terceiro porque não havendo a competitividade comercial de hoje eram mais rigorosos e menos especulativos. O jornal, ainda que desportivo, foi o meu primeiro atlas e o meu primeiro compêndio de geografia e sociologia, para além da diversão inerente aos pormenores futebolísticos, claro; e foi graças às excelentes crónicas que eram feitas do estrangeiro aquando das viagens dos clubes portugueses para jogos internacionais que fiz "a minha primeira volta ao mundo: capitais e monumentos, dados demográficos de cada país. costumes característicos de cada povo, curiosidades políticas, económicas e culturais, até o modo de vida das comunidades  lusas emigrantes, tudo isso "A Bola" me deu, para além, evidentemente, das grandes vitórias do glorioso e do Eusébio.




Naquele tempo também não havia computadores pessoais, nem internet, nem playstation; além disso, a televisão era a preto e branco e resumia-se a dois canais com programação pouco apelativa à curiosidade e exigência juvenis, embora isso não signifique que a infância e adolescência dos 70 fossem obrigatoriamente infelizes, antes pelo contrário....
Havia mais tempo livre (as férias grandes chegavam aos quatro meses), havia mais liberdade (as brincadeiras ao ar livre duravam horas) e acima de tudo havia um contacto saudável com a natureza, quase obrigatório para quem nasceu numa aldeia à beira da serra e da cidade.... E, essencialmente, cresci num mundo de índios e cowboys! Nos livros de banda desenhada, nas séries televisivas (Bonanza, O Maioral, Daniel Boone...), nas brincadeiras.... nós os cowboys de pistola na mão mão e eles os maus....
E sempre que íamos a Torres Novas em dia de mercado, lá tentava convencer a minha mãe a comprar um livrinho de índios e cowboys.... Foram as primeiras aventuras partilhadas com os livros....




Depois, um dia, a biblioteca veio até nós! E quando a carrinha da Gulbenkian se vislumbrava ao longe, a excitação assaltava-nos, organizava-se a fila de atendimento por ordem de chegada, afinal os primeiros iriam requisitar os livros de aventuras mais desejados... E se assim não fosse, restava-me a possibilidade de convencer algum amigo a fazer umas trocas, o que nem sempre era fácil...





E graças a esses livros itinerantes conheci heróis e aventuras mil, do Robin dos Bosques à Ilha do Tesouro, do Sandokan aos Três Mosqueteiros, e acima de tudo as aventuras deslumbrantes de Júlio Verne, um génio muito à frente do seu tempo. Com ele fui à Lua, desci ao centro da Terra, fiz milhares de léguas submarinas e fiz a minha "segunda volta ao mundo", para além de muitas outras viagens....







E apesar de um dia os livros terem deixado de vir de carrinha até mim, passei eu a ir de autocarro até eles, em Torres Novas...

Deixei a escola primária para trás e lá fui eu iniciar a vida de estudante na cidade. Outro mundo, outras aventuras e especialmente, muitos e outros livros... Um dia, um colega de turma, preocupado com o estado lastimável dos meus joelhos e das minhas sapatilhas Sanjo, aquando de um furo inesperado por falta de um professor, convence-me a trocar o futebol do costume por uma visita à biblioteca municipal. Não foi fácil, o futebol é uma doença genética - ainda hoje faço uma perninha com os amigos- e ainda para mais a biblioteca ficava longe e lá no alto, paredes meias com o castelo, mas naquele dia foi diferente tomar de assalto aquela colina sobranceira ao jardim e ao rio Almonda e acabei por fazer uma importante e bela conquista.... Tinha entrado num admirável mundo novo, fascinante, milhares de livros espalhados por inúmeras estantes e várias salas, à espera de um leitor com que partilhar histórias e mistérios, segredos e maravilhas ocultas, pessoas e vidas estranhas, e ali, naquela reconfortante tranquilidade, não havia limite ao prazer da escolha, era só querer desfrutar...
Mas naquele dia, e durante algum tempo. fiz companhia ao meu amigo na sala de banda desenhada, género pelo qual ele era louco, e fui apresentado ao Astérix, ao Tintin,, ao Lucky Luck e ao Michel Vaillant. Quem disser que a banda desenhada não é obra de qualidade meritória é porque nunca conheceu estes heróis. E tem graça, noto agora, foi preciso esperar trinta anos para ver estes heróis imortais transformados em personagens de carne e osso, em acções cinematográficas de um realismo sobrenatural e ainda a três dimensões, nunca imaginei tal ser possível; e quando hoje vejo esses filmes, sinto-me com doze anos outra vez. Só por estas memórias valeu a pena este compromisso e assim continuo com mais um pouco de motivação.


