domingo, 30 de junho de 2019

"Lince da Malcata" - Bordalo II


IMPONENTE! é o que me ocorre para descrever a sensação que me assaltou quando me pus debaixo do lince e olhei para cima, para aquele olhar que tanto pode significar súplica como incompreensão ou impotência... Pode significar muitas outras coisas, tantas quantas as pessoas que o encararem, mas ninguém lhe ficará indiferente, este LINCE, ele próprio símbolo da extinção das espécies, faz jus ao nome do artista, BORDALO II: é um LINCE II, dois em um, tanto contribui para que haja menos toneladas de plástico nos OCEANOS como permite que haja mais uma carrada de génio em TERRA! E que melhor sítio para estar do que ali, em território que comemora o mar e o planeta...



João Plástico

(Artista de Valmedo)

sábado, 29 de junho de 2019



"Phenicíes"


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

CURIOSIDADES  DO MUNDO CÃO -  XVII


O PORTUGUÊS, A CAÇA E A PESCA...


Se o coelho, que não é peixe, é caçado e não pescado, porque raio haveria a BALEIA, que também não é peixe e é um mamífero como o coelho, ser pescada e não caçada? A baleia caça-se, não se pesca, embora a evolução das espécies tudo permita, quem sabe se o grande cetáceo não recupera ainda as patas que perdeu pelo caminho há milhões de anos e torna ao ambiente terrestre, e então pode voltar a ser caçada em terra, ainda que se use anzol! E se o coelho ganhar barbatanas e aprender a nadar ainda vai ser um dia baleado na água... E já agora, se alguém matar um leão a nadar em pleno rio quer dizer que se pescou o rei da selva?








BALEAÇÃO - designação genérica dada à caça da baleia ou cachalote; tradição, tecnologia e organização dos baleeiros.




João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)


HISTÓRIAS DO TOURO DA BALEIA



Séculos atrás, espraiava-se aqui tranquilo numa baía o oceano dando forma a um porto seguro... Ao longe avistava-se uma série de ilhas, a mais próxima e mais pequena, a norte, receberia depois o nome de BALEAL exactamente porque os seus rochedos serviam de orientação na caça à baleia que aí se praticava, a outra, muito maior e em frente, a oeste, lhe chamaram os romanos que por aqui andaram "Phenicíes" (a vermelha) que se aportuguesou depois como PENICHE, e por trás desta, lá ao fundo e apenas visível em dias claros, um pequeno arquipélago, as BERLENGAS...




BALEAL - "Baleia (Peniche), Berlengas, Farilhões..."



Hoje, estamos em pleno centro da vila de ATOUGUIA DA BALEIA e hoje, já o Atlântico não chega aqui, não há vestígios desse célebre porto que chegou a ser outrora o maior da Lusitânia entre a foz dos rios Douro e Tejo, local obrigatório para que então toda a navegação da orla marítima se abrigar, reabastecer ou então comercializar. Outrora, esse estuário balizado a norte pela ilha do Baleal e a sudoeste pelo rochedo da CONSOLAÇÃO, era rico e diverso em peixe miúdo que aí procurava águas tranquilas para desovar mas atrás de si vinham os seus predadores, os grandes mamíferos do oceano, baleias, cachalotes, golfinhos, os quais, arriscando em demasia lá encalhavam por vezes nos baixios traiçoeiros e era um deleite para as populações, carne e gordura que o mar lhes trazia sem grandes aventuras... Nem sempre era assim tão fácil, muitas vezes lá era preciso embarcar e ir à caça desses monstros ali para o largo da ilha do Baleal!
A BALEIA, cuja rota de então passava por esta costa, faz portanto parte da história desta terra e em sua homenagem pode ver-se ainda hoje um osso de um desses cetáceos na bela igreja gótica de São Jerónimo, a qual, reza a lenda, dantes tinha o seu telhado assente totalmente em ossos desse animal...
Mas porquê ATOUGUIA? Basta interpretar os sinais...



