terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Oh! Isso é Lalique!

 


OS PAVÕES DA IDADE DO VIDRO...



René Lalique e uma das suas criações
- "Era bom era que fosse Lalique!", respondi à graça do homem do quiosque quando se debruçou sobre um caixote para de lá tirar uma pequena garrafa de vidro que me estendeu de sorriso aberto... 
 - Oferta da casa!
E dali saí, meio confuso e meio convencido de que o sujeito nem faria ideia de quem era o Lalique, afinal eu é que não estaria bom de cabeça ao chamar o assunto à baila, mas que dizer, neste final de ano atípico e pandémico não será assim tão grave cometer alguns deslizes e entabular diálogos sem nexo e que não lembram ao diabo, ou será? 
René LALIQUE, mestre vidreiro, artista e joalheiro que criou desde jóias a frascos de perfume, de vasos ornamentais a taças, de mascotes de automóveis a relógios e outros objectos do dia-a-dia, revolucionou por completo o quotidiano do vigésimo século... Conseguiu, afinal, juntar o glamour da peça preciosa ao objecto do dia-a-dia da classe média trabalhadora, revolucionária e sonhadora, tendo democratizado a arte e a distinção através da enorme criatividade e qualidade das suas peças...


A primeira e inocente vez que ouvi falar desta curiosa e grande personagem foi em casa da minha tia Jesuína, em plena Picheleira de Lisboa, gloriosos anos setenta do século passado e para onde eu era enviado nas férias grandes para uma terapia educacional que compensasse a frágil educação e cultura da minha natal aldeia ribatejana: de repente, uma bela manhã tinha-me caído um frasquinho de perfume do móvel da casa de banho quando ouço através da porta entreaberta e em tom apavorado: "Não! Cuidado, Carlitos! Isso é Lalique!" Passado o susto e o impacto da reprimenda, constatámos em simultâneo que a tal preciosidade perfumada tinha caído em muito boas mãos, que é como quem diz, em cima de um grosso tapete felpudo que lhe amorteceu a fatal queda... - "Graças a Deus!" - desabafou a minha tia -"Não imaginas a desgraça, se o teu tio chega logo a casa e vê o Lalique partido dava-lhe um treque!"  E eu, menino ainda, desde esse instante fiquei avisado: o que é LALIQUE é bom e fino!  




E essa expressão "Isso é Lalique!", sinónimo de distinção e classe perdurou até hoje, dia em que me apercebi que a Gulbenkian volta a mostrar ao público a fantástica colecção de obras de Lalique que possui, afinal Calouste foi o grande mecenas de Lalique, não só sempre o apoiou como lhe comprou a sua primeira obra e, mais tarde, ao longo da sua longa vida, lhe haveria de comprar mais de uma centena de obras! E um dos temas mais queridos e recorrentes do imaginário de Lalique são os PAVÕES, eles aparecem em jóias, sejam brincos ou colares ou pregadeiras, eles aparecem em vasos ou em abat-jours, em frascos de perfume ou em símbolos de automóveis, os pavões estão omnipresentes nas criações do grande artista!


Não é todos os dias nem todos os anos e até nem todas as décadas que é possível admirar mais de uma centena de criações do grande mestre  e reunindo as que fazem parte da Colecção do Fundador a outras vindas de outros museus e colecções privadas, aliás desde 1989 que a Gulbenkian não realizava uma exposição inteiramente dedicada a René Lalique... Aproveitemos então, coisa igual talvez só daqui a 30 anos!






João Plástico

(Artista de Valmedo)


912 secos dias...

 

MOTIVO PARA FESTEJAR!


À medida que 2020 vai exalando os últimos estertores e começam a surgir os tradicionais balanços de final de um ano que para além de não deixar qualquer saudade ainda ficará para a história como um dos mais marcantes e horríveis da era contemporânea recente, do meio das trevas e do desencanto ainda surgem alguns surpreendentes motivos para celebrarmos, como é o caso do ressurgimento em papel do saudoso DIÁRIO de NOTÍCIAS! Foram 912 dias sem D.N em edição de papel, nem sequer digital foi porque em primeiro significado digital aponta aos dedos e ao seu uso, ora, a meu modesto ver, tudo o que se vê num ecrã de computador é virtual, não lhe mexemos com os dedos nem sequer sentimos o seu cheiro, é tudo simulacro, e foi isso que o jornal diário mais antigo de Portugal foi desde 1 de Julho de 2018: um fantasma, ou antes um gigante em coma induzido e que na sua letargia nunca cheirou sequer àquela pujante força das mais de cento e cinquenta mil edições em papel vivo que chegaram às nossas mãos em 156 anos de vida!  E que bom é tê-lo de volta outra vez, para ficar, dizem-nos! Oxalá, e para comemorar ainda nos oferecem a preceito uma miniatura de champanhe que a coisa não está para grandes festejos pandémicos... 





