terça-feira, 29 de setembro de 2020

Azeitona

"As primeiras azeitonas" - Jean-Charles Forgeronne

 

"(...) Quero em dezembro o varejo final da azeitona o búzio a tocar                                                            a azeitona a cair dos ramos nos panos de serapilheira                                                                            quero só isso nem isso quero   (...)

        Que quero tanto que quero um mundo ou nem tanto só agora reparo                                                  quero morder para sempre a almofada quente e densa da terra                                                            quero só isso nem isso quero"


Ruy Belo              

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Vai uma patanisca?

 

TASCAS E ANTROS DE PRAZER - XI


PATANISCA NUMA TASCA LAROCA...


Não andam raposas pela Raposeira nem outros bichos selvagens, aliás pouca alma e pouco que ver se pode encontrar naquele pequeno lugar do concelho de Alcanena que tenta resistir ao despovoamento e ao abandono mas há uma excelente razão para demandar aquelas paragens: "O PATANISCA DOURADA",  uma casa que é muito mais que pasto, é um tesouro gastronómico que preserva e cultiva os pratos tradicionais da região... 




Não há cá luxos nem cerimónias que isso não casa com a maneira de ser das gentes humildes e trabalhadoras mas em compensação não falta aconchego nem simpatia na PATANISCA que nem precisa de ser dourada, é assim que é conhecido, apenas por Patanisca, e chega... É-se recebido pelas mulheres e donas da casa, a Dona Odete e a filha, Susana, ambas cozinheiras e ambas de conversa fácil, naquele dia também serviam as mesas porque a empregada estava de baixa...




Nem há um minuto sentado e chega-se a Susana perguntando o que ia ser, que havia isto e aquilo mas bastaram quinze segundos para me decidir ao ouvi-la dizer "Polvo à Patanisca", era um bom dia para polvo e enquanto esperava pelo cefalópode ia roendo umas azeitonas sem igual que me trouxeram à lembrança aquelas outras dos tempos de outrora em que a troco de dez escudos e com o meu canivete de estimação as retalhava com orgulhosa perícia, quatro golpes em cruz até ao caroço e sem cortar os dedos ainda moços... Depois, lançava-as para a barrica cheia de água e temperos, sal, oregãos e rodelas de laranja, e depois durante um mês ou mais lá ia a minha avó mudar a água todos os santos dias até ficarem prontas para ir para a mesa, tiravam-se à concha e depois temperava-se com azeite, alho e oregãos, tal como estas foram certamente porque têm o mesmo gosto, divinal... 






Mas o azeite, senhores, faz sempre a diferença e esta é terra de azeitonas e azeite ímpares paridos de oliveiras serranas e generosas, frutos de seculares tradições e enquanto olho para a estante que felizmente ficou mesmo à minha frente e reparo nos diplomas de participação em festivais de azeite e ervas aromáticas tudo faz então sentido, a Dona Odete, do alto das suas quase oito décadas de vida e experiência é um dos últimos bastiões da sabedoria gastronómica ancestral e bastaram umas azeitonas para o demonstrar... Claro que estes oregãos da Serra de Santo António e do sopé da Serra de Aire também contribuem e muito ou não fossem eles os melhores do mundo... 




Quando vem o polvo então sobe-me a pulsação, tal qual aquele que era feito pela minha avó e cozinhado em vinho tinto, quase desfazendo-se na boca e com aquele azeite único a ligar tudo, molusco, batatas e salada, delícia...  Falta dizer que o pão, o vinho e a sobremesa não desiludiram, mas as azeitonas e o polvo, ui! E depois, conversa entabulada, fica-se a saber que a ementa varia conforme o mercado e que às quartas-feiras é dia de prometedor cozido à portuguesa, que a quinta é dia sagrado da Dona Odete, a feijoada, que tanto pode ser a tradicional, a de peixe, a de polvo ou até de caracóis, depende, diz ela... E depois, a morcela e a cachola, essas iguaria da minha meninice e das matanças do porco e que por aqui ainda se comem, e parece que está para breve, portanto visita anunciada!