"Touril"


Se o visitante for curioso vai questionar o porquê de a calçada portuguesa que embelece o centro histórico da vila estar cheio de touros e além disso, ainda que distraído, vai reparar numa curiosa série de estranhas pedras alinhados mesmo no largo principal e que parecem menires esburacados... E voltamos ao tempo em que as baleias cruzavam estas águas, em terra abundavam densas florestas e matagais por deambulavam muitas espécies de animais e aves selvagens, entre as quais se distinguia o touro bravo que era alvo de caça não só pelos navegantes ávidos de carne como pela população local. Assim, chamou-se naturalmente ao porto TOURIA, que derivou do antigo latim para TAURIA e finalmente para ATOUGUIA, ao qual só faltou juntar a baleia...
E no meio da vila lá estão aquelas pedras que faziam parte do antigo TOURIL, passavam-se madeiras pelos seus irifícios e assim se delimitava o recinto onde se faziam as festas dos touros!



Igreja São Leonardo


João Alembradura

(Historiador de Valmedo)

sexta-feira, 28 de junho de 2019



"Calçada Portuguesa" - Atouguia da Baleia


João Plástico

(Artista de Valmedo)


EFEMÉRIDE # 59


E VÃO TRÊS NAUS AO FUNDO!


Passam hoje exactamente 453 anos sobre um acontecimento extraordinário, uma batalha em que um pequeno grupo de homens, pouco mais de uma vintena, deu luta feroz a uma armada completa e que só foi vencido ao terceiro dia de contenda porque se lhe acabaram as munições e ainda por cima foi atraiçoado!
Amanhece o dia 28 de Junho de 1666, o sol ainda baixo permite no entanto o avistamento ao largo  das BERLENGAS de uma frota inimiga, ali estavam os espanhóis, haviam saído de Cádiz semanas antes com catorze naus, uma caravela e centenas de homens sob o comando de D. Diego de Ibarra e com o expresso intuito de raptar Maria Francisca de Sabóia, a qual vinha a caminho de Portugal a bordo de uma esquadra francesa ... A princesa, protegida de Luís XIV, ao ter casado por procuração dias antes com D. Afonso VI iria selar uma aliança entre os dois países, facto desagradável para a política externa dos nuestros hermanos...





Forte São João Baptista


Os espanhóis, talvez por diversão ou para passar o tempo, que a futura rainha ainda não estava à vista, decidiram conquistar aquela fortalezazeca ali à mão de semear e desataram a lançar ataques por mar e terra mas o que nunca lhes passou pela cabeça foi que aquilo iria ser o cabo dos trabalhos para eles e tudo por causa de um cabo, AVELAR PESSOA, personagem natural da vizinha Atouguia da Baleia e com tanto sangue na guelra que com 27 (!) homens apenas ao seu cargo e nove peças de artilharia conseguiu aguentar três dias uma batalha muito desigual: mais de 400 perdas para os espanhóis e apenas um morto e cinco feridos entre a heróica guarnição do forte, uma nau afundada ali mesmo nas Berlengas e outras duas seriamente danificadas que iriam depois ao fundo durante o regresso, uma ao passar o Algarve e outra em plena baía de Cádiz!





"Fortaleza camuflada"


Não é difícil imaginar o desespero dos espanhóis e até se pode especular que terão chegado a pensar seriamente desistir e bater em retirada para o largo, que não valia a pena tanta miséria, afinal aquilo que era suposto ser um divertimento passou a tragédia, nem era aquele afinal o objectivo da sua empresa e se não fosse o caso de haver um traidor entre os lusitanos que abandonou o forte para se meter no barco e dar com a língua nos dentes, talvez a história tivesse tido outro epílogo... Só depois de saberem pela boca daquele nojento traidor que a pólvora tinha acabado no paiol  é que os espanhóis se decidiram  a lançar um ataque derradeiro e assim conquistaram a fortaleza... Quanto ao célebre Cabo Avelar Pessoa, gravemente ferido durante os combates, seria levado para uma nau espanhola onde viria a morrer, com honra e glória, quanto ao miserável traidor, de cujo fim não foi relatada história, espera-se que, no mínimo, lhe tenham pegado fogo vivo ou então que o tenham lançado aos tubarões...
Quanto à futura Rainha de Portugal, entraria sã e salva na baía do Tejo passadas semanas...


