sexta-feira, 29 de abril de 2016


SMS Nº 32 - O FOCO, A UNIÃO E O MINIMALISTA,  



     Amigo Rui, aí temos logo à tardinha a antepenúltima final deste longo, empolgante e extenuante campeonato!  Quer o destino que desta vez meças forças com o teu antigo clube e como bem disseste na conferência de imprensa de ontem não irá ser um jogo nada fácil e a meu ver por 3 razões: primeira, a tradição, o VITÓRIA, apesar do actual ciclo de 11 jogos sem ganhar, é sempre uma equipa complicada e prova disso são as 3 derrotas que nos infligiu nos últimos 9 jogos disputados em Lisboa (8 na Luz e 1 no Jamor - este muito especial para ti!-); segunda, o adversário pode dar-se ao luxo de assumir o jogo sem pressão visto que já não sairá da posição tranquila que ocupa a meio da tabela e sabes bem como às vezes o poder jogar à vontade permite que as coisas saiam bem e acontecem surpresas; terceira, se é verdade que às vezes a descontracção também pode conduzir a uma menor intensidade de jogo também o é que podemos esperar que isso logo não acontecerá de certeza porque do outro lado estará o CONCEIÇÃO que é um profissional de corpo inteiro, que nunca facilita, com uma dignidade admirável (lembre-se o episódio com o jogo do Porto quando se dizia que ele já estaria comprometido para assumir o dragão) e que vai exigir tudo à sua equipa para fazer boa figura e recuperar uma imagem algo descolorida nesta época.


FOCO de LUZ
     
   Mas a palavra que mais empregaste ontem foi FOCO, esse substantivo tão em voga hoje em qualquer estratégia de motivação para o sucesso, foco, foco e mais foco, focagem apenas naquilo que verdadeiramente interessa, o sucesso no próximo desafio e mais nada, literalmente mais nada pode interessar e interferir... Tens-nos acostumado a isso assim desde que chegaste ao glorioso e os resultados mostram que não há razões para mudar nem um milímetro a FOCAGEM: NÓS, EQUIPA, LUTA, RESPEITO, FINAL, VITÓRIA, NÓS, EQUIPA....

FOCO MINIMALISTA
   

   E de facto, as tuas palestras têm sido todas elas tão exclusivamente focadas nestes paradigmas que se torna divertido assistir às constantes e fracassadas tentativas dos jornalistas em desviar-te para outras dissertações sobre pessoas e assuntos menores....       O que me leva a pensar que talvez tu ainda venhas a ficar na História,  conhecido como o primeiro TREINADOR MINIMALISTA da actualidade, o artista que estendeu ao futebol a essência desse movimento que se baseia na expressão cultural e científica a partir do menor número de elementos possível.




    
   Mas apesar de tudo o que já foi dito e redito sobre esta caminhada, o que fica como suporte principal da confiança que alimenta a equipa, direcção e adeptos é a UNIÃO de tal forma que faz jus ao lema do glorioso: 



          Aliás, de tal forma assim é que hoje se poderia chamar ao glorioso o UNIÃO SPORT LISBOA E BENFICA e devemos estar agradecidos a todos aqueles que de uma forma ou outra contribuíram para esse movimento unificador!


        Por isso, amigo Rui, não restando muito a dizer sobre a receita que irás usar (não há muito a mudar numa equipa que vem ganhando e que não tem impedimentos) e também porque há por aí quem ande a dizer que vai haver muito jogo fora das quatro linhas, desliga o telemóvel, dorme uma sesta e ganha lá a final de logo mas, se possível, sem exibições nem resultados minimalistas porque o sofrimento já vai longo.... Mas se a coisa se complicar como tem acontecido ultimamente aconselho-te a equipares os nossos avançados com FOCOS DE LUZ na cabeça para iluminar bem o caminho do golo, porque é disso que se precisa hoje....



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terça-feira, 26 de abril de 2016

LIVROS E ESCRITAS



in Cartaz de "Livros a Oeste", 2016




14 palavras podem definir uma pessoa...

