"Terras do Demo", Celorico - Jean-Charles Forgeronne |
sábado, 31 de dezembro de 2022
TASCAS E ANTROS DE PRAZER- XXII
ISCAS DE FÍGADO OU BACALHAU?
E quando a simpática Dona Emília anunciou que um dos pratos do dia e a sair eram iscas de fígado acompanhadas por batata frita não hesitei:
- Venham então lá elas!
A N., indecisa, optou por uma grelhada mista em vez do bacalhau e observou:
- Reparaste que ela falou em iscas de fígado? Mas as iscas não são sempre de fígado?
- Pois, também notei, talvez aqui por estas bandas chamem iscas a outras coisas também... Tenho que investigar...
Estávamos bem guardados do frio, da chuva intermitente e do nevoeiro que reinavam lá fora, as ruas da cidade estavam quase desertas apesar de ser um dia de semana, ao contrário daquele refúgio que estava cheio e com fila para sentar... "A TASQUINHA" fica em pleno centro da cidade situada a mais de mil metros de altitude e há mais de 50 anos que eleva bem alto a arte beirã de bem receber a quem busca o prazer da comida tradicional portuguesa, seja ao almoço, ao jantar ou um petisco a qualquer hora como está anunciado à porta, desde os carapauzinhos fritos aos ovos verdes, da feijoada ao caldo de grão, da bela sardinha assada na época ao arroz de tamboril ou às enguias e por aí fora, é conforme o clima e o apetite...
As iscas estavam deliciosas, temperadas a preceito e a cheirar a vinagre como convém, as batatas surgiram exemplarmente crocantes e sequinhas e o tinto da casa esteve à altura... Mais tarde ficaria a saber que gastronomicamente se pode chamar iscas a qualquer pequena porção de alimento e que na região do Porto é o nome dado a pequenas lascas de bacalhau... Mas as iscas, com ou sem elas, que é como quem diz batatas cozidas, apareceram em Lisboa nos meados do século XIX e rapidamente se tornaram um sucesso ou então uma necessidade, é que, por ser barato, era um prato ou petisco associado a comida de gente pobre e não havia tasca ou taberna que não o servisse. Não admira pois que muita gente, especialmente do Ribatejo para baixo, ainda hoje associe as iscas exclusivamente ao fígado da vaca ou do porco...
E depois à saída o senhor Firmino ainda nos presenteou com uma ginginha caseira para nos aquecermos do frio que nos espera lá fora, diz ele... E é então que já estamos com saudades e que um dia certamente ali voltaremos...
João Ratão
(Chef de Valmedo)
quinta-feira, 29 de dezembro de 2022
PODE SER PASSADIÇO MAS É INESQUECÍVEL...
Passadiço é algo que passa rapidamente, algo passageiro, transitório, tinha-o lido há pouco tempo no insuspeito Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e que ainda lhe juntava outro significado: passagem ou qualquer corredor de comunicação... E ali estava ele, de câmara em baixo, olhando com mais atenção e tentando ouvir o mais sumido som que lhe comprovasse o instinto: alguém o observava, tinha a sensação forte e desconfortável de que não estava só! E no entanto, se alguém chegasse ali naquele instante poderia com legitimidade desconfiar da sua condição mental porque ele, de facto, estava natural e fisicamente só! Estaria a ser vitima de algum desfasamento emocional ou neuronal? Seria que alguma reacção química cerebral aleatória estaria a interferir com os seus sentidos?
"Passadiços do Mondego" - Jean-Charles Forgeronne |
Jean-Charles Forgeronne sentou-se antes que uma vertigem o fizesse cair daquele penhasco sobranceiro à Cascata Rosa, uma magnífica queda de água com cerca de 50 metros de altura que tornava aquele local mágico e cujo barulho da água a castigar as rochas ainda lhe era um pouco perceptível ali em cima... Lá em baixo, numa extasiante paleta de cores outonais, vislumbrava-se o vale ainda adormecido sob esparsos farrapos de nevoeiro, o Mondego por lá serpentearia na sua custosa e paciente viagem indiferente aos magotes de curiosos que tomavam de assalto os Passadiços, a novel atracção da montanhosa Beira Alta... Entretanto outro bando de barulhentos espanhóis (haverá povo que falará mais alto e sem pudor?) invadiu sem pedir licença o seu espaço de contemplação e de lá se veio não sem antes disparar mais algumas fotos mas ainda carregando aquela estranha sensação de que algo o transcendia, quem sabe se a mesma que Jesus Cristo terá sentido no Monte da Tentação? Andaria o Diabo por ali?
