O MISTÉRIO DO AUTOCARRO DESAPARECIDO
Ainda bem que tinha aquela mania de fazer as suas corridinhas matinais exploratórias sempre que viajava para cidades desconhecidas, pensou para si próprio João Palmilha, agora que estavam à espera que o semáforo dos peões ficasse verde, com o enorme e novíssimo edifício do Nivy Mall do outro lado da avenida, um moderno centro comercial em cujo piso inferior se situa a nova estação internacional de autocarros de Bratislava... Na véspera, bem cedinho, tinha saído do hotel para explorar e cronometrar uma eventual deslocação a pé para a estação não fosse acontecer algo de imprevisto com os transportes públicos, uma avaria ou uma greve, fosse lá o que fosse, e ainda bem que assim tinha decidido porque depois de corridos os dois quilómetros e meio de distância tinha dado de caras com um estranho cenário, lá estava o velho e pequeno edifício da estação que conhecera três anos antes, com pouco mais do que uma meia dúzia de cadeiras, uma bilheteira e uma casa de banho, só que estava fechado e na rua não se via um único autocarro nos terminais e nem vivalma sob os respectivos resguardos! Palmilha desabafou: "Que raio?" Olhou em volta, voltou a espreitar lá para dentro, nada, tudo deserto, "Calma, tem que haver uma explicação!", tentava convencer-se e já quando se preparava para o regresso reparou então numa singela folha colada na porta ao lado e que em três curtas linhas de inglês pedia desculpa pelo incómodo mas informava que a estação estava desactivada e que tinha sido transferida para o novo edifício do outro lado da rua... "Ok, ainda bem que aqui vieste, assim poupas o susto que terias amanhã", reconfortou-se...
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"A velha estação" |
No espaçoso átrio do centro comercial Palmilha olhou para o relógio e tranquilizou-se, sete e quarenta e cinco da manhã, ainda tinham quase meia hora para a partida do autocarro da Flixbus e ao pensar nisso não conseguia de se sentir orgulhoso pela bela compra que tinha feito havia já três meses: uma viagem para duas pessoas entre Bratislava e Budapeste por apenas 11 euros! - "Vês, não te disse? Olha para isto, queres melhor? Passear por um moderníssimo shopping e apanhar o autocarro mesmo aqui por baixo?" - disse Palmilha para a Maria que ao seu lado ia entretida a observar as montras enquanto arrastava o trolley... Desceram nas escadas rolantes até ao piso inferior e acomodaram as malas e as mochilas nas cadeiras vazias da sala de espera, "Volto já, vou ver de que plataforma sai o autocarro" disse Palmilha enquanto entrava na porta giratória que dava acesso à estação e deixando Maria tranquilamente a observar a entrada de um Lidl de última geração ali mesmo em frente...
Palmilha regressou menos tranquilo e a olhar para os bilhetes pela milésima vez, não havia dúvida, o bus sairia às 08:20 mas porque raio não constava da lista de saídas que os monitores electrónicos à boa maneira dos aeroportos iam actualizando a cada minuto? "Que foi desta vez?" perguntou Maria detectando-lhe algum desconforto. "Não percebo como o nosso autocarro não consta da lista de saídas e os horários já lá estão até às 9, bem como as plataformas de embarque, há viagens para todo o lado, Viena, Praga, Berlim, sei lá, para todo o lado menos para Budapeste..." Então e se fosses ali à bilheteira perguntar?" "Pois já pensei nisso e já lá passei mas só abre daqui a 10 minutos, também perguntei ali a um motorista da Flixbus que só me soube dizer que não ia para Budapeste e que todos os Flixbuses saíam da plataforma 4, mas não está lá ninguém à espera e só faltam 20 minutos e ninguém a quem perguntar!". Andarilho não disse tudo o que pensava, e se aquele autocarro tivesse sido cancelado por causa daquelas mudanças todas ou, pior ainda, se houvesse ainda alguns que saíssem ainda da antiga estação, afinal os bilhetes ainda tinha a morada antiga, Rua Bottova, 7, e já imaginava que poderia ter que comprar outra viagem e sabe-se lá se conseguiria bilhetes e para que horas e ainda por cima era sábado, todo o programa do dia em Budapeste estava em perigo eminente, o cruzeiro pelo Danúbio, o passeio à ilha Marguerita, o jantar tranquilo numa esplanada perto do rio... Ainda a sisuda funcionária com cara de Navratilova se acomodava na cadeira e abria a portinhola do guichet da Slovak Lines e já Palmilha lhe perguntava enquanto lhe mostrava o bilhete:
- Good morning, can you tell me why this bus is not showned in the list of departures?
A mulher olhou para o bilhete, olhou para Palmilha e nem se dignando pesquisar algo no computador respondeu:
- I don't know but pear of Flixbus is the number 4...
- Can you tell if there is a cancelation?
-You must contact your operator, sir, the Flixbus...
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"Blind like a Napoleon soldier" - Jean-Charles Forgeronne |
Enquanto virava costas Palmilha ainda desabafou "Esta não vai morrer tão depressa por excesso de simpatia!"... E lá foram para a plataforma 4, faltavam apenas 10 minutos e no quadro luminoso definitivamente continuava a não existir nenhuma viagem para Budapeste... Entretanto outros passageiros com ar de perdidos aproximavam-se e olhavam para o quadro, depois olhavam em volta e depois voltavam a sair quase de certeza à procura de informações e depois voltavam novamente com ar de inseguro... Faltavam agora 2 minutos para hora certa e ouviu a Maria dizer "Olha vem ali um!" e de facto um autocarro verdinho tinha entrado na estação mas parou muito antes da linha 4, seria aquele? Não, não devia ser aquele porque entretanto saíam passageiros, ele estava a chegar... Já o desalento voltava a invadir Palmilha quando afinal aquele mesmo autocarro iniciou a marcha para parar então mesmo à frente deles, era ele e depois do check-in feito lá subiram para o primeiro andar onde o mistério ficou resolvido, muitos lugares ocupados por jovens a dormir como podiam e que já deviam vir de muito longe, afinal o autocarro não partia de Bratislava apenas ali fazia uma paragem!
- "Estes gajos são mesmo esquisitos, o que é que lhes custava colocar a informação sobre todos os autocarros que daqui saem, directos ou não?"
João Pena-Seca
(Escritor de Valmedo)