ESCRITO NA PAREDE - XXIV
CAMINHADA OU LEITURA EM MADRID? AMBAS!
E brutal mesmo é, entre a caminhada e a leitura, descansar sentado num livro, pensar e observar rodeado de livros...
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
ARTISTICO RETIRO EN LA NATURALEZA...
Quando estava com um pé em Castela chamavam-lhe Felipe e era o quarto mas quando punha o outro pé em Portugal tornava-se Filipe e passava a terceiro, viveu 60 anos, 5 meses e 9 dias e desde os 16 anos de idade que reinou por mais de 4 décadas para gaúdio dos seus apoiantes que lhe chamavam "O Grande" e "O Rei Planeta" e para desgosto dos seus detractores que o apelidavam de "O Opressor"... O ano de 1640 foi-lhe agridoce, depois de 60 anos de união ibérica Portugal tornou-se independente mas por outro lado, talvez para digerir as frustrações em retemperadores passeios num idílico retiro e após 10 anos de obras recebeu de presente um grandioso parque: o Real Sitio del Buen Retiro!
"El Gran Estanque" - Jean-Charles Forgeronne |
Hoje, passados 383 anos da sua inauguração, o Parque del Buen Retiro é desde 2021 considerado Património Mundial da Unesco apesar de ocupar "apenas" 125 hectares, uma pequena parte da área original, afinal o parque tinha sido destruído quase na totalidade durante as invasões napoleónicas e desse tempo resta somente o grande lago conhecido como o Gran Estanque, construído já Felipe IV morrera... Mais tarde, em 1902, foi erguido o grande monumento que impera nas suas margens...
"Palacio Velasquez" - Jean-Charles Forgeronne |
Duas visitas obrigatórias durante um passeio por entre as mais de 15000 árvores do Retiro são o Palácio Velasquez, construído em 1881 e que hoje acolhe exposições de arte contemporânea, não só interessantes mas gratuitas e por estes dias e até meados de Maio é possível conhecer Manolo Quejido que apresenta obras disponibilizadas pelo Museo Reina Sofia e depois também é de ver o Palacio de Cristal, uma curiosa estrutura em ferro e vidro construída em 1887 para servir então de estufa para uma exposição de plantas e flores das Filipinas...
"Palacio de Cristal" - Jean-Charles Forgeronne |
Até terminar o passeio na extremidade sul do parque, à beira de museus e do Paseo del Prado, ainda se passará por uma estátua única no mundo, por árvores exóticas e com muita história para contar, por fontes, por um bosque de recordações e até por uma ermida...
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
SEXTO INCIDENTE TRANSFRONTEIRIÇO
LA CHICA, LA MOCHILA Y EL PORTUGUÉS...
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
"Mural ao 25 de Abril" - Mário Belém |
"Legenda" |
(+/-) |
João Plástico
(Artista de Valmedo)
O POEMA ELÉCTRICO 24
"Jardim do Aqueduto" - Jean-Charles Forgeronne |
A 1 de Julho de 1905 era inaugurada a linha do eléctrico 24 ligando a Praça Luís de Camões a Campolide e assim funcionou durante 90 anos até ser suspensa em 1995 por causa da construção de um parque de estacionamento subterrâneo na Praça de Campolide... E como é comum neste país acontecer a coisa que se fecha muitas vezes não voltar a abrir, parque de estacionamento concluído e elétrico nem vê-lo durante mais de 20 anos, mobilizou-se o povo lisboeta unido em petição para exigir a reactivação da linha e, quase milagre, precisamente há 5 anos, simbolicamente a 24 de Abril de 2018 voltou o 24 a andar por carris desde Campolide ao Bairro Alto... Feliz ficaria o poeta ao disso saber, ele democrata e anti-fascista, militante convicto das justas causas populares...
