sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Farra à húngara


A CÉLEBRE NOITE DE BUDAPESTE


São lendárias as noites de BUDAPESTE, já tínhamos sido avisados sonoramente pelos Mão Morta ao ouvir 

                                         "Cá vou eu no meu Trabi

                                           de bar em bar a aviar,

                                           Sempre a abrir a noite toda

                                           sempre a rock&rollar..."


ou visualmente no filme francês "Budapest", comédia louca sobre a louca noite húngara, mas tudo o que pensamos saber sobre algo a partir de outros testemunhos é eclipsado no preciso momento em que somos nós próprios a ver, a ouvir e a perceber... E para que conste também importa a opinião do meu amigo Henrique Gomes que por lá esteve uns dias antes e que simplesmente decretou: "Aqueles gajos só comem porcaria mas lá que sabem divertir-se, isso sabem! Festa é em Budapeste!"


"Szimpla " - Jean-Charles Forgeronne


E quis o destino que ficássemos albergados em pleno coração do VII bairro, o Erzsébetvarós, ou seja o bairro de Isabel (a famosa e histórica Sissi), o antigo bairro judeu que agora é uma autêntica miscelânea de lojas de antiguidades, souvenirs, livrarias, galerias, bares, lojas convenientes que oferecem álcool 24 horas por dia e, claro, inúmeros edifícios decrépitos e em ruínas mas que à noite brilham nos seus cintilantes labirintos de espanto... E música nunca falta, seja ela ambiente seja debitada por bandas ávidas de palco...


"Bares em ruínas" - Jean-Charles Forgeronne


E beber um copo e conversar (ou não) nos bares em ruínas torna-se obrigatório e viciante, é a noite de Budapeste que faz esquecer as agruras da cruel existência, é outra vida, outra dimensão, basta ver, basta escutar, é um deslumbramento e tudo o que vier depois será inesquecível! É como que se uma aldeia inteira em festa fosse condensada naquelas naquelas decrépitas e luminosas ruínas...


"Szimpla" - Jean-Charles Forgeronne


Na manhã seguinte, apenas com a luz natural, tudo  parece mais normal mas é uma simples questão de tempo, logo pelo entardecer os neons irão transportar-nos para outra dimensão, até à manhã seguinte...
                


"Szimpla diurno" - Jean-Charles Forgeronne



E depois tínhamos o "Instant Fogas", mesmo em frente...                          

             

"O outro lado da Akafca ut" - Jean-Charles Forgeronne

   

Budapeste - MÃO MORTA


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)                           

 

"A Princezinha", 1989 - Lazló Marton

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


OUVIR BUDAPEST EM BUDAPESTE!


E a meio da avenida parei embasbacado, aproximei-me ansioso e de jugular latejante, era mesmo, que maravilha de coincidência, o lendário IAN ANDERSON trazia o seu JETHRO TULL a Budapeste naquela mesma noite! Ainda haveria bilhetes? E onde ficava aquele Centro de Congressos? E será que o concerto iria ter orquestra a acompanhar o flautista mais excêntrico do rock? Não poderia desperdiçar aquela oportunidade que parecia uma prenda dos deuses  e que era poder ouvir a mágica "Budapest" em plena Budapeste...

 






João Sem-Dó

(Musicólogo de Valmedo)
                                                           

Quarto incidente transfronteiriço

 

O METROPOLITANO INVISÍVEL...


Após duas horas e picos por autoestrada a viagem desde Bratislava estava a chegar ao fim, adivinhava-se a estação de autocarros de Nepliget mesmo lá ao fundo porque já se vislumbravam as bancadas do estádio de futebol onde joga o popular Ferencvaros e que João Palmilha sabia ter sido construído mesmo ao lado, arrumou ele na mochila o seu bloco de notas e o guia de viagem que tinha vindo há algum tempo a rever e murmurou para si próprio "tudo sob controlo", suspirou fundo e enquanto desejava que mais nenhum imprevisto pudesse causar stress naquela aventura ia revendo mentalmente os próximos passos a dar: antes de mais encontrar uma caixa multibanco para levantar florints, comprar os bilhetes para o metro e apanhar a linha 2 até à estação da Luísa, que é como quem diz, Blaha Lujza, situada a poucos metros do alojamento, fazer o check-in, arrumar a bagagem e sair à descoberta de BUDAPESTE que ainda o dia não ia a meio...


