segunda-feira, 23 de dezembro de 2019




"Louvo a quem
para me proteger,
me concedeu os sete sentidos,
do fogo e da terra, da água e do ar...
um é para o instinto,
dois para sentir,
três para falar,
quatro para saborear,
cinco para ver,
seis para escutar,
sete para cheirar..."


Taliesin

(Bardo do Século VI)
"Bosque de Carvalhos"


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XXII


QUANDO OS BUGALHOS VALIAM OURO...



E da próxima vez que se aventurar numa caminhada por uma floresta nas imediações da sua casa, amigo leitor, não se irrite com os carrascos, aqueles pequenos arbustos que nunca chegarão a árvores, nem com aquelas curiosas bolas a que chamam de BUGALHOS ou GALHAS que a família dos  carvalhos ostenta... É que até pode saber que aquelas coisas aparentemente sem valor e qualquer utilidade não passam de excrecências produzidas pela planta não só como defesa contra a picada de insectos como vespas, abelhas ou formigas como também perante o ataque de bactérias, fungos e nemátodos, mas surpreenda-se: aquelas insignificantes e leves bolinhas desempenharam um papel crucial na expressão cultural durante séculos!




Bugalhos - J.C.Forgeronne



De facto, os BUGALHOS eram apanhados e utilizados para curtir peles e, especialmente, para produzir tinta ferrogálica (tinta de ferro e galho), uma tinta feita à base de água, sulfato de ferro, goma arábica e bugalhos e que simplesmente foi, na Europa e desde o século V ao XIX, a tinta-padrão para a escrita! Assim, muitos manuscritos importantes de antigamente chegaram até aos nossos dias graças à escrita com tinta ferrogálica sobre pergaminho!










Quanto aos singelos carrascos, eles foram muito importantes no passado porque a sua madeira servia para três coisas: aquecimento, carvão-vegetal e produção de carmesim! O carmesim é um corante de cor encarnada-púrpura que se obtém a partir dos corpos secos dos pequenos insectos do género Kermes (vermelho, carmim) e que parasitam a madeira dos carrascos...










João Alembradura

(Historiador de Valmedo)

sábado, 21 de dezembro de 2019



A MISTERIOSA ORIGEM DAS PALAVRAS - XI


DENDROMANCIA, UMA DENDROPALAVRA...


"Os Celtas eram dendrólatras!"... Se o leitor percebeu de imediato o sentido da expressão então está de parabéns, é que muitos ficarão à nora porque, bastas vezes, para perceber o português torna-se necessário mergulhar nas ancestrais línguas matrizes como o grego ou o latim... Assim, se soubermos que em grego árvore se diz déndron torna-se fácil deslindar todas as palavras iniciadas com o antepositivo dendr(o), bastando para isso saber o significado do pospositivo como no caso de dendrofobia, ou seja, medo ou aversão profunda a árvores.  E de entre as muitas dendropalavras que existem debrucemo-nos agora sobre a DENDROMANCIA, e sabendo que o pospositivo deriva do grego MANTEÍA que significa adivinhação então é fácil concluir que falámos da previsão do futuro através das árvores!









De facto não foram apenas os Celtas que idolatraram os CARVALHOS, também os Gregos os consagraram a Zeus, o maior dos deuses e conhecido em Roma como Júpiter, e em Dodona, um oráculo situado na Grécia continental, os sacerdotes previam o futuro através da interpretação do movimento e do som que as folhas dos carvalhos sagrados existentes no templo produziam...  Quem sabe se o método não é mais fiável que a catrefada de horóscopos que nos impingem diariamente nos jornais e televisões...



João Portugal

(Linguísta de Valmedo)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019


ESCRITO NA PAREDE - II









ERA UMA VEZ UMA ÁRVORE SAGRADA...