"O Alviela" - Dona Odete
E já de estômago e alma felizes e para final de conversa pergunto que pinturas são aquelas que enfeitam as paredes e que para além de nos transportarem para cenários idílicos nos revelam pinceladas de muita sensibilidade, ao que me responde a Susana. "Foi a minha mãe que os pintou... Agora já se deixou disso, diz que está velhota!". E entretanto vejo sair da cozinha a pintora, mancando mas de ar sereno e feliz, com mais uma travessa de polvo...  E feliz também saí dali eu, descendo a encosta para ir de encontro ao Alviela que serpenteava mansinho lá em baixo...
 


João Ratão

(Chef de Valmedo)

Encruzilhada...

 


E quando o caminhante se depara com tantos caminhos para escolher, seja este que vai dar à aldeia da Raposeira ou aqueloutro que nos leva ao "PATANISCA", outros além que que desaguam na praia fluvial e na nascente dos Olhos de Água, outro ainda que permite a descoberta da Ponte da Ferreira, um recanto idílico do Alviela, não esquecendo ainda o caminho dos peregrinos de Fátima e seus milagres, como escolher? Não há resposta, cada um que escolha por si, eu cá desta vez optei pelo PATANISCA e depois, conforme as sensações e o tempo disponível, logo se verá...


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)


sexta-feira, 25 de setembro de 2020

"Ponte da Ferreira" - Alviela na Raposeira...

 

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

"Formigas em Filadelfia"

 

Formigueiros...

CONTAS DE FORMIGA



Encontro fortuito, não muito desejado,
o bicho-de-conta encara a formiga!
E ele, mui sensível e todo assustado:
"Que queres que te faça, que te diga?


"Ouve lá bem, então que me contas?"
lançou então a formiga ao bicho delas...
Claro, é daquelas perguntas tontas
que podem criar azedumes e mazelas...

"Nada, tudo tranquilo e andando,
já tu, insecto alado e trabalhador,
porque tens asas e não estás voando?"
retrucou o tatuzinho, desafiador...





 


"Sei lá, por amor?" - suspirou a formiguinha...
"Hi Hi!" -exclamou o bicho e desatou-se a rir,
"Essa história não é tua, minha amiguinha,
é do Palma ou de quem vier logo a seguir..."

E nisto, de tanto rir o bicho se virou
numa bola esperneando para o ar,
agonia que fez a formiga desabafar:
"Raio, insecto ele é, insecto eu sou...!"
 
"De que servem as tuas asas, afinal,
se o voar não te liberta nem te salva?"
A isto, não levando a formiga a mal:
"No céu ou na terra, importa a alma..."

 




E assim morreu o bicho, esperneando,
fazendo contas mas sem ajuda divina...
Por cá ficou a formiga mui desovando
mas sem saber que nexo isso tinha...


J.C

(Poeta de Valmedo)

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Ser alado...

 

TER ASAS E NÃO VOAR...


Primeiro veio o susto logo pela manhãzinha, assim que saí porta fora senti que o mundo estava diferente, o chão movia-se debaixo dos pés! Veio-me imediatamente à cabeça aquela ideia não tão disparatada assim, foi desta, pensei, durante a noite tinham chegado os extra-terrestres e tinham alterado as leis físicas e magnéticas do planeta, estávamos agora numa dimensão diferente! Olhei para o céu escuro a ameaçar aguaceiro e pareceu-me normal, pus-me à escuta e nada se ouvia, nem os cães dos vizinhos, apenas o JAMES me espreitava de cabeça pendurada na grade do muro e com ar triste por não me fazer companhia na corrida, estranhamente não passava carro nenhum na estrada além, sempre movimentada, olhei as casas em volta e tudo parecia tranquilo e igual mas o mundo parecia estar suspenso, disparatadamente consultei o relógio do telemóvel e com alívio constatei que o tempo continuava a rolar, eram oito da manhã como seria de esperar, e então voltei a olhar para o chão: raios, ele continuava a mexer-se!





