sexta-feira, 31 de julho de 2020

Um amigo...



Um amigo

Um amigo é fruto de uma escolha.
É uma opção de amor,
é a descoberta da alma irmã.
É a descoberta clara e permanente de algo sublime
que não está na natureza das coisas perecíveis.
É um tesouro sem preço, um gostar sem distância
de alguém presente no nosso caminho,
nas horas de dúvida, de alegria, 
demais para ser perdido,
importante para ser esquecido.

Antoine de Saint-Exupéri

(29-06-1900 - 31-07-1944)







quinta-feira, 30 de julho de 2020

AMIZADE POR DECRETO...






Hoje celebra-se o DIA INTERNACIONAL DA AMIZADE, instituído pela ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS em 2011... De facto, em reunião solene e por unanimidade foi aprovada a proposta de 43 países de decretar o dia 30 de Julho como o dia da amizade sob o pretexto de que ela é um sentimento tão nobre e valioso que assume uma importância vital na vida dos seres humanos... Mas que raio? Andarão os políticos e os povos tão distraídos ou alienados para que seja necessário alguém lhes lembrar da preciosidade que é ter amigos e de os ter próximo?  É incomparável a noção de amizade entre povos ou nações e a amizade entre indivíduos, a primeira sempre foi e sempre será condicionada pela segurança, pela economia, pelos recursos naturais, pelo ambiente e outras inúmeras coisas, afinal quantos países muito amigos não entraram em guerras atrozes mostrando ao mundo que a sua amizade acaba quando começa o interesse?    
Veja-se o caso dos nossos ditos amigos ingleses que para além de ao longo da história nos terem atraiçoado pelas costas várias vezes, a última das quais agora mesmo por causa do COVID ao proibirem os seus cidadãos de viajarem para Portugal e assim não só deram cabo do nosso turismo como mais uma vez mandaram às malvas o mais antigo tratado de amizade do mundo! Afinal de que serve ter amigos assim? E o raio do tratado só deve servir para fazer história certamente e só continua em vigor porque Portugal continua a fazer figura de imbecil junto de gente tão falsa... 

 


"AMIZADE" - Élio Oliveira, Hans Varela - Estoril - Fotos - Jean-Charles Forgeronne




Já quanto à amizade entre indivíduos a história é outra, o mundo está cheio de histórias impressionantes de amizades que duraram uma vida inteira, nos bons e nos maus momentos, na paz e na guerra, na bonança e na pobreza, na saúde e na doença, amizades incondicionais que são a maior expressão de carinho e afecto que se podem ter por outra pessoa... Essa sim, é a amizade que merece ser celebrada, mas todos os dias e a qualquer momento, não apenas por decreto a 30 de Julho...








E ninguém duvidará que a AMIZADE é o cimento invisível que une pessoas, grupos, famílias, uma sociedade, enfim, gerando conforto, alegria, auto-estima, paz, sem necessidade de decretos... Por isso, a todos os meus verdadeiros amigos, agora, amanhã e sempre, bem-hajam e brindemos a isso um dia destes...



João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

segunda-feira, 27 de julho de 2020



CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XXV


OBJECTOS, RARIDADES, TESOUROS...


O que torna um simples objecto em muito mais do que isso, numa preciosidade até e que por vezes chega a valer para alguém muito mais do que o singelo valor de mercado, autênticas fortunas nalguns casos, é algo que ultrapassa e muito o entendimento comum e a pura materialidade das coisas ou o valor de mercado porque envolve histórias por vezes dramáticas, curiosidade histórica, emoções, vínculo psicológico, particularidades únicas de uma vida, honra familiar por vezes, questões de estado até, e nesses casos nem todo o dinheiro do mundo compra um verdadeiro tesouro... 




O meu último vinil...


No meu caso particular, um dos melhores exemplos que posso apresentar é o disco "TRAVEL-LOG", que é como quem diz "Registo de Viagens", da autoria do grande J.J.CALEe que foi simplesmente o último vinil que comprei, no longínquo ano de 1990, passam agora exactamente três décadas... Naquele tempo declarava-se a agonizante morte do vinil por causa do aparecimento do todo-poderoso CD que prometia melhor som e maior durabilidade, mas embora já não me recorde em que superfície comercial encontrei em saldos esta maravilha lembro-me bem que não consegui resistir a trazê-la comigo pela módica quantia de 490 escudos, quando o seu preço base era de 1950, uma pechincha portanto...   