Quando este mundo-cão deixou para trás a Idade do Gelo, a última glaciação que terminou vai para 12000 anos, o território que hoje é Portugal cobriu-se de uma floresta à base de carvalhos e castanheiros, mas não só, nas zonas mais húmidas apareceram os choupos, os amieiros, os freixos e os salgueiros enquanto que nas zonas serranas brotaram a cerejeira, o loureiro, a pereira, o azevinho ou a avelaneira... A futura Lusitânia era então um imenso paraíso botânico mas que começou a sofrer a pressão humana vai para 5000 anos com o aparecimento da agricultura, da pastorícia, do abate de árvores e dos inevitáveis incêndios, atingindo-se o auge da alteração florestal em duas ocasiões: durante a época dos Descobrimentos em que se instituiu uma intensiva cultura de madeira para a construção das caravelas e naus e depois, já no século XX, quando o Estado Novo decidiu tornar o Alentejo no celeiro de Portugal devastando a outrora imensa floresta de sobreiros e também a partir da década de 50 com a eucaliptização maciça para a produção de pasta de papel. 
Actualmente, e embora Portugal se apresente como um dos países com mais área florestal da Europa (35%) segundo o último inventário florestal levado a cabo em 2010, esse facto não nos deve sossegar por duas razões, sendo a primeira o facto de sermos um país pequenino, e segunda, e muito mais importante, essa floresta distribui-se da seguinte forma: 26% de eucaliptos, 23% de pinheiro-bravo, 23% de sobreiro, 11% de azinheira, 6% de pinheiro-manso, 2% de carvalhos-autóctones e apenas 1% de castanheiro...





Sagrado carvalho...




Na família portuguesa dos CARVALHOS encontramos o SOBREIRO e a AZINHEIRA, de folha perene, e depois o CARVALHO-ROBLE e o CARVALHO-PARDO, de folha caduca, tudo entremeado pelos CARRASCOS, pequenos arbustos que revestem o centro e o sul de Portugal... Certo é que os homens e mulheres que primeiro colonizaram estas lusitanas terras encontraram sustento e energia na grande quantidade de hidratos de carbono que as BOLOTAS lhes proporcionavam, especialmente as de azinheira, menos amargas que as de outros carvalhos... E não admira, pois, que os CELTAS tenham descido em busca deste carvalhal, para eles os  bosques de CARVALHO eram os locais sagrados onde os deuses se revelavam!





Carrasco amigo...




E é bom lembrarmo-nos de que cada vez que um incêndio destrói uma floresta de carvalhos isso significa que séculos de vida e história estão a arder à nossa frente, é que, em média, um carvalhal perdura entre 500 a 1000 anos e que um simples carvalho, até ficar maduro e pronto para se transformar em madeira de grande qualidade e preço a condizer, necessita de 250 (!) anos de vida tranquila!



João Resina

(Botânico de Valmedo)


domingo, 15 de dezembro de 2019

Touro sentado



"Quero que todos saibam não estar nas minhas intenções vender uma parcela que seja das minhas terras, nem aceitar que os brancos cortem as nossas árvores ao longo dos rios, e muito em especial os carvalhos. Tenho uma dedicação especial pelos carvalhos, cujos frutos de modo especial me agradam. Gosto de os observar, a esses frutos, porque eles resistem às tempestades invernais e aos calores do Verão e - como acontece connosco - parecem com eles florescer."

SITTING BULL

(Chefe Sioux)



Carvalho sagrado... -  Moledo




EFEMÉRIDE # 66


A HONRA DO NOBRE ÍNDIO...



Passam hoje precisamente 129 anos sobre o assassínio do mais carismático, genial e respeitado chefe índio: SITTING BULL, ou antes TATANKA YOTANKA, em língua sioux...  BISONTE SENTADO, e não Touro Sentado como um tradutor certamente ribatejano erradamente traduziu para português porque touros é coisa que não existia nas pradarias americanas, por lá só se encontravam búfalos e bisontes, cedo demonstrou ser um predestinado, tinha 14 anos quando foi aclamado pela tribo durante uma caçada em que matou um bisonte com um único golpe de lança e aos 23 anos era já o shaman da tribo, isto é, curandeiro, feiticeiro, intérprete de sonhos e homem que dominava a palavra, oral e escrita... 



O Bisonte, sentado...




SITTING BULL era acima de tudo um homem sábio e que, para além da sua coragem guerreira bem evidente na célebre vitória sobre a cavalaria do vaidoso General Custer em Little Big Horn, se notabilizou pelas sábias decisões e muitas vezes pacifistas, sempre respeitando o inimigo ao proibir saques ou chacinas sem sentido... Corporizou, acima de tudo, a nobreza de carácter e o símbolo de um modo de viver em comunhão com a natureza que todos os índios das planícies americanas consideravam sagrados!
Os caras-pálidos, na sua cobiça e ânsia invasora e destruidora, foram assinando tratados com os índios em que lhes garantiam terras e protecção mas à medida que avançavam pelo Oeste iam ignorando esses tratados:

"Vindes aqui dizer mentiras. Não queremos ouvi-las. Qual o tratado que os homens brancos tenham respeitado e o homem vermelho tenha rompido? Nenhum. Quando eu era criança, os sioux eram senhores do mundo; o sol nascia e punha-se dentro das suas terras; Deus fez-me índio mas não um índio de reservas!"