Ora, nesta especialíssima edição salienta-se a genial caricatura sobre o misterioso 2021 que aí vem da autoria de André Carrilho, um mestre na arte de desenhar a comédia do mundo-cão através de riscos e rabiscos...  2021 será pois um ano tão desejado quanto perigoso pois será um duro teste à resistência e à fadiga dos confinamentos, não só para os cidadãos como para as instituições e, sendo assim, claro que no cerne da questão só poderia reinar uma enorme bazuca pronta a disparar vacinas e mais vacinas, simbolismo da dependência das economias face à resposta científica às grandes pestes que ameaçam hoje a humanidade! Meio escondida atrás da bazuca vislumbra-se o olhar assustado de Frau Merkhel, a dizer-nos Aufwierdersehen, ela que foi durante muito tempo o garante da estabilidade económica da Europa e que agora nos abandona à mercê da impiedosa ameaça de Xi Jimping, o líder da única grande economia mundial que resiste à desgraça e que arrancará no novo ano com uma previsão de crescimento na base dos 8%! É obra, talvez do diabo mas também da aposta chinesa no mercado interno, é que eles são tantos milhões que quase não precisam do resto do mundo para escoar a sua produção...





Enquanto isso, o líder chinês lança o olho com curiosidade para a crise da Casa Branca onde um velho Biden tenta varrer o imenso lixo tóxico trumpiano após o triste espectáculo americano dos últimos anos cheio de episódios macabros... Mais a sul, Marcelo lançou a sua última moda: desnudar o tronco, mostrar o peito já quebradiço e levar heroicamente com a bendita vacina, cena magistral para uma heroica selfie, coisa muito mais fácil do que mergulhar nas friorentas águas do Tejo ou nas revoltas ondas do Guincho! Ademais, virão as celebrações do centenário de dois grandes partido comunistas, o português e o chinês, os records que o Ronaldo baterá na maior das calmas e os Jogos Olimpicos de Tóquio, que com um investimento de 13 mil milhões de euros (!) serão não só os mais caros de sempre mas também os únicos em toda a história olímpica que foram adiados! E como a Rússia não participará devido a violação das regras anti-doping, não serão uns verdadeiros jogos olímpicos...

Finalmente, num ano em que a Comunidade Europeia terá presidência portuguesa, será que a comunidade internacional vai finalmente abrir os olhos para a catástrofe social, política e humanitária de Moçambique, onde facções terroristas islâmicas estão a cometer genocídio pelas terras da províincia de Cabo Delgado?


João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)


"Message in a bottle" - Jean-Charles Forgeronne


 

Antropoceno

 

 TEMPOS PERDIDOS DA HUMANIDADE...


Algo vai incoerente na catalogação da história do Homem neste mundo-cão, senão vejamos: se tempos que já não lembram a ninguém ficaram conhecidos pelos materiais que mais importância tiveram na altura para a evolução das sociedades humanas, eles foram a Idade da Pedra, a do Cobre, a do Bronze ou a do Ferro, porque raio este período actual a que se chama Idade Contemporânea e que começou com a Revolução Francesa em 1789, não se divide também ele em várias Idades tantos são os materiais que moldaram o nosso modo de vida? Exemplos não faltam, podíamos pensar na Revolução Industrial e numa Idade do Aço ou nos combustíveis fósseis e numa Idade do Petróleo, ou ainda numa Idade do Vidro, já para não falar de outra ainda tão importante quanto preocupante: a Idade do Plástico!   


"Idade do Plástico" - Jean-Charles Forgeronne


Não é por acaso que cada vez mais cientistas são de opinião que se deveria chamar ANTROPOCENO ao período mais recente da história da Terra devido ao monstruoso impacto global das actividades humanas actuais sobre todos os ecossistemas do planeta... De facto, a cena não está nada famosa de tal forma o cenário terrestre tem sido modificado a um ritmo galopante e sem controlo e que tem provocado danos irreparáveis no equilíbrio do planeta. Estudos recentes demonstraram que o peso dos materiais produzidos pelo Homem já é superior ao peso de todos os seres vivos terrestres e, mais grave, que o peso do PLÁSTICO é superior ao peso de todos os outros materiais antropocénicos! Não admira pois que mares e oceanos estejam a sufocar numa imensa bolha plástica...



IDADE DO VIDRO - "Pavão mascote de carro", Lalique


João Green

(Ecologista de Valmedo)


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

O pavão e os costumes

 


LIVROS 5 ESTRELAS # XXII


O PAVÃO BRANCO


Bem pode o amigo leitor munir-se de uma lupa e qual Sherlock passar a olho fino este livro da primeira à última página, linha após linha, em busca do famigerado PAVÃO BRANCO: não o encontrará! Depois da detectivesca leitura ter-se-á deparado com muita bicheza, desde cães a gatos, galinhas a vacas, ratos a abibes, coelhos a mulas, borboletas a ovelhas, cisnes a cavalos e até pavões coloridos e por aí fora que quase parece uma descrição da arca do Noé, mas o albino pavão não passa aqui de uma alegoria simbólica de algo muito raro de encontrar neste mundo-cão cheio de falsas aparências: a pureza de carácter e a paradisíaca plenitude da felicidade!                                                                              


" - Oiça aquele maldito!  

 Mais uma vez o pavão ergueu a cabeça coroada e soltou um grito; ao mesmo tempo, moveu desastradamente as pernas feias e exibiu a plumagem da cauda, brilhante como uma fonte de estrelas coloridas sobre o pescoço inclinado do anjo.         