Mas o tempo não espera por nós e revejo-me poucos meses depois na mesma biblioteca, não na secção de banda desenhada mas antes a investigar as estantes de livros policiais e romances.

Como aconteceu?

A alguns membros da família mais distante tinham chegado rumores sobre o meu gosto pela leitura e, num Natal velho de quarenta anos, decidiram presentear-me, de uma assentada, com dois livros que ainda hoje ocupam um cantinho especial na minha pequena biblioteca. Foram os meus primeiros "romances" e de tal forma catalisaram a minha relação com os livros que merecem, cada um a seu modo, a homenagem que se segue.

O primeiro foi o volume inicial da colecção integral das de Agatha Christie, sem duvida o maior génio do romance policial. E foi avassalador conhecer o detective das "células cinzentas", o universalmente famoso Hercule Poirot, de tal forma que dei por mim a requisitar praticamente  todas as suas aventuras na biblioteca, devorando-as a um ritmo alucinante.... Graças a ele também me muni de uma lupa, tornei o meu olhar observador e sagaz, dei uso incessante às minhas células cinzentas, debrucei-me sobre os mais ínfimos detalhes na cena do crime, tudo numa busca incessante na solução do mistério, revirei os álibis de alto a baixo, anotei todos os pormenores no meu caderninho, esforcei-me que nem um louco na captura do criminoso mas, debalde, nunca consegui acertar nos suspeitos certos. A culpa foi dessa tal senhora Agatha, que parecia brincar com o jovem leitor,fazendo-o sentir-se impotente perante finais tão surpreendentes como espectaculares. Por isso, foi ela quem primeiro me demonstrou que se pode amar e odiar a mesma pessoa ao mesmo tempo, amei-a sempre que começava a ler outra obra sua porque era genial e me oferecia  puro prazer na leitura e odiei-a sempre que me enganava e surpreendia no final.  Devido a isso decidi, aos catorze anos, que era melhor não arriscar uma carreira de detective, mas há muito que lhe perdoei todas as afrontas. E estou-lhe grato por me ter obrigado a fazer as minhas primeiras requisições de livros numa biblioteca pública pois graças a elas e às suas obrigações foram-me exigidas responsabilidade, pontualidade e estima pelos livros, sendo um ponto de honra a entrega dos volumes a tempo e horas e num  estado de exemplar cuidado.


O segundo livro é o exemplo perfeito de como um má escolha pode ser a melhor,  embora até prometesse pela capa e porque era obra de um Prémio Nobel (apesar de hoje eu pensar que isso dos prémios literários não é o mais importante, basta atentar nos milhares de obras-primas que por aí há e que nunca foram distinguidas). Acontece que para descansar da trabalheira que o Poirot me tinha dado, tentei lê-lo, e confesso que me esforcei, mas deu tudo numa grande confusão de personagens e situações que não conseguia entender por mais que lesse e relesse. E acabei por desistis, desgostoso e inseguro quanto à minha capacidade para entrar naquelas obras mais "sérias" e adultas. Mas a teimosia levou-me a tentar outra vez e passado algum tempo arrisquei novamente mas tudo continuava do mesmo modo, aquele drama continuava inacessível. Até que, desesperado e vingativo, e calculo que pela única vez na minha vida de leitor, decidi espreitar as últimas páginas e eis que deparo com um nota, mesmo por debaixo da palavra  "FIM":  Este romance completa, com os dois volumes que lhe antecederam, também nesta  colecção, a famosa trilogia que granjearam para a autora o Prémio Nobel"


Curioso como, se lermos uma trilogia pela ordem completa dos volumes, tudo se torna mais claro e lógico, não é?  E foi o que aconteceu quando mais tarde assim fiz, mas o mais importante nesta história nem foi o facto de, após ter recuperado a autoestima  ter lido e gostado da obra completa, foi antes o facto de cada volume da colecção (Dois Mundos, Livros do Brasil) apresentar nas badanas duas sinopses: uma da obra em questão, outra do próximo volume, e isso fez a diferença pois apelou à minha curiosidade para ler outros autores, fosse pelo título apelativo, fosse pelo resumo atraente. Além disso, na contracapa vinham todos os títulos da colecção entretanto publicados e daí a requisitá-los na biblioteca foi um ápice; graças a essa prenda tresmalhada que um dia recebi conheci algumas das obras que mais me marcaram e me fez inclusive chegar àquela que posso considerar a minha preferida, até hoje. Mas isso fica para depois...




