sexta-feira, 30 de setembro de 2022

 

"A vida é uma pílula que ninguém consegue                   engolir sem primeiro a adoçar..."


Samuel Johnson (1709-1784)

Ensaísta e linguísta

 

A MISTERIOSA ORIGEM DAS PALAVRAS - XX


A PÍLULA DOURADA


O nome pílula tem origem no latim pilula que significa "pequena bola" ou "bolinha" já que é um diminutivo de pila, "bola", e representa o formato  de um dos mais antigos medicamentos da história humana e deste mundo-cão... Desde tempos ancestrais que praticamente todas as substâncias curativas eram reduzidas a uma pasta que depois era moldada em pequenas bolas para serem engolidas ou mastigadas mas que por serem muito amargas tornavam o tratamento muito desagradável, nalguns casos chegava a ser mesmo uma autêntica tortura "engolir a pílula"...



Para atenuar o incómodo do tratamento e a sua rejeição tentou-se desde cedo dar outro sabor e aspecto às pílulas, especialmente juntando-lhes açúcar mas também dourando-as, isto é, pasme-se, revestindo-as com finíssimas folhas de ouro! A utilização do ouro na medicina era tradicionalmente uma das bases da farmacopeia árabe, já  Avicena, célebre filósofo persa do século X e que ainda adolescente já praticava as artes da medicina, revestia os comprimidos com folhas de ouro ou prata... O ouro, esse improvável medicamento foi até ao século XVIII usado também como fortificante, remédio para a epilepsia, cura para a icterícia, servia ainda como laxante através de clísteres e aos doentes que sofriam de varíola era-lhes aplicada no rosto uma fina película do milagroso metal! Ainda dizemos hoje que a medicina é cara! Dourar a pílula significa então disfarçar algo penoso ou desagradável e apresentá-lo como de fácil aceitação, basta acreditar e engolir... 



João Portugal

(Linguísta de Valmedo)

sábado, 10 de setembro de 2022

 

EFEMÉRIDE # 93


A QUEDA, O AMOR E O VINHO...


Há precisamente 110 anos, a 10 de Setembro de 1912, um extraordinário acontecimento teve lugar: o primeiro voo pilotado por um português ocorreu sobre as águas do Tejo! Não foi o primeiro voo a acontecer em território lusitano, esse tinha sido feito três anos anos por um francês que sobrevoara o rio a uns milagrosos oito metros de altura mas que azaradamente aterrara no telhado de uma casa em Pedrouços! Então, e apesar do incómodo incidente, a aventura não deixou de ser um acto heróico aos olhos da multidão lisboeta que assistia... Diz-se que foi por isso, de uma esperada e inevitável queda, que o jovem Alberto Sanches de Castro, então com 24 anos, aluno do Colégio Militar com aptidões para a mecânica e curso de pilotagem tirado em França, patrocinado e desafiado por amigos, escolheu como sua base de treinos o Mouchão da Póvoa, uma lodosa ilhota no meio do Tejo com as lezírias da Póvoa de Santa Iria à vista e que em caso de aterragem forçada sempre seria mais adequado e macio do que o telhado de uma qualquer casa na margem do rio... 



Nesse dia, Alberto lograria cometer a façanha de descolar e aterrar quatro vezes com sucesso em plena pista de 1200 metros do Mouchão, tendo voado algumas centenas de metros a 5 metros de altitude! Tal proeza deu-lhe ânimo para se aventurar dias depois numa viagem mais longa e tentar atravessar o rio e até conseguiu só que despenhou-se a alguns quilómetros da base ao entrar por uma fábrica de cortiça adentro! Grande sorte a sua pois miraculosamente apenas partiu algumas costelas e ainda viria a conhecer a mulher da sua breve mas intensa vida, a lindíssima filha do dono da fábrica, um empresário corticeiro alemão que a disponibilizou para serviço de enfermagem ao nosso aventureiro... Alberto foi tratado com tantos mimos que abdicou de qualquer ida ao hospital e o romance inevitavelmente teria que acabar em casamento! Talvez por influência da mulher Alberto assentou, pôs de parte a sua inclinação para desafiar o perigo e tornou-se cidadão recatado, professor de engenharia mecânica e tendo como hobbies a pintura e a caricatura...   



Para a posteridade, Alberto Sanches de Castro deixou um curioso manual prático de reparação de automóveis com o título "Ó Chico, não sejas azenhudo" e o famosissímo logotipo do vinho do Porto Sandeman, um homem de capa negra e chapéu de abas com um copo na mão, afinal tudo tinha começado com a cortiça usada para as rolhas do afamado néctar... Alegre lhe foi a vida mas triste foi a sua sina, acabaria por morrer aos 46 anos de idade num estupido acidente quando esquiava na serra da Estrela...


João Plástico

(Artista de Valmedo)