J.C

domingo, 24 de abril de 2016

    EMPATIA ATRAVÉS DOS SONS   



       - Hora de aula, James! Vamos embora. - disse o J.C., acenando com a cabeça e de bongo debaixo do braço.
         Tudo começara uns dias antes quando eu invadi a sala atraído por uns sons estranhos mas harmoniosos, nunca tinha ouvido nada igual. Parei junto à porta, o barulho vinha da televisão onde passavam umas imagens com uns companheiros nossos de volta de uma mulher a manusear uns instrumentos esquisitos. O J.C ia ouvindo com muita atenção, era visível o seu interesse na coisa porque marcava o ritmo tamborilando com os dedos no sofá e quando eu esperava que, como sempre, me fizesse um sinal e me mandasse para a rua eis que surpreendentemente me convidou a entrar:
         - Anda cá, bicho! Anda ouvir esta música que foi feita especialmente para ti!         



Laurie Andersen
      Ora, quando ele me chama "bicho" nunca sei  o que poderá sair dali mas arrisquei, fiz um rápido exame de consciência e não me lembrava de nenhuma asneira que tivesse feito que levasse a um raspanete.
     - Esta senhora é uma grande música, é do meu tempo de adolescente e fez coisas belíssimas e bastante originais, esteve muito à frente do seu tempo, foi pioneira - dizia o JC. - E agora decidiu compor musica para cães, é disso que trata este filme, James. Chama-se "HEART OF A DOG" e vale a pena ouvires com atenção....
         No ecrã a senhora tocava para um grupo de amigos caninos que a ouviam com muita atenção e alguns pareciam agradados.
                                                                                                                                               
Lolabelle, a pianista
   
Coração de cão   

Big Science         
       

       

           - Olha agora, ali está ela ao piano, a Lolabelle....
          E só porque eu lhe levantei as orelhas interrogadoramente é que o J.C se dignou continuar:
         - Sim, James, é uma artista da tua raça e repara como toca.... Sabes, aquela cadela foi adoptada há uns anos pela Laurie e pelo marido, o Lou Reed, outro grande músico. E a Lolabelle tornou-se uma estrela.... 
           Levantei-me entusiasmado e aproximei-me um pouco mais do ecrã. Era uma imagem arrebatadora, amigos caninos, ver como um dos nossos explanava toda a sua genialidade daquela maneira. E o J.C continuava:
            - Este filme é sobre a vida delas, da Laurie e da sua cadela, da empatia que havia naquela família e naquelas vidas... Sabes, acho que a ideia é uma pessoa ver o mundo através da sensibilidade de um cão, daí chamar-se "Coração de cão", muito giro. Será que tu, meu cão, poderás ver o filme como se fosses uma pessoa? Como se fosses eu? E que tal se experimentássemos?
            Vendo o meu entusiasmo J.C leu o que me ia na alma.
            - Não James, não podes ir a um concerto da Lolabelle, infelizmente ela já morreu...
             Devo ter feito uma expressão bastante reveladora da minha desilusão.
            - Sabes, até podias fazer como a Lolabelle e aprender a tocar um instrumento, está visto que vós cães tendes capacidades. E seria-nos muito útil pois a Laurie diz aqui neste filme que isso permite ainda uma maior empatia entre as nossas duas espécies. E assim, quem sabe um dia, para além de te tornares um cão-musico famoso  poderia ser que acabassem aqueles desentendimentos que há por vezes entre nós, que achas?
             Olhei para o lado e não vendo nenhum piano como o da Lolabelle, estendi-me ao comprido como que dizendo que na nossa casa não se respirava um ambiente musical e respirei o mais fundo que pude...
             - Pois, não temos piano mas há por aí um bongo e podes começar a aprender já hoje....
             E assim, amigos caninos, de repente, sem sequer ter podido reflectir muito no assunto, vi-me a exercitar os meus dotes rítmicos e podeis ficar descansados que quando der o meu primeiro concerto avisar-vos-ei...


James, futuro percussionista


JAMES

(Cão de Valmedo)

quinta-feira, 21 de abril de 2016

SMS Nº 31 - ARNOLD,  A OVELHA E O GIGANTE!


