terça-feira, 30 de abril de 2024

 

QUANDO A BELEZA UNE...


Que seja a maior mesquita do Ocidente, assim o pediu Abdr-ar-Rahman I, o fundador do emirato independente de Córdoba, e assim se lhe fez a vontade... Embora pouco atraente vista de fora, austera até, o que não estranha para quem sabe que segundo a tradição islâmica o luxo e a ostentação devem remeter-se ao privado e não a exposições públicas, exactamente ao contrário dos costumes europeus e especialmente da Igreja Católica, mas quando nela se entra a respiração pára, o batimento cardíaco acelera e o espírito orgasma tanta é a beleza que esmaga os sentidos...
Somos engolidos por uma floresta de 856 (!) colunas que sustentam arcos em ferradura que por sua vez sustentam outra série de arcos, muitas delas originárias do templo visigodo que existia no local e outras ainda recuperadas aos tempos romanos da cidade, formando-se um autêntico labirinto de deleite visual...





E tal como os muçulmanos respeitaram o que já existia também os cristãos, aquando da conquista da cidade em 1236 por Fernando III de Leão e Castela, surpreendentemente o fizeram apesar da sua tradicional prática de arrasar tudo o que não é conforme a sua fé; certamente que  até tinham essa intenção de arrasar a mesquita para aí construir uma faustosa igreja mas ao entrar no templo devem ter ficado esmagados pela beleza daquele lugar e perderam a coragem de destruir algo tão especial, um verdadeiro milagre...




Construiu-se uma catedral sim, graças aos deuses, mas em harmonia, respeito e união, num diálogo religioso, arquitectónico e cultural único a nível mundial... A catedral-mesquita de Córdoba, hoje oficialmente baptizada como Catedral de Nuestra Señora de la Assuncíon é Monumento Nacional desde 1882, Património Mundial desde 1984 e em 2014 a Unesco declarou-a Bem de Valor Universal Excepcional...



                                                                                                                              (Fotos: Jean-Charles Forgeronne)

João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

domingo, 28 de abril de 2024

 

A FANTÁSTICA ODISSEIA DO MELRO


Alboacém Ali ibn Nafi era de origem persa e nasceu por Bagdade em 789 e em boa hora se tornou aluno de Almanci, um famoso professor de música da corte que mais tarde o aconselharia e ajudaria a fugir antes que algo de terrível lhe acontecesse devido às invejas sobre a sua voz absolutamente única e excepcional, especialmente depois de ter ganho um concurso musical na corte e de ter despoletado ainda mais invejas e o desejo de vingança por parte do segundo classificado e então não lhe restou outra solução senão desalvorar dali para fora para salvar a pele e a família...
Ajudado financeiramente pelo seu professor fugiu primeiro para o Egipto onde aproveitou o tempo aí passado para estudar a música popular local mas, não satisfeito, envia uma carta à corte de Córdoba oferecendo os seus serviços e acaba por ser admitido. O seu impacto em Córdoba é de tal ordem que aí, devido à sua voz celestial e à sua tez escura lhe chamam ZIRYIAB, o MELRO... 




Virtuoso do alaúde, Ziryab revolucionou o instrumento ao adicionar-lhe uma corda extra e assim alcançando outros cambiantes melódicos que ensinava no conservatório que fundou e onde, para além da aprendizagem de vários instrumentos, dava aulas de canto... Mas não era só na música que o melro brilhava, tornou-se também uma estrela em várias outras áreas, seja na etiqueta social ao introduzir o uso de copos de cristal em vez dos pesados e antiquados copos de ouro e prata, na gastronomia ao introduzir a sopa como o primeiro prato de uma refeição, seguido de um prato de peixe ou carne e terminando com uma sobremesa, no vestuário ao aconselhar roupa branca para o verão e ainda no que respeita à beleza feminina abriu um salão de beleza onde se fazia depilação e instituiu novos penteados, nomeadamente as franjas... Ziryab foi uma autêntica estrela, um génio que determinava a moda, era a Córdoba e não a Paris ou Londres que as damas de Navarra ou Barcelona encomendavam os seus vestidos...  
Só é pena não ter deixado a receita para a longevidade, ele que viveu 98 anos...


João Alembradura

(Historiador de Valmedo)

 

CÓRDOBA, A ILUMINADA


Em 711 um exército de sarracenos e berberes do Norte de África vieram por aí acima e trouxeram a sua cultura e a sua arte para a Península Ibérica, especialmente para o al-Andaluz, território que assim designaram em homenagem aos seus antigos senhores, os Vândalos... Hoje Andaluzia, o al-Andaluz, foi então um centro de sabedoria e um mundo à parte senão repare-se que, no século X, enquanto em Londres não havia um único candeeiro de iluminação pública as ruas de Córdoba eram iluminadas e pavimentadas! No inverno as casas eram aquecidas por condutas de ar quente construídas sob os mosaicos que revestiam o chão enquanto que no verão, para arrefecimento, empregava-se o mármore nas varandas e contruíam-se jardins repletos de tanques e cascatas artificiais, tudo rodeado pelo perfume e pelas sombras proporcionadas por pomares de pessegueiros, laranjeiras e romãzeiras...