O BISONTE e o BÚFFALO


Depois da sua estrondosa vitória em Little Big Horn, SITTING BULL, adivinhando uma vingança aniquiladora refugia-se com a sua tribo na nação amiga do Canadá durante 5 longos anos e só regressa para ser julgado num tribunal militar que acaba por lhe fazer justiça: terá agido sempre em legítima defesa! No entanto não se livra de ficar retido na reserva entretanto criada e sob forte vigilância, tendo apenas autorização para sair aquando das digressões do "WILD WEST SHOW", o circo do seu amigo BÚFFALO BILL e onde desempenha a sua própria personagem e como se tivesse sido ele a matar Custer, coisa improvável e em que poucos acreditam...
No dia 15 de Dezembro de 1890, enquanto participava em movimentos que pretendiam a reconquista das terras outroras índias, é morto por uma bala ignóbil, morria assim o primeiro grande símbolo da luta ecológica, alguém que não aceitava respirar fumos tóxicos e beber água de rios poluídos...




João Alembradura

(Historiador de Valmedo)


"O porco tornou-se sujo apenas depois de entrar em  contacto  com o homem. Em estado selvagem, é um animal muito limpo."

Pierre Loti

(Escritor francês)



 OS CÃES, OS PORCOS E AS BOLOTAS...



Amigos caninos, de pés enlameados, calças sujas e ar ofegante, assim vi eu chegar o J.C de mais uma das suas explorações pelos trilhos dos javalis de Verde-Erva-Sobre-O-Mar e eu, zangado por desta vez não me ter levado com ele, nem lhe disse nada quando ao passar por mim deixou cair uma mão-cheia de uns estranhos frutos, por sinal amargos e pouco agradáveis, ainda por cima pontiagudos e escorregadios... 
  - Que porco! - dizia entretanto a N. lá da cozinha. - Livra-te de entrar em casa assim, tira já isso!
Entretanto, estava eu entretido e preparado para triturar mais uma ou duas daquelas coisas quando ouço lá do alto:
 - JAMES, mas por acaso és algum porco para estar a comer bolotas?
Impedido de entrar em casa, o J.C abeirara-de mim sem eu notar e agora mirava-me com aquele olhar que nunca sei se é sério ou apenas curioso e nesses casos já sei que convém fazer um pouco de conversa para tentar desanuviar:
- Ora, nem sabia que isto é que eram bolotas e além disso pensava que os porcos comiam pérolas








- Onde é que foste buscar essa ideia? E por acaso sabes o que são pérolas? - pergunta-me ele a rir, o que era bom sinal...
- Olha, lembro-me bem de num destes dias te ouvir dizer a alguém com quem falavas ao telefone que não estavas disposto a dar pérolas a uns porcos quaisquer, até disseste que eles deveriam era comer merd...
- Pronto! Já percebi, é verdade e tu estás a sair-me cá um espertinho! Ouve lá, aquilo que me ouves dizer não é para repetires, ok?
Vá lá perceber-se estes humanos, amigos caninos, eles falam e falam e depois querem que nós façamos de conta que eles não disseram nada, não valia mais então não falar tanto? E antes que ele se fosse embora achei por bem satisfazer a minha curiosidade:
- Mas afinal o que são pérolas?
- São coisas às quais as pessoas dão muito valor e que às vezes ostentam ao pescoço e, claro, não se dão a qualquer pessoa quanto mais a porcos! Aquilo que me ouviste dizer no outro dia é uma expressão muito famosa tirada de um dos livros mais importantes da humanidade, a Bíblia, e dita por Jesus, uma pessoa que se disse ser divina:

"Não deis as coisas santas aos cães nem lanceis as vossas pérolas aos porcos, para não acontecer que as pisem aos pés, e, acometendo-vos, vos despedacem".    ( Mateus, 7, 6)