"O velho metro" - Photo by Budapesty Journal


- Sabes que não tarda nada vamos viajar num dos metropolitanos mais antigos do mundo, inaugurado em 1896 por ocasião dos mil anos de existência da Hungria? De facto, é o sistema de transporte subterrâneo mais antigo da Europa continental e só os de Chicago e Londres lhe são anteriores e parece que tem estações lindíssimas, portanto prepara-te... - disse entusiasmado Palmilha para a Maria enquanto tentava em vão convencer a máquina a dar-lhe dois bilhetes... - Mas que merda?   
- Que foi?
- Então agora esta porcaria não me aceita as notas! - vociferou Palmilha olhando para o enorme maço de notas que tinha na mão, milhares e milhares de florints que cabiam em duas notas de 20 euros mas que não lhe serviam de nada, a máquina exigia notas de menor valor ou moedas, tinha que arranjar trocos... Felizmente que em frente havia uma loja de conveniência e lá foi comprar a primeira coisa útil que viu, uma embalagem de frutos secos, escolheu a nota mais pequena e recebeu de troco uma grosa de pesadas moedas e então lá voltou à estúpida máquina...


Finalmente de bilhetes na mão lá desceram nas escadas rolantes para o piso inferior e aí Palmilha ficou um pouco confuso, nada de linha do metro, nada do característico barulho das carruagens a chegar ou a partir, apenas um átrio com várias saídas, pessoas autómatas a irem e a virem, todas orientadas e seguras do seu trajecto e agora punha-se a questão: "Mas onde raio está o metro?".
-Calma, olha para o chão... - disse Maria, zombeteira.



No chão lá estavam então de metro a metro pegadas autocolantes a orientar os passageiros para a estação do metro, com setas a condizer e tudo, afinal a coisa compunha-se, lá seguiram a direcção indicada mas surpreendentemente deram por eles a subir outras escadas até à superfície, estavam novamente em plena rua, estação de Nepliget atrás e estádio ao lado, as pegadas continuavam pela passadeira dos peões até ao outro lado da avenida e que remédio, lá continuaram até que pararam estupefactos numa paragem de autocarro, nada de metro, uma simples paragem de autocarro!
-Só podem estar a gozar, f*da-se! - gritou Palmilha não aguentando mais... " O mundo às vezes é mesmo cão!", pensou enquanto olhava para um lado e para o outro, nada de entradas subterrâneas com placas indicadoras de metro, apenas as pegadas que inexplicavelmente paravam ali. Vinha a chegar um autocarro que parou naquele exacto sitio, saíram duas ou três pessoas e o motorista ainda olhou para eles um instante antes de arrancar não sem antes Palmilha reparar numa placa a informar "in substitution of Metro"... Foi então que reparou num papel colado na paragem que em bom inglês informava que a linha do metro estava encerrada para obras e que as viagens eram asseguradas por autocarros...    



"O cão no metro" -  Kossuth ter, Budapeste - Jean-Charles Forgeronne 

Entraram no autocarro seguinte, validaram os bilhetes, acomodaram-se o melhor que puderam e lá seguiram viagem, Maria olhando para Palmilha, este olhando para todo o lado, especialmente para as ininteligíveis informações electrónicas que eram lançadas a cada paragem, aqueles termos húngaros eram demais, também não tinha tempo e devido aos solavancos da viatura demasiado voraz nem havia condições para tirar da mochila mapas e notas, bem olhava ele lá para fora à procura de um ponto de referência mas nem rio, nem monumentos, nem nada, eram só avenidas e boulevards uns a seguir aos outros e o melhor era mesmo deixarem-se ir... Mas Palmilha havia reparado entretanto com alívio que o destino daquele autocarro-metropolitano era a Erzsébet ter, uma praça importante e que constava da sua lista obrigatória de visitas, ademais era dali que partiam os autocarros directos para o aeroporto, assim, do mal o menos, ficava já referenciada e ainda por cima lembrava-se bem das suas pesquisas que dali até casa bastava subir a rua Király... Difícil foi depois explicar à Maria o porquê de terem de percorrer quilómetro e meio a pé de bagagem às costas, com a fome a apertar e duas preciosas horas de tempo perdido para compensar, tudo culpa de um metropolitano desaparecido...


