domingo, 28 de julho de 2019

segunda-feira, 22 de julho de 2019



EFEMÉRIDE # 60


OS 50 ANOS DO MEU HOMEM DA LUA...



Foi impiedosamente intoxicante e pornográfica a quantidade de notícias que brotou nos últimos dias nos jornais e revistas, nos mil programas televisivos e radiofónicos, nos intermináveis debates e outras milhentas reflexões ou puras palermices sobre a passagem do cinquentenário da primeira alunagem do homo sapiens sapiens... Até parece que não havia mais ideia de jeito em todo o mundo sobre a qual pensar e falar! Claro que todos estamos fartos de saber que foi um americano, Neil Armstrong, que pisou pela primeira vez a superfície lunar e que disse aquela frase decerto estudada há muito pela NASA para servir de slogan ao sonho americano: "Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade", mas curiosamente consta que o protocolo da NASA previa que o primeiro a descer fosse Buzz Aldrin por ser o astronauta mais novo, tipo carne para canhão, enquanto o mais velho e experiente ficaria a manobrar o módulo lunar, só que um problema com a abertura da escotilha terá alterado a ordem das operações e assim, por acaso, foi mais conveniente ser Armstrong a sair primeiro... Verdade? Teoria da Conspiração? Impossível saber, o que se passou na lua fica na Lua e depois não é preciso conspirar mais porque milhões de pessoas em todo o mundo continuam convencidas de que tudo foi um embuste muito bem filmado pelo grande Stanley Kubrick e que nunca se chegou ao nosso satélite...



Imagem da RTP em 1969




Mas para desenjoar, hoje, passados 50 anos e dois dias americanos (20 de Julho) e passados 50 anos e um dia portugueses (21 Julho, 4 da manhã),  comemoro eu hoje os 50 anos exactos da primeira vez que vi o homem da lua, era assim que eu dizia aos cinco anos de idade, o "homem da lua"...  E assim é porque, naquele tempo de miséria e ostracismo, só havia uma televisão na minha aldeia ribatejana, em pleno café do Fernando, no largo principal dos Parceiros, mas devido às intermináveis 15 horas de transmissão lucotorada pelo José Mensurado e ao adiantado da hora (4 da manhã) em que se deu o clímax do acontecimento, todos foram para o café menos eu e a minha avó, eu devido à tenra idade e ela porque não achava coisa de interesse por aí além... Mas quis o destino que tivesse chegado entretanto na véspera o tio Diamantino de Lisboa para umas merecidas férias provincianas, ele que era co-proprietário de uma oficina de automóveis na rua de Angola, ali pelos lados de Arroios, e com ele veio uma televisão com antena e tudo, havia luxos dos quais ele não abdicava... E tudo se conjugou, televisão em casa da minha avó, feliz coincidência porque cinco meses antes tinha sido inaugurada a luz eléctrica na terra, quase ao mesmo tempo do sismo que levou o meu avô, e assim, passado um dia, num noticiário qualquer que me apanhara acordado, pude então ver com olhos arregalados aquela imagem mítica do astronauta na lua e que é a minha memória importante mais antiga... E se fechar os olhos e me concentrar, vejo bem aqueles momentos como se fosse hoje... Mas não esqueço também que era tudo muito indefinido, nada bonito, imagens muito escuras, distorcidas e com muita poeira (mais tarde aprenderia que se deve dizer grão) e que não percebera lá muito bem a beleza da coisa....  Mas pronto, sobrevivi o suficiente para comemorar os 50 anos do meu homem da lua...








Mas de entre muitas outras desilusões sobre a história da LUA assalta-me aquela do TINTIN, descobri eu passada uma década sobre aquele extraordinário acontecimento, em plena reclusão na Biblioteca Municipal de Torres Novas por causa de um furo qualquer nas aulas do 9º ano de escolaridade que o primeiro ser vivo a pisar a lua, afinal, tinha sido o Tintim em  1952, imaginem, 17 anos antes de Armstrong! A outra grande desilusão é que, naqueles meus devaneios aos 5 anos de idade, me convenci então que o Homem iria conquistar o Universo inteiro, quem vai à Lua vai a todo o lado, pensava eu na altura, e agora, à beira da reforma e da insanidade, constato com amargura que afinal ainda não passamos da Lua, nem  Marte se avista, nem Júpiter parece possível quanto mais o Raio que o parta...