-Ah! Então os cães também estão metidos ao barulho! - exclamei.
- Sim e de forma injusta para a tua espécie, não achas James?  Mas tens que perceber que Jesus era judeu e que os animais que os judeus mais detestam são os porcos e os cães...
- Valha-me o Deus Canino! Espero nunca encontrar essa vossa divindade pela frente...
- Não te preocupes, James, tudo não passa de uma parábola e ao fim e ao cabo apenas serve para dizer, por outras palavras, que não se deve dar algo valioso a quem não o merece...
- Mas que coisas santas são essas que os cães não merecem? O chouriço que nunca me dás ou aqueles suculentos assados que tiras do forno e dizes que ficam divinais?
- James, sossega, tu és um bicho mais santo e mais valioso do que muitas pessoas religiosas que violaram, roubaram e mataram e que são consideradas santas, sabes, há muito lobo mau que se veste de cordeiro e passa por santo e que em vez de ser idolatrado deveria era ser lançado aos porcos e aos cães!
Sem saber o que dizer, amigos caninos, eu limitava-me a ouvir de orelha arrebitada e enquanto ele falava eu ia pensando para mim próprio que não queria saber de mais parábolas para nada... E parece que o J.C tinha ouvido os meus pensamentos:
- Sabes James, não ligues à religião, na verdade ela por vezes não passa de uma porcaria que só serve para fomentar guerras e miséria, o que interessa é o que te vai na alma e podes ter a certeza que eu tu temos um lugar reservado no céu quando partirmos deste mundo-cão! - e foi-se embora, deixando-me um pouco mais tranquilo... 
E no fervor da conversa não reparou o J.C que me deixou as abençoadas bolotas ao dispor... Ora vamos lá...









James

(Cão de Valmedo)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XXI


AS JAVALINAS É QUE MANDAM!


O JAVALI é um animal sociável e pouco territorial que se desloca em grupos matriarcais, normalmente constituídos por 3 a 5 fêmeas e respectivas crias... A chefe da vara é sempre a fêmea maior e mais velha e está sempre alerta mantendo-se um pouco afastada do grupo e pronta a sacrificar-se para que os outros fujam.




Dom Javali de La Mancha e seu escudeiro Porco Pança...


Quanto aos machos, os jovens, apesar de acompanharem o grupo, vivem um pouco à parte e preparando-se para vida solitária que os espera, é que os machos adultos não gostam de confusões e vivem sós, apenas se misturando na época do cio... Por vezes, o javali macho e adulto adopta um macho mais jovem que o acompanha sempre, o seu fiel escudeiro, qual porco-pança servindo o intrépido cavaleiro de La Mancha em busca de gloriosas batalhas e aprendendo com o mestre a combater e a seduzir javalinas... 



João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019



SELVAGENS, PORCOS E DELICIOSOS!




Bela iniciativa aquela que teve lugar na Moita dos Ferreiros, uma "Caminhada pelos Trilhos do Javali", esse bicho de má fama tão enigmático quanto interessante... Nos últimos tempos o porco selvagem tem-se tornado uma autêntica praga e a melhor forma de a controlar é a caça organizada, feita nas noites próximas da lua cheia já que é nessas alturas que o luar permite ver um pouco melhor o animal de pelagem negra ou castanho-avermelhada de hábitos nocturnos e retiro diurno. Mas desengane-se quem pense que basta pegar na arma e desatar a procurar a fera em plena floresta, tipo caça ao coelho ou à perdiz, isso aqui não resulta, é necessário atrair o javali através da comida e assim constrói-se um cevadouro, um local em que são deixadas durante uns dias umas iguarias apreciadas pelo bicho e que pode incluir desde nozes, a ovos cozidos, a milho... 


O cevadouro
Tapa-se o grosso do manjar com uns troncos grossos ou com umas telhas para se ter a certeza de que foram javalis que ali estiveram a banquetear-se pois outros animais de pequeno porte não terão a força suficiente para afastar aqueles obstáculos e se assim for então há que voltar a abastecer a "mesa" e fazer a espera quando houver luar e há que ser rápido e cuidadoso para não deixar nenhum vestígio que denuncie a presença humana... É que, apesar de ser fraco de vista porque os seus pequeninos olhos não lhe permitem ver com nitidez para além de uma dezena de metros e apenas ao nível da sua altura, o JAVALI tem uma audição e um olfacto extraordinários, consegue captar sons imperceptíveis para o ser humano e consegue cheirar comida e inimigos a mais de 100 metros de distância! E depois de termos visitado dois desses cevadouros ficamos a saber que, apesar de abastecidos de petiscos, o javali não porá as patas naquelas imediações durante dias porque ficou no ar o cheiro de dezenas de pessoas! É pena que não se possa aproveitar o poderoso olfacto destes bichos noutras situações, por exemplo foi noticiado há poucos dias que uma vara de javalis cheirou e destruiu cerca de 20 mil euros em cocaína que tinha sido enterrada numa floresta da Toscânia por um gang de narcotraficantes! Que bem se poderia dar a alguns daqueles javalis o crachat de agente das polícias especiais...
O palanque
E depois, na altura certa, durante toda a semana que antecede a lua cheia, lá sobe o pessoal para os palanques, abrigos construídos próximos e com boa visibilidade para os cevadouros, e é só esperar que apareçam os bichos e que haja boa pontaria! 
A banha
Outra coisa que os javalis adoram é chafurdar em poças de barro ou lama e que constituem para eles autênticos jaccuzis, e não é apenas por divertimento que se dão a essas "banhas", elas são vitais para a vida da espécie a dois níveis: primeiro permitem a regulação térmica do corpo uma vez que o javali não produz suor porque as suas glândulas sudoríparas ficaram atrofiadas algures no processo evolutivo e depois, e não menos importante, desempenham um papel decisivo na organização social pois na época do cio que decorre precisamente nesta altura - de Novembro a Janeiro - estão apenas reservadas aos machos adultos e dominantes porque permitem salientar odores corporais irresistíveis para as conquistas sexuais... 

