domingo, 30 de julho de 2023

 

 A FESTA E A FÉ VÃO AO MAR


Começou por chamar-se Porto Dereito por causa das excelentes condições de navegabilidade que oferecia às embarcações, era um abrigo seguro raro nesta agitada e rochosa costa atlântica, depois, a partir do século XVIII, passou a chamar-se Porto Dinheiro por ser muito rico em peixe e ia o povo dizendo que "lá é que se ganha bom dinheiro"... Não surpreende pois que sejam indissociáveis a importância económica e social da actividade da pesca em toda a região de Ribamar e o peso da fé no seio da comunidade piscatória... 


E hoje, primeiro sábado de Agosto, como manda a tradição, a Festa do Mar é feita de missa e procissão marítima, ali bem junto à praia e ao porto, aguarda num pequeno barco que comecem os festejos a santa padroeira de Ribamar, a Virgem Negra de Monserrate com o menino ao colo, mais tarde, depois da missa cantada em memória dos muitos pescadores que este mar levou, rumará não a Barcelona, sua terra natal, mas a Peniche para se juntar à sua prima Nossa Senhora da Boa Viagem... 




Quis o calendário que a procissão deste ano coincidisse com o dia da Nossa Senhora das Neves, aquela que fez nevar miraculosamente em Roma num verão tórrido num passado longínquo, forma de dizer por sonhos e actos aos poderosos de então que queria ter uma grande igreja em sua honra naquele preciso local, e claro, hoje quem não se maravilha com a belíssima e grande Santa Maria Maggiore que lhe ofereceram?...   



Por aqui e nos tempos que correm os milagres são muito mais discretos mas ainda assim eles existem, como fez notar o pároco de Peniche do improvisado e altaneiro altar abaixo: "hoje até o mar se acalmou para que a viagem seja serena!". E entretanto já lá vai na água a Virgem Negra a bordo do "Mafalda Sofia", típica embarcação de pesca desta região, por entre foguetes de alegria e com escolta engalanada...



E amanhã será dia da tão aguardada tradicional e polémica vacada na praia...


João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

sábado, 15 de julho de 2023

 

"Oeste Mar"

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

"Dar ouvidos ao mar" - Noris@Thenorisone, Ribamar

Jean-Charles Forgeronne 

(Fotógrafo de Valmedo)


sexta-feira, 14 de julho de 2023

 

CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - XLIV


MAR EM CASA, BARCOS EM TERRA, AVIÕES NO JARDIM...


RIBAMAR, nascida do mar e a ele votada ou não o tivesse no nome, é uma pequena vila do concelho da Lourinhã, com pouco mais de dois mil habitantes e muita história para contar desde 1527, ano em que, ao que parece, por lá já viviam doze almas que aí encontraram terras férteis para cultivar, muita árvore para alimentar a construção naval e um excelente local para abrigar um porto de pesca... Hoje, para além da pesca e da agricultura, a vila e arredores são também animados por um florescente comércio... 




Mas àqueles que desconheçam e que se aventurem à descoberta dos mistérios de Ribamar vejo-me obrigado a recomendar muita calma para que possam ter a capacidade de discernir entre o que é real e o que é imaginário, não entrem em pânico à primeira impressão mesmo que sejam assolados pela sensação de se sentirem atraídos para um mundo paralelo muito estranho àquele a que estão  habituados...




E claro, é legítimo agora poderem questionar "Mas do que raio está ele a falar?", pois bem, falo de um mundo surreal documentado nas fotografias do meu bom amigo Jean-Charles Forgeronne e em que podemos encontrar barcos a navegar em plena floresta, aviões que aterram e descolam no jardim lá de casa, de dinossauros que fazem de polícia-sinaleiro nas rotundas ou até de casas com paredes feitas de mar... 




Mas claro, o simpático visitante poderá também sempre usufruir das típicas ofertas turísticas da zona de Ribamar, sejam elas as praias de Valmitão ou de Porto Dinheiro, lá em baixo, de mar puro e areal imaculado, seja a gastronomia vinda do mar, peixe e marisco de primeira onda, ou seja ainda uma visita ao núcleo museológico "Olhar o Mar", nascido num espaço que foi há muitas décadas um estaleiro naval e que hoje preserva e nos revela a história da pesca e dos pescadores, ao fim e ao cabo o património cultural destas gentes ligadas ao mar... Como curiosidade, ainda se pode entrar numa casa do leme, entrar Atlântico adentro e experienciar o comando de uma pequena traineira, e tudo sem gastar um tostão...