   
      Parece que foi ontem mas corria o ano 1970, mais propriamente o dia 20 de Setembro, quando com olhos de menino imberbe vi pela primeira e penúltima vez o Rei Eusébio ao vivo, no meu primeiro derby, um Sporting-Benfica em Alvalade. O futebol de então era uma verdadeira e extasiante aventura, tínhamos partido cedo do longínquo Ribatejo, eu e o meu pai de orgulhoso encarnado, o meu primo Zé e o tio Artur de verde garrido, apostando por tudo e por nada, quem iria ganhar, quem iria marcar, quem iria ser campeão.... Depois da paragem obrigatória não sei aonde para o farnel preparado religiosamente de véspera, lá chegamos ao estádio em festa, um mosaico de verde e vermelho, tudo misturado, impensável hoje em dia.





                                                                 
    Assim como hoje na altura não fiquei com a mínima ideia do que ia acontecendo à bola  no relvado, eu só tinha olhos para o Eusébio, a lenda viva, e para o José Torres porque para além de ser o primeiro gigante que via na minha vida era um símbolo de Torres Novas, a nossa terra. Os heróis que coleccionava em forma de cromos ganharam vida e materializaram-se ali à minha frente....Para a história daquele dia mágico ficaram-me ainda 4 memórias: o resultado, 1-1, o marcador do nosso golo, Artur Jorge, o título de campeão para o glorioso que haveria de chegar na última jornada daquele campeonato e, finalmente, a história da ovelha....




     

        A dada altura, impulsionado por uma mola levanta-se o meu pai de braços estendidos lá para baixo para o relvado e aos berros: " MEXE-TE SUA OVELHA!....ESTÁS A PASTAR OU QUÊ??". E não satisfeito vociferou ainda vermelho de raiva: "OVELHA!". Tive a impressão que todo o estádio se calou e se virou para nós, havia pessoas a rirem mas outras com ar incrédulo e continuava o festival: "SE QUERES PASTAR VAI ALI PRÓ CAMPO GRANDE, SUA OVELHA!".
          - "Cala-te e senta-te pá que ainda vem aí a PIDE e vamos presos!" -  dizia o meu tio a rir-se. Quando finalmente o meu pai se sentou, perguntei-lhe a quem é que ele estava a chamar ovelha e a resposta deixou-me estupefacto: "Ao grandalhão, a quem devia ser? Só tem altura e não se mexe nem um metro, assim não vamos lá!". Heresia das heresias, o meu pai estava a dirigir-se ao nosso querido Torres, uma gloria do clube e da selecção, como era possível se ainda por cima era um dos jogadores preferidos dele?
             O que é certo é que só sosseguei quando chegámos a casa, afinal a PIDE não nos iria prender pelo escândalo e pela ameaça à ordem pública.... 
        Quando dias e anos mais tarde ainda falávamos do assunto aprendi que certas  paixões podem tornar-se irracionais nalguns momentos e que se podem alimentar por vezes de zangas e provocações e não apenas de elogios e salamaleques, que a insensatez pode tomar conta de nós por instantes e que uns espevitamentos aos nossos heróis são necessários para manter a acesa a sua chama, por isso mesmo o Torres foi perdoado no dia seguinte e continuou a ser até ao fim um ídolo para o meu pai... Não sei é se o gigante alguma vez lhe perdoou....

O Bom Gigante
      Amigo Rui, vem isto a propósito do último jogo com o Setúbal pois passados tantos anos a história  repetiu-se: dei comigo furiosamente a gritar lá do 3º anel para o PIZZI: "Defende, sua ovelha, mexe-te....!  E não contente continuei: "Outra vez não, andas a pastar, vai para o banho, sua ovelha.... assim não vamos lá!"  Não tenho uma ideia muito clara sobre  a situação mas atrevo-me a dizer que toda a Luz me ouviu e que toda a bancada se virou para mim com um ar acusador, mas não havia como evitar e concluí: "Tás cansado? Não devias jogar!" E sentei-me, sem antes murmurar ...."ovelha"....