E só me baixando, quase de joelhos, esclareci o mistério: eram às centenas, aos milhares, pelas pedras da calçada, pela terra em redor, até pelo alcatrão, milhões de pontos negros se moviam sem nexo, pareciam desorientadas aquelas FORMIGAS...  E depois reparei noutra coisa curiosa, muitas delas tinham ASAS, que raio, para que quer asas a formiga se depois passa a vida a calcorrear a terra, afinal alguém já viu formigas a voar? Ali estão rolas penduradas nos fios telefónicos, além passa um melro num esvoaçar desengonçado, mais tarde chegará o pardal que me tem debicando com entusiasmo o metro quadrado de relva que tenho ao lado da garagem, gaivotas primas do Fernão Capelo desafiam as leis da gravidade ali em baixo na praia do Caniçal, até aqui tudo bem, tudo lógico, mas formigas a voar? Nunca vi e volto a pensar que o fim deste mundo-cão estará próximo e não é preciso que cheguem os alienígenas...





E depois, após ter atravessado a rua escolhendo bem o sítio onde pisar que até parecia estar a jogar à macaca, chegado à floresta rejuvenescedora não consegui andar direito tanta era formiga a sair das entranhas deste surpreendente planeta e não querendo incomodar a estonteante azáfama destas criaturas rainhas do subsolo e do mundo inteiro lá segui mais a caminhar do que a correr, convencido já que a Terra é oca e que os verdadeiros aliens invasores e a verdadeira ameaça somos nós, humanos...



Então parece que o fenómeno se explica do seguinte modo: em qualquer espécie de formiga todas as rainhas e todos os machos têm asas! Para quê? Ora bem, isso acontece em nome da perpetuação da espécie, ou seja, acasalamento e dispersão em massa e isso ocorre após as grandes chuvadas do final do Verão e princípio do Outono, alturas em que nas alturas e no chamado voo nupcial estes insectos alados praticam sexo desenfreado... E enquanto as rainhas apenas possuem asas enquanto jovens até ao acasalamento porque depois vão fundar algures o seu próprio formigueiro, onde passarão anos e anos a colocar maquinalmente ovos e mais ovos, não precisando de asas para nada, já os machos serão alados a vida inteira mas isso não é caso para serem invejados, é que eles só viverão duas ou três semanas e ainda que as passem inteirinhas a fornicar parece-me uma existência  demasiado efémera... Ou talvez não, diria o Einstein, que isto do tempo é muito relativo!






João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Deixar de fumar...

 

ANEDOTAS QUE PARECEM POEMAS - VII


CAMA PARA NÃO FUMADORES...


Depois de ter sexo com a sua mulher, Valentim tinha o hábito de se sentar na cama e assim, de costas apoiadas na larga cabeceira do leito, acendia um cigarro e fumava devagar e profundamente enquanto observava com deleite os novelos de fumo que subiam até ao tecto... Esse ritual dava-lhe gozo, era como que um prémio pelo seu desempenho de macho e nem sempre mas por vezes até chegava a fumar por duas vezes mas, naturalmente e a pouco e pouco, Valentim deixou de fumar... 







João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo) 


"Que foi?"

 

Desabafo de cão...


VIDINHA DE CÃO!