João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

domingo, 9 de julho de 2023

 

É PROIBIDO PROIBIR O XARÉM!


Olho para a última capa do Jornal i e vem-me à lembrança uma velha canção do Caetano Veloso:

E eu digo "não"!
E eu digo não ao "não"!
Eu digo: é proibido proibir!
É proibido proibir!




Até concordo e muito com a proibição de fazer surf ou andar de sky e motos de água em zonas de banhistas, agora que já não jogo admito ainda a proibição de jogar futebol especialmente pelo incómodo provocado por muitos praticantes sem civismo, não compreendo lá muito bem a proibição de jogar raquetes mas a proibição com a qual não me conformo mesmo é a da apanha de conquilhas! Querem extinguir aquela actividade social e relaxante de andar ao entardecer nas franjas das ondas da Manta Rota, de mola vergada e rodando os calcanhares com frenesim, em busca dos minúsculos bivalves que depois são guardados em garrafas de plástico até chegarem a casa e acabarem num belo xarém?! Sem conquilhas, que será das populares papas de milho algarvias? Pois bem, em protesto contra tamanho atentado às nossas tradições gastronómicas, e à falta das conquilhas porque ainda não rumei ao sul, aqui deixo um não menos saboroso xarém de mexilhão...



Ingredientes:
- farinha de milho (250 grs); (metade moagem fina  e metade moagem grossa);
- bacon aos pedaços (250 grs);
- azeite e sal q.b.
- 4 dentes de alho picados;
- coentros
- 1 Kg. de mexilhão;
- tabasco q.b.;
- 2 litros de água;



É estranho mas é verdade, há quem no verão rume ao Algarve durante décadas e nunca se tenha aventurado no xarém, que é como quem diz papas de milho, uns talvez por preconceito já que foi durante muito tempo foi considerada comida de pobre, outros pelo pecado do desconhecimento... Mas agora os tempos são diferentes, as papas de milho, essa herança árabe, já não são o prato diário das casas pobres da região porque, antes pelo contrário, hoje figuram entre os petiscos mais procurados, apetecidos e apreciados, por turistas e não só... E se antigamente a base do xarém era a banha, o toucinho e a farinha de milho de grossa moagem, hoje já existem muitas variações de ingredientes, quase ao gosto de cada um, afinal às papas pode-se juntar o que se quiser, embora em Olhão seja obrigatório que sejam as ameijoas e em Tavira as conquilhas... Aqui por Valmedo, hoje calhou serem mexilhões...


Preparação:

- Limpar e cozer os mexilhões em água fervente com algumas gotas de tabasco durante 4 minutos; passá-los imediatamente por água fria e reservar;
- num fio de azeite saltear os dentes de alho, o bacon e os coentros; juntar o miolo de mexilhão e deixar apenas dois minutos a absorver os aromas; reservar;
- numa panela colocar a água da fervura dos mexilhões, juntar um pouco de sal e juntar a pouco e pouco a farinha de milho, mexendo sempre sem parar para evitar a formação de grumos; quando começarem a aparecer bolhinhas no centro da panela é altura de juntar o refogado com os mexilhões;
- deixar cozinhar em lume brando durante mais 5 minutos, mexendo bem e é altura de servir; ornamentar com algumas cascas de mexilhão com o respectivo miolo lá dentro e polvilhar com coentros frescos picados;

Bon apettit...