Que fique bem claro, hoje já perdoei ao Pizzi o miserável jogo que lhe aconteceu, foi um dia horribilis para o nosso transmontano e estou desejando para que ele volte em grande nos próximos jogos e na próxima época, mas que isto sirva de lição para ti, amigo Rui, amigos amigos campeonato, equipa e clube sempre à parte e mais importante, ou não achas que correste um risco enorme de perder o campeonato ao  apostar nele até ao fim?  Repara bem para o caso de não te teres apercebido:
                        - 10 segundos - Pizzi defende mal e deixa escapar o adversário que irá cruzar para o golo do Vitória! (com a agravante de não ter corrido nem 1 metro para resolver a situação, ficou a pastar...)
                          - 16 minutos - Pizzi perde a bola ao tentar fazer um túnel (?) a um adversário em zona de aperto defensivo e daí nasce um cruzamento que só não dá o 2-0 ao Vitória porque a bola passou a 17 cm do poste após cabeceamento de André Claro!...
                               - último minuto de jogo - Pizzi oferece o golo ao ARNOLD (e talvez o título ao Sporting) com um atraso que tem tanto de irresponsável como de ridículo! Graças aos deuses, o Arnold, ilustre desconhecido até então, tornou-se uma figura deste campeonato ao permitir uma GIGANTESCA defesa ao nosso Emerson....
        E pelo meio já Pizzi tinha acumulado uma série de disparates e de desistências de luta por bolas que lhe eram colocadas pela frente e perfeitamente ao seu alcance.... Fadiga física? Fadiga mental? Fadiga total? Estaremos de volta ao Pizzi irreconhecível do início da época? A resposta só tu a poderás dar, amigo Rui, mas, e já a pensar no jogo do próximo domingo com o Rio Ave, (uma das 5 melhores equipas da Liga como já te alertei) aconselho-te a sentares o homem no banco e apostares no Sálvio para a linha ou no Talisca para o miolo, é que a sorte tem limites e, sinceramente, não acredito que possamos sobreviver mais confiando apenas nela....






              Além disso terás que resolver 2 questões, Rui, primeiro a equipa não pode começar mais nenhum jogo a dormir (!), com o Vitória foi um golo impensável aos 14 segundos, com o Braga foi um golo que não aconteceu por milagre  (!) aos 2 minutos e depois, mais grave, a equipa não reage e só não levou o 2-0 nos 2 encontros porque.......  E segundo, queimar uma substituição directa e escusada  (Samaris por Feijsa ou vice-versa) não entendo... mais vale jogar um jogo cada um à vez! Pode haver questões de ordem física, mas se assim é, quem não estiver a 100% não conta.....

 Assim sendo, amigo Rui, reflecte um pouco nesta minha mensagem carregada de história, desliga o telemóvel, dorme 2 sestas até lá e ganha a final decisiva para o título, apoio não te irá faltar (mais uma lotação esgotada), mas, por favor, não abuses da sorte.... E só te desejo que, à semelhança de 1970, com ovelhas à mistura ou não, tudo acabe por correr bem e sejamos campeões.... mas para isso acontecer tu e os jogadores terão que ser autênticos GIGANTES.....




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quarta-feira, 20 de abril de 2016



AMADEU DE SOUZA-CARDOSO

Português vanguardista de um país atrasado, foi génio entre os maiores, viveu apenas 30 anos mas não morreu; hoje está em exposição no Grand-Palais, onde só Picassos e Velázquez conseguem entrar....
Nos outros dias, nos dias comuns em que não há holofotes nem cerimonias de exacerbado patriotismo, pode ser visitado na Gulbenkian ou em Amarante....





Galgos, 1911


           




Salto de coelho, 1911





A casa de Manhufe, 1913


JOÃO PLÁSTICO

(Artista de Valmedo)

segunda-feira, 18 de abril de 2016



SMS Nº 30 - A DESCIDA, A ELEVAÇÃO E O NÍVEL

                                                     


     Amigo Rui, mais uma vez estiveste sereno e assertivo na conferência de imprensa de ontem quando desvalorizaste o interesse (que de facto não existe) em comentar qualquer uma das milhares de atoardas que são torpedeadas diariamente pelos lança-mísseis do regime totalitário do Lumiar! E tinhas tudo à mão para disparares e fazer mossa no baixo nível da propaganda vinda da selva, desde a questão da arbitragem de Moreira de Cónegos (exemplar concerteza aos olhos dos iluminados novos arautos da verdade desportiva)  ao salomónico castigo do argelino que, sabe-se agora, não agrediu sem bola mas antes chocou inadvertidamente com um objecto que lhe apareceu em contra-mão pela frente, para não falar da questão da SORTE ou do MÉRITO ou da coacção sobre os árbitros! 