João Pena-Seca

(Escritor de Valmedo)

 

FOTOBIOGRAFIA DE UM RIO - VII


O DANÚBIO - III


"BUDAPESTE é a mais bela cidade do DANÚBIO; uma sábia auto-encenação, como Viena, mas com uma substância robusta e uma vitalidade desconhecida da sua rival austríaca", escreveu Cláudio Magris há três décadas e meia e tal como a cidade essa imagem continua intemporal... E o tempo é relativo em Budapeste, tanto podemos ter a noção de que estamos acelerados em relação ao fluxo cósmico porque a cidade vive a um ritmo agitado e em que se sente a excitação a pairar no ar pronta para nos agarrar como, noutra dimensão, podemos sentirmo-nos parados na história da Europa de tal forma ela respira em cada praça, nos boulevards, nas fachadas, nos passeios ao longo do rio que corre largo e tranquilo e onde a vida o acompanha despreocupada, alegre e gloriosa... Dizem que esse encanto de Budapeste se deve ao seu sangue vadio, fruto da mistura de povos do oriente e do ocidente que as migrações e as conquistas ali fizeram cruzar numa miscelânea cultural ímpar. 


"De Buda para Peste" - Jean-Charles Forgeronne


Budapeste é mais do que uma cidade, de facto são três cidades reféns do Danúbio que ora as separou durante séculos como as uniu numa só a partir de 1873, Óbuda e Buda situadas na margem oeste e montanhosa com as suas nove colinas de onde impera o seu castelo altaneiro e Peste, uma metrópole mercantilista que se estende pela planície da margem leste, e ainda hoje, apesar de juntas, cada uma continua com a sua identidade própria... De uma ou de outra margem o deleite da vista não tem limite, sejam as colinas de um lado ou sejam os icónicos monumentos do outro como o Parlamento ou a Basílica, que serão sempre os edifícios mais altos da metrópole com os seus 96 metros de altura, número transcendente para os húngaros e que honra o ano de 896 em que os magiares ocuparam o território, nenhum edifício poderá ser mais alto!



"Danúbio trágico" - Jean-Charles Forgeronne

Usufruir do rio é vital em Budapeste e mesmo que cheire a programa turístico torna-se obrigatório um passeio de barco entre a Ponte da Liberdade e a ilha Marguerita, preferencialmente ao entardecer para desfrutar da maravilhosa vista do Parlamento iluminado...


"Danúbio nocturno" -Jean-Charles Forgeronne

João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Terceiro incidente transfronteiriço

 

O MISTÉRIO DO AUTOCARRO DESAPARECIDO


Ainda bem que tinha aquela mania de fazer as suas corridinhas matinais exploratórias sempre que viajava para cidades desconhecidas, pensou para si próprio João Palmilha, agora que estavam à espera que o semáforo dos peões ficasse verde, com o enorme e novíssimo edifício do Nivy Mall do outro lado da avenida, um moderno centro comercial em cujo piso inferior se situa a nova estação internacional de autocarros de Bratislava... Na véspera, bem cedinho, tinha saído do hotel para explorar e cronometrar uma eventual deslocação a pé para a estação não fosse acontecer algo de imprevisto com os transportes públicos, uma avaria ou uma greve, fosse lá o que fosse, e ainda bem que assim tinha decidido porque depois de corridos os dois quilómetros e meio de distância tinha dado de caras com um estranho cenário, lá estava o velho e pequeno edifício da estação que conhecera três anos antes, com pouco mais do que uma meia dúzia de cadeiras, uma bilheteira e uma casa de banho, só que estava fechado e na rua não se via um único autocarro nos terminais e nem vivalma sob os respectivos resguardos! Palmilha desabafou: "Que raio?" Olhou em volta, voltou a espreitar lá para dentro, nada, tudo deserto, "Calma, tem que haver uma explicação!", tentava convencer-se e já quando se preparava para o regresso reparou então numa singela folha colada na porta ao lado e que em três curtas linhas de inglês pedia desculpa pelo incómodo mas informava que a estação estava desactivada e que tinha sido transferida para o novo edifício do outro lado da rua... "Ok, ainda bem que aqui vieste, assim poupas o susto que terias amanhã", reconfortou-se...


