quinta-feira, 17 de junho de 2021

Padrinho

 

O MEU AFILHADO BOND


Enquanto eu corria que nem um louco da parede ao muro e do muro à parede ladrando para o carteiro que chegava na sua irritante máquina barulhenta, cumprimento usual entre nós, o J.C, que por acaso também vinha a chegar da sua corridinha matinal, entre bons dias e qualquer coisa que percebi como "ele só ladra, não morde, é um coração mole, se lhe fizer uma festinha vai ver que ele se derrete!", recebeu uma carta do meu amigo de estimação e enquanto a lambreta se afastava desconfiada parou, olhou para o envelope, virou-o outra vez e leu novamente com aquele ar de surpresa como costuma fazer quando descobre um xixi meu fora do sítio: "Olha JAMES, é para ti! Recebeste uma carta!"
- Para mim? Só pode ser engano! - respondi de chofre... - Desde quando os cães recebem cartas? - reforcei, botando ar de intrigado mas já a pressentir sarilhos, já me vinha à ideia aquela impertinente gata preta da vizinha, de coleira ao pescoço e guizo insuportável e que uma bela manhã desleixadamente se aproximou demasiado do meu território e a quem ferrei os dentes, ao de leve ficara eu convencido mas agora, com esta novidade, pensava eu se a coisa descambara para o sério e a bichita teria ficado com ferimentos graves, viria a caminho um processo judicial? 






- Pois, mas é mesmo para ti... Vais ser padrinho!

- O quê?

- Fica sabendo que a tua irmã BOLOTA, filha como tu do King e da Blackie, deu à luz um rapagão tal qual tu e escolheu-te como padrinho, vais ter de escolher um nome para ele e ser como um segundo pai, acompanhá-lo na seu crescimento e estar sempre presente quando ele precisar de ajuda...


E quando vi as fotos que chegaram naquele envelope, amigos caninos, então o meu coração derreteu mesmo, que maravilhosa criatura era aquela, tão parecida comigo afinal, ainda hoje quando sorrateiramente consigo entrar no escritório do J.C lá vislumbro uma fotografia minha com a mesma idade e tão parecida...





- Então, como vais chamar a este biscoitinho teu afilhado?

- BOND! James Bond! - respondi inconscientemente, mas afinal que outro nome mais apropriado?

E assim, amigos caninos, a nossa vida pode mudar num instante sem que nada possamos fazer para o evitar, esta existência não depende apenas de nós e agora, eu que ainda não sou pai, penso tanto em mim como no Bond, quem diria, sinto-me como se tivesse sido pai, e tantas são as coisas que tenho para lhe ensinar, meu deus canino, que nem sei por onde começar...  Bom, talvez seja melhor começar pelo princípio, era uma vez uma inocente criatura que desperta num perigoso mundo-cão...




James

(Cão de Valmedo)

Love Life

 

LENTO SE FAZ O LUMINOSO CAMINHO...


São dez para as nove da noite deste 15 de Junho de 2021 e eu e o meu amigo Andarilho, embora  epidemiologicamente separados em filas diferentes, achámo-nos confortavelmente sentados no Teatro Maria Matos aguardando a ansiada actuação de uma banda cujo nome o tempo se encarregou de legitimar, SEAN RILEY and THE SLOWRIDERS! De facto, estes vagarosos aventureiros, como diria o eterno trovador, lentamente vieram de longe, de muito longe e o que andaram para aqui chegar, senhor, e vão para longe, muito longe certamente porque não há limite para o génio e para o sonho...




Sean Riley é um alter-ego nascido da cabeça delirante de um então muito jovem estudante em Coimbra, Afonso Rodrigues, um apaixonado pela música e que compulsivamente ia compondo canções sem público destinado no recato do seu quarto até ao dia em que uma cassete sua seria descoberta por Bruno Simões, figura então carismática da Rádio Universidade de Coimbra e onde todos se cruzaram, Afonso, Bruno e também Filipe Costa, os três amigos e originais Slowriders e que, movidos pelo gosto comum pelo folk/rock/blues e pelo prazer de tocar, ainda bem que acharam que se deveriam juntar para fazer música... 