Qual será o nível das últimas 5 jornadas?
       
       É  que, de facto, tudo se resume a uma questão de NÍVEL, o qual já havia chegado ao zero absoluto mas que teima em continuar a descer drásticamente para os lados de Alvalade, não há limite na escala negativa e parece não ter fim o buraco da alarvidade mas pelo menos essa descida aos infernos do aborrecimento vai servir para uma coisa: o fim do mito de que por lá é que moravam os detentores do bom senso, do fair-play, do desportivismo, do equilíbrio entre competição e a pureza do desporto, etc, etc, patranhas que vínhamos engolindo desde pequeninos e que engrossam agora as fileiras de muitos MITOS URBANOS mortos e enterrados!

           Como muito bem disseste e tens vindo a demonstrar desde a primeira hora, a ti e à tua equipa só pode interessar o que se passa dentro das 4 linhas e apenas nos jogos que se jogam, não interessa para nada o que outros dizem, fazem ou pensam e hoje que bela oportunidade terás para mostrar que o CANSAÇO não mora em almas grandes alimentadas a sucesso e que cansados só estamos nós, adeptos, da mesquinhez e do ódio que grassam no futebol indígena, especialmente da Quadrilha chefiada pelo Grande Líder!

             Mas deixemos o obscurantismo de lado e voltemos a ser positivos outra vez, amigo Rui, falemos então da ELEVAÇÃO que trouxeste ao futebol português não só no modo de estar mas também nos resultados que nos prestigiam por essa Europa fora, daí estares de parabéns pela campanha na Champions e pelo estatuto de grande clube europeu que devolveste ao glorioso. Mas isso embora fique para a História, já é passado e agora há que construir outras vitórias, começando por logo à noite frente a um SETÚBAL enigmático, capaz do melhor e do pior, tanto é capaz de marcar 4 e 5 golos por jogo como fez no início da época como é capaz de estar jogos a fio sem ganhar como acontece agora.
                       



      E assim, perante adversários inconstantes e perigosos, sendo fiel a si própria a equipa só tem é que jogar à sua imagem, com garra, esclarecimento, arte e confiança, para isso vai ajudar o regresso dos 3 artistas da frente (Gaitán, Jonas e Mitroglou) que devem estar sedentos de voltar a protagonizar grandes feitos! No resto, a equipa deverá manter-se igual (embora me pareça que o Renato atravessa uma fase de menor fulgor) e só te peço uma coisa, amigo Rui,  não abordes o jogo com a paciência dos últimos jogos, há que entrar a matar e resolver a partida quanto antes porque se isso acontecer não só ganhas margem para minorar o eventual desgaste acumulado dos jogadores mais utilizados como também se poupa muito coração de adepto sofredor, e muito vais precisar desse apoio na caminhada que falta!



      Amigo Rui, só te resta hoje desligares o telemóvel, dormires uma boa sestinha e colocares a equipa a jogar logo ao nível a que nos acostumou e claro, a vencer mais uma final num Inferno a abarrotar!!!!



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sábado, 9 de abril de 2016



SMS Nº 29 - A TRADIÇÃO E O ENCANTO
                                                             
     Amigo Rui, disseste ontem e muito bem que o jogo de hoje com a ACADÉMICA é mais uma final, tão importante e decisiva como as outras que faltam (incluindo o BAYERN) e que irias colocar em campo a melhor equipa disponível. Ora isso é o que se espera ouvir mas nem sempre é colocado em prática, por vezes muitos treinadores vacilam e à última da hora fazem alterações (nalguns casos autênticas invenções) com o intuito de poupar alguém, podendo daí advir dissabores e arrependimentos. Mas como já demonstraste à evidência és um treinador determinado e esclarecido, imune à pressão e ao ruído, ninguém te viu ainda entrar em devaneios como outros e acredito bem que logo vais ter que " colocar toda a carne no assador" , como dizia o bom do Quinito e ainda bem que assim será porque depois do Bessa já se viu que todos os minutos (seja o primeiro ou seja o último) que faltam para o fim deste campeonato extenuante poderão ser determinantes e terão que ser disputados épicamente!