E na altura questionei-me se era acertada a compra, afinal o vinil iria acabar e à minha colecção de uma centena de exemplares que tinha lá por casa já nem dava uso mas em dois segundos decidi, que raio, afinal era o J.J.CALE e aquele álbum ainda não tinha nem conhecia, era irresistível! E hoje, em que a indústria do vinil voltou em força e se pagam fortunas por reedições dos grandes clássicos, quanto vale este meu exemplar de "Travel-Log", que se já era raro na altura mais raro deve ser encontrá-lo hoje em dia? Não quero saber, mas como sou de temperamento ilhano estou receptivo  a propostas... De resto, não se esqueçam, dei dois euros e meio por ele há trinta anos, o que quer dizer que não tem valor para mim!



                                                                                                                      No Time - J.J.Cale


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

domingo, 26 de julho de 2020



EFEMÉRIDE # 76


O MÚSICO ATRÁS DA CORTINA...


Há precisamente 7 anos anos atrás partia deste mundo J.J.CALE, serenamente e sem alarido como ele sempre fez questão de levar a sua existência, ele que era visceralmente alérgico à fama e às luzes da ribalta e de tal forma assim era que foi necessário outros músicos tocarem as suas canções para que se tornasse conhecido, especialmente Cocaine e After Midnight por Eric Clapton mas também Call me the breeze ou I got the old blues pelas mãos dos LYNYRD SKYNYRD... De resto, também o grande Johny Cash, Tom Petty, Santana ou os Allman Brothers, entre outros, não resistiram a tocar a sua música tão serena por vezes quanto ritmada noutras, uma original miscelânea de blues, country e jazz... Guitarrista exímio como era estava destinado a tornar-se uma inspiração e uma lenda para outros grandes músicos como Mark Knopler ou Neil Young, e claro com destaque para o seu fã número um, Clapton, que em 2006 ainda foi a tempo de gravar a meias com o mestre o belíssimo "The road to Escondido", obra derradeira e de despedida, uma honra e excepção pois Cale gostava era de trabalhar a solo escondido no seu cantinho, assim se passou com os seus 14 álbuns de estúdio em mais de quatro décadas de carreira...




JJCale


Ainda me lembro daquela longínqua manhã adolescente em que, como habitualmente, de indicador suspenso a um centímetro do botão de gravação aguardava ansiosamente pelo final do noticiário e  pela voz do saudoso Jaime Fernandes que iria dizer como sempre "Bom dia! Nesta edição de DOIS PONTOS iremos ficar com...." E naquela manhã iríamos ficar com um tal de Jay Jay Cale, pelo menos foi assim que o meu ainda incipiente inglês descodificou e assim o escrevi no meu caderno de matemática, para mais tarde lembrar. Por vezes deixava o programa a gravar na cassete de ferro barata e ia fazer as outras coisas que se faziam quando se tinha 16 anos e que já não me lembro quais eram, mas naquela manhã fiquei colado às colunas da aparelhagem porque delas saiam umas guitarras deslumbrantes e uma voz doce e tranquila mas segura e irresistível... E depois no final da hora lá tinha dito o Jaime: "Hoje nesta primeira hora de DOIS PONTOS tivemos "Jay Jay Cale" e os álbuns Naturally e Troubador"...




Cale's  of my collection...


E claro, na primeira oportunidade quando fui a Torres, em aulas ou em vadiagem, vá lá agora saber-se, a primeira coisa que fiz foi demandar a loja de discos do Porfírio, o homem que conhecia tudo o que era banda e LP's e perguntar-lhe.
- "Ouve lá, tens alguma coisa de um tal Jay Jay Cale?"
E ele ficou a olhar para mim sem dizer nada... Claro, o homem era pouco conhecido, eu assim não iria lá e só me ocorreu escrever num papel o nome do artista...
  - Não me diz nada... Onde é que foste buscar isto?
  - Eh pá! Ouvi-o há uns dias na rádio! Tem uma canção assim, deves conhecer:  -  nã nã nã nããaa... nã nãaa nãaaaa! nã nã nã nãaaa... nã nã nã nã!
  A minha exibição deve ter sido horrorosa porque o Porfírio continuava impassível e sem perceber nada, culpa da minha fraca prestação vocal e a coisa só se resolveu passados uns dias quando lá voltei com a bendita cassete que tinha gravado e então sim, quando ouviu os primeiros acordes do Cocaine sorriu e disse:
  - Oh! Então isto é o Cocaine do Eric Clapton!!! Quer dizer, o Clapton tem uma versão ao vivo espectacular desta canção! -  e desapareceu por uns momentos para trazer na mão o "Just one night" - Um dos melhores álbuns ao vivo! - quase gritou, entusiasmado... - Mas sim, a canção é desse tal J.J. Cale, agora não tenho nada dele aqui, vende-se pouco, mas posso encomendar se quiseres...
  E assim foi, o primeiro vinil que tive do Cale foi o Grasshopper, encomendado pelo Porfírio, mas outros se seguiram, felizmente...