E depois desta aventura pelo secreto mundo do JAVALI nada melhor do que conhecer o bicho na sua derradeira e deliciosa versão: fritada com arroz e legumes, delicioso! Para além do estômago fica-se com o espírito cheio porque é muito boa aquela sensação de termos feito algo de útil para controlar a praga, aquele que comemos já não chateia ninguém!




O petisco...



João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019





SELVAGENS, PORCOS E MAUS!


Foram os árabes que baptizaram o bicho de djabali, com todo o propósito já que o termo significa porco-montanheiro, tendo derivado para o português JAVALI, embora seja também conhecido por javardo, porco-bravo ou porco-monteiro... É um mamífero presente em todos os continentes, embora com maior expressão na Europa, na Ásia e na América do Sul e os exemplares que habitam a Península Ibérica atingem em média 70 a 90 quilos de peso, embora ocasionalmente possam atingir os 150 kg; mede até 120 cm de comprimento e 65 de altura e possui uma cabeça grande e larga que para além de dois pequenos olhos ostenta o seu equipamento de defesa e ataque: dois afiados pares de caninos em constante crescimento, sendo os superiores curvados para cima...








Os JAVALIS, depois de terem passado por um período de quase extinção na Europa devido à caça intensa e à destruição de florestas e bosques densos que são o seu habitat natural e preferido, estão novamente a reproduzir-se em força nas últimas décadas beneficiando não só do abandono das populações rumo às grandes cidades mas também do envelhecimento ou desaparecimento daqueles que ficaram, dando azo assim a que campos outrora cultivados voltem a ser reflorestados... Além disso os predadores naturais do javali também vão desaparecendo como é o caso do lobo-cinzento e do lince, já não para não falar do urso que, tirando a espécie de duas patas, nem existe por cá! Ora sendo uma criatura nada esquisita, ela come tudo o que se lhe chega ao focinho seja raízes, bolotas, castanhas, sementes, caracóis, minhocas, fruta, batata, ovos e até animais de criação e filhotes de outras espécies, é tanto o bicho e tamanha a sua acção nefasta sobre as culturas, a fauna e a flora que o JAVALI passou publicamente a ser considerado uma praga!








                                                                                                              (Fotos: J.C.Forgeronne)



João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019



ANEDOTAS QUE PARECEM POEMAS - III

PALAVRAS AFRODISÍACAS



Os corpos suados enrolavam-se freneticamente em anseios de paixão, o sangue latejava acelerado pelas veias e a respiração engasgava-se nas gargantas sedentas e foi então que a Efigénia, convencida de que a relação precisava de ser um pouco apimentada e tentando reproduzir o diálogo de um filme que tinha espreitado à socapa dias antes e em que os protagonistas tinham alcançado o clímaxsussurrou à orelha de Casimiro:  
  - Amor, vá, diz-me coisas PORCAS!
E o amante, que ainda andava com um ligeiro desarranjo provocado pelo molho de leitão da véspera, balbuciou com um esgar estampado na face:
  - Querida... acho que me caguei todo...
   








João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)


ESCRITO NA PAREDE - I






quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Nau dos Corvos


"Quando soube que estava doente convocou os amigos próximos para um jantar, informou-nos de que decidira não aceitar os tratamentos de quimioterapia prescritos pelos médicos sem convicção nem esperança, disse-nos que pretendia ser cremado, e pediu-nos que lançássemos as cinzas no mar do Cabo Carvoeiro, numa cerimónia íntima com a leitura do poema «Nau dos Corvos», do Ruy Belo, e demais algum que achássemos adequado ao momento."