João Plutónico

(Astrofísico de Valmedo)

domingo, 21 de julho de 2019



LIVROS 5 ESTRELAS - XIV


VIAGEM MENTAL A OUTRO MUNDO...



Acabei de ler "DENTRO DO SEGREDO", obra que depois da prosa e da poesia constituiu a estreia de JOSÉ LUÍS PEIXOTO na literatura de viagens e que me tinha escapado desde 2012, ano da sua publicação... Não é um livro de viagens, ou antes, é um livro sobre uma viagem mas não se fica por aí, é muito mais do que isso, é o relato de uma viagem proibida a um mundo-cão secreto e ao mesmo tempo uma viagem ao interior da alma humana, do autor e dos outros com quem se vai cruzando...  E é uma viagem essencialmente mental, nada turística, o viajante fica privado de telemóvel e inibido de fotografar tudo o que não seja autorizado, não tem acesso a computadores e fica privado de qualquer contacto com o mundo exterior! Tivesse-o eu lido imediatamente a seguir à sua publicação e teria eu desde então acompanhado diáriamente o estado do seu autor naquele vício diário que tenho de analisar as capas dos jornais assim que acordo para o dia depois do primeiro café, e hoje, passados já sete anos é tarde demais para tal desassossego e parece milagre o escritor ter escapado a qualquer represália por parte das autoridades norte-coreanas tal o desassombro com que nos revelou alguns segredos proibidos do país mais fechado do mundo... O José, pelos vistos passou bem estes anos e recomenda-se cada vez mais, sinal disso foi a sua recente segunda incursão pela narrativa de viagens com o também belíssimo "O caminho imperfeito"...










"Sou contra todos os regimes totalitários e ditaduras. Nenhuma intenção aqui de defender a ditadura soviética ou qualquer ditadura de origem comunista. Mas é importante afirmar que a ditadura que se vive na Coreia do Norte não é uma ditadura dessa natureza. Não é. Esse parece-me um conhecimento fundamental acerca deste país. Quem diz que a Coreia do Norte é a ditadura comunista mais severa do mundo está errado. Quem diz que é o último reduto do estalinismo está errado. A Coreia do Norte é uma ditadura severa, provavelmente a mais severa do mundo, mas não é comunista. A Coreia do Norte é o último reduto de qualquer coisa, muito provavelmente também é o primeiro e único reduto dessa mesma coisa, mas não é estalinista."




Confesso agora que esta frase que agora escrevo só começou a ser escrita depois de um longo período de reflexão, é que pensei eu, e se a explicação para a imunidade do Peixoto tivesse decorrido exactamente do isolamento da nação, tipo eles nem sequer estão interessados no que se diz cá pelo mundo livre acerca da grande pátria da Coreia, tudo isso, para eles, é facilmente desmascarado num abrir e fechar de olhos pela propaganda do regime... Até aqui tudo bem, mas depois pensei, e se o Grande Líder King Jong-un fôr um seguidor do "PLANANDONOMUNDOCÃO"? E se não gostar nada desta publicação? E se chamar os Serviços Secretos Norte-Coreanos à pedra, que raio andaram vocês a fazer durante anos para não repararem neste livro perigoso para a imagem da nossa querida e imaculada Coreia do Norte? Estão a ver a minha posição, amigos leitores, não estaria eu a colocar o Peixoto em perigo? Mas depois de uma sesta retemperadora acalmei, que raio, até a Coreia do Norte deve ter algumas pessoas inteligentes nos seus Serviços Secretos, não? E até é possível que falem e leiam inglês, certo? E o Peixoto está traduzido em dezenas de línguas, ok? Eles sabem! Por isso, não será por esta dissertação que irão prender o homem agora! Espero...


"Comi carne de cão de duas maneiras: sopa de cão e cão frito. Frito sabia a pombo. Vinha num pequeno prato uma porção de carne desfiada e fígado. Não trazia temperos fortes. Cortado em tiras finas, o fígado frito sabia a iscas. O montinho de carne desfiada sabia a pombo. Desde criança tive muitos cães. Fui amigo de muitos cães. Já tinha imaginado diversas vezes, com repulsa, o que seria comer carne de cão. Duvidava de que fosse capaz de mastigá-la e engoli-la. (...) Não é agradável roer ossos de cão."