- Olhe para aquele vaidoso! Empoleirado num anjo, como quem precisa de pedestal para o seu orgulho! Aquilo é a alma de uma mulher... ou então é o diabo." 




Esta obra inaugural de D. H. LAWRENCE, iniciada em 1906 e publicada apenas cinco anos depois e após ter sido reescrita três vezes e quando o autor tinha apenas vinte e cinco anos, como romance campestre que é, torna-se num hino à Natureza quando faz desfilar por todas as estações do ano tudo o que é bicho ou planta, reflectindo as desconfianças e preocupações que o jovem escritor já tinha na altura em relação ao progresso e à industrialização e ao fim anunciado do mundo natural e bucólico da sua infância... Além disso, e à semelhança de obras magistrais posteriores como "O Amante de Lady Chatterley", "Filhos e Amantes", "Mulheres Enamoradas", "A Virgem e o Cigano" ou "A Serpente Emplumada", esta última a minha preferida, o romance seria proibido no reino de sua majestade durante décadas sob a acusação de ofensa à moral vitoriana e aos bons costumes... Um ataque à opressão do conformismo e um grito de revolta assente na liberdade de expressão sexual, especialmente a feminina, assim se pode caracterizar a obra de Lawrence, a descobrir...  




Diga-se a verdade agora, se não fosse pela liberdade dos sentidos e do sexo seria, nos fanáticos dias de hoje e por colocar em causa os religiosos bons costumes, uma obra proscrita pelos atentados aos direitos dos animais, é que desde a coelhos desmembrados em ratoeiras, a cães mortos à pedrada, a pintainhos incinerados ou gatos piedosamente afogados, de tudo há ali um pouco, afinal não passa de um retrato fiel dos costumes naturais da sociedade da época...


"... calou-se e ficou a olhar para a lua, que boiava através dos ramos negros do teixo.  - Com que então ela morreu... esse pobre pavão, murmurei eu. O homem pôs-se de pé, sem deixar de olhar para o céu, e espreguiçou-se. Era um vulto que se impunha, assim de braços estendidos e recortado ao luar.    - Tenho a impressão que a culpa não foi toda dela, volveu ele.  - Era como um pavão branco, sugeri eu..."


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

O Mané das Caldas...

 


O PAVÃO ARTISTA DAS CALDAS


Este pavão optimista que nos acena segurando numa das mãos uns pincéis só pode ser um artista, pensei eu, surpreendido pela figura, mas seguramente é uma alusão à rica história artística da cidade das Caldas, desde columbanos e malhoas até aos modernos desconhecidos do grande público quem não enxerga a veia criativa deste lugar abençoado?  Chama-se ele MANÉ, foi pensado e desenhado pelo artista caldense Marco Martins e foi simplesmente eleito a mascote do Parque D. Carlos, também em homenagem à família de pavões que ali habita e que vai entretanto tornando os dias dos caldenses mais alegres...





Os pavões habitam o parque desde Março de 2016, altura em que um casal foi instalado na gaiola das aves e, apenas dois meses passados lá surgiram dois ovos, numa bela e feliz história que desagua nos dias de hoje: seis pavões embelezam o parque e as ruas da cidade...  





João Plástico

(Artista de Valmedo)

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Os pavões das Caldas...



 CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO -  XXXI


PAVONEAR-SE PELA CIDADE...


A caminho de mais uma terrível manhã pandémica que me aguardava no hospital ia eu distraído e em modo piloto automático a rir-me com gosto depois de ouvir mais um genial "Portugalex" quando de repente sou obrigado a parar, já se vislumbrava ali na esquina a Praça da República e já me chegavam os típicos barulhos e a mescla de inebriantes cheiros do mercado da fruta quando duas inusitadas amigas decidem atravessar a rua mesmo à minha frente, ainda por cima fora da passadeira, era preciso ter lata e muita falta de respeito pelos condutores e não é que ainda por cima decidem elas parar e olhar-me desafiadoramente, como se fosse eu quem estivesse ali a infringir as regras?... Claro que saí imediatamente do carro e sem pensar duas vezes disparei à queima-roupa antes que aquelas estúpidas criaturas pudessem fugir!   



"O passeio das comadres" - Jean-Charles Forgeronne


E na sua leveza e graciosidade lá foram as duas pavoas descendo a calçada em direcção a casa, ali bem perto, no Parque D. Carlos... Nas Caldas já ninguém estranha estes passeios matinais destas magníficas aves, hoje foram só as comadres mas por vezes também os machos se vêm pela cidade, por vezes passeia-se a família inteira pelas ruas ainda tranquilas ou por entre as bancas do mercado da fruta e até chegam a entrar em cafés e nas lojas que encontrem abertas, pelos vistos gostam de estudar os hábitos das pessoas e de se porem em dia com as últimas novidades das montras... Mas hoje, pelos vistos, os pavões combinaram encontrarem-se para beber um copo, desabafar e pôr a conversa em dia, coisa de macho!