Nem queiram saber, amigos caninos, ontem acordei da minha tranquila sesta com uma inusitada surpresa do J.C.:
  - Bora, bicho danado, vamos lá tratar disto!
Ora, quando ouvi estas palavras caiu-me a pique o entusiasmo que me assaltara momentos antes ao vê-lo pegar na bendita coleira que já tinha ganhado algum pó no cestinho do canto da garagem, é que, estão a ver, sempre que aquela coleira é ressuscitada isso é sinal de um passeio pelas redondezas e essa actividade é muito importante para a minha sanidade mental, como bem sabem sou um cão que gosta de explorar o território e os mistérios de Verde-Erva-Sobre-o-Mar, coisa que, aliás, deveria ser muito mais frequente do que na realidade acontece e não me venham cá com a desculpa da falta de tempo ou com a noite que foi difícil... Claro, sei o que estão a pensar, amigos caninos, acham que eu deveria deixar de ser um cão-passivo-acomodado e endurecer a luta e passar a fazer greve de vez em quando à minha importante missão de manter o equilíbrio mental nesta família, afinal quem está cá sempre de boa disposição nos bons e maus momentos, sempre pronto para receber uma festinha mas dando em troca atenção, carinho e amor canino? E sabem que mais, essa coisa da greve já esteve mais longe, um dia destes ainda me vou tornar certamente num cão reaccionário mas essa questão fica para a próxima, agora ali estava o J.C a ajeitar a máscara com uma mão enquanto que na outra ostentava a bendita coleira e o meu boletim sanitário:
  - Dia de vacina, bicho! Antes que fiques raivoso...





 - Outra vez?! - não consegui evitar o desabafo, é que me parecia que a última vacina tinha sido há tão pouco tempo...

 - Pois é, JAMES, já passou um ano... E sabes, desta não podes escapar, há que manter o vírus da RAIVA em sentido, como sabes...

E nisso ele tinha razão, amigos caninos, o tempo corre rápido demais, até no nosso mundo-cão... Mas depois lembrei-me, se a coisa se mantiver igual nestes tempos conturbados nem tudo é mau, sempre me poderei cruzar com algumas fêmeas interessantes ali no largo da aldeia e, geralmente, depois da vacina acontecerá o regresso a casa  ali pelos campos, afinal a coisa mais prazenteira do dia...



"Na fila de espera.."


  - Então mas não são vocês, pessoas, que estão a contas com o maldito VÍRUS? - ainda perguntei apenas para chatear enquanto nos dirigíamos para o largo do Toxofal...

   - Pára lá com as gracinhas, bicho! - respondeu de chofre o J.C enquanto me olhava através do retrovisor -  Nós temos os nossos vírus e vocês, cães, têm os vossos, certo? Qual é o teu problema, afinal?

   E eu, que tinha a perfeita noção de que já estava a estender-me um pouco em demasia, ainda tive vontade de responder que achava que os vírus são de todos, pessoas e animais, e que é preciso as pessoas escolherem bem os animais com que se metem e os animais, especialmente nós, amigos caninos, escolherem bem as pessoas com que se metem, senão pode dar muita confusão... E não imaginam a cena, quando chegamos, carro estacionado, J.C a abrir-me a porta e eu obedientemente a pôr-me a jeito, inconscientemente lancei:

  - Então, eu não preciso de pôr máscara?

E eu, se não morrer desse maldito vírus raivoso, amigos caninos, haverei de morrer do olhar assassino que ele me lançou... 



"Liberdade!"

JAMES

(Cão de Valmedo)


terça-feira, 15 de setembro de 2020

CÃO!


EFEMÉRIDE # 80 


O CÃO! ESSE BICHO...


"Quero mijar! Agora quero mijar..." São as primeiras e pouco poéticas palavras que se ouvem embrulhadas na voz singular e carismática do Manel Cruz quando o CÃO! começa a tocar e imediatamente elas levantaram a polémica, afinal não era esse o objectivo dos ORNATOS VIOLETA quando lançaram o seu primeiro álbum corria o dia 15 de Setembro de 1997? ... Curiosamente, outras palavras provocatórias para os mais sensíveis e puritanos abundam no discurso narrativo da obra se forem tiradas do contexto, tais como "...se não te agrada a forma de eu falar acorda e vê que eu cago pró teu não gostar...", "...pornografia é vício são...", "...eu sou o rei masturbador..." ou "...vim da rua de matar alguém e foi assim que eu matei por bem..."... Ouvindo com atenção e no tom certo sente-se a mensagem que é muito mais do que irreverente e provocatória e também não deixa de ser curioso que em todo o discurso só se oiça uma única vez a palavra cão, no tema "Homens de Princípios": "...se não me atrai uma forma de sentir sou pior que o bicho CÃO e o bode preto...", uma homenagem ao feitio e aos princípios caninos...





