domingo, 26 de agosto de 2018



EFEMÉRIDE # 51

QUANDO A TEIMOSIA MELHORA AS COISAS...


Há precisamente 50 (!) anos, a 26 de Agosto de 1968, era lançado pela editora Apple um single dos BEATLES, com HEY JUDE no lado A e REVOLUTION no lado B, e que seria simplesmente o maior sucesso da banda! Para além da música genial, esse acontecimento elevou os Beatles a um patamar nunca visto, deu-lhes uma aura transcendental e inigualável, fazendo aparecer inúmeras interpretações e teorias conspirativas sobre as duas canções... 
Os FAB FOUR estavam em plena crise, egos em choque, estados de alma deprimidos e uma existência suspensa pelos instáveis arames do sucesso levaram a que, num belo dia, talvez solarengo talvez chuvoso à boa maneira british, PAUL McCARTNEY se tivesse posto a caminho para uma visita especial... Meteu-se no carro e rumou em direcção à casa dos LENNON, onde apenas o esperavam Cinthia, a mulher abandonada em destroços e o pequeno Julian, então com 5 anos, a quem Paul sempre dedicara muita atenção, sendo quase um pai que o pequeno nunca tivera devido à falta de jeito e ao alheamento de John (palavras do próprio)... A ideia era levar-lhes um pouco de conforto e apoio porque John tinha entretanto abandonado a família por causa de Yoko Ono, essa misteriosa e malfadada figura a que todos apontaram o dedo pelo mau ambiente e pela separação do grupo. E foi então, naquela hora de viagem de automóvel que Paul começou a cantarolar qualquer coisa que daria no Hey Jude, era um hábito que ele tinha quando viajava sozinho e o resultado foi uma simples e poderosa mensagem de alento e força perante as adversidades, um remédio para as dores da alma:


E sempre que sentires essa dor,
Ei Jude, vai com calma,
não carregues o mundo nos teus ombros...








Regressado a casa, McCartney aprimorou as notas no seu piano e a obra-prima estava lançada, apenas precisava dos retoques da banda, tarefa nada fácil devido ao clima reinante perante a presença tóxica da namorada de Jonh, mas a coisa lá se fez não sem haver alguns atritos devido à teimosia (neste caso positiva) de Paul em, contra a opinião dos outros membros, manter os 7 minutos de duração da música, coisa impensável para um single da época, bem como em recusar os floreados de guitarra que George Harrison tinha criado para adornar o tema... Paul preferiu reunir uma orquestra e daí resultou a melhor canção dos Beatles e na opinião de Lennon, que admitiu ter pensado que a letra da música era sobre ele próprio, a melhor criação de Paul...
Mas Hey Jude serve para todos, disse um dia McCartney, e daí a sua aura!



Os Beatles e um corpo estranho...







Por sua vez, LENNON também mostrou a sua boa teimosia, irritado com a recusa dos outros três em incluir no lado B do disco a sua primeira versão de REVOLUTION por a acharem demasiado lenta e insípida, coisa normal porque Jonh tinha regressado há pouco da sua estadia contemplativa nas montanhas da Índia, para ele era então tudo cool e tudo paz, tudo lento e tudo calmo!  Mas o embrião revolucionário estava lá, na letra, era um grito de revolta contra a guerra do Vietname, contra o assassinato de Martin Luther King, contra a invasão russa da Checoslováquia e a favor da revolta dos estudantes parisienses... E então não foi de modas, furioso por sentir que estava a ser castigado por causa de Yoko Ono, Lennon acelera o ritmo e distorce de tal forma o som das guitarras que a canção se tornou um hino percursor do hard-rock...
Tudo junto, o melhor single da história da música, jovem de 50 anos...



Dizem que queres uma revolução,
Bem, sabes, todos queremos mudar o mundo...