"O 24 em Campolide" - Jean-Charles Forgeronne |
LIVROS 5 ESTRELAS - XXXIII
AS MARAVILHOSAS AVENTURAS DE JOÃO SEM MEDO
É um daqueles livros que pode e deve ser lido em tenra idade como depois ser relido já adulto porque apesar de haver quem o catalogue como objecto de literatura infantil isso não faz justiça à riqueza proverbial da obra e isso aconteceu comigo: depois de há muito tempo ser obrigado pela escola a ler as "Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo" acontece que, por curiosidade e nostalgia, voltei a relê-lo recentemente... E se me lembrava apenas vagamente de umas aventuras extraordinárias de um menino agora pasmei com a sabedoria impregnada naquelas páginas, a leitura é tão diferente e tão mais rica que que me frustrou o não ter aprendido então os segredos da vida que agora, já tarde, julgamos saber... Nesta obra, concebida em 1933, José Gomes Ferreira publicava um episódio por semana na revista infantil "Sr. Doutor" e, nas palavras do próprio, por falta de tempo muitas vezes era obrigado a improvisar e que belo improviso lhe saiu já que o seu herói se tornou uma personagem famosa até hoje ao galgar o muro proibido que separa o Mundo Real do Mundo Mágico e assim obrigar o leitor a pensar e a sonhar... E depois, que dizer do surpreendente e desconcertante destino do nosso herói de Chora-Que-Logo-Bebes?
ENCONTROS IMEDIATOS COM ESCRITORES - IX
O POETA MILITANTE
Braço esquerdo colado ao corpo e mão aninhada no bolso do casaco, braço direito levantado e mão a aconchegar a nuca significando uma atitude firme perante as injustiças da vida, olhar firme e incisivo, certamente perscrutador, eis o JOSÉ GOMES FERREIRA que encontrámos no Parque dos Poetas, em Oeiras... A estátua em pedra Branco de Lioz da autoria de Francisco Simões pretende homenagear o carácter e a moral integra do poeta militante, como se autodenominava... Nascido no Porto mas lisboeta desde os 4 anos, licenciou-se em Direito aos 24 anos e no ano seguinte abalou para a Noruega para assumir o cargo de cônsul em Kristiansund... Regressa a Portugal cinco anos depois abandonando a carreira diplomática e as leis para as quais achava não ter vocação para se dedicar ao que mais lhe servia: a música, a escrita, o jornalismo, a intervenção política...
De entre poesia, ficção, crónicas, diários, contos e ensaios escreveu dezenas de obras e ganhou em 1961 o "Grande Prémio da Poesia" da Sociedade Portuguesa de Escritores e hoje é consagrado como um dos maiores poetas lusitanos do século XX...
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
LIVROS 5 ESTRELAS - XXXII
Criatividade é coisa que não falta a Afonso Cruz, sem dúvida um dos maiores escritores contemporâneos da língua portuguesa, e para constatá-lo não é necessário enumerar os prémios que recebeu ou os inúmeros elogios que granjeou, basta ler um dos seus livros, por exemplo este "Jesus Cristo bebia cerveja" que já tem onze anos de vida embora não pareça, poderia muito bem ter sido escrito ontem à noite... É um romance desconcertante, uma tragicomédia que aborda com fino humor as coisas fundamentais da vida: o amor, a luta, o sofrimento e, claro, a cerveja, essa bebida sagrada tão do agrado do autor que até a fabrica há décadas bem como deste escriba que enquanto debita estas palavras a vai degustando... Caro leitor, vale mesmo a pena visitar a Jerusalém alentejana e mergulhar na história comovente de uma rapariga que lê westerns... E já agora, caro Afonso, espero revê-lo em breve no "Livros a Oeste"...
ANEDOTAS QUE PARECEM POEMAS - X
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
E QUE BELA FOI A PARTILHA!
Quando me instalei alcandorado no segundo balcão do Tivoli e reparei no singelo palco lá em baixo, pouco mais do que uma bateria e três microfones, interroguei-me: faltam as teclas, que é feito do orgão? Era suposto ter em palco uma tal Sarah Ann Philipps ao piano e vocais mas quando entrou em cena BILL CALLAHAN vinha acompanhado por um baterista, um guitarrista e um jovem saxofonista, por enquanto anónimos porque o trovador, reservado em palavras, nem chegou a apresentar a banda... E depois pensei ainda como iria ele tão singelamente reproduzir sem despir muito o maravilhoso álbum Reality, causa da digressão que ali se iniciava especialmente naquelas partes mais psicadélicas que povoam alguns temas...