Dois dias mais tarde, regressado a casa e quase esquecido da transcendental experiência em plenos Passadiços do Mondego, Forgeronne sentiu um calafrio invadir-lhe o âmago ao ver com mais pormenor as fotos que tinha tirado, pormenores que então não tinha reparado ali surgiam na tela do computador em toda a sua nitidez... Fincou as mãos nos braços da cadeira para não cair, ali estava ela, a criatura seja lá o que for, bem visíveis os olhos, o nariz, a boca, até a orelha e os braços! Afinal tinha razão! Alguém o tinha observado, talvez um guardião da natureza, petrificado mas poderoso, ainda bem que assim era, um segredo a ser descoberto por quem se aventure por aquelas "Terras do Demo" magistralmente descritas pelo grande Aquilino Ribeiro há cem anos... Uma coisa era certa para Forgeronne, aquele mistério não era passadiço, iria acompanhá-lo até ao último dia...
"Cascata da Ribeira do Caldeirão" - Jean-Charles Forgeronne |
João Iniciado
(Ocultista de Valmedo)
quarta-feira, 21 de dezembro de 2022
"A casa amaldiçoada" - Jean-Charles Forgeronne |
"A cabra" - Jean-Charles Forgeronne |
"Rua dos Penedos", Linhares da Beira - Jean-Charles Forgeronne |
segunda-feira, 12 de dezembro de 2022
O AMOR, A FIDELIDADE E O OSSO...
É mesmo um mundo-cão este em que vivemos, amigos caninos, e se duvidas houvessem para mim elas teriam sido desfeitas pelas coisas extraordinárias que aprendi ontem num bate-papo com o J.C... Tudo começou quando, numa rara distracção da parte dele, dei com a porta aberta como se um convite para entrar fosse e assim fiz, pata ante pata invadi o sacrossanto espaço dele onde o encontrei a ver no computador um desenho muito curioso em que se via alguém a dar um osso a um companheiro nosso...
- Como é que entraste aqui? - gritou ele irritado quando ao voltar-se deu pela minha presença... E então, surpreendentemente, em vez da esperada ordem para me pôr a andar para a rua ouço: - "Já viste, James, a pinta deste gajo? A cruel mensagem que ele transmite neste grafitti?"
"Homem com cão" - "The World of Banksy", Lisboa |
E eu que à primeira olhadela achei a coisa ternurenta respondi de instinto: "Então, mas qual é o problema de alguém a dar um osso ao seu animal de estimação?" E ainda provoquei mais um pouco para ver se ele acusava o toque: "Alguns donos semíticos deveriam era aprender com esta obra e dar ossos mais vezes aos seus melhores amigos, isso é que era!"...
- "Mas repara bem, James, já notaste que o osso que está a ser oferecido ao teu amigo canino é dele próprio? É uma parábola acerca da fidelidade cega que podemos ter por alguém e que para além de não a merecer só nos está a utilizar para proveito próprio e a prejudicar-nos..."
sexta-feira, 25 de novembro de 2022
quarta-feira, 23 de novembro de 2022
A UM PEQUENO PASSO DA EXTINÇÃO...
Um viveu há muitos milhares de anos na era do gelo, o outro, o seu descendente e o maior animal terrestre da actualidade, sobrevive a muito custo e em perigo de extinção na savana africana... Falamos claro do MAMUTE, Mammuthus primogeniuse e do ELEFANTE-AFRICANO, Loxodonta africana, separados por um pequeno passo evolutivo deste mundo-cão que leva lá 4,5 mil milhões de anos de existência...
"Extinto!" - Jean-Charles Forgeronne |
Também estes dois exemplares estão a um pequeno passo um do outro, apenas 115 anos e 1240 quilómetros os separam, no Parc de la Ciutadella encontra-se o mamute reproduzido à escala natural em 1907 por membros da Junta de Ciências Naturais de Barcelona e escondido numa parede subterrânea de um viaduto pedonal no bairro de Telheiras está retratado o elefante... Esperemos não encontrar um dia destes uma réplica do extinto elefante num qualquer parque de Lisboa!
"Em extinção..." - Foto de João Andarilho |
João Atemboró
(Naturalista de Valmedo)
segunda-feira, 21 de novembro de 2022
El PARC qui morts la CIUTADELLA...