                                                                                                                 Cocaine - J.J. CALE



João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

quarta-feira, 22 de julho de 2020

terça-feira, 21 de julho de 2020



ANEDOTAS QUE PARECEM POEMAS - VI


UM DESASTRE SEXUAL NO ALENTEJO...
  

Tudo corria como previsto, o Ti Manel Malaviado e o seu rebanho de cabras tinham madrugado cedo, como de costume, e estavam já a atravessar a estrada nacional ainda deserta em busca do pasto prometido, além nas cercanias da herdade, quando de repente, vindo do raio que o parta, um barulho estridente inquietou os animais, todas as orelhas, caprinas, caninas e humanas, se voltaram espetadas em direcção ao horizonte ainda nebuloso...
E então o Ti Manel estacou, apoiou-se no cajado, compôs a manta que trazia aos ombros, deu um jeito à sacola do farnel que trazia a tiracolo, ajeitou o chapéu de larga aba, fez da mão esquerda uma pála para proteger dos alvorescentes raios de sol e abriu a boca de espanto, como se lhe fosse possível compreender o que se passava apenas inspirando mais profundamente o ar matinal: aquilo que primeiro não passava de uma pequena mancha muito lá ao fundo rapidamente se tornou num carro vermelho como ó diabo que parecia querer matar tudo e todos e que tentando desviar-se em ziguezagues descontrolados dos últimos animais que atravessavam a estrada foi embater com estrondo mas sem glória no tronco de um inocente chaparro que há séculos tranquilamente se limitava a ver a vida passar da berma da estrada...








E do carro maltratado, já só com três rodas e parte da frente destruída, sai uma aperaltada e garrida criatura, gesticulando com desespero enquanto dizia numa voz estridente e irritante:
   - Óh! Dio mio... Mi Maserati, tutti rotto, tutti distrutto!
O Ti Manel, sagaz como era e avaliando a situação, se a coisa desse para o torto ainda a culpa seria sua e poderia custar-lhe meia dúzia de animais, afinal aquilo estava mesmo para o escavacado, tentou acalmar a criatura:
   - Oiça, ganhe lá calma homem... O senhor sabe que vinha depressa demais, né? A culpa é sua! Além disso, a coisa nem parece assim tão feia, uma roda, duas rodas, a parte da frente, talvez ali o Chico Oleaças da oficina o consiga desenrascar, eu até posso ir lá consigo...
Mas o raio do espaventoso italiano de lenço garrido ao pescoço e trejeitos manhosos nem o ouvia, de mãos na cabeça limitava-se a olhar para o carro e ia repetindo choramingosamente:
    - Óh! Dio mio... Mi Maserati, tutti rotto, tutti distrutto!
    - Ó amigo, já lhe disse, ganhe lá calma! Ali o Chico resolve-lhe o problema e...
Mas o outro nem o via e muito menos o ouvia, limitando-se a dizer:
    - Óh! Dio mio... Mi Maserati, tutti rotto, tutti distrutto!
E o Ti Manel Malaviado, que era de pavio curto e que já estava a ficar farto daquela cena marada, enquanto coçava a curta genitália que lhe dava a alcunha e que apenas servia para satisfazer as suas cabrinhas de meia idade, exclamou:
     - Porra! Roto és tu! Ouve, já estou farto disto! Não queres ajuda?- e olhando para o Maserati continuou - Olha, mete-o no cú!
E o outro, que por fim o tinha encarado e que apenas tinha olhos para a sua mão cheia aconchegando as partes moles logo se transfigurou:
   - Por favore, non me parlare de amore in questo momenti!