E agora chegou a hora de dar um salto no tempo e no espaço. Após vários anos de leituras assíduas,estamos em Mafra, em 1983, para onde transferi a minha residência, em pleno Palácio Nacional de Mafra, mais concretamente no antigo convento que hoje serve de Escola Prática de Infantaria.     

     
E acerca do Palácio, e da sua importância e magnificência arquitectónica a nível europeu e mundial, não me vou alongar muito, são sobejamente conhecidas e facilmente pesquisáveis, até porque neste caso o interesse reside no facto de, nas horas livres das tarefas do serviço militar obrigatório, eu ter descoberto a Biblioteca do Palácio. 
 E se já sentia um fascínio pelas bibliotecas comuns com esta fiquei deslumbrado, pelo espaço e pelas curiosidades: cerca de 4000 volumes encadernados a couro e gravados a ouro, as estantes de madeira exótica do Brasil, os mármores ímpares de Itália e aqueles que o Baltazar Sete Sóis ajudou a trazer na carroça, as estratégias que os monges do antigo convento arranjaram para cuidar das obras,  das quais a mais curiosa e genial foi a criação de uma colónia de morcegos que se alimenta dos insectos devoradores de livros e que ainda hoje tem um papel importante na conservação do espólio. Mas outras curiosidades existem e muito vale a pena descobri-las, afinal estão a pouco mais de meia hora de viagem da Lourinhã, o que é uma benção em relação àqueles milhões de bibliófilos espalhados pelo mundo inteiro que ficam limitados a visitas virtuais e que tanto desejariam visitar uma das bibliotecas mais imponentes do mundo.


E já agora também não desdenhariam conhecer Coimbra e a Biblioteca Joanina, outra jóia da nossa coroa, ou então a livraria Lello, no Porto, por muitos considerada a mais bela do mundo. Para um pequeno país de ilustres poetas e homens de escrita, em que se tem tornado moda tudo denegrir, não está nada mal, só temos que nos dar ao trabalho e ao prazer de o explorar e com isso descobrir também a nossa história e riqueza cultural, será talvez o suficiente para não entrarmos amiúde em depressão nestes tempos críticos.

 Bom, mas chega de devaneios e passemos a uma das leituras que mais me marcou, já adivinharam certamente, José Saramago e o seu "Memorial do Convento", publicado em 1982. "Que especial há nisso?" poderão perguntar, milhões de pessoas também o leram e bastantes até nem gostaram por aí além. Certo, mas gostos e prazeres não se discutem e a minha especial emoção advém do facto de ter lido a obra enquanto "morava" nos antigos aposentos dos monges do próprio Convento, o que me transportou para outras dimensões, passado e presente, fazendo-me sentir por vezes personagem do enredo, testemunha da paixão transcendente de Baltazar Sete Sóis e Blimunda Sete Luas ou companheiro de aventuras do Padre Bartolomeu de Gusmão e da sua Passarola Voadora pela Serra de Montejunto.

Anos mais tarde viria o Nobel para o autor, viriam muitas mais obras de referência mas nenhuma dessas leituras alcançou a delícia de ter lido o Convento instalado na cela monacal, paredes meias com os aposentos de D.João V e com a biblioteca real enquanto era embalado pela musica celestial emanada pelo maior carrilhão do mundo.

Poderia agora contar outras histórias, porque livros chamam livros e outras histórias, como seja falar do livro de culto, ou do livro inacessível que um dia espero conseguir, ou da busca incessante pelo livro que me falta para completar aquela colecção ou ainda do livro misteriosamente desaparecido... Mas não cabem aqui, ficam eventualmente para outras conversas sobre livros que esta já muito me exigiu, e se é verdade que entrei um pouco ansioso para esta apresentação também dela saí mais rico e grato porque me obrigou a conversar com livros que não via há muito, a viver outros tempos da minha vida sob outro prisma e com isso a redescobrir-me. E a meu ver essa é uma das maiores virtudes dos livros, abrem portas para outras dimensões e põem-nos a sonhar, a viver outras vidas e a reinventar-nos. Concluindo, os livros, aqueles bons livros, não são apenas para serem lidos, devem também ser conversados como aconteceu nesta hora de convívio com o 8º A. Feliz ficaria se para estes alunos aquele tempo de partilha tivesse valido metade do que valeu para mim....