"Desabafos de macho..." - Jean-Charles Forgeronne


Todos estes sagrados habitantes do Parque D. Carlos são de uma beleza extraordinária, comum à espécie, mas há um amigo aqui que sobressai pela sua raridade, um pavão albino, exactamente aquele que se viu privado das cores deslumbrantes da espécie mas que em toda a sua alvura atrai magneticamente o olhar... Ainda bem para ele que aqui está porque, não se podendo camuflar, em plena natureza não sobreviveria muito tempo aos predadores e dizem que a carne de pavão é saborosíssima, por isso foi iguaria em banquetes reais outrora...   


"À espera que a loja abra..." - Jean-Charles Forgeronne



João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

Aves lusitanas

"Pavão" - João Plástico

 

sábado, 19 de dezembro de 2020

Uma vida extraordinária...

 


JEAN-JAQUES, JOHN JAMES...



O que não falta por aí são vidas ordinárias, desinteressantes e inócuas, criaturas egoístas que se limitam a comer, beber, dormir e a matar o tempo, de preferência sem chatices nem grandes trabalhos mentais, movidas pelos pequenos prazeres mundanos, sem qualquer preocupação com os outros e com o mundo e cuja principal herança que deixam quando partem se limita à sua pegada ambiental... Mas embora cada vez seja mais uma raridade ainda vão aparecendo algumas personagens absolutamente deslumbrantes que desafiam o medíocre destino e escrevem histórias de vida absolutamente extraordinárias como é o curioso caso de  AUDUBON, naturalista americano de origem francesa, bastardo nascido Jean-Jacques na República Dominicana em 1785, filho de um capitão da marinha mercante francesa e de uma mademoiselle que morreria pouco tempo depois ... O pai regressaria a França quatro anos depois com Jean-Jacques nos braços e este seria admitido na família e tratado sempre como um filho legítimo, até que aos 18 anos se viu forçado a fugir ao recrutamento para as tropas de Napoleão e assim regressou à América com a algibeira abonada pelo pai e com a missão de gerir os negócios de umas propriedades que a família ainda detinha em Filadélfia, traduzindo-se noutra pessoa: JOHN JAMES, o João Jaime lá do sítio...  



John James Audubon - 1841, John Woodhouse Audubon




Acontece que o nosso herói, Jean-Jacques Audubon, ou antes e agora mais propriamente Jonn James Audubon, não tinha o mínimo jeito para as finanças e gestão de negócios, era um zero à esquerda nessas matérias e já depois de mudado de armas e bagagens para o Kentucky levou praticamente os negócios familiares à falência! Desiludido, e não tendo gosto nem ossos para aquele ofício, depois de muitos trabalhos temporários para a subsistência, entre os quais o de taxidermista durante algum tempo, deixa a mulher a tomar conta da família e desata a percorrer os Estados Unidos inteiros com uma premente missão em mente: desenhar todas as aves da América até então conhecidas!  O nosso naturalista trabalhou incansavelmente mas não era assim tão ecologista quanto isso e embora se recusasse a pintar aves já empalhadas, gesto meritório e pouco usual para a época, não se pense que ele se limitava a sentar numa cadeirinha à espera dos bichos algures num recanto de um lago ou de um bosque e que depois demorava dias e dias a observá-los enquanto os ia pintando, não, ele simplesmente não tinha tanto tempo assim nem paciência, ele primeiro matava-os com a sua espingarda e depois, com a ajuda de arames armava-os numa posição natural e então sim, calma e eximiamente os pintava!







A vós que agora torceis o nariz perante esta traição tenho a dizer que eu o desculpo, mais que não seja pela obra gigantesca e maravilhosa que legou às gerações seguintes, e quero acreditar que ele afinal só matava um exemplar de cada espécie e por motivos científicos, não era um caçador compulsivo nem um serial-killer da natureza...





Em 1826, com 435 (!) magníficas pinturas prontas de outras tantas espécies de aves americanas tem outra desilusão, ninguém em Filadélfia ou em Nova Iorque quis publicar a sua obra "THE BIRDS OF AMERICA"... Resistindo a um sonho destruído, embarca para a Europa onde luta durante 3 anos pelo reconhecimento da sua obra e é então que na Inglaterra alcança finalmente o sucesso, o entusiasmo do rei Jorge IV contamina a corte e Audubon voltará à América coroado como cientista e pintor de eleição! Para quem esteve praticamente falido, é uma boa história para se contar aos netos, afinal a colecção das suas pinturas originais das aves americanas estão hoje avaliadas em mais de dez milhões de dólares...







João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)   

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

A vida ordinária...


EFEMÉRIDE # 86 


OS ANIMAIS, O ASSALTO E A VIDA...


Entre outras, existem três coisas que me fascinam nos filmes: a primeira, o enredo ser baseado em histórias verídicas, o que significa autenticar a vida em toda a sua glória mas também em todas as suas misérias; a segunda, coisa que não consigo explicar mas que talvez esconda uma minha eventual obscura faceta criminosa, a abordagem ao "assalto impossível" por alguém tipo bom vilão com escrúpulos, não violento e inteligente que rouba não-se-sabe-como os maus todo-poderosos; e terceiro, o que permite atingir o clímax, o cenário ser o mundo da arte, tudo o que envolva pintores, escritores, pensadores, revolucionários e que, ao fim e ao cabo, me leve a querer conhecer melhor algo ou alguém  ou até a descobrir personagens e factos que me passavam completamente ao lado... Sim, sou um sonhador! 