REVOLUTION





João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

sábado, 25 de agosto de 2018


"(...) Alguns leitores, mais perversos ou prudentes, criam mesmo o hábito de deixar certos autores de reserva, ou o romance de um autor de que se gosta muito, de modo a que tenha quase a certeza (nunca se tem a certeza absoluta) de que um dia se irá ler um livro com imenso prazer. Isto, aliás, tem a ver com algo que, conforme as circunstâncias foram mais ou menos favoráveis, procurei promover intransigentemente: a ideia da biblioteca como "seguro de vida". Explico melhor por motivos que não estou em condições de desfiar sensatamente, sempre entendi que a "minha" biblioteca só seria uma realidade tranquilizante se obedecesse à regra muito simples de conter sempre tantos livros por ler quanto os livros que nela já li. Com isto fui conseguindo chegar àquele ponto delirante em que, se por um fatídico acaso, deixasse hoje mesmo de poder comprar mais livros, tenho livros suficientes para ler - e reler - que dão para duas ou três vidas. Esta ideia dá-me uma paz dos sentidos e da alma que apenas pode encontrar comparação em algumas composições de Monteverdi ou Mozart.
Digamos as coisas de outra maneira: era necessário que a biblioteca que se foi tornando "minha" estabelecesse uma relação com algo que está para além do tempo da vida, como se ela se inclinasse silenciosamente para o momento em que a morte do mundo que toda a leitura é se convertesse numa imagem feliz da minha própria morte. Para isso, era preciso que, ao olhar os livros que desafiadoramente me esperam, eu soubesse que entre eles há alguns que nunca chegarei a ler."



Eduardo Prado Coelho

in "Público -Suplemento Leituras", 3 de Abril, 1992





A  minha biblioteca


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

quinta-feira, 23 de agosto de 2018



Parque Ambiental de Santa Margarida, Constância




Jean Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)
Butterfly expanding colours...




Jean Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


O BICHO-DA SEDA OU A BORBOLETA-ESCRAVA



Vamos perdendo amigos de infância pelo intrincado labirinto de caminhos que a vida tece e se alguns, poucos e com sorte, ainda encontrámos por vezes em cruzamentos de ocasião, outros, decerto a maioria, nunca mais lhes pomos a vista em cima e apenas vão sobrevivendo nas nossas memórias...
Do Samuel, três ou quatro anos mais velho e meu vizinho, rapaz esquivo e que só dava sinais de vida de vez em quando e do qual, frequentando eu a 4ª classe e ele já há muito liberto da escola para ajudar na faina das fazendas da família, recordo essencialmente três coisas: uma habilidade natural para o desenrascanço que culminou na resolução de várias avarias mecânicas da minha primeira bicicleta, um dom inato para construir os mais vertiginosos baloiços a partir de um pedaço de tábua grossa e de uma robusta corda enrodilhada em complicados nós dos quais só ele sabia o segredo, e, finalmente mas o mais importante, lembro-me da sua esquisita mania pelos BICHOS-DA-SEDA... 




As lagartas...



O Samuel tinha inúmeras caixas de sapatos forradas com folhas da amoreira que havia no quintal do avô e, depois de acertar o olho no lento reboliço que por lá acontecia, apercebia-me das pequenas lagartas às riscas que por lá se espraiavam...
   - "Mas qual é a piada disto?", interrogava-me.
  - Sabes que estas lagartas vão-se transformar em borboletas? - perguntava-me ele do fundo dos seus olhos cor de breu.
   - A sério? Não acredito! - disse eu, embora eu na altura acreditasse em tudo, o que eu queria era mais conversa....
O que é certo é que passadas umas semanas lá me chamou novamente o Samuel para ver a a próxima fase da transformação, já não havia lagartas mas sim casulos, estruturas formadas a partir de fios de seda......



Casulos...





 - Repara! - dizia ele - dali vai sair uma borboleta!
E eu condescendia com o movimento da cabeça mas não interiorizava lá muito bem o significado de todo aquele processo...
  - E depois ficamos com a seda! - rematava o Samuel como se fosse o corolário  de uma fantástica epopeia...
As borboletas dos bichos-da-seda, meus amigos, para quem não as conhece, são uma grande desilusão, feias, descoloridas, canhestras! São sem dúvida as borboletas mais feias de todo o universo e nada têm a ver com a exuberância de cor e actividade que as outras espécies exibem pelos nossos parques e jardins, muito menos ainda com a beleza de uma singela malhadinha nos bosques de Valmedo...