João Ratão

(Chef de Valmedo)

sábado, 8 de julho de 2023

 

"Morreu o historiador JOSÉ MATTOSO"! Assim reza a notícia que acabo de ler e ainda não me apercebi muito bem do peso da perda, foi por ele que me tornei sócio do Círculo de Leitores nos longínquos anos 90 do século passado e tudo por causa do lançamento da sua História de Portugal, ele que abandonou a vida monástica para se tornar num erudito estudioso das origens lusitanas e da Idade Média... Olho ali para a estante de cima da minha desarrumada biblioteca e reparo também na História da Vida Privada em Portugal, que imenso legado nos deixa este sábio... E depois de o grande comunicador José Hermano Saraiva nos ter deixado há anos, com a partida do José Mattoso então fico mesmo sem referências, sem heróis historiadores, sinto já um grande vazio muito difícil de preencher... Obrigado e fique em paz, mas não descanse muito, continue a esgravatar a história e a contar-nos coisas deliciosas...



João Alembradura

(Historiador de Valmedo)

Cão no terraço

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

 

REGRESSO AO FESTIVAL DOS SORRISOS


Vira-se as costas ao Mosteiro dos Jerónimos e após meia dúzia de passos, já em pleno Jardim Vasco da Gama, damos de caras com uma singular e exótica obra: a Sala Thai... É um pavilhão tailandês, à semelhança de muitos outros que abundam lá pelo país da liberdade e que foi oferecido a Portugal pelo governo da Tailândia em 2012 para comemorar os 500 anos de relações diplomáticas entre os dois países... De resto, os portugueses foram os primeiros ocidentais a chegar ao antigo reino do Sião aquando da expedição de Afonso de Albuquerque em 1511 e um ano depois aí se instalou uma residência diplomática que daria origem depois à embaixada mais antiga naquele país... 




O Pavilhão Tailandês de Belém foi integralmente construído em Banquecoque e transportado de barco até Lisboa, fazendo o percurso inverso daquele que os navegadores portugueses faziam há cinco séculos; foi feito em madeira de teca à maneira tradicional tailandesa, não tem um único prego ou parafuso na sua estrutura e tudo assenta em encaixes de madeira, além disso ostenta um brilho dourado devido às milhares de folhas de ouro que o cobrem... E se por estes dias é o epicentro do Festival Tailandês nos outros dias ordinários qualquer um lhe pode dar o mesmo uso que os tailandeses dão aos seus pavilhões: actividades religiosas ou de lazer, local de reflexão ou um simples abrigo do sol ou da chuva...


Já tinha saudades destes sorrisos desarmantes, os tailandeses nascem, vivem e haverão de morrer com um sorriso e aqui damos por nós inconscientemente a a sorrir também... Este ano encontro mais gente que em anos anteriores, talvez muitos venham com a esperança de que lhes saia em sorte uma das viagens que irão ser sorteadas no decorrer do certame, outros já são habitués e vêm apenas espairecer e isolar-se da azáfama do mundo-cão lá fora e há quem venha para provar iguarias tailandesas, assistir a demonstrações da genuína massagem, assistir a espectáculos de música e dança tradicionais, participar em debates culturais, levar para casa peças de artesanato, enfim, o que apareça...  Mas eis que hoje e como boas-vindas, à hora em ponto de abertura, sou atraído por um workshop culinário e aprendo a cozinhar uma típica salada de atum com molho de ostras e molho de soja, a coisa promete...




Depois de estômago composto veio o alimento espiritual, um grupo de monges presenteou os visitantes com uma conversa serena e esclarecedora sobre os fundamentos do budismo, essa filosofia-religião que convida à contemplação e ao empoderamento da mente... E que bom foi ter recebido aquela tranquila energia positiva que emanava da voz hipnótica do monge orador, estamos sempre a aprender e a crescer enquanto percorremos nesta vida, em vidas passadas e noutras futuras, o caminho do esclarecimento, dizia ele tais verdades com tamanha sabedoria que sai dali renascido e sorridente, quase crente de que esta vida será mesmo muito provavelmente apenas uma passagem e uma aprendizagem para outras vidas... Não ganhei nenhuma viagem mas para o ano voltarei, pelo menos haverá sempre mais sorrisos...