Em 1878 a mui odiada cidadela foi finalmente demolida após 153 anos de existência, tinha sido mandada construir por Filipe V em 1715 para albergar soldados incumbidos de manter a ordem como resposta à forte oposição de Barcelona à sucessão e ao poder dos Bourbons que exalava de Madrid, tinha a cidade entretanto resistido a um cerco que durara mais de um ano... E para justificar o ódio popular pela fortaleza basta lembrar que foi transformada em prisão durante a ocupação napoleónica e onde seriam executados dezenas de patriotas catalãos...
"Arc del Triomf" - Jean-Charles Forgeronne |
Nasceu então aí um parque de 30 hectares que passados apenas dez anos seria palco da Exposição Universal de 1888, visitada então por 2 milhões de pessoas! A entrada principal tomou a forma de um Arco do Triunfo em tijolo cor-de-rosa em estilo mudejár e com esculturas alegóricas à industria e ao artesanato locais...
"Cascata" - Parc de la Ciutadella - Jean-Charles Forgeronne |
"O lago" - Jean-Charles Forgeronne |
Além disso, também o sereno lago e as tranquilas alamedas merecem um tranquilo passeio ao entardecer.... E depois, como esquecer o Floquet de Neu (Floco de Neve), o único gorila albino conhecido até hoje e que desde 1966 até 2003 viveu no jardim zoológico de Barcelona, situado na parte meridional do parque, e que era a emblemática mascote da cidade ?
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
terça-feira, 15 de novembro de 2022
O PROGRESSO, A MEMÓRIA E A HOMENAGEM...
Tinha-as já visto ao longe do alto de Monjuic e do Parc Guell mas agora ali estavam elas mesmo à minha frente, imponentes dos seus setenta metros de altura, as três chaminés da era industrial e que são a memória da central eléctrica a carvão que no principio do século passado fez da sempre modernista Barcelona a primeira cidade espanhola a ser iluminada... Àquela zona do bairro Poble Sec chamam a propósito Tres Xemeneies e actualmente está transformada numa zona de lazer à medida das tribos urbanas que cultivam os desportos radicais e a arte mural...
"Tres Xemeneies" - Jean-Charles Forgeronne |
"Jaume i bisabuela" - Jean-Charles Forgeronne |
"Memória" - Jean-Charles Forgeronne |
João Alembradura
(Historiador de Valmedo)
quinta-feira, 10 de novembro de 2022
RAMBLAR AO SOM DE RAVAL...
Não são apenas más as surpresas que por vezes assaltam o viajante numa cidade estranha, quantas vezes dá ele de caras com um monumento fechado para obras ou com as fachadas cobertas com andaimes que impedem a icónica foto, ou então aqueles problemas inesperados com os transportes que impedem a visita programada para aquela manhã, por vezes também acontecem boas surpresas... Imaginem então este surpreendido escriba a retomar a descida da Rambla depois de ter feito um pequeno desvio e ter encontrado a catedral não só entaipada mas também a sugerir divinalmente para que nos conectemos com a galáxia onde mora o Criador usando o novo Galaxy Z Fold 4, que delícia, não acham?
"Chamada para o Céu" - Jean-Charles Forgeronne |
Imaginem também que após ter pisado com gosto o Miró na calçada este escriba entra agora na Plaça Reial, construída em 1850 e que já foi considerada a mais movimentada de Barcelona, famosa pelos candeeiros de iluminação pública da autoria de Gaudí... Retrato tirado ao candeeiro nota então que ao fundo da praça uma azáfama que capta a curiosidade dos turistas que por ali deambulam, algo de especial está prestes a acontecer naquela tarde amena de sábado, mas o quê?
"O candeeiro de Gaudí" - Jean-Charles Forgeronne |
"Raval's band" - Jean- Charles Forgeronne |
Culpa da sua banda e depois do inesperado concerto lá teve que ir este escriba dar uma voltinha pelo El Raval, bairro outrora situado fora das muralhas e cujo nome deriva do árabe arrabal e que significa subúrbio ou arrabalde em bom português moderno... Como típico bairro portuário, Raval, para além de abrigar durante séculos uma numerosa e miserável população operária que vivia sem condições de higiene tornou-se também numa concorrida zona de prostituição e de bares duvidosos que atraíam não só os noctívagos mas também os ladrões... Mas não era tudo mau, no início do século XX no bairro também havia das salas de espectáculos mais concorridas da cidade e era lá que existia o antigo hospital da cidade e para onde levaram a pessoa mais célebre de Barcelona depois de ter sido mortalmente atropelada por um eléctrico em 1926, Gaudí...