Pois bem, para a coisa ganhar sentido devo dizer que ainda estou de ressaca depois de, por acaso, devo reconhecer, ter visto um dia destes na televisão um filme que me preencheu todos os requisitos que atrás enunciei: AMERICAN ANIMALS, traduzido para português como "O ASSALTO"! É a história bem verídica de quatro jovens universitários que um dia, fartos de levar uma existência pacata e sem grande emoção, decidem dar um clique nas suas vidas para torná-las especiais, marcantes, memoráveis e para isso planearam durante um ano um assalto extraordinário: nada menos do que o roubo dos livros mais raros e valiosos dos Estados Unidos da América! De facto, na biblioteca da Universidade Transilvânia, em Lexigton, no Kentucky natal dos nossos heróis, moram muitas preciosidades e em especial a primeira edição dos três enormes volumes da obra-prima de John James Audubon: "BIRDS OF AMERICA", avaliados em cerca de 12 milhões de dólares!  Imagine o leitor que junta centenas de quadros pintados em plena natureza e que os encaderna num enorme volume que forma como que um livro gigante, é disso que se trata, é como juntar as obras originais do Picasso, à escala natural num só volume... Para além disso, a biblioteca da universidade dos nossos heróis alberga outras raridades, como por exemplo uma primeira edição de "A Origem das Espécies", de Charles Darwin, avaliada em perto de um milhão de dólares... 



Pintura de Audubon - "Birds of America"


Passam hoje precisamente 16 anos que os nossos amigos, corria o dia 17 de Dezembro de 2004, após uma primeira tentativa falhada na véspera, executaram o assalto e as peripécias do mesmo não podem aqui ser contadas para que não se estrague o prazer da descoberta de quem ainda vai estrear-se no filme, e vale a pena!

     

                                                                                                          I'm Alive - Johnny Thunder


João Película

(Cinéfilo de Valmedo)

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

"Siesta" - Jean-Charles Forgeronne

 



YOGA, TAI-CHI E OUTRAS MEDITAÇÕES...





Amigos caninos, estava eu de papo para o ar a dormitar sob um sol quentinho e invulgar neste esquisito outono pandémico quando sou desperto por uns gemidos vindos lá do fundo... Aproximei-me pata ante pata, nada de odores estranhos segundo o meu húmido nariz se revelavam no horizonte e, confesso, não me surpreendi com o cenário que encontrei: o J.C deitado ao comprido no chão, pernas ao alto e braços esticados, barriga (abdómen segundo ele) em esforço e uns barulhinhos metálicos que me chegavam às orelhas...
- Eh, bicho, tudo bem? Olha, estou a alongar...
E já há longo tempo que ele desatava a fazer aquilo, depois das corridas diárias prostrava-se ali a esticar-se, a não querer dar parte de fraco mas que, para quem visse, era óbvio o seu sofrimento, clique daqui, claque dacolá, tudo rangia e estalava... E ele, vendo o meu ar inquiridor:
- Não te assustes James, é só o meu esqueleto a voltar ao normal... - e esticava e esticava, e baixava-se a tentar tocar com as mãos nos pés, com sucesso disse ele, com dúvidas digo eu...



E amigos caninos, que dizer daquilo que para nós é uma coisa diária e naturalíssima, acordar depois de uma noite enrolados sobre nós próprios e esticarmo-nos depois para que possamos encontrar o equilíbrio físico e espiritual e que, ao que parece, para os humanoides é uma coisa transcendente que até parece só estar ao alcance de alguns iluminados que depois lhes dão nomes pomposos:  YOGA, TAI CHI, PILATES...
Dizem eles que há que alinhar o corpo com a mente, relaxar, controlar a respiração, inspirar, expirar, entrar em modo contemplativo, ser ZEN, flutuar sobre nós próprios e encontrar a harmonia entre corpo e alma! Mas amigos caninos, não é isso que a nossa espécie faz de um modo natural há séculos?



Mas afinal, amigos caninos, que na convivência com as vossas famílias devem ter alcançado as mesmas dúvidas que eu, qual é o verdadeiro problemas das pessoas? Pois bem, a meu ver, é a dependência material das coisas que lhes proporcionam prazer imediato mas pouca riqueza espiritual duradoira, tudo agora para eles é efémero, é que aquilo que para nós é natural para eles é artificial, controlável, manipulável...





Mas não sabe o J.C que eu nunca me esqueci daquilo que ele perorava, um dia muito tempo atrás e eu sonolento lá o ia ouvindo acerca da placa de titânio que tinha no pé, fruto de uma fractura a jogar à bola em Miragaia, da cicatriz de seis centímetros que tinha na cabeça graças ao choque com um guarda-redes maluco ainda ele era menino, do polegar direito que ficou ligeiramente deformado depois de um remate à queima-roupa do Miguel ainda menino e iniciado em plena praia fluvial de Penacova, do osso saído que lhe deformou o ombro direito depois de uma estúpida queda da bicicleta, ou então da mais recente defesa  in extremis que fez na véspera do seu aniversário e que lhe trouxe, como prenda, um mindinho direito defeituoso, não estica ele nem se alonga....
Como eu o compreendo, amigos caninos, não sei se é apenas sugestão ou fruto da idade, mas ainda uma destas manhãs dei por mim a latir depois de um singelo alongamento ao despertar...







