sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Uma questão de ritmo...

 


TIRADAS DO GÉNIO - V



Muitos questionavam-se o que estava ele ali a fazer no "The Last Waltz", afinal não tinha nada a ver com THE BAND mas como tinha sido convidado por Robbie Robertson que havia produzido o seu último álbum, Neil Diamond, que até teve direito a cantar uma das suas baladas após a actuação de Joni Mitchell, consta que ao sair do palco e ao cruzar-se com Bob Dylan lhe terá lançado:

  - "Veja se faz melhor!"

E o eterno trovador, naquele seu permanente ar de aborrecido, terá imediatamente respondido:

  - "O que é que eu preciso de fazer? Subir ao palco e adormecer?"





João Plástico

(Musicólogo de Valmedo)

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

A penúltima valsa...

 

EFEMÉRIDE # 84


A ÚLTIMA VALSA DA BANDA...


Há precisamente 44 anos, a 25 de Novembro de 1976, corria o pleno dia de Acção de Graças Americanas, teve lugar em São Francisco um concerto único na história da música popular: THE BAND apresentava-se pela última vez em palco, numa despedida à semelhança daquela que os Beatles tinham feito  anos antes... Apesar da coisa não ter sido pacífica dentro da banda lá se fez o espectáculo, memorável por sinal, e que contou com participações absolutamente memoráveis, de entre elas: Van Morrison, Neil Young, Joni Mitchell, Eric Clapton, Muddy Watters, Neil Diamond, Ringo Starr, Ron Wood e especialmente Bob Dylan!





Poderia ter sido apenas mais um belíssimo concerto de despedida como tantos outros mas acabou por ganhar contornos míticos a partir do momento em que foi filmado por Martin Scorsese e editado anos depois, em 1978, com o sugestivo nome de "The Last Waltz", considerado ainda hoje um dos melhores filmes de sempre sobre um concerto rock ... Além disso, as polémicas e divergências entre os membros da banda ao longo dos anos seguintes contribuíram para fazer desse concerto, em filme ou em disco, um acontecimento mítico... 



"I shall be released"


Para além da curiosidade das 5000 pessoas que assistiram ao evento terem sido presenteadas com um jantar de peru à tradicional maneira americana, ficou para a história de que afinal esse não seria o fim dos THE BAND, não só ao vivo como em estúdio, mas nada foi igual desde então, continuar sem Robbie Robertson só se pode justificar por questões financeiras e de sobrevivência, equivale a uns Beatles sem Lennon ou sem Mc Cartney... Mas ficam a música genial e a memória de um tempo psicadélico...


I shall be released      


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)                                                                         

domingo, 22 de novembro de 2020

O Místico Saramago de Paimogo...

 


ARTE PARA OS PÁSSAROS E OUTROS DRONES...


Aqui estou eu, arrepiado até ao tutano ao sentir a água gelada subir por mim acima, aguentando estoicamente a espuma das vagas da maré enchente de braços ao alto enquanto seguro no telemóvel a mãos ambas, numa inclinação calculada e a disparar retratos como se não houvesse amanhã, na esperança de captar sob a luz certa e o ângulo correcto a cara do Saramago e enquanto isso, talvez para não soçobrar perante algum ridículo que não-sei-quantos pares de olhos que me observam me pudessem apontar, lembro-me das palavras do mestre: "a vida é uma coisa urgente de se viver!"... Subo a jangada de pedra sem coragem para consultar na minha humilde tecnologia ambulante o fruto da minha expedição e passo ao lado do mascarado impassível que de olhos mergulhados no pequeno ecrã manobrava a pequena passarola voadora lá no alto até que, de repente, uma veneta ribatejana me assalta e faz-me dar dois passos atrás e botar conversa: 

    - Só assim é que se consegue ver, não é? - lancei enquanto me aproximava...