in "Habeas Corpus",  Carlos Querido






"Nau dos Corvos" - J.C.Forgeronne





"Nau parada de pedra que tanto navega
e há tanto está no mar sem nunca a porto algum chegar
nau só a ocidente e todo o mar em frente
condensada insolência intemerato desafio
a mundos devassados mas desconhecidos
corvos de água e de vento aves feitas de tempo
que tão completamente são dois olhos côncavos
e fitos só nas coisas que importam verdadeiramente
nave que sulca não as águas mas os dias
navio de carreira entre o tempo e a eternidade
num espaço onde um simples segundo tem a minha idade
pedra que só aqui se liquefaz
água que só aqui solidifica
cais quente coração de corvos
vistos por quem nunca antes vira a solidão caber
em tão poucos centímetros quadrados
do mínimo de corpo necessário para a vida se afirmar
ó nau navio corvos pedra água cais
aqui estou eu sozinho todos os demais ficaram para trás
(...)

in "Nau dos Corvos", Ruy Belo




LIVROS 5 ESTRELAS -  XVII


OS VIVOS CADÁVERES E OS MORTOS VIVOS...


Mais uma vez fica provado que o tamanho não interessa por aí além, grandes calhamaços há que são enormes misérias enquanto que um pequeno livro consegue extravasar muito para além das suas cento e quarenta pequeninas páginas, como é o caso deste "HABEAS CORPUS", da autoria de Carlos Querido. Aliás, este é um verdadeiro livro-de-bolso, não só porque é pequenino por ser impresso num formato 13x17cm que permite levá-lo bem aconchegado na algibeira do casaco para qualquer lado mas também porque o seu conteúdo foi fragmentado em minúsculas histórias, mais concretamente micro-contos como se avisa no ante-rosto da obra... E cada micro-conto, de três ou quatro micro-páginas no máximo, tem o condão de apresentar um micro-cosmos superior a este nosso pequeno mundo e onde coexistem personagens que já morreram mas que ainda estão vivas e outras que ainda vivem mas que já morreram sem saber, muitas vezes culpa do amor... O título aponta para o corpo, que todos tenham direito ao seu corpo como se dizia em latim, mas a essência da narrativa vai muito para além do carnal e chega a tocar por vezes o religioso quando mistura este mundo de cá, físico e mensurável, e o além, misterioso... 











Talvez não seja por acaso que a obra seja constituída por 33 micro-contos, a idade de Cristo aquando da sua morte e símbolo da transcendência, e também não surpreende que o narrador desertor tenha enfrentado as suas dores a partir da página 33 de um romance inacabado, tal como muitas vidas... 


"Nasci no Ribatejo, interrompeu-o o narrador, num assomo de bravata. Gosto de pegar os toiros pelos cornos. Fale à vontade, doutor, sem eufemismos nem lamechices. Quero a verdade nua e crua, e ergueu o peito orgulhoso, com uma inspiração profunda, punhos nas ilhargas, como se enfrentasse uma ameaça bovina nas lezírias da infância. Inebriado com a sua própria ousadia, incentivou o médico. Desembuche, doutor, deite cá para fora tudo o que sabe, sem rodeios nem panos quentes." 



Uma leitura deliciosa, especialmente agora no Outono, estação propícia a pensamentos profundos sobre a existência, e que tem o condão de pôr o leitor a pensar sobre o seu corpo e as pequenas e importantes coisas da vida mas também sobre a sua alma e sobre a existência que ainda lhe resta... 



João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

domingo, 1 de dezembro de 2019

Outonal

"Outonal domingueira manhã..."


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)



COGUMELOS, O MAIS SIMPLES POSSÍVEL...



E se uma bela manhã, ao nos aventurarmos numa caminhada pela floresta, ficarmos seduzidos por uns lindos e carnudos cogumelos que cresceram à sombra de uns majestosos pinheiros mansos, o melhor é não cairmos na tentação de os levar para o almoço a menos que estejamos na companhia de um especialista em micologia, é sempre melhor não arriscar porque é comum haver confusão entre cogumelos comestíveis e venenosos, eles são muito parecidos e apenas só se distinguem por vezes por pequenos pormenores! E há exemplares que só se comem uma vez na vida! E nem mesmo aquelas ideias populares baseadas na experiência de alguns aventureiros nos darão segurança, tipo "os insectos e outros animais evitam os cogumelos venenosos", é que, meus amigos, por exemplo, as LESMAS adoram cogumelos, especialmente o Amanita phalloides, simplesmente o mais venenoso de todos eles... E não só, entre outras espécies também os coelhos gostam dele, lá por serem venenosos para o ser humano não quer dizer que as toxinas façam efeito em todo o mundo-cão, certo? 