Longo foi o caminho percorrido lentamente até aqui, como convém porque a pressa só complica e desvirtua as coisas, desde o primeiro concerto da banda em 2006 improvisado do nada e que impulsionou o sonho e daí até ao primeiro álbum, Fareweel, lançado no ano seguinte e que foi não só apenas mais um passo mas um grande salto, o disco tornar-se-ia numa obra de culto para muitos... Emoções fortes e primárias, assim pode ser definido o caminho para a luz desta malta, alegrias e mágoas, êxtases e tragédias, alegria de viver e medo do além, tudo se mistura em mais de 15 anos de histórias das quais, a mais marcante e incontornável porque para sempre será dolorosa, o desaparecimento do Bruno Simões, sem aviso e sem consolo, um carro abandonado em cima da ponte de porta aberta e chave na ignição, um músico misteriosamente desaparecido, assim relatavam as notícias em Junho de 2016...






Caramba, pensava eu enquanto não começava o show, a ironia do caminho do destino, exactamente há 5 anos atrás, 18 de Junho de 2016, continuava o Bruno desaparecido há dias, decorria o Euro em França e Portugal empatava 0-0 com a Áustria, resultado azedo devido à confrangedora exibição da selecção e a um penalty falhado pelo Ronaldo, ainda por cima ele que é especialista, mas ironia das ironias sem saber ler nem escrever acabamos por sermos campeões da Europa! Estou arrepiado agora, fecho os olhos e quando os abro vejo o palco escuro aguardando os lentos cavaleiros, aqui estou eu ainda arrotando aos caracóis que eu e o Andarilho petiscamos durante a tarde numa esplanada do Parque das Nações espreitando o ecrã para ver o Portugal-Hungria do Euro 2021 mas sem grande sucesso, a imagem não era nítida, valeu a conversa sobre o Chile, a Gabriela Mistral e outros tesouros, mas tudo acabou em bem, ganhámos à Hungria por 3 e desta vez até Ronaldo marcou de penalty, fez-se finalmente justiça... E depois, entre acidentes com amplificadores, discursos motivacionais e muita ironia à mistura, aconteceu o inevitável, um espectáculo feito de luzes e magia, de segurança e maturidade... Viva a vida, enfim!





LOVE LIFE, amor e vida, amor pela vida, usufruir a vida, que mais há afinal? Canções luminosas, prazer sem limites, afinal valeu a pena percorrer tanto caminho, música para a eternidade, a saborear lentamente... 


Love Life



João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

terça-feira, 15 de junho de 2021

SRV

 

EFEMÉRIDE # - 89


A INUNDAÇÃO DO PLANETA


Passam hoje exactos 38 anos sobre o lançamento de "Texas Flood", o primeiro álbum de Stevie Ray Vaughan, SRV para os mais íntimos, e muito mais do que um disco de estreia foi uma boa catástrofe que aconteceu ao marasmático planeta musical de então... Stevie era já então uma lenda da guitarra no seu Texas natal e o impacto das suas actuações era tal que ele e a sua banda (os Double Trouble, formados por Chris Layton na bateria e Tommy Shannon no baixo) foram os primeiros músicos sem qualquer disco gravado a exibirem-se no conceituado Montreux Jazz Festival! E foi aí em Montreux que um espantado David Bowie conheceu SRV e quando em 1983 regressou para agitar as águas com "Let's Dance" quem melhor achou o camaleão para os icónicos acordes de temas como "China Girl"? Poucos meses depois de ter participado no álbum de Bowie saía "Texas Flood" e com isso Stevie Ray Vaughan largou amarras e inundou todo o planeta com a sua mestria e o seu blues-rock, ele que anos mais tarde seria considerado um dos melhores guitarristas de sempre!




Stevie Ray Vaughan partiu cedo, aos 36 anos, num estúpido acidente de helicóptero em que nem era suposto viajar, inglória coincidência deste surreal mundo-cão , ficamos todos a perder os anos de acordes mágicos a que teríamos direito... E agora boa noite que vai tocar o "Pride and Joy"...   


SRV - "Pride and Joy"




João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

domingo, 13 de junho de 2021

A noite passada

 

DREAM PEOPLE, REAL PEOPLE...


Esta manhã acordei a sonhar com a noite passada e com a lembrança das belas palavras do Sérgio Godinho, ali estavam elas coladas ao tecto do meu silencioso quarto a pairar sobre os meus ainda atordoados olhos:

"A noite passada um paredão ruiu
Pela fresta aberta o meu peito fugiu
Estavas do outro lado a tricotar janelas
Vias-me em segredo ao debruçares-te nelas
Cheguei-me e disse baixinho: Olá!
Toquei-te no ombro e a marca ficou lá...

O sol inteiro caiu entre os montes
E então olhaste
Depois sorriste
Disseste: Ainda bem que voltaste!"