"Devin's dog" - Jean-Charles Forgeronne


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

sexta-feira, 19 de julho de 2019



"Já todos sabíamos que não podíamos tirar fotografias durante a viagem. Não era preciso perguntar, tinha sido sempre assim. Quando nos deslocávamos, nunca se podia fotografar. Era fácil ouvir na cabeça a voz da guia a repetir-nos dezenas de vezes por dia, com sotaque coreano:
    No pictures, please.
(...) Depois, o guarda olhou para mim e, em inglês, disse:
    Camera.
(...) Tinha sido avisado mil vezes, mas, ao longo do tempo, tinha acabado por fotografar muito mais do que era permitido. Era fácil e tentador fazê-lo: a minha máquina era pequena e silenciosa.
(...) Aquilo que eu não sabia era quais poderiam ser as consequências se o guarda apanhasse essas fotografias. E não saber era muito pior do que saber porque, assim, acabava por imaginar. E eu estava na Coreia do Norte."


in "Dentro do Segredo", José Luís Peixoto






"Mar surreal"

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


O IDÍLICO LAGO DE VALMEDO...



Eis duas versões do Lago de Valmedo, a instagramica e a real... Amigos turistas que seguem religiosamente as publicações dos poderosos influenciadores das redes sociais, façam as malas e venham quanto antes até Valmedo porque a afluência de turistas ávidos do passarinho de sucesso não pára de aumentar após esta minha publicação no mundo-cão... E façam o favor de escolher a versão que mais vos satisfazer o ego...




"O lago de Valmedo" 






"A realidade de Valmedo"



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


OS ALDRABÕES ÀS PORTAS DO CÉU...


Consta por aí que são muitos os milhares de instagramers que aldrabam as suas fotos apenas em prol da popularidade e do sucesso das suas publicações, vale tudo para botar figura, ter muitos likes e espaventar aos sete ventos que se é muito feliz e que se esteve onde poucos podem ambicionar alguma vez disparar o flash da sua câmara... De facto, e por exemplo, um pouco por todo o mundo a imprensa tem abordado a grande farsa que são as fotos publicadas nos "PORTÕES DO CÉU", em pleno Templo Lempuyang, no Bali, alcandorado numa encosta de uma floresta a 600 metros de altitude e donde se pode apreciar uma magnífica vista para um vulcão sagrado... Até aqui tudo bem, cheira a paraíso mas depois o incauto turista que tinha sido seduzido pelas magníficas fotos que tinha visto do local no Instagram entra rapidamente em depressão, afinal aquele lago que reflectia os Portões do Céu não existe! É tudo mentira!




A farsa do reflexo na água...



A ilusão é fácil de explicar: parece que anda por lá um rapaz que nada deve à espertice e que sentado num banquinho no sítio certo, encosta um pequeno espelho à máquina ou telemóvel dos turistas que entretanto vão fazendo a melhor pose possível entre os Portões e quando o moço dispara lá surge aquele reflexo mágico que engana meio mundo e que provoca inveja noutro tanto... Parece que as filas de turistas para a foto da praxe são intermináveis, ao contrário dos escrúpulos que são poucos, e ainda por cima pagam pela falcatrua! E relatos há sobre outros casos em que se manipulam as fotos para apresentar como paraísos celestiais coisas e cenas que depois se revelam autênticos infernos...




A realidade, água nem vê-la!




Em quê e em quem se pode acreditar? Eis a questão do momento e que pelo estado das coisas talvez se eternize, é que aquela máxima de que uma imagem vale mil palavras pode ter que ser alterada e passar  a dizer-se que muitas imagens não valem uma palavra sequer....




 Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

terça-feira, 16 de julho de 2019

Pensamento do dia...



"- Não estou a tentar dizer-te - disse ele - que só os homens instruídos e com estudos estão preparados para dar alguma coisa ao mundo-cão. Não é verdade. Mas afirmo que os homens instruídos e com estudos, se, para começar, forem inteligentes e criativos, o que infelizmente, raramente acontece, tendem a deixar atrás deles memórias mais valiosas do que os homens simplesmente brilhantes e criativos. Tendem a exprimir-se mais claramente e normalmente têm a paixão de seguir os seus próprios pensamentos até ao fim. E, o que é mais importante, nove em cada dez vezes são mais humildes do que os pensadores sem estudos. Estás mesmo a seguir-me?
  - Estou, sim."


in "À espera no centeio", J.D. Salinger




LIVROS 5 ESTRELAS - XIII


A REVOLTA DA ESPIGA DESALINHADA...