A borboleta do bicho-da-seda



Coitado deste bicho, domesticado desde há 5000 anos pelos Chineses para a produção intensiva de fios de seda, perdeu a capacidade de voar e ficou dependente do homem para sobreviver, limitando-se a produzir e a trabalhar, a trabalhar e a produzir, um escravo... Cada lagarta da Bombyx mori produz  durante a sua breve existência mais de um quilómetro de fio de seda e a industrialização levou à implementação de unidades de SERICICULTURA por todo o planeta...

Não sei o que o Samuel fazia com os fios de seda que lhe ficavam dos casulos, se os vendia para grandes empresas de têxteis ou não, o que sei é que me lembro dele sempre que falam de borboletas, e isso é bom...


João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

terça-feira, 21 de agosto de 2018




Sou a bela malhadinha de Valmedo,
pequenina e irrequieta, garrida,
e se é certo que nunca me levanto cedo
depois não paro um instante, curta é a vida
e tempo não sobra para o movimento
perpétuo que me há-de gerar de novo...

Já fui uma lagarta comilona e crisálida,
morri e morri e reenventei o futuro,
esvoaço sem rumo nem destino, pálida
e fugaz é a minha sina mas bem puro
me parece o sacrifício e o alento
de voltar a ser ímago e pupa e larva e ovo...





A malhadinha de Valmedo...



J.C

(Poeta de Valmedo)






Nas asas de uma borboleta...




Jean Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


AS BORBOLETAS, A CRISE E O MESTRE...



DAVID ATTENBOUROUGH, uma lenda e um mestre dos naturalistas, apesar dos seus 92 anos de idade não consegue desligar-se da natureza... É vê-lo nas últimas semanas empenhado na "BIG BUTTERFLY COUNT", a grande contagem de borboletas que desde 2010 anima o Reino Unido nesta altura do ano e que em 2017 contou com empenho de mais de 60 000 entusiastas e dezenas de milhares de insectos observados... A ideia é muito simples: bastam 15 minutos a observar e contar as borboletas vistas e publicar os dados numa plataforma on-line e assim, cada um contribuirá para a maior e realista amostragem de borboletas existentes que, sendo muito mais do que um passatempo divertido, permite monitorizar e dar resposta a questões que têm preocupado os cientistas ultimamente: estão as borboletas a desaparecer? confirma-se que a maioria das espécies se extinguiram nas últimas quatro décadas? quantas espécies de borboletas ainda existem? o que mais afecta as populações de borboletas, as questões climáticas ou a agricultura intensiva? como preservá-las? e por aí fora...
    



David no seu jardim...



E depois, melhor divulgador desta iniciativa não poderia haver, fazendo uso do seu reconhecido e ímpar humor britânico, Attenborough aconselhou os seus concidadãos a aderir à Grande Contagem de Borboletas porque isso lhes faria muito bem, disse ele que dessa forma, no seu próprio jardim, se tinha conseguido evadir do mundo e sentir-se muito bem assim, fazendo-o esquecer-se da tragédia do BREXIT...
E porque não fazer o mesmo por cá, pensei eu, embora não vivamos nenhum PORTUGEXIT, talvez seja uma boa terapia... Bem dito, bem feito! Desatei a caminhar por trilhos e carreiros do Moledo e, meus amigos, até esqueci que temos por cá os combustíveis mais caros da Europa, a factura mais elevada de electricidade e gás do continente e uma geringonça governativa que parece apostada em se manter refém da máfia financeira e apologista dos salários mais miseráveis do Velho Mundo!  
E ainda consegui observar 34 borboletas, penso que de 5 espécies diferentes... Claro que estes dados são relativos, não posso garantir que a mesma borboleta irrequieta não se tenha cruzado comigo várias vezes, mas mesmo assim, foi divertido e entusiasmante, por um bom pedaço senti-me parte de um mundo harmonioso e belo, pena foi chegar a casa e saber que amanhã já vão subir os combustíveis outra vez...