Mas para além das palavras há muita música no álbum para desvendar e apreciar, e até um PEIXE vem incluído no pacote e que por sinal se revela um exímio guitarrista, e compreende-se que ainda hoje, passados tantos anos, o CÃO! continua a ser uma obra incontornável e representativa do génio criativo lusitano...


                                                                                                                A Dama do Sinal


JoãoSem Dó

(Músicólogo de Valmedo) 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O camaleão do rock...

 


EFEMÉRIDE # 79


CAMALEÃO, UMA VEZ NA VIDA...


Pois é, ao menos uma vez na vida, é caso para dizer acerca de Major Tom, Ziggie Stardust, Alladin Sane, Halloween Jack, Thin White Duke ou simplesmente DAVID BOWIE, a encarnação de todas estas personagens e outros tantos vanguardistas estilos musicais que lhe valeram o epíteto de camaleão do rock, ao menos estar frente a frente com  todos eles uma vez na vida foi um desejo que desejei em muitas ocasiões e esse desejo realizou-se no dia 14 de Setembro de 1990, nem parece que foi há três décadas...! Na manhã desse épico dia dizia o Público: "...às 22h20, David Bowie entrará em cena e acabará o descanso...", e não falhou no prognóstico porque, como prometido, era aquele o tempo certo de dar descanso a 30 ou 40 canções que seriam cantadas completas pela última vez naquela digressão chamada a propósito "Sound&Vision", sons e imagens inesquecíveis de três décadas de uma carreira ímpar...


in "PÚBLICO" - 14/9/90

É verdade, lá estive no relvado do velhinho estádio José Alvalade, ali bem perto do palco e bem acompanhado pelas colegas da maravilhosa equipa da urgência da Estefânia, a Nana e a Dolores, faltou a Madalena mas já nem me lembro porquê, talvez não gostasse do Bowie, e curiosamente o espectáculo nem era para ser ali mas no Restelo, como prova o bilhete que ainda guardo religiosamente no meu baú das melhores memórias desta vida...



                                                        



E bastou colar uma pequena etiqueta para tudo mudar, de norte para sul e do Restelo para Alvalade, mas o que não mudou mesmo foi o camaleão, concerto irrepreensível e memorável, mesmo passados 30 anos... E depois, quando veio o "Heroes" fechei os olhos e senti-me por uns instantes um herói! Que saudades...


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Explorando um novo mundo...

 

EFEMÉRIDE # 78


O VERDADEIRO INDIANA JONES...


Há precisamente 13 anos, a 11 de Setembro de 2007, ao partir deste mundo-cão iniciava GENE SAVOY a sua mais arriscada e misteriosa expedição: a descoberta dos segredos perdidos do mundo do além! E ele que por cá tinha sido um famoso e intrépido aventureiro, explorador, teólogo, líder religioso e autor de mais de 50 livros sobre arqueologia e religião, nestes anos que leva de aventuras no lado de lá já deve ter certamente desenterrado muita coisa de abrir a boca de espanto!



"Savoy no Perú"

           

Nos anos sessenta do século XX, Savoy tornar-se-ia mundialmente famoso ao ser um dos primeiros exploradores a demandar as montanhas e as florestas do Perú, os Andes e a Amazónia em busca de riquezas, tendo reclamado para si a descoberta de numerosos tesouros e cerca de 40 (!) cidades perdidas, das quais se salienta Vilcabamba, a cidade perdida e último refúgio dos Incas antes de sucumbirem ao extermínio espanhol... A aura de herói entretanto alcançada tornou Savoy num mito e levou, por exemplo, a People Magazine a considerá-lo "O VERDADEIRO INDIANA JONES"!