Lesmas adoram cogumelos...com ou sem veneno!


Assim, hoje temos como entrada para o almoço uns deliciosos Portobello comprados no supermercado, porque não, afinal não oferecem mais garantia? E como os vamos fazer? Ora, da maneira mais simples possível...










INGREDIENTES:

- cogumelos Portobello

- azeite q.b

- 4 dentes de alho picados finíssimos

- salsa picada

- sal

- pimenta

- queijo da ilha

- pão de centeio




E mais simples não pode haver:

 - aquecer o azeite na frigideira;

 - juntar os cogumelos cortados em meias-luas;

- temperar com sal e pimenta e mexer;

- deixar cozinhar 7 minutos, mexendo bem de vez em quando;

- juntar o alho e deixar apurar por 5 minutos;

- juntar a salsa picada, mexer e desligar o fogão;

- deixar assentar 4 minutos e servir acompanhado de pão de centeio e pedaços de queijo da ilha...








João Ratão

(Chef  de Valmedo)

sábado, 30 de novembro de 2019



O GLORIOSO SACRIFÍCIO DAS LEVEDURAS



Chamam-se-lhes LEVEDURAS porque em latim levare significa crescer e apesar de serem fungos microscópicos constituídos por apenas uma célula é gigantesca a sua importância em toda a história da sociedade humana e o mundo, sem elas, não teria a mesma piada... Já eram conhecidas no Antigo Egipto e usadas na fabricação do pão e da cerveja devido à sua extraordinária capacidade de conseguirem obter energia e de se multiplicar até em condições em que não haja oxigénio! Nesta situação de anaerobiose, num processo chamado fermentação as leveduras obtêm energia a partir dos hidratos de carbono presentes nos cereais como a cevada ou em frutos como a uva e libertam água, álcool etílico e grande quantidade de dióxido de carbono...




Obrigado, leveduras...




No caso do pão, a fermentação é levada a cabo pela levedura Sacharomyces cerevisiae presente no fermento de padeiro e que a uma temperatura ideal de 27ºC decompõe o amido da farinha em CO2 e etanol; irá ser a libertação das bolhas de dióxido de carbono que faz crescer a massa e o processo de panificação fica completo quando o calor do forno mata as leveduras e provoca evaporação do álcool... E pronto, incineraram-se as nossas amigas leveduras mas ficamos com um belo pãozinho  quente...
Quanto ao vinho, as uvas são esmagadas e tratadas com enxofre para inibir o crescimento de outros organismos que poderiam atrapalhar o trabalho das leveduras e o mosto, em repouso, irá criar as condições ideais para fermentação; quando o vinho "ferve" é libertado o dióxido de carbono para a atmosfera ao mesmo tempo que a concentração de álcool vai aumentando e quando atingir os 12º C torna-se tóxica para as próprias leveduras, que mais uma vez são exterminadas...
Quanto ao fabrico de cerveja, a principal diferença para o vinho é que o dióxido de carbono produzido durante a fermentação do malte não é eliminado para a atmosfera e é graças a ele que a bebida tem gás e espuma; a cerveja é então armazenada durante alguns meses para que as leveduras e outras substâncias sejam eliminadas, desta vez por precipitação... 









Ou seja, as nossas amigas leveduras fartam-se de trabalhar e bem para depois lhes darmos um destino atroz e traiçoeiro, queimadas no pão, envenenadas no vinho e lançadas para o abismo na cerveja... Inglório destino tem de ser o delas para que o nosso seja menos pesado!



João Alquimista

(Investigador de Valmedo)


A MISTERIOSA ORIGEM DAS PALAVRAS - X


O GALO, O FUNGO E A LOUCURA...



A palavra francesa ERGOT significa em bom português o esporão do galo, aquela terrível e pontiaguda garra extra que os galináceos machos possuem na parte traseira das patas e que são a sua maior arma de defesa e de ataque nas lutas com outros bichos... Por outro lado, ERGOTISMO é o nome dado a uma doença originada por um processo de envenenamento por ergotina! Mas que raio tem uma coisa a ver com a outra? Tudo, senão vejamos...










