ARE YOU MARIA? YOU'RE NOT MARIA!
Quem com ele priva reconhece em João Palmilha três grandes qualidades: tem um óptimo e inato sentido de orientação, possui um sentimento de grande desconfiança em relação às tecnologias e, para além disso, é metódico e exigente na preparação das suas viagens... Quanto ao sentido de orientação Palmilha socorre-se das suas três regras de oiro que aprendeu ainda menino: a numeração dos edifícios começa sempre de nascente para poente e de sul para norte, os rios são uma referência crucial em qualquer lugar e por último há que analisar com a devida antecedência a planta de uma qualquer cidade estranha que se queira conhecer! Assim, estudo prévio feito, acontece muitas vezes a Palmilha ter a sensação de já ter estado em sítios aonde nunca houvera ido de tal forma se misturam as referências geográficas que leva na cabeça e a orientação espacial de um qualquer lugar e isso dá-lhe uma confortável segurança pois embora não encontre por vezes à primeira uma rua ou um monumento ele sabe que o que procura não pode estar muito longe, tudo se resumirá a uma questão de tempo ou de perspectiva e perdido ou desorientado são estados que não lhe assistem... Ademais, é comum encontrá-lo por aí vagueando de cabeça no ar em busca dos pontos cardeais no sol ou nas estrelas, afinal que melhor bússola existe?
Palmilha acabou agora de sair do avião, a viagem decorreu com a esperada tranquilidade e enquanto pega no telemóvel para desactivar o modo de voo segue atrás de Maria e no meio da coluna de passageiros que se dirigem para o controlo de entrada no aeroporto de Viena.
- Next! - ouviu-se alguém gritar... Era para ele, tinha chegado a sua vez, diante de si tinha um jovem mas imponente soldado do exército austríaco, de cabelo louro e acutilante olhar claro que só não o intimidou porque estava à vontade, tinha todos os documentos à mão, o certificado de vacinação, o cartão de cidadão e o bilhete de voo...
- Your documents, please! - disse o militar que tinha algumas parecenças com o Tintim. Palmilha entregou os papéis e já se preparava para dar um passo em frente mas o torniquete não fora aberto, o jovem olhava para ele, olhava para o certificado de vacinação, voltava a olhar para ele, virou e revirou o cartão de cidadão até que disse:
- Are you Maria? You're not Maria! Palmilha não estava a perceber nada do que estava a acontecer, que raio quer este tipo, pensou...
- What's the problem? - perguntou enquanto levantava os ombros para a Maria, a verdadeira Maria, que o esperava já do outro lado e lhe lançava um olhar de interrogação.
- This is not yours! You're not Maria! - quase gritou o soldado enquanto lhe dava o certificado para a mão e então compreendeu, em vez do seu tinha posto por engano na carteira uma cópia do certificado de vacinação da Maria, estupidez tamanha, afinal ele que não confiava nas tecnologias e salvaguardando qualquer problema com o telemóvel tinha impressas três cópias de cada certificado não fosse acontecer algum extravio, uma para andar na carteira, outra para ficar de reserva no hotel e outra tinha ficado no carro...
"Franziskaner Platz, Viena" - Jean Charles Forgeronne |
Já impaciente, Palmilha afastou-se para o lado para deixar passar as pessoas que esperavam curiosas atrás de si e fez sinal para o soldado que ia ligar o telemóvel para aceder ao certificado. Ligou os dados móveis e puxou a aplicação do Ministério da Saúde mas a informação que obteve gelou-o da cabeça aos pés e fez-lhe sair boca fora um sonoro:
- What a fuck!? - Estava com roaming mas sem internet! Raios, razão tinha ele para não confiar nas tecnologias! Agora era o soldado que lhe fazia sinal para ter calma, agora também a Maria se tinha aproximado perguntando-lhe novamente o que se passava, que não, não tinha com ela nenhum certificado dele, ela que já estava com os pés em Viena e ele ainda em espaço de ninguém correndo o risco de ser deportado se não arranjasse o certificado. Depois, tentando ludibriar os nervos dirigiu-se ao soldado para lhe dizer que não tinha net e perguntar-lhe se ali naquela parte do aeroporto não haveria wi-fi mas não foi preciso, caiu-lhe do céu a lembrança de que tinha outra cópia bem dobradinha arrumada num compartimento secreto da carteira não fosse o Diabo tecê-las! Aliviado, finalmente de papel na mão, Palmilha não se livraria ainda de ouvir do agora sorridente mas irritante soldado:
- Next time bring the correct document or I call you Maria again...
O sacaninha...
João Pena-Seca
(Escritor de Valmedo)