Parabolizemos um pouco com uma seara de centeio, imaginemos milhares de espigas todas iguais, todas alinhadinhas, quedas e serenas ao sol ou ondulando ao vento ao mesmo tempo e no mesmo sentido ou ainda vergando-se cabisbaixas ao peso da chuva... Esta seara é como se fosse um único corpo, um homogéneo tapete acastanhado que desce até lá em baixo, morrendo na beira da falésia abrupta, depois só o peso gigantesco do oceano, azul escuro hoje, a perder de vista... E é ali, onde acaba a terra e emerge o abismo, que algo de diferente ocorre, uma espiga recusa o destino da seara, não se empina ao alto para o sol como as outras, parece não querer amadurecer ao mesmo ritmo, e embora a custo quando todas as outras dançam com a nortada ela mantém-se quieta, quando as outras estão quietas ela agita-se obstinadamente e vira as costas à multidão num debruçar sobre o vazio, parece preferir arrancar-se do chão e lançar-se ao oceano a ter o mesmo destino das outras, a foice... É uma espiga diferente, rebelde, inconformada, desalinhada e podemos chamar-lhe Holden Caulfield, como a personagem central de "À espera no centeio", o romance icónico publicado por J.D. SALINGER a 16 de Julho de 1951, passam hoje exactamente 68 anos!







O romance decorre num fim-de-semana natalício e narra na primeira pessoa as aventuras de um jovem de dezassete anos inconformado e em luta contra um mundo-cão que lhe provoca angústia e amargura, alguém que não encontra nobres causas por que se bater; rapidamente "A Catcher in the Rye" se tornou uma obra de culto e símbolo do inconformismo e rebeldia, especialmente entre os leitores adolescentes e a sua aura de controverso e as inúmeras censuras de que foi alvo catapultaram-no ainda mais para a fama. O sucesso da obra foi tanto e perdurou até hoje que continuam a vender-se 1 milhão de exemplares por ano e ao todo, até hoje, já soma quase 70 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. Paralelamente, o romance é considerado por muitos uma das 100 melhores obras de sempre publicadas em língua inglesa e curiosamente quem não ficou satisfeito com tanto sucesso foi o próprio autor, Salinger abominava a fama, deixou de dar entrevistas e recusava aparições públicas para além de proibir adaptações cinematográficas da obra... Não contente isolou-se do mundo e foi viver para uma fazenda, continuando a escrever e com a excepção de alguns contos recusava-se a publicar, aliás, "À sombra do centeio" foi o único romance que publicou!  Reencarnando o jovem Caulfield da sua história, Salinger foi uma genial e desalinhada espiga numa seara de centeio a perder de vista para o abismo...



"À beira do abismo..." - Jean-Charles Forgeronne



João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

sábado, 13 de julho de 2019



A TRADUÇÃO, A ANÁGUA E O SAIOTE...



Se a tradução poética da língua inglesa para a língua portuguesa já é por si complicada, que dizer da tradução a partir do dialecto escoçês em voga no século dezoito? Alguém dizia numa das últimas edições dos Livros a Oeste que a poesia tem que ser obrigatoriamente lida na língua original sob pena de se perder o significado e a simbologia das palavras, corre-se o risco com a tradução de transformar um poema noutro completamente diferente e geralmente sempre para pior... 
A propósito de um saiote-espantalho que mora numa horta muros meios com uma seara de centeio e que vai ondulando ao sabor do vento do oeste, é inevitável vir à lembrança a obra-prima de J.D. SALINGER, com o título original de "The catcher in the rye", traduzido por uns como "À espera no centeio", por outros como "O apanhador no campo de centeio" ou ainda, e mais estranho porque não se acha nenhuma agulha e muito menos um palheiro em toda a obra, como "Uma agulha no palheiro", traduções para todos os gostos... Mas o que interessa aqui e agora realçar é que o título do romance surgiu a partir de um poema escrito em 1782 por ROBERT BURNS, "Comin' thro' the rye", e cuja variedade e livre estilo das suas traduções são bem capazes de levar uma santa alminha ao mais puro desespero, isso se não morrer de riso antes!