"A velha estação"


No espaçoso átrio do centro comercial Palmilha olhou para o relógio e tranquilizou-se, sete e quarenta e cinco da manhã, ainda tinham quase meia hora para a partida do autocarro da Flixbus e ao pensar nisso não conseguia de se sentir orgulhoso pela bela compra que tinha feito havia já três meses: uma viagem para duas pessoas entre Bratislava e Budapeste por apenas 11 euros! - "Vês, não te disse? Olha para isto, queres melhor? Passear por um moderníssimo shopping e apanhar o autocarro mesmo aqui por baixo?" - disse Palmilha para a Maria que ao seu lado ia entretida a observar as montras enquanto arrastava o trolley... Desceram nas escadas rolantes até ao piso inferior e acomodaram as malas e as mochilas nas cadeiras vazias da sala de espera, "Volto já, vou ver de que plataforma sai o autocarro" disse Palmilha enquanto entrava na porta giratória que dava acesso à estação e deixando Maria tranquilamente a observar a entrada de um Lidl de última geração ali mesmo em frente...




Palmilha regressou menos tranquilo e a olhar para os bilhetes pela milésima vez, não havia dúvida, o bus sairia às 08:20 mas porque raio não constava da lista de saídas que os monitores electrónicos à boa maneira dos aeroportos iam actualizando a cada minuto? "Que foi desta vez?" perguntou Maria detectando-lhe algum desconforto. "Não percebo como o nosso autocarro não consta da lista de saídas e os horários já lá estão até às 9, bem como as plataformas de embarque, há viagens para todo o lado, Viena, Praga, Berlim, sei lá, para todo o lado menos para Budapeste..." Então e se fosses ali à bilheteira perguntar?" "Pois já pensei nisso e já lá passei mas só abre daqui a 10 minutos, também perguntei ali a um motorista da Flixbus que só me soube dizer que não ia para Budapeste e que todos os Flixbuses saíam da plataforma 4, mas não está lá ninguém à espera e só faltam 20 minutos e ninguém a quem perguntar!". Andarilho não disse tudo o que pensava, e se aquele autocarro tivesse sido cancelado por causa daquelas mudanças todas ou, pior ainda, se houvesse ainda alguns que saíssem ainda da antiga estação, afinal os bilhetes ainda tinha a morada antiga, Rua Bottova, 7, e já imaginava que poderia ter que comprar outra viagem e sabe-se lá se conseguiria bilhetes e para que horas e ainda por cima era sábado, todo o programa do dia em Budapeste estava em perigo eminente, o cruzeiro pelo Danúbio, o passeio à ilha Marguerita, o jantar tranquilo numa esplanada perto do rio...  Ainda a sisuda funcionária com cara de Navratilova se acomodava na cadeira e abria a portinhola do guichet da Slovak Lines e já Palmilha lhe perguntava enquanto lhe mostrava o bilhete:

  - Good morning, can you tell me why this bus is not showned in the list of departures?

A mulher olhou para o bilhete, olhou para Palmilha e nem se dignando pesquisar algo no computador respondeu:

- I don't know but pear of Flixbus is the number 4...

- Can you tell if there is a cancelation?

-You must contact your operator, sir, the Flixbus...



"Blind like a Napoleon soldier" - Jean-Charles Forgeronne

Enquanto virava costas Palmilha ainda desabafou "Esta não vai morrer tão depressa por excesso de simpatia!"... E lá foram para a plataforma 4, faltavam apenas 10 minutos e no quadro luminoso definitivamente continuava a não existir nenhuma viagem para Budapeste... Entretanto outros passageiros com ar de perdidos aproximavam-se e olhavam para o quadro, depois olhavam em volta e depois voltavam a sair quase de certeza à procura de informações e depois voltavam novamente com ar de inseguro... Faltavam agora 2 minutos para hora certa e ouviu a Maria dizer "Olha vem ali um!" e de facto um autocarro verdinho tinha entrado na estação mas parou muito antes da linha 4, seria aquele? Não, não devia ser aquele porque entretanto saíam passageiros, ele estava a chegar... Já o desalento voltava a invadir Palmilha quando afinal aquele mesmo autocarro iniciou a marcha para parar então mesmo à frente deles, era ele e depois do check-in feito lá subiram para o primeiro andar onde o mistério ficou resolvido, muitos lugares ocupados por jovens a dormir como podiam e que já deviam vir de muito longe, afinal o autocarro não partia de Bratislava apenas ali fazia uma paragem!

- "Estes gajos são mesmo esquisitos, o que é que lhes custava colocar a informação sobre todos os autocarros que daqui saem, directos ou não?"