Mas depois a coisa ganhou sentido ao lembrar-me que a noite passada tinha sido mesmo especial, eu o meu amigo Andarilho tínhamos voltado ao Bang Venue após meses de viral afastamento e ao matar essa dolorosa ausência senti-me como que a derrubar esse pandémico paredão que teima em isolar-nos das boas convivências: "Ainda bem que voltaste!" - ouviu-se dizer... E esse regresso que há pouco tempo era um sonho tornou-se realidade, voltamos para ouvir e estar com pessoas sonhadoras e pessoas de sonho, os DREAM PEOPLE, jovem banda lisboeta que apresentou ao vivo o seu mais recente álbum chamado "Almost young", um manifesto sobre o tempo e o conturbado adeus à juventude  e em que ficou patente a identidade da banda, um dream pop como alguém os catalogou mas que pareceu ir além disso, música profunda e multicolorida onde se explanam os medos e as angústias mas também as paixões, a solidão e claro, o amor, enfim, a vida passada e futura, os sonhos ao fim e ao cabo, quem não sonha não vive disse um dia um filósofo de Valmedo... E como lançou timidamente o Francisco Taveira, o vocalista, aquele foi um encontro entre dream people real people, entre jovens adultos sonhadores e a bem composta assistência, adulta e saudosa das emoções da juventude e que por isso rapidamente se deixou levar pelo onírico som e começou a sonhar alto também, de resto só ficou um reparo acústico, as palavras afogavam-se por vezes no caleidoscópico som dos instrumentos mas valeu bem a noite, aqueles jovens prometem e muito, a seguir atentamente os seus sonhos e as suas dores de crescimento...







DREAM PEOPLE - People thinkk









E depois, como nos sonhos, a noite compôs-se, acabou-se a falar de músicas e de filmes de uma vida, de sonhos, afinal que mais há?

 

João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

 

ESCRITO NA PAREDE - XIV





Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

terça-feira, 8 de junho de 2021

Esquilo

 

"ESQUILO" - Bordalo II - Tagus Park, Oeiras

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

The squirrel

 

"The Squirrel" - Photo by Pedro Batim

Fotografia do gozo

 


LEICESTER, O ESQUILO E O FOTÓGRAFO...

OU

O ESQUILO HUMILHADOR DE FOTÓGRAFOS


Neste preciso momento em que os meus dois indicadores começam a martelar o pobre teclado do meu desktop eis que me assaltam em catadupa mil e uma emoções cruzadas que me fazem parar para tentar pôr as ideais em ordem                                                     PRONTO! Desculpem, voltei depois de fechar os olhos, respirar o mais fundo que me foi possível e, de cérebro oxigenado (espero) vamos lá então a isto: a culpa é toda de um miserável esquilo-vermelho!  Pronto, tive que o dizer porque é a verdade absoluta, durante semanas e semanas demandei nas minhas corridas matinais o chamado pinhal da câmara onde em 2018 foi instalado o DINO PARQUE da Lourinhã para tentar criar amizade e fotografar um par de esquilos que uma bela manhã surpreendi no meio da floresta a bebericar duma poça de água fresquinha criada pela chuvada nocturna, só que assim que puxei do telemóvel para o retrato já eles fugiam cada um para seu lado, treparam aos pinheiros e saltavam dos ramos frágeis para outros ramos ainda mais frágeis e de repente, de objectiva a cegar-me os olhos, deixei de os ver no meio daquela cruel sombra que os protegia, nem um disparo para amostra...  Raios! Fuck, diria se estivesse em Leicester... Mas o orgulho fala sempre mais alto e curioso lá fui pesquisar quando cheguei a casa e constatei que aqueles par de bichos, fossem eles um casal de família feita ou a fazer, amigos em paródia ou apenas amigas ou amigos coloridos, eram uns dignos representantes da espécie Sciurus vulgaris, mais conhecido entre nós por esquilo-vermelho... E no dia seguinte  e durante muitos dias seguintes percebi perfeitamente a sapiência de quem há muitos séculos assim baptizou aqueles bichos, é que o grego sciurus significa "sentado à sombra da sua cauda", de skia (sombra) e oura (cauda), e sombra não foi o que me faltou desde então! 