      Saúda-se o regresso do grande capitão LUISÃO à convocatória depois de 5 (!) meses de ausência, mais não seja para dar ainda mais força e moral à equipa porque talvez não saia do banco até final da época porque o Lindeloff e o Jardel parecem estar de pedra e cal (o mesmo aliás, em nome da estabilidade da equipa, deve acontecer quando o Júlio César regressar, o grande EDERSON  já mostrou merecer o lugar)!

       De resto, amigo Rui, e para que a coerência se mantenha, deverás apostar no onze do costume: Ederson; Almeida, Jardel, Lindeloff e Eliseu; Samaris, Sanches, Pizzi e Gaitán; Jonas e Mitroglou. E são estes que, à boa maneira da gíria futebolística, terão que "deixar a pele, o suor, a vida, seja o que for, em campo"! A única coisa que convém não deixar lá são mesmo os pontos, há que ganhar, jogando bem ou não hoje ninguém levará a mal que depois do figurão em Munique a equipa não esteja brilhante desde  que vença. Já agora, diz aos jogadores que não se preocupem em deixar em campo os ossos porque esses já Coimbra os tem e são únicos:  os da tasca "ZÉ MANEL DOS OSSOS"! 

 Mas aí, para além dos ossos, convém provar o arroz de feijão e as carnes na grelha... (terá sido aí que, nas vésperas de algum jogo com os estudantes, se terá inspirado o Quinito para o ditado que o deixou célebre para a posteridade?)

      Assim, amigo Rui, para mereceres uma visita à tasca mais famosa do país e onde reina a tradição, desliga o telemóvel e dorme uma sestinha, ganha o jogo para assim te despedires de Coimbra com mais encanto, que é como quem diz, com os três pontos no bornal e a nação benfiquista encantada e a sonhar com o tri..... E a tradição manda que o Benfica saia feliz de Coimbra...



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A VINGANÇA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA


         No dia em que as prímulas anunciaram a primavera Roger Martins deambulava por Montmartre e ali, na colina mais elevada da mais bela cidade sentiu-se tomado por uma inebriante sensação de liberdade, uma estranha e doce leveza  invadira-o de tal forma que parecia planar pela cúpulas monumentais da cidade crepuscular que se estendia a seus pés. Agora compreendia a sedução daquele lugar, o "je ne sais quoi" que desde tempos remotos atraía pintores, escultores, poetas e outros espíritos livres e boémios que aí peregrinavam em busca do mais alto desígnio: a unicidade, o equilíbrio, a perfeição...
            Roger estivera tão absorto a contemplar a queda da noite sobre o coração da cidade que não reparara que, de um modo súbito e estranho, toda a vivalma se eclipsara daquele lugar, as únicas criaturas que conseguia vislumbrar eram os corvos que cruzavam o ar vindos do lado do cemitério em busca de uma presa ausente. Aves de mau agoiro, desde menino ouvira dizer e aquelas faziam bem jus a essa sentença porque o seu crocitar agreste  e o brilho efémero que emanavam das asas negras quando rasavam os candeeiros ainda foscos assustariam a mente mais tranquila deste e de outros mundos...
     Subia agora a Rue du Chevalier du Barre, contornando o Sacré Coeur, mas em vez de ouvir a rotineira azáfama da Place du Tertre lá em cima tudo o que lhe chegava era um silêncio atroz, um suplício feito de ausência e abandono.... Haveria mesmo sentido para tudo isto? - questionava-se.... e então ouviu atrás de si o barulho dos cascos de um cavalo a aproximar-se rapidamente....
              