"El gat", Rambla de Raval - Jean-Charles Forgeronne |
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
quarta-feira, 9 de novembro de 2022
LAS RAMBLAS, ou antes, LES RAMBLES!
RAMBLA, ou antes RAMBLE em catalão, tem origem na palavra árabe ramla e que significa "o leito do rio" e tudo ganha sentido se soubermos que no não muito distante século XVIII a Rambla actual não passava de uma rua estreita que seguia o traçado da antigas muralhas de Barcelona construídas no século XIII e de braço dado com um curso de água malcheiroso a que chamavam o Cagalell, que à falta de melhor etimologia pode significar o "cagatório" ou o "caga-nele"... E foi só em 1776, ao mesmo tempo que os americanos se entretinham a declarar a sua independência, que nasceu o projecto de reconverter a Ramble numa larga avenida que ligasse a Plaça de Catalunya ao porto, num comprimento de 1,2 quilómetros e tornando-a na artéria central da cidade e uma das mais famosas do mundo depois de se acrescentar a edifícios históricos já existentes muitos sumptuosos palácios e outras obras arquitectónicas ímpares...
"Ramblando à sombra dos plátanos" - Jean-Charles Forgeronne |
Embora seja apenas uma única avenida gostam os ciosos de pormenores históricos de dividir a grande RAMBLE em cinco e à primeira, logo à saída da Plaça de Catalunya, chamam-lhe Rambla dels Canaletes devido à famosa Font dels Canaletes, virtuosa devido à água tão boa que dela brota e daí dizer-se que quem dela bebia haveria de voltar sempre a Barcelona... E dela bebi, claro...
"Font dels Canaletes" - Jean-Charles Forgeronne |
"Pisando Miró" - Jean-Charles Forgeronne |
Resumindo, LES RAMBLES (parece francês não é?) não se descobre num simples passeio, é preciso lá voltar e voltar e voltar e sempre que se lá voltar vai-se acabar por descobrir outros pormenores e outras maravilhas, daí o tal ditado de que quem passa pela Font dels Canaletes e da sua água bebe lá voltará... Não é do meu jeito mas aqui vai uma dica para aqueles armados em turistas que se limitam a passar pelas atracções mediáticas: para vós, quando decidirem ir à RAMBLA para ver como é que e a despachar que se faz tarde, e até porque há que pôr o visto no plano de viagem, para vós especialmente e para poupar tempo, convém começar o vosso passeio mais a norte da Plaça de Catalunya, no início do Passeig de Gracia, passem pelas famosas "La Pedrera" e Casa Battló", tirem as fotos e depois então comecem a descer as grandes e magníficas Ramblas, não esquecendo que estão pisando um antigo esgoto a céu aberto...
"Se chover..." - Jean-Charles Forgeronne |
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
domingo, 6 de novembro de 2022
TASCAS E ANTROS DE PRAZER - XXI
MARCELINO, 16 RAZÕES PARA LÁ IR
Deixada para trás a dama com o pássaro de Miró e depois de dez minutos sentados no parque a observar os enxames de estridentes papagaios a voar de palmeira em palmeira avançamos pela Calle de la Deputació à procura do número 41, morada do recomendado MARCELINO 16 que se apresenta como um restaurante de comida típica de origem galega e mediterrânica... Casa simples e pequena mas de bom ambiente familiar e cinco minutos chegam para perceber que os clientes são habituais e que não tarda muito não haverá mesa, convém pois chegar cedo e ainda bem que o fizemos...
"O 16 do 41" - Jean-Charles Forgeronne |
Seguindo o conselho do Martim iniciamos o menu do dia com um caldo galego de boa consistência e com uma fideuá à marinheira, prato típico da costa valenciana que não conhecia mas que me encheu as medidas...
"Caldo galego e fideuà" - Jean-Charles Forgeronne |
Se parássemos ali a coisa seria suficiente mas ainda vieram os segundos pratos, uns deliciosos boquerones fritos, sequinhos e estaladiços, e depois um saboroso entrecot de terner a la brasa, grelhado no ponto e acompanhado de patatas fritas irrepreensíveis...
"Boquerones e Entrecot" - Jean-Charles Forgeronne |
Tudo somado deu um belo almoço numa zona sossegada da fervilhante Barcelona e para demandar o Marcelino não será difícil arranjar 16 razões, de entre as quais a comida saborosa, a simpatia do atendimento e a excelente razão qualidade/preço... Sem dúvida uma experiência a repetir!