Sempre que voltei a encarar aqueles esquivos esquilos e isso, repare-se, só acontecia de tempos a tempos, eles lá devem ter a sua agenda muito preenchida e que eu ainda não percebi até hoje, sempre que a sorte me sorria lá retratava eu com fúria e ânimo, com alguns percalços á mistura porque de tanto nariz ao alto várias vezes me estatelei ao tropeçar em calhaus e ramos. desta é que é, lembro-me de pensar na curta viagem até casa mas depois, fotos descarregadas, era a desilusão completa, nem com auxiliares de luz, contraste, brilho ou outra coisa qualquer, era desastre após desastre, apenas uma sombra entre sombras, agora era-me evidente porque o raio da criatura é vermelha e é-o porque assim se confunde na perfeição com os ramos acastanhados dos pinheiros... Ainda se o bicho fosse de outra cor, branco ou cinzento, lembro-me de ter gritado por vezes para os espíritos da floresta... Como era possível não conseguir uma foto de jeito? Ainda por cima eles lá ficavam algum tempo quietos a desafiar-me, até pareciam estar a posar mas depois, no final era sempre o mesmo, umas silhuetas escuras dissimuladas nas sombras das árvores...  





E é então que já desistente, derrotado e frustrado algo acontece, cai-me nas mãos uma foto do meu caro amigo Pedro Batim que há anos vive em LEICESTER, ele fotógrafo como eu, embora amador porque o seu dom e mester principal é criar moda, (is a really fashion designer, do you know?), em que ele mostra ao mundo o seu squirrel de estimação da cinzenta espécie Sciurus carolinensis oriunda da América do Norte, pelos vistos um pacato e amigável esquilo que vem ao seu jardim amiúde dar os bons dias e comer o breakfast e que ainda para mais posa para o retrato com a maior tranquilidade! Que traição, vociferei eu, que injustiça, pensei, porque não me aparece aqui um daqueles bichos cinzentos à mão de fotografar, porque só encontro daqueles demónios vermelhos que é impossível apanhar? Mas depois, enlevado pela beleza e simpatia do bicho do Batim perdoo num ápice estas agruras vindas de LEICESTER, cidade aonde nunca fui mas espero conhecer um dia, é que eu fui daqueles que torceu pelo clube da cidade na época 2015-16 em que milagrosamente se sagrou campeão inglês contra todos os tubarões e outros dinossauros e que tenho ainda outro carinho especial pela cidade: foi lá que nasceu um dos meus favoritos e um dos maiores escritores vivos da actualidade: James Barnes, que a propósito acaba de publicar o seu último e magistral romance "O Homem do Casaco Vermelho", "The Man in the Red Coat", mesmo a propósito...




"Grey Squirrel" - Photo by Pedro Batim


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Stonecaldas

 A INVASÃO


Não, não são obras saídas do CALHAU, são algumas das estranhas formações que invadiram a encantada Mata Dona Leonor... E consta que muitos caldenses andam assustados e que alguns até temem que sejam os primeiros sinais do apocalipse prometido!






Sob a forma de sussurros disfarçados confidenciou-me a medo o Manel informático que pela exacta hora do nascer do sol e no rigoroso minuto do ocaso se pode observar inúmeras aves espaventadas em busca de refúgio nas cúpulas do edifício Berquó e uma estranha luminosidade que erradia da floresta, já se diz por aí que uma estranha assembleia se reúne debaixo dos frondosos plátanos e dos sagrados carvalhos dos druidas,  talvez para decidir o destino deste esquizofrénico mundo-cão... 









Já dizia em 1950 o arqueólogo Stuart Piggott: "Em arqueologia existem sempre várias explicações correctas para qualquer conjunto dos fenómenos observados." Não estranha pois que, à semelhança do que aconteceu com o mítico Stonehenge, tenham aparecido várias teorias para explicar este termal fenómeno, tanto pode ser um centro de sacrifícios humanos ou uma gigantesca calculadora astronómica, muitos juram até que foi construído por uma tripulação de naves extraterrestres e que da varanda os viram chegar em noite de insónia e que eles andam por aí disfarçados de humanos... 


João Parte Pedra

(Arqueólogo de Valmedo)

domingo, 6 de junho de 2021

Chuva de Calhaus


A MULTIPLICAÇÃO DOS CALHAUS



Faltam poucas luas para o CALHAU regressar e desta vez não apenas à histórica aldeia do Moledo mas a todo planalto das Cesaredas, até parece o bíblico milagre da multiplicação só que em vez de pães e peixes temos calhaus a aparecer por todo o lado, desde o Moledo ao Reguengo Grande, da Pena Seca ao Reguengo Pequeno, das Cesaredas ao Vale Cornaga... E cheira-me que este milagre dos calhaus não ficará atrás do outro, senão imagine-se como eu já estou a fazer quanta vida e quanta parábola irá sair daquelas brutas pedras, um alimento para a alma, é o que é!  Até lá...






 

João Plástico

(Artista de Valmedo)

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Pedalando


PEDALANDO SE VAI AO INFINITO...



E porque hoje é o Dia Mundial da Bicicleta...



Na natureza




 

Na cidade...



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)