Borboleta de Moledo...



João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

segunda-feira, 20 de agosto de 2018



VIVER DA ESCRITA?


Ouvi da boca de um escritor, também cientista e divulgador de ciência, que por cada exemplar vendido da sua última obra, ao preço público de dez euros, recebe da editora setenta cêntimos... É obra! E dá que pensar...

João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

quinta-feira, 16 de agosto de 2018



O ESTADO DOENTIO DO MUNDO CÃO...




Relatório revela que 300 padres abusaram sexualmente de crianças na Pensilvânia

Documento do grande júri da Pensilvânia relata abusos sexuais perpetrados por membros da Igreja Católica ao longo de sete décadas. Há pelo menos 1000 vítimas identificáveis.


Quem hoje olhar pela janela e mirar o admirável mundo cão é surpreendido com estas pérolas da imprensa.... Instintivamente somos levados a recordar as sábias palavras de Jean de Meslier, clérigo da Igreja Católica e filósofo do século XVIII e que deixou escrito no seu testamento editado pelo grande Voltaire

"O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre!"


Passados 200 (!) anos, esta máxima revela-se mais verdadeira do que nunca, apenas necessitando de um pequeno ajuste:


"O homem só será livre quando o último político e o último banqueiro forem enforcados nas tripas do último padre...!



João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

terça-feira, 14 de agosto de 2018



EFEMÉRIDE # 50

O REALISMO DA REALIDADE IRREAL...


Há 147 anos, o dia 14 de Agosto de 1871 foi uma dia escaldante por Paris e arredores, em calor e em emoções... Todos os caminhos e atenções da classe política e dos artistas desembocavam em Versalhes onde se iria reunir o tribunal que ia julgar as acções e o destino de 19 réus, acusados de atentado à moral e à ordem pública da nação, destacando-se à larga de entre eles um homem já entradote e gasto, 52 anos de idade, gordo, cabelos já brancos e desalinhados, olhos febris e raiados de sangue, tez pálida e inchada reveladora da dependência do absinto e ainda, pormenor que escaparia à sala repleta mas que era a sua maior tortura, sofredor de hemorróidas... Quando este homem sobre o qual todos os olhares recaíam entra na sala e coloca a protectora almofada de couro no banco onde vai assentar o seu traseiro com um esgar de dor, um burburinho ecoa por Versalhes, todos gozam com o tormento desta criatura e se regozijam com o seu sofrimento, numa onda de raiva sem limite... Porquê tanto ódio concentrado neste homem que não roubou nem matou ninguém, mais perseguido e torturado que os piores criminosos da época?



"Auto-retrato com cão negro" - 1842



A história começa quando GUSTAVE COURBET, então um belo jovem de vinte anos, magro, espirituoso e bon-vivant, com fama de amigo fiel e excelente amante, chega a Paris, não para estudar Direito como julgava o seu pai, mas para mergulhar a fundo na boémia vida dos artistas e nos círculos políticos de esquerda... O desenho e a pintura sempre haviam sido as suas maiores paixões e assim haveria de ser até ao fim, criando pelo caminho fama de artista revolucionário, provocador, indecente, arrogante, brutal, até perigoso para os poderes políticos e artísticos instalados... O próprio Courbet fazia apanágio de alimentar essa aura à volta da sua pessoa vindo a tornar-se numa verdadeira lenda de tudo o que era contra as convenções sociais da época, começando pelo brilhante golpe de 1855, quando, ao ver recusada a entrada de várias obras suas para o Salão da Exposição Universal, fruto da monolítica apreciação da Academia das Belas Artes, o rapaz não esteve de modas, decide organizar ele próprio, mesmo ao lado, uma exposição independente com 50 obras suas, expostas num barracão improvisado em plena rua e à qual chamou "REALISMO"... Não teve muito sucesso nas vendas mas marcou o rumo da história da pintura ao criar uma nova abordagem do mundo através de cenas do quotidiano, retratando o povo e a vida sem fabulações... Uma heresia! Aquilo que os seus inimigos chamavam de cenas vulgares e irrelevantes....