João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

segunda-feira, 20 de julho de 2020

"Moinho do PANTÓNIO - pormenor"


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

PAN, PANTA RHEI, PANTÓNIO...



Há meia dúzia de anos atrás, no Moledo, um desactivado mas histórico moinho ganhava uma nova existência às mãos de PANTÓNIO, um artista então em início de carreira... De repente, numa orgia de movimento, o moinho passou a ser a morada de revoluteantes criaturas, alguns chamaram-lhes aves, para outros eram pássaros, para mim sempre os vi como andorinhas, talvez para o autor sejam ainda outra coisa, quiçá monstros marinhos, fossem o fossem, tornaram belo aquele moinho e mágico aquele local...



2018


O ANTÓNIO nasceu nos Açores e talvez por isso, conhecendo cedo o que é o isolamento, não se deixou confinar pelo Atlântico, antes à boleia das ondas oceânicas quis fazer parte do mundo inteiro, daí daí ter-se transfigurado em PANTÓNIO, ANTÓNIO + PAN (tudo e todos, com todos)... E tal como Heráclito, filósofo ancestral autor do conceito PANTA RHEI, para ele todo o mundo flui num constante devir e tudo é mudança, trate-se do mais pequeno grão de areia ou trate-se das estrelas mais longínquas do cosmos...  Além disso, o nosso artista considera-se também um PANTOMIMEIRO, alguém que expressa as emoções e os sentimentos unicamente pelos gestos, pelas figuras, sem palavras, deixando aos outros a liberdade de lhes dar significado...
Mas como tudo se transforma a cada segundo nesse eterno devir, passado algum tempo o moinho foi-se degradando, caíram pedaços de tinta e as minhas andorinhas iam perdendo as asas e o voo, que pena uma coisa assim perder-se para sempre, pensava eu sempre que por ali passava... 





Uma semana atrás...



Mas um dia destes, numa escapada até ao planalto em busca de alívio para esta estúpida PANDEMIA, ao passar ali bem perto, tive um choque que me ia fazendo perder o controlo do carro, algo se passava com o moinho do PANTÓNIO, estava imaculadamente branco, as minhas andorinhas tinham desaparecido... Pronto, acabou-se, pensei, mas depois veio-me à lembrança algo que o Leirão me tinha dito há meses atrás, o moinho iria ser novamente pintado... Seria? O PANTÓNIO estaria por aí para devolver o esplendor ao moinho?




O primeiro dia do futuro...



E depois, todos os dias ali fui em romaria mais o meu fiel companheiro de aventuras Jean-Charles Forgeronne, fotógrafo de Valmedo, acompanhando o devir de uma nova obra, com as minhas andorinhas, claro, mas diferente porque o artista se transforma a cada criação... E até deu para conhecer o PANTÓNIO pessoalmente, debaixo de um calor inusitadamente tórrido para o Oeste mas que não deu para o assustar, é que, como me confidenciou, da primeira vez que cá esteve tinha levado com ventos medonhos... E só me ocorreu dizer-lhe a brincar: "É o que um açoreano merece já que aqui passamos a vida a sofrer castigos por causa do mau feitio dos vossos anticiclones!...




O artista reinventando a obra...



Mas o que realmente disse foi: "Bem, espero vê-lo daqui a uns anos para voltar a ressuscitar o moinho!".
 - "Desta vez vai durar muito mais tempo..."
Ainda bem, pensei, enquanto o Forgeronne continuava a disparar para imortalizar a coisa em constante mutação...




Feito e assinado para a posteridade...


João Plástico

(Artista de Valmedo)

(Artista de Valmedo)

sexta-feira, 17 de julho de 2020



A ABSTRACTA INTERPRETAÇÃO DA ARTE...



Foi por causa do panorama que se alcança da aldeia que decidi descer vagarosamente pela estreita e curvilínea Rua da Aroeira Trás das Eiras, nome que se à partida me soava curioso num ápice também se me tornou enigmático pois enquanto me fazia ao caminho não vislumbrava sinal de alguma aroeira nem sequer indícios de uma simples eira e ainda que tranquilamente admitindo erro grosseiro de observação ou análise deficiente de um botânico muito amador acabei por chegar confuso ao largo onde o poço medieval me aguardava, passada a simpática ponte da Rua de Trás do Paço e deixando ao largo a Azinhaga dos Linhóis, outra curiosidade toponímica porque nela não se enxerga à primeira vista qualquer vestígio do fio grosso usado para coser calçado ou lona, e aqui estou eu, encostado o mais que posso à vedação de madeira artificial para alcançar o melhor ângulo para desfrutar e fotografar a recente obra de  Filipa Morgado...