Na Europa, durante a Idade Média, o pão de trigo era muito caro e um luxo vedado ao povo que se via obrigado a comer pão e bebidas elaboradas a partir do CENTEIO, cereal mais em conta mas muito traiçoeiro quando parasitado pelo fungo Claviceps purpurea, organismo que sintetiza poderosas toxinas alcalóides... Durante séculos houve relatos de intoxicações em massa pela contaminação da farinha pelos esporos do fungo, como foram os casos  da "gangrena dos sologneses" que matou 8000 pessoas no século XVII e da epidemia de Pont Saint Esprit, em 1951, que provocou 40000 mortos, ambos ocorridos em França. A causa da doença só foi descoberta em 1670 por um médico francês, Thuiller, que associou o consumo de centeio às intoxicações mas foi preciso esperar ainda quase 200 anos para que o micologista Louis Tulasne, também francês, concluísse e demonstrasse em 1853 que era o fungo e não o centeio a causa da doença que depois viria a ser baptizada como ERGOTISMO devido à forma em esporão que o Claviceps assume quando brota da espiga, fazendo lembrar o esporão do galo...




Craviceps purpurea


Hoje, praticamente, a doença apenas afecta os animais de explorações agrícolas que se alimentem de cereais contaminados com o fungo, seja o centeio, a cevada, a aveia ou o trigo mas, ainda que improvável, fique o leitor ciente de alguns sintomas que o esperam se alguma vez ingerir os esporos do Claviceps purpurea: confusão mental, alucinações, hipertensão, ardor intenso, cianose periférica que pode provocar gangrena e, nos casos mais graves, coma e morte... E se por acaso tiver a sensação de que está voando que nem um passarinho sobre um mundo colorido e caleidoscópico também é normal, afinal foi a partir da actividade metabólica do esporão-do-centeio que em 1938 foi descoberto o LSD, a dietilamida do ácido lisérgico, uma das mais potentes substâncias alucinogénicas conhecidas e que, por exemplo, mudou o mundo da música ao inspirar muita obra psicadélica...







João Portugal

(Linguista de Valmedo)

quinta-feira, 28 de novembro de 2019



AMANITA, UMA FAMÍLIA MUITO POUCO RECOMENDÁVEL...



É uma família que há séculos priva com a sociedade, seja a alta ou a baixa, seja a civil ou a eclesiástica, já na Roma Antiga os cogumelos eram um manjar muito apreciado pelos imperadores e daí naturalmente se ter baptizado uma das espécies comestíveis e mais saborosas como Amanita caesarea, a qual, curiosamente, pode ser encontrada pelos bosques de carvalhos das CEZAREDAS, esse planalto onde justamente um dia o grande CÉSAR e as suas tropas acamparam... 




"Cogumelo-dos-césares" - Cezaredas - J.C.Forgeronne



Os cogumelos-dos-césares, a bem dizer, destoam da restante família, é que a maioria dos seus  membros tem muito mau feitio e são extremamente perigosos devido à sua elevada toxicidade, qualquer confusão com outros cogumelos comestíveis pode dar em morte certa e pouco santa... É o caso do Amanita pantherina, caracterizado pelos entendidos como tendo um ligeiro odor a nabo e um sabor doce, agradável até, o problema viria depois com um grave envenenamento!




"Amanita pantherina"Cezaredas , J.C.Forgeronne




Mas a coqueluche da família é o célebre Amanita phalloides, o cogumelo que mais pessoas mata em todo o mundo! Tal acontece porque é muitas vezes confundido com outros exemplares comestíveis.... É também conhecido por CICUTA VERDE, tal a potência do seu veneno e é impossível não pensar no sacrifício de Sócrates, se ele soubesse teria poupado dores, em vez do veneno da planta teria degustado um Amanita phalloides, de sabor suave e doce e com um agradável cheiro quando jovem, dizem... Salteado apenas com umas gotas de azeite e uma pitada de sal e pimenta teria sido um suicídio perfeito! Ao menos isso o Papa Clemente VII experimentou, morreu após uma bela cogumelada... Parece que também o imperador Tibério Cláudio terá sido presenteado com um belo falóide pela sua mais-do-que-tudo Agripina... E finalmente, cereja no topo do bolo, Siddharta Gautama, o próprio BUDA, que por pouca iluminação no assunto terá morrido devido a ingestão de cogumelos venenosos.... 





"Amanita phalloides" - Cezaredas, J.C.Forgeronne



E depois, voltando às deliciosas memórias de infância, aparece o "mata-moscas", o cogumelo de chapéu vermelho e pintinhas brancas que faz a delícia da criançada em histórias infantis  e especialmente em "Alice no País das Maravilhas"...  Também é conhecido como REBENTA-BOI, e já agora, para o mal e para o bem, façam o favor de não se armarem em bois e fiquem a saber que pode causar grandes alucinações....! E depois venham dizer que o coelho tinha o relógio atrasado, "Ai, ai ai..."!





"Amanita muscaria" - Cezaredas, J.C.Forgeronne


João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)