ARTE, LIXO E MEMÓRIA
Amigos caninos, tenho visto muita coisa ultimamente, em especial aqui na garagem, onde o J.C tem passado longo tempo de volta de uns caixotes que guardam coisas que ele foi juntando ao longo de muitos anos...
- Eh James - vai ele dizendo de vez em quando - já nem me lembrava disto.... - E vai daí mostra-me umas coisas estranhas para mim, desde objectos sem qualquer utilidade, fotografias já amareladas pelo tempo ou coisas escritas no século passado. E depois de muito observar, de virar e revirar, depois de demasiado tempo com aquelas memórias na mão, na maior parte das vezes volta a guardar as coisas e desabafa baixinho: "Não consigo deitar isto fora!"... "Mas devia, só ocupa espaço..." ouço-o ainda dizer muitas vezes...
- Então como é que vai a reciclagem? - ouvimos entretanto a N. perguntar, abaixada sob o portão aberto a meia altura e de cabeça à banda...
- Vai bem... - respondeu o J.C, pouco convincente e olhando para mim com ar ameaçador apenas porque tive o desplante de levantar o focinho e erguer as orelhas - Aqui o James está-me a dar uma ajuda, não é? - E senti aquela faísca no olhar, aquele aviso para que me não descosesse e não apontasse para o saco do lixo que continuava ainda demasiado vazio...
Novamente sós, oiço-o dizer - Assim não dá, James, vais ter que me ajudar senão volta a ficar tudo igual e esta tralha toda terá que ir para o escritório outra vez... Isto, vai fora? - E olha para mim com ar sério. Tinha na mão uma coisa estranha, de ferro amarelecido, sem qualquer utilidade. - Este porta-chaves tem para aí uns trinta anos, já nem sei quem mo ofereceu... - E volta a olhar para mim, suplicante... Devo ter-lhe feito um focinho desinteressante que volveu - "Tens razão, lixo!" - e mandou a coisa para o saco das inutilidades, era a primeira vez que acontecia naquela manhã....
- Isto também vai fora - e mandou para o saco uma imagem que me chamou a atenção e me fez levantar para observá-la melhor... - Gostas ? Queres ficar com ela?
E eu disse que sim com o olhar. Era uma imagem linda, como podem constatar... Como é que aquilo podia ir para o lixo e outras coisas horrendas eram mais importantes para o J.C? - questionava-me.
- É do NORMAN ROCKWELL, um pintor e desenhador americano muito famoso. - dizia-me ele e eu só pensava que, entre aquelas coisas que o J.C me dizia ser arte aquela era das coisas mais bonitas que eu já tinha visto... - OK! Já vi que gostas, ofereço-te então esta gravura.... Vamos colá-la na tua casota!
Não acham estranha, amigos caninos, esta obsessão dos humanos por se atafulharem de coisas que já não usam? E depois ainda deitam fora aquilo que é mais bonito, como era este o caso. Ainda bem que nós caninos vivemos bem e de consciência tranquila com duas ou três coisas no máximo, no meu caso é a bola, o osso e dois ou três outros brinquedos com que o J.C às vezes desafia a minha perícia..
E agora até já durmo mais vezes na minha casota porque dá gozo olhar para aquela imagem maravilhosa em que um menino alimenta os cachorros perante o olhar embevecido da mãe... E eu sinto que ela poderia ser a minha mãe e eu um daqueles pequenotes... Isto sim, é arte...
James
(Cão de Valmedo)