É certo que aquilo que para eles é transcendental para nós é natural, amigos caninos, mas o tempo bate forte em todos, certo? Por isso, vão alongando as vossas capacidades enquanto podem...



JAMES

(Cão de Valmedo)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Why?




EFEMÉRIDE # 86

IRONIAS DE UM TRÁGICO DESTINO...


Passam hoje 40 anos que o mundo entrou em choque, tinha morrido cedo demais JOHN LENNON, estupidamente assassinado com cinco tiros à queima-roupa à porta do seu prédio em Nova Iorque... Antes de mais é imperioso esclarecer que não é uma gaffe cometida por este escriba, Lennon morreu de facto pelas 4 da madrugada da terça-feira 9 de Outubro de 1980, hora de Lisboa, embora compreensivelmente seja oficialmente reconhecida a data da sua morte como ocorrida na véspera, dia 8, já que eram 11 da noite em Nova Iorque... Pormenores esclarecidos, o que é mais chocante e inaceitável, como diria McCartney mais tarde, é que não se encontram motivos para a tragédia, nem políticos, nem financeiros, nem amorosos, o homem da paz não cultivava inimigos nem sucumbiu a qualquer depressão profunda ou overdose comum no meio hardcore do showbusiness e que vitimaram muitos e muitos ídolos, afinal terá sido apenas um acto tresloucado de um louco? 






Curioso é que o assassino, Mark David Chapman, filho único e solitário, sempre teve desde criança como o seu maior herói John Lennon e muita coisa terá acontecido na sua cabeça nas décadas seguintes para que culminasse no sinistro e imperdoável acto daquela noite, tinha enlouquecido certamente, afinal o que explica o facto de a polícia ao chegar ao local do crime o ter encontrado ali a ler em voz alta o romance "À Espera no Centeio"?  Relata Alan Posener na sua obra biográfica "John Lennon", editada em 1987, que no dia fatídico Chapman postou-se cedo à porta do Dakota Building com as suas cassetes dos Beatles, um exemplar de "Double Fantasy, o romance de Salinger e um revolver comprado semanas antes:

"Pelas cinco da tarde, John e Yoko saíram para ir para o estúdio de gravação. Chapman pediu a John um autógrafo na capa do disco. John assinou e entrou na limusine, que estava á espera. às dez para as onze, quando John e Yoko voltaram do estúdio, Chapman continuava à espera. Normalmente, a limusina entrava pelo portão para o pátio interior  do Dakota. Naquela noite, John mandou parar o carro junto ao passeio e fez a pé a curta distância até à entrada."

Aqui pergunto eu: porque mudou John a sua rotina de todos os dias?

Continua Posener: "Chapman chamou: «Mr. John Lennon?» John virou-se, pestanejando para conseguir ver na escuridão. Chapman disparou cinco vezes - cada um dos tiros teria sido fatal."

Lennon, apesar de atingido, ainda terá conseguido dar uns passos em direcção a Yoko e aos seguranças mas tombou, espalhando pelo chão as fitas magnéticas das gravações efectuadas naquela tarde e que , sinistramente eram duas canções de Yoko chamadas "Walking on thin ice" e "It Happened"... Mas ainda que um dos maiores génios da música popular pisasse caminhos de fino gelo aquilo não deveria ter acontecido! 


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

Onde começa o mar?

 


VAI UM MERGULHO NO MAR ESGOTO?


Onde começa o mar? É uma boa pergunta, não é? A resposta, claro, depende do mar a que nos referirmos, o Atlântico, por exemplo, começa já ali à frente a poucos minutos de viagem... E onde e quando acaba o mar? Esta pergunta é mais desconfortável, pressupõe desde logo que o mar tem, como nós, um princípio e um fim, uma vida breve à escala temporal do planeta, afinal não nos diz a história geológica da Terra que outrora onde agora crescem desertos houveram dantes mares e que outrora ilhas eram continentes e que continentes inteiros desapareceram debaixo das águas?  Que mar queremos, afinal, um oceano Atlântico vivo e vibrante ou um oceano Plástico ou um mar Esgoto, mortos e tóxicos, e por aí fora desde o Pacífico ao Índico, do Mediterrâneo ao Ártico... De facto, a resposta a todas estas perguntas é só uma: o mar começa onde e quando quisermos, começa aqui, neste preciso local onde estamos, ao não contaminá-lo com lixo e desprezo!  Porque quase todo o lixo que a humanidade produz acaba, mais cedo ou mais tarde, nos mares...