Mas, surpresa, no desfilar integral de Reality estava lá tudo e até mais alguns improvisos, não se deu pela ausência das teclas tal o virtuosismo de todos os músicos e ao qual o público já se tinha rendido sem reservas ao cabo dos dois primeiros temas e até ao fim foi só deslumbramento, também claro por causa daquela voz única e poderosa... Mesmo assim ainda pensava eu como iriam eles partilhar o tema mais frenético e contagiante do álbum, "Partition", mas a prova foi superada com distinção levando sala repleta ao delírio... E depois resta-me agradecer à Antena 3 e ao Coyote do Pedro Costa por me terem dado a conhecer esta realidade fabulosa do Bill... E foi apenas mais uma noite inesquecível...
Partition ao vivo - Bill Callahan
João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)
E VEM AÍ A REALIDADE DO BILL...
Uma das melhores coisas que nos trouxe 2022 foi o álbum YTILAER, ou seja REALITY ao espelho, do cantautor americano BILL CALLAHAN, nome cimeiro dos blues e do folk dos dias de hoje... E logo à noite há ansiado espectáculo de apresentação da obra em solo lusitano e calha muito bem ser no Teatro Tivoli, essa sala icónica do panorama cultural português que para o ano comemorará 100 anos de existência...
Dantes como SMOG e depois em nome próprio BILL CALLAHAN leva já 33 anos de carreira, mais de 23 obras publicadas e muito experimentalismo... Urgente (re)descobrir e desfrutar! E logo lá estaremos para mergulhar na sua nova realidade...
João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)
A FAMÍLIA MAGALHÃES
"Magellan Plastic Penguins" - Bordalo II - Ministério do Mar, Algés |
O Pinguim-de-Magalhães, cientificamente conhecido como Spheniscus megallanicus, foi assim baptizado porque foi pela primeira vez avistado e documentado durante a viagem de circum-navegação planeada e empreendida pelo navegador português Fernão de Magalhães... A viagem durou 3 anos, entre 1519 e 1522, foi concluída já sem o seu mentor que morreu nas Filipinas em 1521 e passados 501 anos da façanha o pinguim está classificado como uma espécie quase-ameaçada...
Esperemos no entanto que a cria da família sobreviva e deixe descendência...
Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)
ESCRITO NA PAREDE - XXIII
O NOVE DE ABRIL
Hoje para muitos é um dia de celebração religiosa porque calhou em sorte mas para muitos outros não de um dia qualquer como qualquer outro de entre os milhões de dias de existência que já leva este nosso misterioso mundo-cão mas, no entanto, à semelhança do que aconteceu com este acidental escriba, se a alguém apetecer atribuir-lhe um simbolismo especial basta descer a antiga estrada real número 61 em pleno centro de Torres Vedras e ficar especado a olhar para a placa toponímica interrogando-se o porquê do 9 de Abril...
Ignorância a morder o espírito, curiosidade a afligir, lá se faz a pesquisa e a resposta não desilude: no nono dia do quarto mês do ano de 1918 teve lugar a Batalha de La Lys, na Flandres e em plena I Grande Guerra, trágica para o contingente português que assim contribuiu para os dez milhões de mortos do insano conflito... Recentemente foi declarado o dia 9 de Abril como o Dia do Combatente, não apenas do antigo combatente do princípio do século que travou uma guerra miserável em trincheiras insalubres como também do combatente que travou a guerra colonial... Parece coisa do passado mas a realidade desmente, o mundo-cão continua imerso em hediondas guerras e guerrilhas...
E quando nos viramos ainda a matutar no assunto deparamos com uma espécie de montra que nos envia uma pertinente mensagem: talvez este mundo devesse pertencer aos bichos e não ao bicho-homem!
Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)