João Alembradura

(Historiador de Valmedo)

domingo, 23 de junho de 2019

"O Cabo na Berlenga"


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO - VIII


QUANDO VALE MUITO MAIS SER FILHO ÚNICO...



O desgraçado e apoucado D. AFONSO VI e o iluminado e grande VOLTAIRE tiveram uma coisa em comum: ambos foram contemporâneos de LUÍS XIV mas, enquanto que o filósofo tinha apenas 21 anos quando o monarca francês exala o último suspiro por ter passado o prazo de validade (84 anos de idade e o maior reinado da história), já o rei  português tinha morrido há mais de 30 anos, embora, sendo apenas cinco anos mais novo que o Rei-Sol, tenha sempre convivido com ele na sua curta vida... Quando Voltaire nasceu já Afonso tinha morrido há uma década mas o fascínio por Luís XIV se encarregaria de juntá-los num mundo de intriga:


"Portugal dava nesta época um estranho espectáculo à Europa. D. Afonso, filho indigno do feliz D. João de Bragança, ali reinava: era violento e imbecil. A sua mulher, filha do duque de Nemours, apaixonada por D. Pedro, irmão de Afonso, ousou conceber o projecto de destronar o marido e casar com o amante. O embrutecimento do marido justificou  a audácia da rainha. Ele era dotado de uma força corporal acima do vulgar; tivera publicamente um filho de uma cortesã que por fim reconhecera, dormira por longo tempo com a rainha. Apesar de tudo isso, esta acusou-o de impotência; e tendo adquirido no reino, com a sua habilidade, a autoridade que o marido perdera com as suas fúrias, mandou-o encarcerar. Cedo obteve de Roma uma bula para casar com o cunhado."

in "O Século de Luís XIV", Voltaire





"Voltaire" - Nicolas Lagillière, 1724




Mas não era só por cá que as conspirações contra irmãos estavam em voga no século XVII, ao mesmo tempo que D. Pedro encarcerava o seu irmão corriam rumores por terras de França sobre a existência de um misterioso prisioneiro que era obrigado a usar uma máscara de veludo para ocultar o rosto,... Era um prisioneiro especial, mandado encarcerar por ordem expressa de LUÍS XIV e com guarda especial e exclusiva! VOLTAIRE, ele próprio feito prisioneiro na Bastilha e aquando do seu cárcere, terá ouvido da boca dos outros prisioneiros mais antigos que o misterioso prisioneiro de que todos falavam seria um membro da família real, muito chegado ao rei e que, além disso, a máscara não seria de veludo mas sim de ferro! Há versões para várias sensibilidades, desde a de Voltaire que atesta que se tratava de um irmão mais velho e ilegítimo  de Luís XIV, passando por outras hipóteses como se tratando de um filho ilegítimo do próprio rei, outros pensavam em Fouquet, o super-ministro das Finanças caído em desgraça e acusado de traição. Mas a versão mais popular acabou por ser aquela que perduraria até hoje e divulgada por ALEXANDRE DUMAS num dos seus romances e em que, inspirando-se na opinião de Voltaire, sugere que o misterioso homem da máscara de ferro seria o irmão gémeo do rei e que, tendo nascido minutos antes, teria primazia ao trono e colocaria em causa a legitimidade do Rei-Sol...








João Alembradura

(Historiador de Valmedo)



"Cabo Avelar Pessoa - Rumo às Berlengas"



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


PRÍNCIPE IMPERFEITO, REI DESGRAÇADO..!



Não estava destinado para ser assim mas o destino assim quis, por muitas, imprevisíveis e inusitadas circunstâncias o príncipe Afonso haveria de chegar ao trono contra tudo e contra todos e dele haveria de cair empurrado à traição e sem piedade pelos mais próximos... O rapaz já havia nascido sem sorte alguma, pelos 4 anos de idade caíra gravemente doente num profundo estado febril, talvez uma meningite segundo alguns investigadores modernos e que irá apoucá-lo para sempre, quer física quer mentalmente, ficará apanhado do lado direito do corpo e da cabeça, rezam as crónicas, pouco se aproveitaria! Para além disso, nem ele nem o seu irmão mais novo, o infante D. Pedro, tinham sido preparados para a sucessão ao trono pois essa sempre estivera destinada ao filho primogénito de D. JOÃO IV, o considerado perfeito infante, D. Teodósio, dotado para as letras e para as artes só que com débil saúde, morreria tuberculoso com apenas 19 anos de idade...
Assim, quando morre D. João IV em 1656 abre-se a discussão sobre a sucessão, mas como Afonso ainda só tem 13 anos é pacífica a regência da sua mãe e rainha Luísa de Gusmão, a qual durará meia dúzia de anos...