"O Mar Começa aqui" - EHME


Foi então no âmbito do projecto "O MAR COMEÇA AQUI", iniciativa que durante este ano pandémico pôs a mão na consciência ecológica de alunos de mais 300 escolas de mais de 80 municípios a darem largas à imaginação e à criatividade para desenharem maquetes alusivas ao mar e à poluição, que EHME,  ou seja o artista Marcelo Gomes, foi convidado pelo município de Torres Vedras a fazer uma obra alusiva ao problema da poluição dos oceanos e daí, em pleno chão de um corredor pedonal envolvente ao Parque do Choupal, mesmo defronte do Bang Venue e à beira do Sizandro, nasceu uma bela e simbólica pintura: no vaso superior de uma espécie de ampulheta que marca o tempo boiam detritos desta época (luvas, máscaras, latas, papéis) que, adivinha-se, mais cedo ou tarde irão cair pelo funil para o reservatório de baixo onde ainda nadam em água límpida dois exemplares de Ruivaco-do-Oeste, espécie de peixe exclusiva desta região... E a mensagem passa: é uma questão de tempo e é uma emergência actuar já para salvar os rios e os mares!

E enquanto isso, se pelo país inteiro der de caras com pinturas em sarjetas não estranhe, foram crianças e jovens que as pintaram, para elas o seu mar começa ali...  Em São Bartolomeu dos Galegos, por exemplo, bem perto da Lourinhã, vê-se agora um bicho bem característico da sua costa, uma santola, a sair da sua sarjeta com os seus cinco pares de patas carregados de lixo, desde embalagens de leite, sacos de plástico ou garrafas...



"A santola de São Bartolomeu" - Jean-Charles Forgeronne


João Green

(Ecologista de Valmedo)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Desconfinamento...


 

A CIGANA NA SELVA DOS GUARDA-RIOS...


Já tinha saudades da selva, do felino e do orangotango, das plantas carnívoras e das aves exóticas, dos macaquinhos brincalhões e de outros bichos raros, das luzes e do palco, da simpatia dos anfitriões e da atmosfera boémia, enfim, da noite, de música, de gente, de vida... Que saboroso foi desconfinar e poder revisitar o BANG VENUE! No último sábado, numa chuvosa tardinha-noitinha, começava o cartaz com os Guarda-Rios, duo torreense formado por Pedro Silva e Filipe Vicente e que também se poderiam muito bem chamar de Espreita-Marés, tantas são as suas tonalidades musicais, desde o azul ao esverdeado e passando pelo laranja e que numa simbiose de guitarras primas que se encontraram há dois outonos atrás expressam as sensações das paisagens de Torres Vedras... E com humor à mistura até ficamos a saber que já passaram na Antena 3! E deixaram água na boca...



"Guarda-Rios"


E depois chegou a cigana, mais propriamente a EVACIGANA, quarteto com génese na escola de artes das Caldas da Rainha também há dois anos atrás e que, já com dois EP's publicados, dos quais o último se intitula "Fortuna" e de facto a propósito, já que me senti um afortunado ao vê-los em palco expressando a sua mistura de géneros musicais sem limites nem fronteiras, numa busca nómada de um delírio sonoro... 



"EVACIGANA" 

E para acabar da melhor maneira a noite ainda saí dali com uma fortuna, a última obra dos EVACIGANA autografada e tudo, para memória futura... E venha o próximo concerto! 
  


Fortuna


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

domingo, 6 de dezembro de 2020

Bang Venue

 

O ROCK ENTRE-NOUS...



Passam por estes dias 40 anos que era inaugurado na sala de um antigo cinema da minha vizinha Rua da Beneficiência, em Lisboa e paredes meias com o meu jardim da Gulbenkian, o mítico ROCK RENDEZ-VOUS, espaço que promoveu e deu asas a muitas bandas do pop-rock e do rock  alternativo lusitano, desde os Xutos aos Go Graal, dos Jafumega aos Heróis do Mar, dos Táxi aos Mler If Dada e por aí fora, não haverá bandas da época que por lá não tenham passado e que, tendo muitas delas mesmo feito lá a sua estreia ao vivo, não tenham gratas memórias desses gloriosos primeiros tempos... A sala de espectáculos esteve aberta à música e ao público durante dez anos, desde Dezembro de 1980 até Julho de 1990 e das inúmeras curiosidades que dali brotaram saliento duas: foi do Rui Veloso  o espectáculo inaugural do palco do RRV e por lá, logo nos primeiros tempos, passou por lá um anjo, um tal desconhecido  António & Variações, mais tarde perderia ele o & e passaria a ser conhecido apenas por António Variações e ainda mais tarde perdeu muitas vezes o António para ser conhecido apenas como o Variações...  Até pelo vazio que deixou, o RVV ficou para a história como uma parte importante da memória daquelas gerações pré-net e pré-plataformas de streaming e de partilha de ficheiros, naquele tempo para ver uma banda era preciso ir lá, ao sítio, à caverna das emoções, e isso sempre valeu muito mais do que ver vídeo-clips ou ter acesso instantâneo a músicas ou gravações de concertos... 