Fica-se surpreendido quando vamos ao encontro de Robert Burns, e normalmente faz-se o caminho pelas referências na obra de Salinger, é que ele não se revela afinal um ilustre desconhecido mas antes como o unânimemente considerado poeta nacional da Escócia, tanto assim que o aniversário do artista é considerado feriado nacional! Nesse dia, 25 de Janeiro, por toda a ESCÓCIA é obrigatório celebrar pela noite dentro, jantar haggis (bucho de carneiro recheado com as vísceras do mesmo e tudo ligado com farinha de aveia)  e tudo muito bem regado com genuíno whiskie escoçês, enquanto se declama o poema de Burns "Adress to a Haggis"...  Fazendeiro e de pouca escola, lia  no entanto muita literatura inglesa e muito novo começou a escrever poemas e contos sobre a sua aldeia natal, a natureza e claro, os seus amores, platónicos e muito carnais por vezes, e sendo homem da terra não lhe terão faltado oportunidades em searas de centeio ou nalgum acolhedor palheiro... Ficou-lhe a fama de uma vida sexual intensa e escandalosa, de tal forma que alguém o alcunhou de "fornicador", situação expressa no seu poema com o mesmo título! Para além disso, Burns dedicou-se a uma grande recolha de canções folclóricas escocesas e uma delas, a mais famosa, é então baseada no seu "Comin' thro' the rye", cujos versos têm sido traduzidos de mil e uma maneiras e de tal forma confusa que o leitor fica desorientado num obscuro labirinto, sendo que muitas delas fazem então referência à tal ANÁGUA... E se outro mérito não tivesse, foi lendo uma tradução desse poema que aprendi o que é uma anágua...



CHEGANDO PELO CENTEIO

Oh, Jenny está toda molhada, pobre corpo,
Jenny raramente está seca;
ela arrasta todos os seus saiotes
através do centeio.

Chegando pelo centeio, pobre corpo,
através do centeio,
ela enxuga todos os seus saiotes
chegando pelo centeio.

Deve um corpo conhecer outro corpo
que vem chegando pelo centeio,
deve um corpo beijar outro corpo,
precisa alguém de gritar?

Chegando pelo centeio, pobre corpo,
através do centeio
ela arrasta todos os seus saiotes
chegando pelo centeio.

Deve um corpo encontrar outro corpo
que vem chegando pelo estreito vale,
deve um corpo beijar outro corpo,
precisa todo o mundo de saber então?

Chegando pelo centeio, pobre corpo,
através do centeio
ela arrasta todos os seus saiotes
chegando pelo centeio.


Robert Burns

Tradução livre de J.C a partir da tradução de Michael R. Burch para inglês moderno;






(Imagem Original de "Viciodapoesia.com")


J.C

(Poeta de Valmedo)

sexta-feira, 12 de julho de 2019



QUANDO A  ANÁGUA ESPANTALHA...



ANÁGUA, esquisita palavra que me remete a um poema entretanto esquecido de Robert Burns,  e que segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa é uma saia que as mulheres usam sob o vestido, uma saia de baixo, etimologicamente derivado do espanhol que designa uma espécie de saia de algodão outrora usada pelas índias e que ia até ao joelho; corriqueiramente e em bom português, um SAIOTE!   E esses saiotes, essas saias interiores podem chegar às sete, à boa moda da Nazaré! 
Vem isto a propósito de um recente encontro imediato de terceiro grau que tive com um saiote em plena horta, corria eu lentamente, claro, quando deparo com uma belíssima plantação de couves a perder de vista, uma maravilha geométrica para os sentidos, mas o que mais me chamou a atenção foi aquele espantalho, uma peça de roupa íntima feminina, em tão bom estado que quase se poderia dizer que alguém, uma formosa dama quiçá, a teria deixado ali esquecida há breves instantes depois de um arrebatamento amoroso... 