João Ratão
(Chef de Valmedo)
sábado, 5 de novembro de 2022
SUBIR AO MONTE DOS JUDEUS
À colina que delimita Barcelona a sudoeste chamam-lhe MONTJUIC, para alguns significando o "Monte dos Judeus" porque aí terá existido outrora um cemitério judaico, actualmente é dos locais mais entusiasmantes e de visita obrigatória, seja pelas vistas magníficas que oferece para a cidade e para o grandioso porto, seja pelos museus ou por um passeio por parques e jardins à beira do Mediterrâneo... Além disso respira-se por aquela colina a história da Catalunha e da Europa desde que aí se instalaram os Iberos muito antes dos Romanos terem fundado lá em baixo a sua colónia Barcino, futura Barcelona, porto estratégico fundamental para o comércio mediterrânico, depois no século XVII construiu-se nela um castelo para resistir às tropas castelhanas e mais tarde uma fortaleza, utilizados por Franco como prisão e local de execução de opositores do regime.
"Vista do teleférico" - Jean-Charles Forgeronne |
Depois de ter acolhido a Exposição Universal em 1929, MONTJUIC ganhou outro e decisivo fôlego ao ser escolhido como palco dos Jogos Olímpicos de 1992 com a construção do Estádio Olímpico e de inúmeros outros edifícios ultramodernos... Depois de subir ao castelo de teleférico é obrigatória ainda outra coisa: uma visita ao imponente Palau Nacional, principal edifício construído em 1929 e que alberga o Museu Nacional d'Art de Catalunya...
"O imponente Palau Nacional" - Jean-Charles Forgeronne |
Que belo entardecer foi depois aquele nas escadarias do Palau Nacional, bem alinhados com as torres de tijolo de 47 metros de altura inspiradas nas torres da Basílica de Veneza que assinalavam a entrada da Exposição Internacional de 1929 e com a majestosa Plaça d' Espanya, aguardávamos o início do show sonoro e luminoso da Font Mágica, mesmo ali a meio e a olho de semear... Ainda faltava cerca de uma hora para o espectáculo e ainda bem que um artista de rua tomou o palco com a sua guitarra e desatou a tocar e a encantar com canções crepusculares, valeu a pena e as moedas que iam sendo lançadas para o chapéu até porque depois toda aquela gente começou a dispersar, afinal saberia eu depois tinham estado ali pela vista e não pela mágica fonte, essa estava em manutenção até 2023... Percalços de viajante, pensei em voz alta, triste mas contente ao mesmo tempo, Montjuic valera muito a penosa subida...
"Fonte seca" - Jean-Charles Forgeronne |
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
quarta-feira, 2 de novembro de 2022
A TORRE QUE É BALA, PEPINO, GÉISER...
A primeira bela visão de Barcelona que tive foi a da TORRE GLÒRIES, ao subir o último degrau da estação de metro da Plaza des Glòries Catalanes lá estava ela ainda iluminada apesar de serem quase seis da manhã e o dia ir rompendo, um bálsamo para tanto tempo perdido nos bunkers da TAP... Mais tarde, mesmo à luz do sol, manteria o seu magnetismo embora seja à noite que revela todo o seu esplendor ao brilhar com as cores da cidade, azul e grená...
"Vista do Metro" - Jean-Charles Forgeronne |
Ao arranha-céus de 145 metros de altura inaugurado em 2005 pelo rei Juan Carlos há quem lhe pareça uma bala, outros há quem lhe chame um pepino mas para desempatar nada melhor do que imaginar um géiser expulsando água para o ar pois foi essa a ideia do arquitecto que idealizou a obra, o francês Jean Nouvel. Construída em betão, alumínio e placas de vidro colorido, a Torre funciona hoje como um edifício de escritórios mas possui um miradouro no seu trigésimo andar de onde se alcançam vistas magníficas da cidade e a 360º de perspectiva...
"Vista do hotel" - Jean-Charles Forgeronne |
"Vista matinal" - Jean-Charles Forgeronne |
"Vista de Montjuic" - Jean-Charles Forgeronne |
terça-feira, 1 de novembro de 2022
Quinto incidente transfronteiriço
ERRAR E MUITO NO AEROPORTO...