Uma das obras que escandalizaram mas que levou o embaixador turco a encomendar a célebre "Origem do Mundo"



A sua actividade política de esquerda haveria também de estar na origem da sua queda, pois enquanto membro da Comuna de Paris, em 1871, empossado no cargo de Presidente da Comissão de Museus, propôs, como muitos já tinham feito antes, a demolição da coluna da Praça Vendôme, um caro símbolo do exagero napoleónico... Não interessou para o assunto que, quando a coluna é de facto deitada abaixo, Courbet já não ocupe nenhum cargo político, tinha-se demitido de todos eles, o que interessava à elite reposta no poder era a vingança burguesa sobre alguém que tinha posto tudo em causa, havia que encontrar um bode expiatório! O artista foi condenado a 6 meses de prisão, cumpridos com denodo, mas o castigo iria muito mais além, os seus bens seriam todos confiscados, a sua imagem, honra e valor artístico lançados à lama putrefacta da inveja e da calúnia, e finalmente viu-se obrigado ao exílio na Suiça onde passaria os últimos tempos de vida a pintar castelos e paisagens bucólicas de lagos...
Mesmo assim, enquanto decorria o julgamento em Versalhes, alguém o homenageou de uma forma especial: o responsável pelo Palácio do Luxemburgo pendurou no muro do museu uma das grandes paisagens de Courbet, uma das 600 obras que nos deixou...



"A origem do mundo"



João Plástico

(Artista de Valmedo)


segunda-feira, 13 de agosto de 2018



LIVROS 5 ESTRELAS - III


AS VELAS (NEM SEMPRE) ARDEM ATÉ AO FIM...


A crítica e os críticos valem o que valem, apenas valem aquilo que nós lhes valorizamos, mas neste caso, confesso, estou com as críticas e com os críticos! "Uma obra incomparável", "Um dos melhores romances escritos no século XX" ou "Um belíssimo romance sobre a amizade, a paixão e o mundo...", eis o que poderemos ouvir... E de facto, assim é, tudo isso e muito mais e porque cada um o vai medir à sua maneira, mas mesmo sendo ele medido de mil maneiras é um livro extraordinário, paradoxalmente desconhecido do grande público e dos escaparates mas que, voilá, circunstâncias essas que o tornam ainda mais precioso, único, misterioso e imperdivel... Daí que, inevitavelmente, nos chegue por sugestão amiga...








SÁNDOR MÁRAI  nasceu em Kassa, pequena cidade da Hungria (hoje KOSICE, Eslováquia) e foi um dos maiores autores da língua húngara, jornalista, poeta, dramaturgo, romancista, produziu mais de sessenta obras! Opositor ferrenho do regime comunista russo que invadiu o seu país, pagou caro a ousadia com livros proibidos, toda a sua obra censurada, perseguição e um exílio forçado! Daí ainda hoje ser tão desconhecido...
Em 1989, com 89 anos de idade, exilado em San Diego, Califórnia, disparou um tiro nos seus miolos geniais, farto deste mundo deformado e tão pequeno para ele...







"É a maior tragédia com que o destino humano pode castigar o homem. O desejo de ser outro, diferente daquilo que somos: não pode arder um desejo mais doloroso no coração humano. Porque não é possível suportar a vida de outra maneira, apenas sabendo que nos conformamos com aquilo que significamos para nós próprios e para o mundo. Temos de nos conformar com aquilo que somos e de ter consciência, quando nos conformamos, de que em troca dessa sabedoria, não recebemos elogios da vida, não nos põem no peito nenhuma condecoração por sabermos e aceitarmos que somos vaidosos ou egoístas, carecas e barrigudos, não, temos de saber que por nada disso recebemos recompensas nem louvores. Temos de suportar, o segredo é isso. Temos de suportar o nosso carácter, o nosso temperamento, já que os defeitos, egoísmos e avidez, não os mudam nem a experiência nem a compreensão. Temos de suportar que os nossos desejos não tenham plena repercussão no mundo".