Corro o agradável risco de especular que o autor da ideia conheça a origem do artefacto, até pode ser que lhe traga boas memórias de quentes momentos e que, ao pensar em todas as sensações que lhe assaltam os sentidos ao olhar para aquela anágua, isso lhe facilite o árduo trabalho que terá pela frente até que todas aquelas plantas vinguem e lhe dêem sustento... Mente motivada, prémio dobrado! E quem sabe, talvez as couves, agradecidas por terem testemunhado tanto arrebatamento, desatem a crescer desalmadamente, alimentadas por tanta paixão desenfreada...
Mas também posso admitir que o objectivo daquele fantástico espantalho seja o de impor respeito a todas as criaturas ruminantes herbívoras ainda virgens ou imaturas sexualmente, tipo "alto lá!, aqui manda uma fêmea...", e essas fugirão a sete patas, enquanto as outras, as mais experientes, pensarão duas vezes e talvez concluam que não valerá a pena enfrentar tamanho  desafio e eventualmente assistir à derrocada da sua fama de machão...  É apenas um saiote, mas talvez não haja espantalho que meta tanto respeito e que seja tão assustador! O que é certo é que parece resultar, de entre aquelas milhares de couves não há uma única que não esteja intacta...



João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)
"Apple route"



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

segunda-feira, 8 de julho de 2019




QUANDO UM OLHAR VALE MAIS QUE MUITA CONVERSA...



- Que é isto, James?
Primeiro, amigos caninos, fiz que não ouvi, ou antes, que ouvi  mas que não percebera que era comigo que o J.C se estava a meter, porque isto de se fazer despercebido na nossa espécie é por vezes complicado... Já repararam decerto, e isso acontece frequentemente comigo, que há respostas involuntárias do nosso corpo e que mesmo que não queiramos por causa delas somos traídos, como é o caso desta minha estúpida cauda que abana desalmadamente sempre que vejo alguma pessoa que me agrada ou até, o que é pior, sempre que ouço a voz dos que me são mais próximos... Oh, e tantas são as vezes que me faço eu de morto, todo esparramado e silencioso, coladinho ao chão e deitado de lado, tipo estou a dormir ou ausente noutra galáxia, e de repente tudo vem por água abaixo porque lá se me abana a cauda, porque raios não sei... O que sei é que assim não há estratégia que resulte com este erro da evolução da nossa espécie, somos atraiçoados por não sei quantos músculos involuntários que põem a nu as nossas emoções. Que injustiça! Não acham?








   - Não te faças de parvinho, James, ouviste?
Pronto, lá se me abanou a cauda outra vez! Não vos tinha dito? Isto assim não dá... E apesar de saber porque é que estava a ser chamado à pedra, tinha feito inadvertidamente um xixizeco fora do sítio, um daqueles irresistíveis apelos da natureza tipo marcar  território, sabem, outra saída não tive que encarar o J.C, abrindo os olhos e colocando a melhor expressão possível, género "que se passa?"... 
   - Ah, e ainda por cima fazes-me olhinhos?
   - Que olhinhos? Estou apenas a olhar para ti...
   - Mas olha que desta vez não te safas, ouviste? Bem sei que tu e os da tua espécie têm essa arma poderosa que é o olhar...
E então o J.C contou-me que tinha lido recentemente uma notícia no jornal que dava conta de uma investigação científica que concluíra que nós, cães, durante os trinta mil anos que leva o nosso convívio com os humanos, desenvolvemos uns músculos especiais à volta dos olhos e que nos permitem levantar as sobrancelhas e assim comunicar com os humanos através do olhar... Parece que  assim ficamos com ar de anjinhos, tipo criaturas inocentes que merecem ser perdoadas de qualquer falta e a necessitar como de pão para a boca de muitos miminhos e festinhas... Essa capacidade, que os nossos primos lobos não têm, permite-nos então comunicar e interagir com as pessoas, reforçando os vínculos afectivos!




  Bem, ao menos nem tudo é mau, assim fica compensada aquela desvantagem da cauda, não acham amigos caninos? Bem, e agora que eu já estava farto de fazer olhinhos ao J.C e que me convencera  até que com todo aquele palavreado ele já se esquecera do incidente e da reprimenda, eis que oiço:

  - James, apesar dos teus belos olhinhos e do focinho simpático que tens, ficas de castigo, ouviste? Nada de fazer as necessidades fora do penico, e muito menos na garagem, entendido?