João Carlos Ferreira
2012


(Este texto, para quem estranhar, e exceptuando os eventuais erros de ortografia, foi escrito em português ancestral porque sou convictamente objector de consciência em relação a acordos ortográficos)

sábado, 5 de setembro de 2015

PLANANDO NO MUNDO CÃO


                                     APRESENTAÇÃO - PLANANDO NO MUNDO CÃO 

Eu e o James somos dois corpos celestes viajando pelo espaço, dois mundos tão díspares mas cujas orbitas se cruzam amiúde…. Ele parece um cão feliz, exuberante na relação com os outros quatro membros da família, que o adoram, e eu, bem disposto por natureza, posso parecer feliz também,  mas vá lá saber-se o que por vezes vai no íntimo de nós dois?
 James tem 15 meses (dizem-me que são 7 anos no mundo dele) e parece ter a vida completamente organizada: dedica grande parte do dia à observação da reduzida azáfama diária do Casal da Gaita, na maior parte das vezes uma actividade pacífica  excepto  quando o carteiro tenta colocar o correio na caixa ou quando a cadela da vizinha passa toda saracoteada do outro lado da rua em ar de desafio… nessas alturas o gradeamento parece insuficiente para tanto entusiasmo. Coisas de adolescente pelas quais já não me lembro se passei… Bom, mas os outros pontos altos da rotina do James são a chegada de algum membro da família, a hora da refeição (onde tem, por vezes, autorização para se chegar ao ambiente da cozinha) e as festinhas que recebe sempre que alguém cruza o pátio…. No resto, os passeios até às falésias de Vale de Frades ou ao vale do Toxofal são a sua festa especial… liberdade para a descoberta e para disseminar por todo esse ambiente selvagem as próprias feromonas….Depois sobra a dedicação incondicional, o afecto e permanente  disponibilidade para todos, ainda que, e vá lá saber-se, o dia lhe possa ter corrido mal….
 E isto dia após dia, o mundo de James parece estruturado, tranquilo, confiável e imutável… (dir-se-ia humano)
 Eu já tenho 50 (dizem-me que ás vezes pareço ter 20) e embora possa parecer  que tenho a vida completamente organizada, vivo realmente num mundo cão: dedico algum tempo às curiosidades diárias deste mundo, aprecio a chegada de algum membro da família, especialmente quando tem aquela expressão de que o dia foi aproveitado, trabalho por vezes e gosto também da hora das refeições, onde me permitem exercer alguns dotes culinários… (aí, muitas vezes,  o meu maior fã parece ser mesmo o James…) No resto, as corridas pelo vale do Toxofal e pelas falésias de Paimogo são a minha festa diária…. liberdade…. Depois sobra o resto, uma montanha insustentável de informação (boa e má) sobre o mundo exterior, que pode levar qualquer humanoide à depressão mais profunda… (Já então desconfiava que a salvação está na nossa capacidade de abstração,  introspeção e reflexão  e não nos gigas de informação  com que somos bombardeados, grande parte deles alienantes…)
 E tudo mudou quando  há dias vi um enorme Coelho Branco atravessar o meu pátio para entrar numa misteriosa toca que me tinha passado despercebida até então. Corri atrás dele, entrando num túnel escuro e interminável, sentindo-me atraído para o vazio, e então aterrei dando de caras com criaturas estranhas, umas jogando às cartas, outras só conversando e outras ainda apenas observando, mas tudo num ambiente agradável e descontraído, sedutor até, e eis quando reconheci o Coelho Branco e o meu cão James em amena troca de impressões sobre aquilo que conheciam sobre o mundo dos humanos….! Em contraste com aquele cenário maravilhoso,  o meu mundo-cão  pareceu-me tão desolador que desatei a correr dali para fora….
 Quando acordei (terá mesmo sido apenas um sonho?) desci ao pátio e dei de caras com o James, olhar doce mas enigmático e fiz-lhe uma proposta: a partir de então, ele punha-me ao corrente das reuniões misteriosas que tinha na toca com aquelas criaturas fantásticas sobre o mundo dos humanos e eu também lhe contaria as novidades sobre  a realidade do mundo cão dos humanos.
 A partir de então, nas conversas que tenho com o James, se por vezes tento perceber o seu mundo e as suas impressões sobre os humanos, noutras ocasiões tento explicar-lhe o meu mundo e ainda noutras dou por mim a desabafar sobre o mundo exterior e estranho aos dois, sobre este planeta extraordinário e misterioso, nem sempre agradável…. É disso que trata este sítio, partilha de emoções, minhas e dele,  sobre vários mundos, o do James, o meu e o outro…
Embarquemos então nesta viagem sideral!