E ainda estava eu a habituar-me àquela esplendorosa luminosidade de uma invulgar manhã no MOLEDO  e a tentar encaixar-me o melhor que podia quando dos lados da formosa esquina formada pela Rua D. Fernando e pela Alameda D. Inês de Castro alguém surge em passo curto mas decidido, não era o infante, não era Dona Inês, não dava para perceber quem era e no final, já a disparar retratos para a obra, reparo que era uma curiosa senhora nem nova nem velha, desenvolta e de avental culinário posto, devia ter deixado as batatas e as couves do almoço a cozer, e ali estava ela, sem bom dia nem o que quer que seja, à minha beira, contemplando o mesmo que eu...  








Tentei concentrar-me na minha tarefa, dificultada pelos raios solares que me encadeavam os olhos e a objectiva mas a missão tornou-se impossível a partir do exacto momento em que ouço a criatura demasiado próxima lançar ao vento:
   - Bonito!
Nem olhei para o lado, tentei concentrar-me de novo no meu objectivo mas...
  - Muito bonito!  
Era demais, não podia continuar a fazer de conta e no último centésimo de segundo evitei dizer "Desculpe, está a falar comigo? Ou antes de tudo, bom dia que também se deve usar por aqui, ou não?"... Olhei então para o lado e a criatura continuava tipo moai a olhar em frente...
   -É bonito mas gostava de entender, isto é só para pessoas com estudos... - disse ela em modo de desabafo, impassível, olhando sempre em frente como se eu não existisse sequer...









"Está mesmo a falar comigo?", interroguei-me, e por móbil desconhecido que ainda hoje ignoro desato a perorar:
   - Sabe, eu acho que a artista usou esta parede para juntar os dois mundos, o mundo natural, o físico, o palpável e o outro, o da psique, o dos sonhos, da religião, do além... Repare, na parte de baixo estão plantas, aves, natureza, em cima está o campanário daquela igreja ali, mãos em prece, olhos, vultos, corações, e tudo separado por aquelas maravilhosas janelas que parecem feitas para nós espreitarmos o outro mundo enquanto do além nos observam a nós!
E um segundo depois de ter pensado um pouco sobre aquilo que tinha acabado de lançar pela boca fora tive vontade de pegar em mim e desaparecer, voltaria noutra melhor altura, mas fui salvo quando vi pelo canto do olho a criatura dizer de cabeça aquiescente:
  - Bonito! Isto é mesmo para quem tem estudos...
 E sem mais, como veio assim deu meia volta e desapareceu na esquina, decerto rumo à panela que estaria a precisar de tempero e agitação... 
O alívio que senti permaneceu durante um par de horas até chegar a casa e actualizar as redes sociais: o João Leirão tinha publicado com fotos e tudo a obra da Filipa, uma obra sobre o AMOR, dizia ele... Qual amor? Não vi nenhum amor ali! Para mim era o mundo natural versus o mundo supra! Que raio? Que iria agora dizer aquela estranha criatura que com reverência tinha dito que a arte era para pessoas com estudos? Bem, agora só me ocorreria dizer: "A arte não é para quem tem estudos, é para quem sabe observar! É uma questão de olhar e conseguir ver!". 


João Plástico

(Artista de Valmedo)

segunda-feira, 13 de julho de 2020

"Sem título", Jorge Charrua, 2020 - Moledo


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)
Quando a aldeia acorda diferente...

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

segunda-feira, 6 de julho de 2020

"Glove x Golden Crown" by Nuno Viegas, 2020 - Festival FALU, Caldas da Rainha

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

domingo, 5 de julho de 2020



A MISTERIOSA ORIGEM DAS PALAVRAS - XVI


QUANDO O CONHECIMENTO DÁ FRUTOS...