"Arte celestial"


O homem, não-novo e não-velho, vindo sabe-se lá de onde, talvez de perto talvez de longe pois parece que há uma frenética romaria para ver a novidade, não se incomodou com a minha abordagem e continuou a digitalizar enquanto dizia algo do género "pois, é preciso ter o ângulo certo e a luz certa"... Vendo que ele não se incomodou com a minha proximidade arrisquei uma espreitadela e vi  no pequeno ecrã do comando, tal qual no vídeo publicado pelo VHILS, Saramago em todo o seu esplendor a ser lambido pelas águas do Atlântico!

  - Isto é a imagem em tempo real? - aventurei-me a perguntar enquanto olhava para o céu em busca do pequeno, escuro e silencioso besouro mecânico que ali pairava ..

   - Tal qual!

E eu, baixando o olhar para o chão, para a obra propriamente dita, apenas conseguia vislumbrar os óculos do Nobel, tudo o resto tinha que ser imaginado, era questão de uma estranha fé própria dos modernos tempos de veículos aéreos não tripulados, qualquer dia até a vida será não tripulada, mas sabia eu que ele lá estava porque tinha visto no computador, agora confirmava que ele ali estava à minha frente, debaixo dos meus pés mas que o simples olhar não alcançava por mais que tentasse, era preciso ver através de uma câmara pendurada lá no alto! Raios, é de génio, uma obra fantástica que desafia simultaneamente o olhar humano, a natureza e a tecnologia, homenagem maravilhosa a quem sempre desafiou os limites do entendimento das misteriosas coisas do mundo-cão... E se já o Vieira dava sermões aos peixes agora o Saramago fala com os pássaros...



"Jangada de Pedra" - Jean-Charles Forgeronne

E aqui vou eu de regresso pelo areal, embalado pelo deslumbrante sol posto que me faz pensar na vida e na morte, no visível e no idealizado, no corpo e na alma, nos mistérios do mundo afinal... Desde o dia em que VHILS ofereceu esta obra a esta minha costa lourinhanense que tenho vindo, ora de manhã ora à tardinha, sempre que posso, maré vazia, cheia, enchente ou esvaziante, sol a pino, nascente ou poente, em busca da obra iluminada e que sei estar lá mas que não consigo ver, e dou por mim a pensar como é bom ter o dom da visão para observar este lindíssimo pôr-do-sol embora seja completamente cego para outras coisas... "Se consegues olhar, vê, se consegues ver, repara!", são palavras de Saramago às quais eu junto: se não consegues reparar apesar de ver, teima, se não consegues ver apesar de olhar, imagina! 


"Paimogo poente" - Jean-Charles Forgeronne


E assim, de peito feito chegarei a casa, terei as lambuzadelas do James à minha espera e depois de largar a roupa e os sapatos encharcados irei processar as fotos do dia, desilusão mais que anunciada mas que não impede que amanhã e depois e sempre lá volte, em busca do momento especial em que possa captar a obra integral, ainda que isso, não sendo pássaro, talvez seja impossível... 

  E por isso, àqueles que demandam a pequena enseada de Paimogo, que de um dia para o outro e viralmente se tornou instagramável, em busca de uma simples fotografia da obra para postar nas redes sociais, há que alertar: ou chegam de balão, ou levam um zangão atrás ou então é melhor irem pelo sol posto, ao menos poderão desfrutar de uma visão magnífica e não darem o tempo por perdido... Ou então ainda, levem toda a misticidade de Saramago convosco! 


João Plástico

(Artista de Valmedo)

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A jangada de Paimogo...



 "A primeira fenda apareceu numa grande laje natural, lisa como a                                        mesa dos ventos..."

José Saramago, "A Jangada de Pedra"






Ainda do convento não havia memória
e nós sob o mesmo sol e a mesma lua,
por azinhagas e parceiros sem história
buscámos a imortalidade, ela será sua... 