Claro que entendi, aliás já tinha entendido da última vez só que o apelo tinha sido demasiado forte para mal dos meus pecados, é que o J.C, zangado, nem um coiratozinho das entremeadas do almoço me deu, e que bem que elas cheiravam, que sofrimento! O que vos digo, amigos caninos, é que não basta confiarmos nos nossos músculos especiais à volta dos olhos e em trinta mil anos de adaptação ao mundo-cão dos humanos, temos que continuar a evoluir para dar a volta aos donos mais exigentes! E já estou a treinar, amigos caninos, já tenho dois novos olhares, da próxima digo-vos se surtiram efeito...




   


JAMES

(Cão de Valmedo)

domingo, 7 de julho de 2019



"ASPHALT RABBIT DE VALMEDO" - Jean-Charles Forgeronne



E quem disse que a nobre arte de tapar com umas pázadas de alcatrão os infindáveis buracos das vias lusitanas não produz obras de arte magníficas?!



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

sábado, 6 de julho de 2019



"O ignorante tem mais tranquilidade e certezas do que aquele que num desassossego demanda o conhecimento e a sabedoria, a diferença é que o ignorante vive num mundo pequeno e mesquinho... E sempre que descubro algo sobre este infinito mundo-cão, que é uma fonte inesgotável de maravilhosas surpresas, deparo-me com uma dezena de coisas que desconheço e assim sucessivamente... Descubro então o quão infinita é a minha ignorância, e é bom saber isso...!"


Yuhen Kaluosi

(Filósofo Taoísta de Valmedo)

quinta-feira, 4 de julho de 2019





" Farang  é a palavra que os Tailandeses usam para se referir aos estrangeiros ocidentais brancos. Há mais de quatrocentos anos, mercadores portugueses levaram as primeiras goiabas para a Tailândia. Entre muitas outras hipóteses, essa é uma das origens prováveis de chamar-se farang aos estrangeiros brancos. Em tailandês, goiaba diz-se farang."


in "O caminho imperfeito",

JOSÉ LUÍS PEIXOTO


A MISTERIOSA ORIGEM DAS PALAVRAS -  VIII



VAI UM KAAFE NA SALA?


Para além das importantes trocas comerciais e de muitos "negócios da China", a epopeia dos Descobrimentos, obrigando ao entendimento entre culturas muito diversas, permitiu também um  curioso intercâmbio linguístico e que passa hoje frequentemente despercebido... Por exemplo, várias palavras da língua tailandesa têm origem portuguesa, tais como pao (pão), kaafe (café),  chaa (chá) ou sabu (sabão)... E os tailandeses acharam tanta piada ao português que ainda hoje chamam aos seus pavilhões sala, ou seja uma "divisão" da casa, só que independente e ao ar livre, geralmente em sítio nobre do jardim e onde as pessoas se reúnem e conversam...



"Dança Tradicional Tailandesa na sala..." - Jean-Charles Forgeronne


Mas também em sentido inverso ocorreram  apropriações linguísticas, como é o caso de catana, uma espada curta e espécie de alfange muito utilizada quer em África quer em Portugal, especialmente para abrir caminho em florestas e matas densas; acontece que a palavra portuguesa catana é exactamente igual à japonesa KATANA,  designação desde tempos imemoriais da espada tradicional dos oficiais do exército imperial do país do sol nascente...



"KATANA" - Museu do Oriente, Lisboa




João Portugal

(Linguísta de Valmedo)
"Os rostos de Banguecoque" 


Mural que homenageia as antiquíssimas relações de amizade entre Tailândia e Portugal...

Autor - VHILS

Local - Muro da Embaixada de Portugal em Banguecoque

Ano - 2017





João Plástico

(Artista de Valmedo)


O PAÍS DOS LIVRES SORRISOS...



Os Portugueses chegaram a Malaca, na actual Malásia, em 1511 e conquistaram o território que então prestava vassalagem ao poderoso REINO de SIÃO, mais a norte, terra do povo THAI, hoje TAILÂNDIA... Talvez surpreendentemente a questão tornou-se pacífica porque Afonso de Albuquerque, o chefe da expedição, logo tratou de enviar um emissário à capital do reino, Ayuthaia, e a comitiva não só foi muito bem recebida como a partir daí nasceu uma bela e longa história de amizade... Os Portugueses foram os primeiros europeus a entrarem na Tailândia e sete anos depois, em 1518, foi assinado o Primeiro Tratado de Amizade e Comércio entre os dois países e que se mantém em vigor há mais de 500 (!) anos. Vinte anos mais tarde foi a vez do Rei de Sião contratar mais de uma centena de portugueses para a sua guarda pessoal e não levou muito tempo a que, aproveitando o clima de amizade e hospitalidade asiática, centenas de lusitanos se instalassem na capital, constituindo aí uma pujante comunidade luso-siamesa.