João Pena-Seca

(Escritor de Valmedo)

 

"Bratislava" - Jean-Charles Forgeronne

 

TASCAS E ANTROS DE PRAZER - XIV


EMBANDEIRAR NO FLAGSHIP


A entrada não denuncia a enorme surpresa que é o deslumbrante espaço interior, depois de atravessar um labiríntico corredor recheado de artefactos históricos, paredes ornamentadas com brasões de condes e castelos, móveis de madeira ancestral a que o caruncho não chega, pinturas da cidade antiga a revestir o tecto e até uma pequena destilaria de onde se adivinha sair um belo pivo, chego então ao restaurante depois de subir umas escadas dignas de um palácio e este novel comensal se não abriu inadvertidamente a boca de espanto então abriu os olhos de surpresa: estou perante um dos maiores restaurantes de toda a Europa! A primeira impressão que me assaltou é que estava no interior de um enorme navio, daí o seu nome, a nobre e escura madeira impera nas mesas corridas, nos balcões, nas escadas, por todo o lado, e para onde quer que olhe lá estão as omnipresentes bandeiras; a segunda impressão que tive, depois de ter reparado numa boca de cena para a qual ainda pende uma escarlate cortina e ao olhar para o piso superior, uma espécie de balcão que rodeia todo o salão, é que estava num antigo teatro e a verdade não andava longe...    
Afinal, aquele edifício tinha sido transformado em cineteatro durante as décadas de vigência comunista em Brastilava e muito antes disso e originalmente tinha sido um asilo da venerável Ordem Hospitaleira de São João de Deus, fundada em 1572 pelo santo português nascido em Montemor-o-Novo! E ali estava eu a mais de 3000 quilómetros de Valmedo e no entanto a sentir o fluir da energia da pátria lusitana em cada pedra, em cada canto daquele lugar onde outrora se prestavam serviços de saúde e assistência aos mais miseráveis...




Restaurácia Flagship - Bratislavska


 Bom, mas falemos então da gastronomia eslovaca onde o porco é rei de mil e uma maneiras e que se pode encontrar e a preceito no Flagship, tanto nas famosas salsichas como no entrecosto grelhado agridoce ou então guisado com repolho, outro ingrediente fulcral em todos os pratos da região, já para não falar do alho que é obrigatório em todo o acepipe e que tem a sua maior expressão na deliciosa e icónica sopa de creme de alho servida num pão... Delícia, para quem gosta de alho!




"Tábua de salsichas"



"Entrecosto grelhado"



"Sopa cremosa de alho"


E claro, tudo acompanhado de um caneco de pivo, branco ou preto! Bon appétit...



João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

 

ENCONTROS IMEDIATOS COM ESCRITORES - VII


HANS CHRISTIAN ANDERSEN E A CIDADE ENCANTADA


A praça tem um nome impronunciável para um latino, Hviezdoslavovo, e chama-se assim em homenagem a Pavol Országh Hviezdoslav, um dos maiores vultos da poesia eslovaca e não estranha pois que uma imponente estátua sua domine o centro do vasto espaço... Estamos em pleno centro de Bratislava, na chamada parte velha da cidade, a poucos passos da margem esquerda do Danúbio e o curioso caminhante que por ali rondar depois de admirar pela centésima vez a magnética alvura do Castelo lá no alto da colina não deixará de ser surpreendido por outra estátua, mais pequena mas não por isso menos bela e interessante, arrumada a um canto da tranquila praça e que quase passa despercebida aos mais distraídos, "Que faz aqui o Hans Christian Andersen?" poderá interrogar-se, afinal estamos muito longe do reino da Dinamarca...   



"Hans Christian Andersen" - Tibor Bartfay - (Foto:Jean-Charles Forgeronne) 

  
Reza a história que o grande escritor e contista dinamarquês visitou Bratislava apenas uma vez na vida, em 1841, mas que para além da inspiração que daqui levou  terá ficado tão impressionado com a beleza da cidade ao ponto dos seus elogios terem corrido o mundo... Terá alguém então lhe perguntado se não iria escrever um conto de fadas que tivesse como cenário Bratislava ao que o mestre terá respondido: "Não é preciso, se quer um conto de fadas a sua cidade já ela é um autêntico conto de fadas"... A cidade retribuiu-lhe a homenagem em 2006 pela mão do escultor Tibor Bartfay, a célebre estátua em que o autor de tantos contos imortais como "A Pequena Sereia", "O Soldadinho de Chumbo" ou "O Patinho Feio" nos aparece acompanhado das pequenas criaturas personagens dos seus contos... E reza a lenda que dá sorte tocar-lhe na mão, quem sabe a vida não se tornará um conto de fadas a partir desse momento!