Ontem, há bocado, agora e logo,
tenho o meu saramago de volta...
Arribou de jangada a Paimogo
e a inquietação ficou à solta...

Mas só levantado deste chão
numa estranha passarola voadora
e animado pela fé do gusmão
daqui vazio não me vou embora...

Posso olhar mas não vejo
e se não o vejo não reparo,
mas sinto-o ali com o desejo
de que o mundo tenha amparo...

Farto é o génio do artista
que para a eternidade criou,
e eu cego, embora com vista,
humilde com a maré me vou...

 J.C
(Poeta de Valmedo)




"Saramago imaginado"



terça-feira, 17 de novembro de 2020

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A Patavina Americana

 


A MISTERIOSA ORIGEM DAS PALAVRAS - XVII


A AMÉRICA DAS PATAVINICES...


No preciso momento em que escrevo as primeiras palavras desta crónica ainda não é conhecido o vencedor das eleições americanas nem se sabe sequer quando tal possa ocorrer, dentro de dias, de semanas, de meses? Ou para o ano se a coisa avançar para os tribunais? Ninguém sabe, coisa normal por aqueles lados em que o american way of life se tem vindo a tornar cada vez mais numa existência esquizofrénica ao ponto de cheirar a esturro e de levar-nos a pensar que já estivemos mais longe de uma guerra civil num país enorme e dividido e em que qualquer um pode andar armado até aos dentes a armar-se em justiceiro, desta vez não contra os índios mas contra a outra metade que pensa diferente, se é que a metade trumpiana pensa... No que toca a eleições, o grande país das conspirações e considerado o mais poderoso do planeta mais parece transformado numa república das bananas em que não há voto universal e em que um presidente pode ser eleito sem ser o mais votado, onde um presidente eleito pode ficar refém do Senado ou do Congresso, onde um presidente que não quer admitir a derrota ameaça com os tribunais e com a impugnação e até pode levar a sua avante, como se pode falar em democracia americana? 





E então, enquanto circulava de comando na mão pelos noticiários todos iguais em busca das últimas novidades sobre a grande eleição, desabafei para o James que se encontrava enroscado no seu cadeirão preferido:

   - Não percebo patavina disto, James!

E ele, que há largo tempo não dava sinal de vida, limitou-se a apontar o focinho para mim de orelhas levantadas naquele gesto que significa em linguagem canina que não estava a perceber patavina do que eu estava dizendo... E aí dei comigo a dar-lhe razão:

   - Tens razão, James, nem eu sei o que é uma patavina! Vamos lá descobrir isso... - e lá fui em busca de respostas deixando para trás as misérias do mundo e da América...


 

Obra de Tito Lívio, "Il patavini"

Ora, é do senso comum que a palavra PATAVINA tem na língua portuguesa dois significados: por um lado significa "nada, coisa alguma" e por outro também pode representar um "pateta, um idiota"; para além disso, dela se forma outra palavra, PATAVINICE, que por sua vez faz parte da famosa expressão  «dizer patavinices» que não é mais do que dizer parvoíces, coisas que não se entendem! E a culpa de toda estas patavinices recaem sobre um grande pensador, orador e historiador: TITO LÍVIO! Em tempos remotos chamavam os romanos PATAVIUM à actual cidade de Pádua, terra natal de Tito Lívio, célebre autor de "História de Roma", obra escrita com muitas patavinitas, isto é, termos ou expressões típicas do dialecto regional falado na cidade, o patavino, e por consequência incompreendido pelos forasteiros... "Não saber patavina" significava então não compreender o que o mestre escrevera e depois, ao longo dos anos em que Pádua teve desde o século XIII uma das mais importantes universidades europeias, especialmente no ensino de Direito, quem ignorasse os ensinamentos dali provenientes, ou seja, não saber o que ensinava a escola patavina era o mesmo que não saber nada de nada! 



Tito Lívio dizendo patavinices...