"Bang Venue" - Jean-Charles Forgeronne


Passados todos estes anos o Rock Rendez-Vous ressuscitou em pleno Oeste, mesmo debaixo das muralhas castelejas da cidade de Torres Vedras e à beira do rio Sizandro nasceu há tempos o BANG VENUE, espaço que com o apoio da Antena 3 faz parte do circuito nacional de clubes com música ao vivo e que se pode orgulhar por criar oportunidades de apresentação à comunidade artística, musical e não só, não só nacional mas também local e regional, como é o caso de hoje em que podemos assistir ao concerto dos GUARDA RIOS, duo torreense, e dos EVACIGANA, banda com génese nas Caldas... E se pensarmos que em plena pandemia este concerto é um oásis para estes jovens músicos, impedidos de se apresentarem ao público vai para um ano, então festejemos, disfrutemos e celebremos este milagre... 

Obrigado pela coragem e pela perseverança BANG VENUE,  parabéns e longa vida, graças a ti temos agora por este nosso Oeste um ROCK ENTRE-NOUS... E hoje, ao fechar os olhos diante de ti, com o castelo lá em cima a ameaçar mais uma borrasca deste maldito tempo confinado até me consigo imaginar como há trinta anos a sair da Conde Valbom, a atravessar a Berna e a subir a Beneficiência para assistir a mais um concerto de alguém de quem nunca tinha ouvido falar mas que que iria mudar o futuro do rock português... Também tu deverias morar numa rua chamada Beneficiência!





João Sem-Dó

(Musicólogo de Valmedo)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

A história da música cor-de-rosa

 


CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XXX


A PINTURA DO MÚSICO POETA...


Aqui vou eu no meu Passati,

bateria além, piano aqui...

Sempre lento, a desfrutar

deste belo rock & rollar...


Não, não é uma versão desmiolada de "Budapeste" dos grandes Mão Morta mas, vá lá saber-se porquê, dei por mim hoje a improvisar esta coisa em voz alta enquanto ouvia "To Kingdom Come" no caminho para o trabalho e felizmente ia sozinho, como de costume, assim ninguém se assustou com a minha memorável prestação...  Acontece que hoje ao sair de casa nesta quase madrugada fria deu-me uma grande veneta, um pouco enjoado das manhãs da Antena 3 decidi que hoje não iria a ouvir rádio e, naquele golpe de mão na prateleira dos CD que já não ouço há anos, saiu-me em sorte o "MUSIC FROM BIG PINK"! E o dia, que ainda agora começou, sinto-o, devido a esse gesto improvisado, vai ser certamente diferente, talvez memorável e, ao contrário de outras viagens, neste momento desloco-me à velocidade mínima possível para que consiga ouvir todos os 42 minutos da obra até chegar às Caldas...



A capa de Dylan


É verdade, ainda BOB DYLAN não sonhava sequer que daí a quase meio século iria ser galardoado com o Nobel da Literatura pela sua obra poética musical e pintava ele um cenário meio impressionista meio cubista para a capa do álbum de estreia da "sua" banda... Curioso não deixa de ser o facto de ter pintado nela seis personagens quando "THE BAND" eram apenas cinco, será que ele quis dizer que também se sentia parte do grupo? Aliás seria perfeitamente natural esse sentimento devido à história comum que partilhavam, afinal os "THE BAND" foram a banda de suporte de Dylan em várias digressões e álbuns de estúdio, especialmente quando este decidiu ligar-se à corrente eléctrica e contra-corrente aos seus primórdios acústicos e, generosamente, lhes retribuiu o cantautor com a dádiva, para além da capa desta seminal obra, de várias canções que contribuíram para a consolidação da banda, desde logo com o fenomenal "I shall be released", por sinal o último tema desta obra maravilhosa... 







"BIG PINK" poderia ser apenas mais uma misteriosa entidade psicadélica que assolava a geração dos finais de 60 mas, neste particular caso, não passava apenas de uma casa situada numas montanhas perto de Nova Iorque e alugada pela banda e que tinha a particularidade de ser mesmo cor-de-rosa... Foi nela que todo este álbum foi composto e ninguém estranhará, portanto, que um dos seus maiores frequentadores tenha sido Bob Dylan... E agora, passados tantos anos, a audição deste disco continua deslumbrante! Já agora, para aqueles que já largaram o blog e vão a correr para as lojas na intenção de comprar "Music From Big Pink" e assim terem dois em um, não só uma obra musical de excelência mas também uma pintura do grande Dylan, preparem-se para eventuais desilusões, a obra deve estar esgotada há muito, este meu exemplar, por exemplo, comprei-o há mais de vinte anos! Mas como disse o mestre, "The times they are a-changin'", por isso tentem...


João Sem-Dó

(Musicólogo de Valmedo)


sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Uma questão de ritmo...

 


TIRADAS DO GÉNIO - V



Muitos questionavam-se o que estava ele ali a fazer no "The Last Waltz", afinal não tinha nada a ver com THE BAND mas como tinha sido convidado por Robbie Robertson que havia produzido o seu último álbum, Neil Diamond, que até teve direito a cantar uma das suas baladas após a actuação de Joni Mitchell, consta que ao sair do palco e ao cruzar-se com Bob Dylan lhe terá lançado:

  - "Veja se faz melhor!"

E o eterno trovador, naquele seu permanente ar de aborrecido, terá imediatamente respondido:

  - "O que é que eu preciso de fazer? Subir ao palco e adormecer?"





João Plástico

(Musicólogo de Valmedo)