João Palmilha

(Viajante de Valmedo) 

 

"O Hrad" - Jean-Charles Forgeronne

"O Hrad, o castelo, levanta-se sobre Bratislava com os seus poderosos torreões e a sua simetria vigorosa, uma fortaleza maciça que conjuga uma rude e inabalável fidelidade de sentinela a uma distância fabulosa. A Eslováquia está semeada de fortalezas, torres, residências senhoriais, com os castelos inatacáveis no alto de montanhas e colinas, com as suas ameias de Disneylândia embora autênticas..."

in "Danúbio", Cláudio Magris

 


"Sentado no Hrad ao amanhecer..." - Jean-Charles Forgeronne


terça-feira, 2 de novembro de 2021


FOTOBIOGRAFIA DE UM RIO - VI 


O DANÚBIO - II


Talvez seja a cidade em todo o mundo que seja conhecida por ter tido mais nomes, os gregos chamaram-lhe Istrópolis (literalmente "Cidade do Danúbio"), depois passou a ser  Posonium para os romanos e que aí construíram um castro e posto avançado sobre o DANÚBIO e por isso ainda hoje os húngaros lhe chamam Poznozy, os alemães baptizaram-na como Pressburg, os franceses conheceram-na como Presbourg mas para os eslovacos sempre foi e para sempre será BRATISLAVA, nome com origem em Brezalauspurc, assim se chamava a cidade a partir do século X e que literalmente significa "Castelo de Braslav", um príncipe eslavo que reinou na região durante o século IX... Como se não bastasse, hoje em dia noutras regiões do país tratam a cidade como BLAVA...


 

"Novy Most" - Bratislava, Jean-Charles Forgeronne


Outra característica distintiva de Bratislava é o facto de ser a única cidade e capital europeia que faz fronteira com dois países, Áustria e Hungria, e para isso contribui o Danúbio, ele próprio a fronteira durante grande parte do seu percurso e sendo o rio há séculos uma das principais artérias fluviais da Europa isso tornou a cidade num grande nó de comunicações, não só através do seu porto mas também a nível rodoviário...  Quando chega a Bratislava, o Danúbio é largo, sereno, imponente, belo, nem sempre azul mas sempre mágico, fluindo por entre montanhas e colinas, por entre castelos e séculos de história e aqui chama-se Dunaj... 



"Sereno amanhecer em Bratislava" - Jean-Charles Forgeronne


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Segundo incidente transfronteiriço...

 

YOU CAN'T GO OUT! YOU NEED A PASSPORT!


- FODA-SE!!! Outra vez? Estão a mangar comigo?!!!

Desta vez o desabafo de João Palmilha foi em bom português e ainda mais sonoro, estava ele há uns bons cinco minutos a travar-se de argumentos com o irritante rapaz da bilheteira da estação de autocarros de Erdberg, às portas de Viena... Dizia a seráfica e antipática criatura do outro lado do guichet que era preciso passaporte para ir para Bratislava, que assim não lhe podia vender o bilhete, que o melhor era ir de comboio porque aí havia menos controlo fronteiriço, que talvez aí se safasse...


"Catedral de Viena" - Jean-Charles Forgeronne


Ripostava Palmilha no melhor inglês que descobria que não percebia o que se estava a passar, era cidadão da Comunidade Europeia, não precisava de passaporte para viajar entre os países da mesma, aliás, no dia anterior tinha viajado do aeroporto de Viena para Bratislava e bastou-lhe apresentar o Cartão de Cidadão... E naquela manhã mesmo tinha viajado de Bratislava para Viena! "Que porra!"- desabafou...  E o outro teimava: "You need a passport!!!"  Palmilha virou costas ao sujeito, olhou para a rua onde a sua Maria o olhava preocupada, "afinal o que se passa?" parecia ela perguntar com um encolher de ombros e já num acto de desespero disse ao mesmo tempo que encostava o milagroso papel ao  guichet:

And I have a Vaccination Certificate, for Christ's sake!