João Portugal

(Linguísta de Valmedo)


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Bailado...

"Bailado no campo..."







 

"Bailado na praia..."




Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Vulcão adormecido...



A RAIVA DO  VULCÃO - IX


E SE A TERRA TREMER A SÉRIO?



Dou comigo a desejar que quando a Terra tremer a valer neste sísmico país seja eu apanhado como estou hoje, em campo aberto e a correr por entre estes frondosos pinheiros, de câmara fotográfica armadilhada e à mão de semear e de olhos apontados para a copa das árvores, cabeça em movimento de radar na busca da mais ínfima agitação que denuncie a presença dos dois esquilos com que me cruzei um par de vezes há semanas em encontros imediatos de terceiro grau e que, por tão surpreendentes que foram, nem me deram tempo para lhes tirar um retrato... E durante este tempo que passou para aqui tenho vindo à caça dos esquivos bichos, sem sucesso até agora mas animado de uma romântica esperança de que eles, por já me considerarem um amigo, uma grata persona que apenas os quer fotografar, baixem a guarda e me façam uma bela pose...




 

Muita gente tem a mania de desvalorizar tudo o que são acções, campanhas e treinos de sensibilização para os comportamentos a ter em caso de calamidade, como se fossem brincadeiras a fazer de conta porque isso de grandes sismos ou outras catástrofes naturais só acontecem de séculos a séculos ou em filmes e, regra geral, especialmente aos outros, lá pelas Filipinas, pela América latina ou pela esquizofrénica quinta do Trump, mas depois, quando algo de trágico acontece e nos toca de perto, logo levantamos vozes para aquelas instituições que deveriam ter feito isto e aquilo, que deveriam ter prevenido e informado, que deveriam ter feito alguma coisa, afinal para que servem, pergunta-se logo em catadupa... Pois bem, e para memória futura, a AUTORIDADE NACIONAL de EMERGÊNCIA e PROTECÇÃO CIVIL está de parabéns pela iniciativa que promove neste exacto instante: um singelo minuto de treino e reflexão simulando a reacção a ter perante uma eventual catástrofe sísmica de grandes dimensões, e certamente não foi por acaso que foi escolhido o mês de Novembro, afinal é incontornável a memória do grande sismo de 1755 que destruiu Lisboa e assustou toda a Europa!




"O terramoto de 1755" - João Glama, MNAA


Ora bem, como estou na rua, manda o protocolo que não deva correr ou vaguear por aí sem destino, por isso interrompi no segundo exacto o meu treino e encontro-me aqui parado, calmo mas não sereno como mandam as instruções porque de tão ofegante que estou vou-me curvando de mãos apoiadas nos joelhos e cuspindo os bofes, nem tudo pode ser perfeito, certo? Estou em plena natureza, afastado de qualquer edifício, longe de muros, taludes, chaminés ou postes de alta tensão, estou a cumprir escrupulosamente as instruções e parece que o mundo parou, tudo está em suspenso, o silêncio é aterrador, até o vento amainou e no entanto a terra não treme, apenas um ramo se agita sobre a leveza de um esquilo em movimento... Claro, os primeiros a se aperceberem de que algo de anormal está para acontecer são os animais e se este anda para aqui aos saltos de pinheiro em pinheiro é porque ainda não é hoje que a catástrofe anunciada irá acontecer! Procuro a máquina, disparo de instinto e catastroficamente sai-me esta imagem:






Não ficou grande coisa, reconheço, mas pelo menos fiquei a saber como agir perante um grande sismo em plena natureza, quanto a outros cenários, seja em casa, noutros edifícios, no carro, nos transportes públicos, é só perder um minuto e pesquisar no sítio da Protecção Civil, pode valer uma vida...  E continuo esperançoso de que ainda consiga tirar um retrato de jeito aos esquilos antes que um grande terramoto nos leve a todos!



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

segunda-feira, 2 de novembro de 2020