Se desde a Antiguidade a simples coroa de louros distinguia o sucesso de imperadores, generais e poetas, durante a Idade Média passou também a ser símbolo de reconhecimento para artistas, sábios e doutores que se tornaram então BACHARÉIS, isto é, que alcançavam por mérito um grau de conhecimento avançado e com direito a usar o BACHARELATO que não era mais do que uma coroa de louros guarnecida com os frutos brilhantes e negros da própria árvore... Nada mais simples do que juntar BACCA (BAGAS, frutos sem caroço) a LAUREANTUS (do loureiro) para alcançar BACCALAUREANTUS, o que tudo somado dá em bom português BACHARELATO!








João Portugal

(Linguísta de Valmedo)

sábado, 4 de julho de 2020

"Merecida Coroa de Louros Tálentosa"


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CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - XXV



DEUSES, HERÓIS E TARADOS!

OU

COMO APOLO NÃO MERECIA A COROA DE LOUROS...



É sabido que o OLIMPO era um autêntico manicómio tantas são as manias e taras exibidas pelas divindades, desde os mais poderosos e populares aos mais tímidos ninguém aturava ninguém no reino de  ZEUS tantas eram as guerras entre os Deuses alimentadas pela ira, pela cobiça, pela inveja ou por simples maldade, e se o reles e simples mortal cá em baixo bastas vezes já não é flor que se cheire e não passa de uma caricatura da imperfeição então imagine-se a horrorosa vida na morada divina em que tudo é elevado a um expoente supranatural, afinal a vida de um ser divino pode não ser assim tão boa nem fácil... É que pelos vistos e feitas as contas, a única coisa que diferencia um deus de um simples mortal é o poder porque os defeitos são os mesmos num e noutro e apenas um pequeno pormenor faz a diferença, é que esse nefasto poder do qual alguns deuses manientos têm à sua disposição pode ser mil vezes mais cruel do que as maldadezinhas levadas a cabo por um simples mortal...



"Apolo e Daphne" - Jonhn William Waterhouse


Veja-se a história da desgraçada DAFNE, uma bela ninfa que por gostar acima de tudo da liberdade tinha decidido não corresponder a nenhuma das muitas paixões masculinas que ia despertando, e assim, solteira e boa rapariga ia vivendo feliz em plena natureza, nadando pelos rios, passeando pelos prados e caçando veados pelas florestas da Tessália, mas um dia a sua doce existência teve um dramático fim, culpa da inveja e orgulho divinos... Ora a APOLO, que era simplesmente o mais belo, um dos mais poderosos e o mais venerado deus do Olimpo logo a seguir a Zeus e que era o patrono de tudo e mais alguma coisa, ele é o Deus do Sol, da Beleza, do Espírito, dos Rebanhos e da Profecia, já para não falar também das Artes como a Pintura, a Poesia e especialmente a Música e à qual pediu emprestado a lira, o símbolo que o acompanha em todas as suas aventuras, era reconhecida grande mestria como arqueiro pois com as suas flechas tinha exterminado monstros e gigantes e como um descomunal orgulhoso que era não gostou nada de ver EROS a lançar flechas de amor a quem passava e vai daí, com soberba, provoca com desdém o deus do Amor dizendo-lhe que não tinha capacidade para manejar o arco, isso era coisa apenas para o imbatível Apolo... 



"Apolo e Daphne" - Bernini, 1622, mármore - Galeria Borghese, Roma



Ora EROS ficou colérico e a vingança não demorou, atingiu DAFNE com uma flecha de chumbo para obrigá-la a recusar qualquer investida amorosa e feriu APOLO com uma seta de ouro provocando nele uma intensa paixão pela musa que a partir daí passou a persegui-la de tal modo que também poderia ser considerado o deus do Assédio Sexual e dos Perseguidores... E claro, quem pagou foi quem nenhuma culpa tinha no meio daquela trapalhada de egos celestiais, a bela, inocente e infeliz DAFNE que ao recusar todas as investidas e fugindo de Apolo com todas as suas forças, ao sentir-se quase apanhada e certamente violada preferiu invocar forças mágicas e transformar-se numa árvore: o LOUREIRO...  APOLO, rejeitado mas não convencido e para se lembrar daquela paixão fez então com as folhas de louro uma coroa que ainda hoje usa na cabeça e que se tornaria com o tempo no símbolo de vitória para imperadores, generais ou poetas e ainda hoje, em qualquer ramo da actividade humana, os vencedores são laureados, isto é, recebem os louros!  E de todos os laureados aquele que talvez menos mereça a coroa de louros seja mesmo o caprichoso Apolo... 



João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)