in "As velas ardem até ao fim"






João Pena Seca

(Escritor de Valmedo)

terça-feira, 7 de agosto de 2018


LENDAS E NARRATIVAS - IV


OS PASSOS DE DONA LEONOR


Os alcatrazes aninhados nas escarpas da Berlenga não estranharam o barulho do batel a entrar na água nem dos remos a cortar as ondas, assim acontecia todas as noites desde a estação fria, chovesse ou estivesse breu, rebelde ou sereno se mostrasse o mar, lá iam aqueles dois homens rumo à península, um a lutar contra as vagas e o outro de coração exaltado e olhos ardentes tentando ver a chama do seu destino...
Entretanto LEONOR já tinha subido ansiosa os últimos degraus que davam acesso à gruta. Lançou chama ao pavio da lanterna e colocou-a num nicho sobre a sua cabeça, dali a luz poderia ser vista a uma légua e orientar o rumo do seu eleito que haveria de chegar não tardaria muito. Subitamente ouviu um ruído e teve um mau pressentimento, vislumbrou uns vultos na escuridão e quase desfaleceu, eram os sequazes do seu pai, tinha sido descoberta! De raiva estampada no rosto tomou a decisão tantas vezes pensada e amadurecida, não se entregaria a uma vida falsa e iria fugir definitivamente com Rodrigo, viveriam eternamente a sua merecida paixão numa fuga eterna... Começou a descer o carreiro vertiginoso que dava acesso à pequena praia onde em breve aportaria o amado mas uns seixos traiçoeiros fizeram-na resvalar e cair no abismo...
Quando RODRIGO chegou apenas encontrou a lanterna quebrada e abandonada no estreito carreiro e então, enquanto gritava pelo nome da sua amada, avistou lá em baixo sobre as águas o seu manto branco e num mergulho desesperado tentou salvá-la...



A gruta da paixão



Passados dias é encontrado nas redondezas o corpo de Leonor que teria como derradeiro destino o adro da Capela de Santa Ana, ali próxima, e do outro lado do cabo, na costa norte, aparecia também o corpo do infeliz fidalgo, junto a uma rocha depois chamada Laje de Frei Rodrigo... À gruta onde os devaneios amorosos do par enamorado tinham lugar deu-se o nome de Passos de D. Leonor...



O caminho de Leonor


Esta mal-aventurada história de paixão poderia ter saído da imaginação de SHAKESPEARE tais são as semelhanças com a sua obra imortal "Romeu e Julieta": tal como o ódio visceral que opõe as duas famílias de Verona e que as leva a fazer tudo para evitar o relacionamento entre os seus filhos, também aqui os pais de Rodrigo e Leonor são dois abastados fidalgos que são inimigos figadais e que tudo fazem para separar os amantes, tendo Rodrigo sido desterrado para o mosteiro de frades Jerónimos que existia na Berlenga, mas nem essa distância chegou para apaziguar as ânsias da paixão... 



Laje de Frei Rodrigo


E se a intensidade da paixão é a mesma e que leva as personagens atormentadas a lutar até à exaustão pelo seu amor, também é comum nas duas histórias o final trágico, epílogo que torna as lendas poderosas e imortais. Finalmente, e não se sabendo se o grande dramaturgo inglês andou aqui pelo Cabo Carvoeiro, as duas histórias coexistem no tempo final do século XVI e, enquanto Romeu e Julieta saíam da pena de Shakespeare, Leonor e Rodrigo amavam-se sobre as falésias... 





Capela de Santa Ana


João Alembradura

(Historiador de Valmedo)


CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - V


AIR BAG NATURAL...


O GANSO PATOLA paira sobre o oceano a 30 metros de altura e, pouco antes de mergulhar a 120 Km por hora, retrai as asas ficando com a forma de um torpedo, fecha as narinas e cobre os olhos com uma membrana protectora... Ao mesmo tempo, bolsas de ar que possui sob a pele são insufladas com o intuito de proteger a cabeça e o corpo do tremendo impacto que se seguirá e que é de tal magnitude que deixa os peixes da zona atordoados... Se assim não fosse, se não possuísse esse air bag  fruto da evolução natural da espécie, o alcatraz não resistiria à façanha!