E o outro, impassível:

- Sorry, I can't give you a ticket... 

- But you have my Identity Card! - gritou Palmilha o mais que pôde!

- No! You gave me your Licence Drive! - gritou o  outro fazendo peito e abrindo os olhos enquanto lhe espetava o documento pelo plástico do guichet afora...

Palmilha, incrédulo, foi ao bolso, pegou na carteira e vendo que do compartimento onde era suposto estar a carta de condução lhe saiu o cartão de cidadão, engoliu o sapo, apresentou o documento, arranjou coragem para enfrentar o olhar do funcionário, pediu desculpa em voz trémula, pagou o que tinha a pagar, pegou no bilhete e seguiu viagem... Nessa noite, Maria achou-o com falta de apetite e pouco falador, talvez se devesse ao cansaço da viagem, pensou...


"Karlskirche" - Viena - Jean-Charles Forgeronne


João Pena-Seca

(Escritor de Valmedo)


 


"Belvedere"  - Viena - Jean-Charles Forgeronne


A capital dos cemitérios

 

CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - XXXIV


PROCURA-SE: VIVO OU MORTO!


Com os seus mais de cinquenta santos campos VIENA ostenta o glorioso título de Capital dos Cemitérios e tem-los para todos os gostos, desde o imperial Cemitério Central ao lúgubre e curioso Cemitério dos Sem Nome... O primeiro, com os seus 2.5 Km de área composta de campas e floresta é o segundo maior da Europa em tamanho mas ocupa o primeiro lugar em número de sepulturas e que por ser tão grande obriga a que madrugada ainda e antes da abertura ao público seja um campo de caça, caçadores autorizados decretam guerra a faisões, lebres e coelhos, tudo em nome da defesa dos túmulos e das flores por ali depositadas; o segundo, perdido nos arrabaldes da grande metrópole e à beira do rio, é talvez o mais triste de todos porque alberga os cadáveres de pessoas não identificadas que morreram afogadas no Danúbio, sabe-se lá porque razão...  


"Mozart vivo", Burggarten, Viena - Jean-Charles Forgeronne

É sabido que os vienenses adoram cemitérios mas não suportam funerais, comportamento que mereceria talvez ter sido estudado pelos mestres psicanalistas austríacos do início do século XX como Sigmund Freud, Viktor Frankl ou Wilhem Reich, mas essa fobia vienense já tinha sido abordada anteriormente em 1874 por uns tais Felbinger e Hudetz que investiram num projecto de enterros por correio pneumático! A coisa funcionaria assim: os defuntos seriam despachados em cápsulas directamente ao longo de quilómetros de uma conduta pneumática accionada por ar comprimido e que despejaria os restos mortais na sepultura que lhes era destinada! A ideia, autêntica ficção científica para a época, infelizmente não foi para a frente devido aos elevados custos para um sepultamento: um milhão de florins! Ficaram os vienenses a perder, lá tiveram que suportar o imenso desconforto dos funerais dos entes queridos até hoje...



"Mozart morto", St. Marx Friedhof, Viena - Photo by Wikimedia

E hoje, a propósito porque é dia de santos mortos e véspera de outros humildes finados idos e futuros, que a grande roda da vida e da morte não pára, viajemos até ao cemitério de St. Marx, na periferia de Viena, e onde, assim que entramos, damos de caras com um monumento que homenageia MOZART, simplesmente um dos seres humanos mais brilhantes que pisaram este planeta do mundo-cão... De facto nem chega a ser um monumento, é mais uma farsa e uma paródia, apoiado numa coluna partida um anjo com um archote caído e a mão pensativa na cabeça aponta supostamente para o sítio onde o grande mestre foi enterrado, só que é mentira!


"Enterro de Mozart" - Autor desconhecido, Séc XIX - Museu Karlsplatz - Viena

Ninguém sabe hoje onde foi sepultado MOZART e dão-se alvíssaras a quem o descobrir, o génio que compôs mais de 40 sinfonias, 11 óperas, 27 concertos para piano e uma enorme quantidade de músicas de outros tipos, esquecido e abandonado nos seus últimos anos de vida porque estava falido e doente, morreu com apenas 35 anos de idade e foi sepultado numa vala comum, como qualquer miserável sem nome... Os seus restos mortais continuam em parte incerta e consta que no seu funeral apenas um cão acompanhava o cortejo fúnebre!


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)