"A cidade perdida dos Incas"


De facto, é provável que George Lucas ao criar a personagem Henry Jones Júnior, um herói de vida dupla ao encarnar por um lado um pacato professor e estudioso de Arqueologia e por outro ao assumir-se como um destemido aventureiro em busca de tesouros perdidos, se tenha baseado na figura incontornável de Savoy... O que é certo é que o herói é mais conhecido por Indiana porque, afinal, era esse o nome do cão que Lucas tinha em criança...





João Parte Pedra

(Arqueólogo de Valmedo)

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O penico...

 

AS COUVES QUEREM-SE MIJADAS!



- Então mas onde é que despejaste o penico, rapazinho?

E eu, com a desculpa de ainda ser um menino com tanta coisa para aprender, não encontrei melhor resposta:

- Deitei-o ali ao pé da laranjeira... Porquê? 

 - Valha-me o Santíssimo Sacramento! Era para pores nas couves, raio...

A coisa foi dita com tanto ênfase que eu fiquei convencido que tinha cometido um pecado mortal, tinha acabado de cometer um crime contra a natureza e contra as leis ancestrais dos nossos antepassados...

  - Ó vó!? Nas couves porquê? Mijo nas couves?

 - Ó menino, tens muito que crescer e aprender ainda! Claro que é para botar nas couves, sempre foi assim, crescem melhor! - e pôs um ar de assunto encerrado, não havia mais explicações a dar, até porque não as tinha, tinha aprendido assim e assim estava certo!






Isto aconteceu numa daquelas minhas pernoitas em casa da avó Cotiles, Clotilde de nome oficial, e lembro-me agora que este incidente fez com que eu, na altura menino de uma dezena de imberbes primaveras, tenha ficado em choque e arranjado uma desculpa para durante uns tempos não comer as sopas de couves com feijão feitas pela minha avó, apesar de gostar imenso delas e ao ponto de ainda hoje sentir saudades, tinham elas um gosto especial que só visto, parece que as couves de hoje não lhes chegam aos calcanhares... E a coisa só ficou resolvida passado algum tempo quando o Ti Zé, pessoa sábia, respeitada e experiente, chegou no seu carocha depois de uma estafante viagem desde Algés para passar uma semana na terra e olhando para as benditas couves exclamou:

- Que belas couves, não achas? Qual será o segredo da tua avó para elas ficarem assim tão viçosas? 

- Não queira saber! - e então desabafei: - Ela rega todas as manhãs as couves com o mijo da noite, despeja aqui o bacio como...

- Oh! Claro! Mas é isso, já no meu tempo de garoto se fazia isso e digo-te, dá resultado, é o melhor adubo que há!

Fechei a boca de espanto, olhei para as couves que me pareciam desafiar na sua estonteante verdura e nem de propósito, abeirou-se de nós a Vó Cotiles, vinha ela buscar umas folhas de couve, a sopa do almoço seria caldo-verde enriquecido com chouriço de fumeiro da última matança... 






E hoje, amigos, passadas décadas, aquelas impressões continuam bem vivas, mesmo tendo aprendido  ao longo dos anos que nada cresce na natureza sem alimento, sem adubo, tendo crescido com os azulejos do "Nitrato do Chile" incrustados nas casas por este país fora, tendo até descoberto há pouco tempo a história desse fantástico produto chamado guano que os INCAS já conheciam e utilizavam durante séculos, estou hoje convencido de que a minha avó e os seus antepassados tinham razão: não há melhor adubo do que a nossa urina da manhã para fazer crescer as hortaliças! Por isso deixo aqui um apelo, não é necessário ir às ilhas do Perú e do Chile buscar fertilizante, basta que, quando aflitinhos para verter águas não as desperdicemos, basta mijar para um pé de couve ou de feijão-verde... Mas atenção, nunca para as folhas, já diziam os antigos... E agora que estou aqui a olhar para a minha mesinha de cabeceira veio-me à lembrança aquela outra dos meus tempos de meninice bem diferente das actuais e em que apenas havia uma gaveta e por debaixo dela um espaço amplo para resguardar o bacio para eventuais alívios nocturnos... E depois de manhã...