 
Yuehan Kaluosi

(Filósofo Taoísta de Valmedo)

terça-feira, 4 de julho de 2023

 

OS OSSOS E O PESO DA IDADE


Pois é, amigos caninos, algum dia teria que acontecer! Falo daquela sensação com que ficamos depois de a realidade, sem aviso, nos cair em cima e mostrar-nos à evidência que o nosso corpo já não vai para novo e que requer alguns cuidados e limites ao seu uso...  O dia até tinha começado muito bem quando me apercebi que, após um longo e penoso jejum, iríamos vadiar pelos campos selvagens de Verde-Erva-Sobre-o-Mar, de repente vejo-me atrás das grades do velhinho Corsa do M., evidentemente aos saltos de contentamento e eles foram tantos que mais tarde, como justificação para o que aconteceu, o J.C ter dito que "ele de tanto saltar até chegarmos às Cezaredas já estava cansado e de língua de fora, o esforço se calhar foi maior do que o da própria corrida!"...   

Prisioneiro em viagem...

Reconheço que é uma coisa superior ao meu controlo, amigos caninos, antecipo tanta excitação sempre que saímos de Valmedo que só acalmo depois de estar mesmo de rastos, e esta aventura não foi excepção, depois de chegarmos a casa passei a tarde e a noite em modo de merecido descanso, o problema foi a manhã seguinte, não podia mexer-me tantas eram as dores, especialmente na mão esquerda que nem conseguia apoiá-la no chão...


Correndo
  Foi um sofrimento que vos digo, amigos caninos, só me arrastando em três apanhados membros me podia deslocar e claro, quando a N. me viu naquele lastimoso estado entrou em desespero, ainda a oiço a falar ao telefone com o J.C que haveria de chegar mais tarde depois de uma noite a trabalhar no hospital: "Ele não se pode mexer, está prostrado, coitadinho, será que comeu qualquer coisa envenenada sem tu te aperceberes durante o passeio?"... "Não, mesmo quando ele saiu do meu campo de visão não teve tempo para isso... É estranho, ele ontem à tarde conseguia andar bem apesar do cansaço, será que são cãibras?" - ouvia eu do outro lado... "Lembras-te de quando eu chegava a casa depois de uma maratona e não conseguia sequer sair direito do carro?", "Pois, vocês são uns exagerados, é o que é! Ontem abusaste e agora ele nem se mexe! Vou mandar-te uma foto dele para veres a sua tristeza..." E lá me tiraram o retrato para diagnóstico do meu sofrido estado... "O que me preocupa é aquela pata que ele nem mexe... - continuava a N. - É a mesma da qual ele coxeia de vez em quando e já a observei, não vejo lá nenhuma ferida nem nenhum espinho..."  


Prostração

Vieram depois longas e estranhas horas, se por um lado fui contemplado com comida de tacho confeccionada com o intuito exclusivo de me animar, eu que até tinha perdido o apetite pela ração desde a véspera, por outro lado assustava-me o ar com que me olhavam a toda a hora, eu deveria estar mesmo com um aspecto miserável... E também não gostei mesmo nada de ouvir a provocação do J.C., embora se calhar com razão: "Então bicho, estás a ficar velho!? Agora somos dois..." E depois para a N.: "Bem, mesmo que ele entretanto recupere daquela pata, como sempre recuperou e rapidamente, temos que tirar a coisa a limpo para ver se tem alguma fractura ou uma fissura ou seja lá o que for..." E lá fomos ao médico, amigos caninos, a minha primeira ida às urgências, aliás, até agora só tinha tido necessidade de ir ao veterinário por causa das vacinas, uma vez ao ano...


A caminho do RX
Consulta efectuada, radiografia tirada e que não acusou nenhuma lesão na mão problemática, prescrição de comprimidos para as dores e outros para fortalecimento das articulações, agora já ando, corro e salto como antes e a minha existência vai decorrendo aqui por Valmedo com a normal tranquilidade... Apenas uma coisa me vai tirando ao de leve o sono, fui pesado e acusei 4 quilos a mais para o meu peso ideal, estão a ver, será que me vão cortar nos petiscos? E muito convencido também não ficou o J.C, apesar de a simpática doutora tivesse logo afirmado que não acreditava serem cãibras, ele continua a desconfiar disso e quando me apanhou a sós lançou: "James, porque não podes tu também teres cãibras como eu? Até a formação da palavra é sugestiva, cãi (cão) mais bras (abrasado), ou seja, cão abrasado..."... Não sei se estava a brincar...    


JAMES

(Cão de Valmedo)