"Pavilhão Tailandês" - Lisboa - Jean Charles Forgeronne


Em comum as duas nações ostentam o orgulho na sua estabilidade e liberdade de séculos num mundo-cão em constante mudança, e enquanto a TAILÂNDIA, que se pode traduzir por NAÇÃO LIVRE (o prefixo t(h)ai significa livre), é a única nação do sudeste asiático que nunca foi colonizada, ao contrário dos países vizinhos que foram pertença de franceses e ingleses, já PORTUGAL tem com a Espanha a fronteira mais antiga da Europa... Outras coisas que Tailândia e Portugal partilham são a beleza natural, a história riquíssima, a gastronomia e a amabilidade dos povos que tornam as duas nações em destinos turísticos de eleição, com um peso colossal e vital para as suas economias... BANGUECOQUE, por exemplo, é há vários anos seguidos a cidade mais visitada do planeta com mais de 20 milhões de turistas por ano!





BANGUECOQUE



João Palmilha

(Viajante de Valmedo)



segunda-feira, 1 de julho de 2019

"Rumo ao Oriente"


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)




O TURISMO TÓXICO



Há vinte anos um filme mudou o mundo, pelo menos o mundo de um dos paraísos da TAILÂNDIA...  Danny Boyle, realizador que muitos anos depois haveria de conquistar o ÓSCAR da melhor realização por "Quem quer ser Bilionário?", levou a sua comitiva para as ilhas PHI PHI para rodar o filme "A PRAIA", baseado no best-seller  homónimo de Alex Garland e com um trunfo de peso: o ainda imberbe mas já então promissor Leonardo Di Caprio... O filme foi um sucesso, um thriller frenético que aborda o risco e a coragem de apostar a própria vida apenas porque sim, pela sensação extrema de experimentar o desconhecido, pelo desafio da aventura radical! A vida faz-se minuto a minuto, no limite, e vale a pena quando a paixão justifica...








As filmagens correram bem e tranquilas, o pior viria depois.... O cenário utilizado para as cenas da película foi a maravilhosa MAYA BAY, a praia que era até então um paraíso natural e desconhecido, um segredo bem guardado, e que se confunde com o paraíso idealizado no romance e no filme, um sítio secreto e inacessível ao comum dos mortais, apenas destinado aos iluminados que o mereçam... Pois bem, o sucesso do filme acarretou o fim do segredo e fez com que nos últimos 20 anos (!) anos, cerca de 5000 (!) turistas tenham debandado diariamente rumo ao paraíso, a maior parte de barco, e com tamanho impacto sobre o ecossistema que o óleo derramado pelos barcos e o plástico abandonado pelos anormais visitantes tenham destruído 80% dos corais das ilhas...  O paraíso de que falamos tornou-se então um inferno tanta era a gente a poluir aquele sagrado cantinho, as águas cristalinas e puras rodeadas de penhascos verdejantes foram ofuscadas pela horda de criaturas vorazes e barulhentas em busca da melhor selfie, do carimbo de presença, daquele momento ridículo e cretino que a ninguém interessa, muito menos aos paraísos deste planeta! Hoje é noticiado que foi proibido o acesso a Maya Bay até 2021, pelo menos, até que a natureza recupere, e isso é uma boa notícia, talvez o paraíso dure ainda muitos anos...
E apetece dizer que, a bem do planeta, é melhor deixarmos o coiro em casa e ver o que resta da imaculada natureza pela net, isso sim, é ser um verdadeiro activista ambiental! Talvez a moda pegue e então, quem sabe, daqui a umas décadas possamos ir à TAILÂNDIA e dar um salto a Maya Bay, nem que seja a nado como no filme, em paz e sossego...







João Palmilha

(Viajante de Valmedo)
"A Nau do Navegador"



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)