Rue du Chevalier de la Barre
     Assustado, Roger encostou-se à parede do santuário, susteve a respiração e foi assim que, imóvel e colado à pedra fria que lhe gelava ainda mais o corpo, viu passar à sua frente cavalo e cavaleiro de espada em punho a grande galope e se por um momento ainda pensou que estava a ser vitima de uma ilusão de óptica o que aconteceu depois deixou-o estarrecido. Roger continuou imóvel e paralisado até porque o cavaleiro tinha parado um pouco à frente e recuava agora a passo muito lento até ficar mesmo à sua frente e então viu o que pensara ter imaginado antes: o cavaleiro não tinha cabeça! O cavalo pressentiu algo e virou a cabeça na sua direcção mas o cavaleiro, ou por não ter cabeça nem olhos ou por parecer mais interessado em algo que se aproximava ao fundo da rua, não deu pela sua presença e após alguns segundos que pareceram séculos, embainhou a espada ensanguentada e virou novamente de direcção retomando o galope.

         Roger aguardou um pouco e não ouvindo mais o barulho do cavalo atreveu-se a sair do esconderijo, as pernas tremiam-lhe ainda e ajustando o olhar à escuridão da noite que entretanto caíra de vez olhou para a sua direita  tentando vislumbrar o que tinha chamado a atenção daquela aparição fantasmagórica. Ao princípio não viu nada de estranho mas, alertado por um gemido, descendo um pouco mais apercebeu-se de um vulto deitado de bruços no meio da rua.
           - Au secours! Aidez-moi! - conseguiu ouvir. 
          Roger debruçou-se e virando lentamente para si o corpo  do
agonizante apercebeu-se de que era um padre que ali jazia. Os olhos azuis quase transparentes da vitima contrastavam com a mancha de sangue que se alastrava no seu peito e apontando para algo que estava ali ao lado balbuciava:
           - Tem que fazer a oração.... Não há tempo, tem que ler a...
          - Calma, vamos ali para a luz - disse Roger arrastando com dificuldade o outro para debaixo de um candeeiro. Tirou da mochila que trazia às costas uma garrafa com água e deu de beber ao moribundo que continuava a apontar para aquilo que parecia um livro.
           - Não temos muito tempo. O Chevalier pode regressar a qualquer momento.
           - Mas quem é o Chevalier e porque é que não tem cabeça? - tornou Roger, dando mais um gole de água ao moribundo.
           - Ele foi decapitado e queimado na praça por não ter saudado uma procissão... e agora o seu espírito voltou para se vingar...Eu estou acabado - continuava o padre mas cada vez com maior dificuldade - o senhor tem que ir ao santuário e ler a oração para salvar as almas...
           Roger ia perguntar a que almas se referia o padre mas não foi necessário porque ao fundo assomava uma estranha peregrinação, vultos e mais vultos de roupas andrajosas e esfarrapadas, de lanterna na mão e apenas o arrastar dos seus pés nus e ensanguentados se ouvia daquela mole imensa...
              - São as almas dos 20000 apoiantes da Comuna que foram chacinados pelas tropas do Governo.... - conseguiu ainda o padre balbuciar entre gemidos. - Para que sejam salvas não pode ser interrompida a oração perpétua em sua memória... O senhor... tem... que ir ...
                 O padre havia expirado e Roger, de novo só porque aquele cortejo sobrenatural entretanto desaparecera, hesitou entre fugir dali a quantos pés conseguisse ou levar até ao fim a missão do clérigo. Levantou-se e apanhou o livro, tratava-se do "Dicionário Filosófico" de Voltaire e no meio das suas páginas sobressaía uma folha de papel já amarelecido pelo tempo na qual constava uma oração em latim. E Roger pensou para si que ainda bem que nos seus tempos de adolescente passados em Vila Marim, lugar perdido nas encostas agrestes e isoladas do Douro, frequentara um colégio jesuíta onde aprendera alguma coisa do latim.
                 Pegou no livro e na oração e, pé ante pé, colado ao mármore da Basílica, prescutando com olhos e ouvidos conseguiu chegar a um ponto de onde se avistava, a um nível superior, uma porta entraberta do santuário. Deve ser a entrada dos padres, pensou, mas enquanto subia a escadaria ouviu nas suas costas um resfolegar, virou-se lentamente e a poucos metros lá estavam eles, o cavaleiro sem cabeça e o cavalo de olhos demoníacos...

João Palmilha - Viajante de Valmedo