"Um grande erro!" dizia João Palmilha em voz alta sem esperar resposta de quem o ouvisse, a verdade é que já ninguém ouvia ninguém e todos desabafavam, uns como ele em modo solitário, outros com os companheiros de viagem mas a maioria, sentados de ombros caídos e olhar desesperado faziam-no ao telemóvel... Aquelas quase três centenas de pessoas que ali penavam outra vez numa fila para serem atendidas tinham estado duas horas antes sentadas no avião já com o cinto colocado e motores em aquecimento para a descolagem quando, no último momento, se abrira a porta da cabine para de lá sair um jovial comandante a informar que lamentava muito mas que por motivos técnicos o avião não poderia descolar e que todos os passageiros teriam que sair para serem encaminhados para outro avião! Surpresa geral, muito embasbacamento, seria uma piada? Mas não era, poderia ser apenas um pequeno incidente, "atrasos quem não os teve alguma vez" disse Palmilha para a sua companheira em jeito de conforto e motivação depois de terem passado pela sorridente tripulação que ia distribuindo a cada passageiro um animador "até já"...
O Luís Vaz de Camões, uma das aeronaves da frota da TAP, ao recusar-se a partir para Barcelona iria proporcionar a toda aquela gente um dia muito diferente daquele que tinham idealizado, ali naquela fila, por enquanto calma e ordeira, ainda ninguém sonhava que iriam esperar 15(!) horas para iniciar a sua viagem, primeiro o voo seria remarcado para as 22:40, depois para as 23:05, depois 00:15, 00:40 e finalmente 01:05 do dia seguinte... Cada mensagem recebida no telemóvel tornava-se cada vez mais dolorosa após tanta espera, "Se é para cancelar que cancelem já, porra!" alguém gritara e com razão, ouviam-se impropérios e palavras de ordem em português "TAP nunca mais" ou "Qual privatização qual quê, acabem é com esta merda de empresa!", também rondava por ali um personagem curioso de boina e rastas à Bob Marley que exalava um suspeito odor adocicado, de calções e botas cardadas de caminhante, "um verdadeiro errante como eu" pensou Palmilha, e que num inglês arrastado a denunciar a sua origem irlandesa fez um comício em plena fila: "Fuck TAP! Fuck this country! Fuck Portuguese! Fuck this all!"...
Com vouchers para comida deu para enjoar de tanta sandes e pizza a que era impossível escapar devido aos preços praticados no aeroporto mas, ao menos, enquanto se comia não se cronometrava nem se pensava como gastar o tempo, abusava-se da mesa achada a custo, observava-se os outros companheiros de aventura e ia-se deitando um olho às notícias on-line... Tirando isso, que fazer? De vez em quando andar para cá e para lá, uma simples ida aos lavabos dava para quebrar o marasmo e sentado nas cadeiras desconfortáveis Palmilha gastava com gosto a maior parte do tempo a observar quem passava, imaginando que vida levava aos ombros cada criatura que por ali desfilava e por vezes era cá cada figura... "Aqui estou eu armado em sociólogo!", disse para si mesmo...
Mais uma mensagem a informar de novo atraso, mais uma ida aos quadros de informação para saber do estado do voo, mais um pequeno alívio por não ter sido cancelado, mais uma errância para desentorpecer e enquanto a noite se aproximava o fluxo de pessoas ia diminuindo e os voos também e nos painéis informativos a realidade assumiu-se: a maior parte dos voos com atraso e outros cancelados eram todos da TAP! E enquanto outros passageiros que iam para Barcelona pela Vueling não tinham tido qualquer problema ali estavam eles, suspensos em terra de ninguém, ansiosos pela próxima actualização... Já noite, Palmilha entretia-se agora a fazer contas, quando iriam chegar a El Prat e que transporte do aeroporto para o centro da cidade teriam já de madrugada, já se combinava a partilha de táxi com uma tradutora espanhola a viver há anos em Lisboa e desesperada porque estava em vias de perder reunião importante mas como iria ela entretanto tentar arranjar a expensas próprias voo noutra companhia também se combinava com um casal madeirense em lua-de-mel e também em vias de perder o cruzeiro em caso de cancelamento...
Tantos dramas à parte, haveriam de aterrar em Barcelona pelas quatro da madrugada, ainda por cima obrigados a esperar pela recolha de bagagem que a TAP vende como de cabine e não de porão, chegaram ao hotel perto das seis, uma noite de alojamento perdida, a visita a Montserrat programada para essa manhã já tinha ido para o galheiro e todo o plano de estadia teria de ser reequacionado... Tudo culpa do Camões!
João das Boas Regras
(Sociólogo de Valmedo)