Outra curiosidade desta ave é aquela que se prende com a caça desenfreada de que foi alvo por parte do homem nos princípios do século XX, não só para alimentação mas também para fins medicinais com o aproveitamento da sua gordura, bem como devido ao valor de mercado que granjearam as suas penas na indústria de revestimento de colchões, travesseiros e edredons...
E tão nobre criatura merecia uma história e uma homenagem a condizer pois é a única ave que possui uma ilha famosa com o seu nome, a mítica ALCATRAZ da baía de São Francisco na Califórnia, berço da prisão mais famosa do mundo e de onde, consta, ninguém conseguiu alguma vez escapar! Tudo culpa de Juan de Ayala, navegador castelhano que descobriu a ilha em 1775 e que, fascinado com a colónia de gansos patola que a habitavam, a baptizou a propósito de "ISLA DE LOS ALCATRAZES"!..


João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)





domingo, 5 de agosto de 2018




"O Guardião do Carvoeiro"


Jean Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)



O GANSO ROMEU E A JULIETA DE CIMENTO....


O "GANSO PATOLA", ou "ALCATRAZ", como também é conhecido, é a maior ave marinha que habita as águas lusitanas, branca, de cabeça amarelada e de asas compridas e negras nas pontas, é inconfundível, assim como o seu extraordinário mergulho, feito a pique de grande altura e que pode atingir os 40 metros abaixo da superfície do oceano, em busca dos minúsculos peixes que são o seu sustento... Nesses breves momentos torna-se numa flecha disparada para o mar profundo....






É uma ave migratória que partindo do Atlântico Norte busca no Outono climas mais amenos a sul e que, felizmente, tendo gostado do nosso ar temperado, fica por Portugal durante todo o ano, podendo ser observado ao longo de toda a nossa costa mas com especial incidência e beleza nas BERLENGAS e CABO CARVOEIRO...
É uma das espécies animais  mais fiéis, podendo os casais viver juntos por muitas temporadas... Que o diga NIGEL, o ganso patola mais famoso do planeta...



"Romeu e Julieta  cimentados"





Nigel, o Romeu Patola




Um dia NIGEL parte rumo ao sul e avista numa ilha completamente desabitada uma colónia dos seus semelhantes, muitos agachados e a mirar o horizonte, outros a dormitar, alguns a debicar algum verme e até casais em plena dança de acasalamento... Gostou do que viu e decidiu ficar por ali alguns dias, pensando aproveitar a estadia para recuperar do enorme esforço já despendido. NIGEL não usa GPS porque não precisa mas sabe que está numa ilha remota da NOVA ZELÂNDIA, chamada MANA, completamente desabitada e onde tinham sido colocadas cerca de oitenta réplicas de gansos patola em cimento com o intuito de chamar outras aves para a ilha... E ele, de boa fé, aí pousou!
Não se sabe quanto tempo NIGEL quereria aí descansar mas o que é certo e dramático é que ele se apaixonou por uma gansa patola de cimento, qual JULIETA, e por aí ficou 5(!) anos, a única alma viva da ilha, fazendo a corte e juras de amor à sua amada... Construiu um ninho de algas e galhos à volta do seu amor (um ritual de acasalamento da espécie) e assim morreria, sem glória mas com dignidade, esperando o sim da sua amada...