"Pátio de los Naranjos" - Jean-Charles Forgeronne

Há mais de mil atrás Córdoba era uma das mais povoadas cidades do mundo, viviam dentro das suas muralhas 800000 pessoas, existiam 130000 casas, 80 escolas com ensino gratuito, 900 banhos, 100 hospitais e outras tantas bibliotecas, para além de 300 mesquitas! Ao mesmo tempo, "a estrela que ilumina o mundo ocidental", como alguém lhe chamou, era um dos principais centros de erudição que recebia então estudantes e curiosos de França e Inglaterra que vinham aprender medicina, ciência e filosofia com sábios muçulmanos, judeus e cristãos, de entre os quais se salientavam, por exemplo, Averrois, filósofo e médico, e Maimônides, filósofo... 


"Maimônides à porta de casa" - Jean-Charles Forgeronne


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

quinta-feira, 25 de abril de 2024

 

LIVROS 5 ESTRELAS - XXXVIII


CAFÉ, CONVERSA E REVOLUÇÃO


E porque hoje se celebram por todo o lado os primeiros 50 anos da revolução do 25 de Abril de 1974 falemos então da última parte de uma trilogia fundamental da literatura portuguesa contemporânea, "Café 25 de Abril", da autoria de Álvaro Guerra, escritor, jornalista e diplomata... Editado em 1984, ou seja pela comemoração do décimo aniversário da revolução, apresenta-se-nos como um folhetim do mundo vivido em Vila Velha, cenário talvez equivalente à Vila Franca natal do autor, as vidas e os anseios das pessoas falados em surdina às mesas do café, umbigo do mundo percursor da internet onde tudo ou quase tudo se sabe, onde se noticia, se segreda, se conspira... E entretanto o mundo inteiro a girar... Claro que é obrigatório juntar a leitura dos outros dois volumes: "Café República" e "Café Central", retratos da sociedade portuguesa antes da era democrática...



"Ainda vivi um tempo em que o Café era um abrigo aberto ao conforto íntimo das palavras mais banais, dos odores mais constantes, dos fumos mais inocentemente viciados - a altura da cheia na lezíria, o café a moer, os cigarros a consumirem-se entre os dedos. Nenhum encanto especial naquela sala rectangular, onde o único brilho autêntico era o da máquina de café de saco obstinadamente areada por duas gerações de galegos. Mas, para muitos de nós, era uma espécie de segunda casa."


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

sexta-feira, 19 de abril de 2024

quinta-feira, 18 de abril de 2024

quinta-feira, 4 de abril de 2024

 

"Coreto de Minde" - Jean-Charles Forgeronne

 

EM BUSCA DO NINHOU E DE MESTRE MIGANÇA


"Planeta cópio, covanos e covanas", (Bom dia, senhores e senhoras), vindo de Cabaça Sem Miolo (Alcanena) estou a chegar a Ninhou (Minde) em busca  da Classe da Borra Regatinhada de Mestre Mingança (Museu de Aguarela Roque Gameiro) e facilmente encontro a Casa dos Açores que o alberga, antiga moradia da família e que emana um chamamento ao aventureiro de passagem tal a beleza da fachada do edifício, neste caso da classe já que estamos na terra da Piação do Ninhou (calão minderico) e assim temos que nos entender... Mas antes de entrar sou refém de um apelo atroz, há que verter águas, e então busco insanamente um urinol público que tragicamente não se enxerga e então, em desespero de causa, invado uma baiuca comercial com a desculpa de beber um café, coisa que já tinha feito três vezes e a manhã ainda ia a meio... Mas que importa isso se lá irei aliviar-me regatinhando?

"Museu Roque Gameiro"- Jean-Charles Forgeronne


E agora sim, estou bem (jordar cópios) , um pouco confuso por causa do piação do ninhou  (minderico), essa língua nascida no século XVIII em Minde por causa da necessidade dos fabricantes e feirantes de mantas terem um código para combinar e estabelecer preços entre si nos mercados, mas feliz por ter descoberto a essência e a necessidade dos códigos linguísticos como pilar do comércio e da convivência em sociedade... E hoje, quinto planeta (quinta-feira) deste quadrazal (mês) de cuco (Abril) vos desejo um bom José Grego de Sesta (fim-de-semana), mesmo que não haja muito neto (dinheiro)...


"Jardando neto aos zés das navalhas" - Roque Gameiro


João Plástico (ou João Regatinheiro)

(Artista de Valmedo)

 

EFEMÉRIDE # 100

PLANETA CÓPIO, MESTRE MIGANÇA!


Auto-retrato

Há precisamente 160 anos anos nascia em Minde aquele que é unanimemente considerado o maior aguarelista português de sempre, ROQUE GAMEIRO! O seu primeiro professor informou o pai que ele era uma criança pouco aplicada, que "só queria fazer bonecos", portanto o seu génio para o desenho manifestou-se bastante cedo... Aos 20 anos partiu para a Alemanha para estudar e aprender novas técnicas de desenho e pintura mas esses aperfeiçoamentos só serviram para reforçar a sua paixão sobre as coisas da sua terra e das suas gentes de que tanto sentia a falta e depois, ao regressar e pela vida fora, ao retratar essa realidade de uma forma sublime viria a ser granjeado pela fama e muitos prémios nacionais e internacionais... Além do mais, adorava a natureza e vivia fascinado pelas maravilhas e mistérios deste mundo-cão e por isso nunca se adaptou à vida na grande cidade, gostava de se exilar por aí... Sempre simples mas sempre o grande MESTRE MIGANÇA para os mindericos...




"As lavadeiras" ou "As covanas que esgardulhem as do mestre grosso" - Roque Gameiro

João Plástico

(Artiste de Valmedo)