João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

terça-feira, 8 de setembro de 2020

O GUANO...

 

CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XXVIII


É MERDA, SIM, MAS VALE MUITO $$...


Diz a enciclopédia que o GUANO é uma matéria composta de excrementos de aves marinhas que se encontra acumulada em grandes quantidades nas costas e em várias ilhas do Chile e também do Perú, resultado de milénios de desmerdanço de pelicanos, albatrozes, petréis-mergulhadores, pardélios, gaivotas, cagarras, gansos-patola, corvos-marinhos, fragatas e até de mandriões... A origem do termo não poderia ser mais a propósito, GUANO deriva da palavra quíchua huanu, que significa merda, esterco, só que a sua milagrosa composição à base de ácido úrico e fosfato de cálcio, para além de sais de potássio, oxalatos, carbonatos e outros compostos azotados faz desta porcaria um precioso e riquíssimo fertilizante já que contém todos os elementos requeridos pelas plantas duma forma facilmente assimilável, uma colher de sopa de guano no pé do feijão e é vê-lo subir num ápice até ao céu, que o diga o João Bovino, o menino que trocara a vaca sagrada da família pelas sementes mágicas e que agora anda lá em cima a observar os castelos deste maravilhoso mundo-cão, muitos deles de areia!  





Antes da mortífera e destruidora invasão espanhola já os INCAS usavam o guano há mil anos nas suas culturas e curiosamente nuestros hermanos não lhe deram o devido valor devido, em primeiro lugar, à sua cupidez e obsessão pelo ouro, e depois por causa do seu olfacto melindroso, diziam eles que o cheiro do guano era tão intenso que afastava tudo e todos daquelas ilhas, tivessem eles um nariz menos sensível como os Incas e talvez tivessem descoberto o tesouro, aquela que se tornaria a merda mais cara do mundo... Foi preciso esperar pelo século XIX para que o mundo se apercebesse daquela enorme riqueza natural ali à mão de semear, então VON HUMBOLT, meu herói e colega naturalista e geólogo alemão, ao estudar as fabulosas propriedades do guano despoletou uma corrida ao ouro, de repente era considerado o melhor fertilizante do mundo e todos o queriam e a febre foi tanta que os americanos se deram ao luxo de elaborar o "Acto das Ilhas do Guano", uma directiva que autorizava qualquer americano a tomar posse de uma qualquer ilha onde houvesse guano ao redor do globo com o intuito de a explorar comercialmente, e fizeram-no de facto em mais de cem ilhas...  Acresce que para além das costas e ilhas do Pacífico sul tinham sido entretanto descobertas jazidas de guano em muitas ilhas ao largo das costas africanas e o rebuliço e as apropriações selvagens foram tantas que ainda hoje subsistem conflitos em relação ao direito de propriedade de muitos desses santuários de vida selvagem!


  



E de facto a riqueza e a economia do CHILE são indissociáveis dos materiais fertilizantes, é que para além do guano possui o lendário Atacama, extremamente rico em nitratos, enxofre e cobre, quem não se lembra daquele painel de azulejos incrustados pelas casas desse Portugal fora a dizer simplesmente "Nitrato do Chile"? E não fosse um comentário do meu prezado amigo João Sem Dó acerca de um CD dos Guano Apes que encontrou miraculosamente numa feira de velharias a um euro(!) e eu não teria ressuscitado esta adubada curiosidade do mundo-cão...




João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)