João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

sábado, 4 de agosto de 2018

"Observando o casal ganso-patola"



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

sexta-feira, 3 de agosto de 2018



A TOUPEIRA DE AGOSTO

O CALOR DA EXPECTATIVA


Amigo Rui, esta será a tua quarta época ao comando dos sonhos do glorioso e por isso podes ficar orgulhoso, poucos resistiram no lugar tanto tempo e menos ainda conseguiram os sucessos que já alcançaste em três anos, mas o futebol de hoje está cada vez mais cínico e ingrato, essa história que já escreveste de pouco te servirá se não voltares às conquistas nesta época depois do desastre que foi a última, especialmente se não almejares a reconquista do título de campeão nacional!
E depois de na primeira temporada teres sido brindado com a série "SMS", seguida do "PÓKEMON" e da "VÍDEOCHAMADA", eis que a partir de agora terás de te haver com a análise dedutiva e indutiva de "A TOUPEIRA"... 
Mas calma, amigo Rui, antes que te exasperes deixa-me apresentar-te essa personagem mal afamada e tão esquiva quanto misteriosa: é um minúsculo bicho que cabe na palma da mão e que gosta mais de viver debaixo da terra do que cá em cima, talvez porque não goste do ambiente turbulento à superfície, tendo-se adaptado de tal forma às entranhas telúricas que os seus membros dianteiros são autênticas pás escavadoras, os olhos estão cobertos e protegidos por pele e os ouvidos por pelos, e o seu organismo permite-lhe viver em ambientes saturados de dióxido de carbono porque se tornou deveras eficiente no consumo do raro oxigénio disponível.... Um bicho underground por excelência!



Andou por aqui...


A nossa toupeira constrói um intrincado sistema de túneis que se ligam a galerias onde armazena alimento (especialmente minhocas e outros vermes), aloja e protege as suas crias e uma delas, a principal, é a sua casa, do tamanho de uma bola de futebol (santa ironia), forrada a erva e folhas secas, conforto acima de tudo... Na sua despensa podem ser encontrados à volta de 1000 minhocas e vermes, vivos porque anestesiados pela sua saliva paralisante e que lhe dará sustento nos rigores do Inverno! Bicho solitário por natureza, excepto na época de reprodução, raramente a toupeira vem cá acima, apenas quando se torna necessário efectuar obras de conservação no seu sistema de ventilação, devido às chuvas, por exemplo...
O problema da toupeira, criatura inocente, é que ao escavar tanta coisa dá cabo de muita raíz de planta, levando ao desespero agricultores e jardineiros que a tornaram num alvo a abater! Mas mais injusto se torna se tivermos em conta que, ao escavar tanto o subsolo, a toupeira contribui para uma melhor oxigenação da terra e uma maior produtividade dos terrenos! Outra ironia...




Do ALFA ao ómega...


Bem, amigo Rui, podes ficar contente e aliviado porque a nossa toupeira apenas virá cá acima analisar o estado da nação benfiquista no princípio de cada mês, olhando para o que ficou e prevendo o que virá e nesta primeira aparição, em plena silly season futebolística, onde o calor das expectativas se perde muitas vezes por entre contratações falhadas e arranques tristes quando é a sério, o que ela te diz é o seguinte: é fundamental a entrada nos grupos da Champions!  Se isso não acontecer, será afiado o gume da guilhotina que te há-de consumir...
O resto são pormenores: o JONAS fica? E se ficar, as costas não voltarão a atraiçoá-lo? Neste caso do ataque está a toupeira tranquila, finalmente contrataram-se bons elementos que hão-de provar a sua valia: FERREYRA CASTILLO. No entanto, será SALVIO adaptado, quando necessário, a lateral direito, depois da grave lesão (mais uma no plantel) do EBUHEI? Estarão os centrais que vieram à altura quando for necessário substituir o JARDEL ou o RÚBEN DIAS? Começará o GRIMALDO a defender melhor? Será o ODYSSEAS o novo keeper de confiança? E no meio campo, quando o PIZZI voltar àquelas fases de rendimento mínimo quem pensará o jogo da equipa?  O KROVINOVIC regressará em grande? Tanta dúvida, amigo Rui, que nem interessa comentar os resultados e as prestações dos jogos de preparação, o que interessa é quando for a doer, e isso é já na próxima terça com os turcos! A toupeira, no entanto, gostou muito do ALFA SEMEDO, atitude, coragem, técnica e um porte atlético impressionante...
Por agora é tudo, até Setembro e boa sorte, amigo Rui!


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