D. Afonso VI


Entra então em cena uma personagem determinante nesta conturbada época de uma nação em plena guerra contra os espanhóis pela restauração da independência nacional, o Conde de Castelo Melhor, entretanto eleito pela rainha gentil-homem do círculo restrito do príncipe Afonso e que com astúcia política e habilidade negocial vai provocar um terramoto político: apesar das dúvidas sobre as capacidades intelectuais do aspirante ao trono que grassavam pelo reino, a regente é deposta e mandada internar no mosteiro das Carmelitas Descalças onde morrerá de solidão passados três anos, enquanto o seu apoucado filho toma posse efectiva do reino, tem dezanove anos apenas... Mas quem reina de facto é o Conde, é ele o cérebro da estratégia lusitana de alianças num palco inclinado pelas aspirações imperiais das grandes potências europeias da época, França, Espanha, Inglaterra...



Maria Francisca de Sabóia
Não deixa de ser curioso como um rei considerado débil mental e fisicamente inapto consegue o cognome de "O VITORIOSO", fruto de grandes triunfos contra os espanhóis em várias batalhas, consegue assim a vitória final que era a restauração da independência e ainda tem habilidade para criar laços estratégicos com Luís XIV ao encomendar um casamento com uma princesa da Casa de França, Maria Francisca de Sabóia, protegida do rei gaulês... Claro que por detrás destas manobras políticas e vitórias militares esteve sempre a mão de Castelo Melhor e com isso granjeou as inimizades de muita gente... Quando a princesa chega à corte portuguesa imediatamente provocou grande alvoroço, tal era a sua graça e formosura, a sua inteligência e distinção e, talvez com a excepção de D. Afonso, ninguém ficou indiferente a tanta beleza e quem ficou apanhadinho de todo foi D. Pedro, que nunca mais largou a beldade de vista! E a coisa só poderia correr mal, era demasiada bagagem para o rei tolo e dizia-se à boca cheia, especialmente entre os correligionários de D. Pedro e inimigos do conde que mulher assim era mal empregada num rei inapto e impotente, que  mais valeria emparelhá-la com o infante...
Ainda tentou responder Castelo Melhor mas a cabala estava montada, D. Pedro e a rainha amantizaram-se e conspiraram contra D. Afonso, exigindo a sua renúncia alegando incapacidade e impotência sexual do rei , motivos suficientes para anular o matrimónio... E tal veio a acontecer, passado pouco mais de um ano, D. Afonso viu-se obrigado a abdicar a favor do seu irmão e este não só não se fez rogado como ainda lhe roubou a mulher casando com ela! Mas o novel rei, D. PEDRO II, não esteve com meias medidas e impiedosamente mandou encarcerar o irmão até ao final da sua vida, primeiro na Terceira, onde foi prisioneiro durante cinco anos e depois em Sintra, por mais dez anos de cativeiro, até finalmente sucumbir após 40 anos de uma vida sofrida...



"Afonso VI - prisão em Sintra" -  Roque Gameiro, 1917

E ao pobre Afonso só lhe faltou usar uma máscara para se sentir na corte de Luís XIV...



João Alembradura

(Historiador de Valmedo)


sábado, 22 de junho de 2019

sexta-feira, 21 de junho de 2019




O DESTERRO DA BERLENGA...



Apenas dez quilómetros de mar separam o cabo Carvoeiro do arquipélago das BERLENGAS mas quem por lá ficar sentir-se-á no fim do mundo... Assim foi desde a Antiguidade com os romanos, que chamaram "Ilha de Saturnoà Berlenga Grande, a maior ilha do arquipélago e a única habitável, e continuou a ser assim com os vikings, piratas marroquinos ou corsários ingleses e franceses que por aí deram à costa e pesquisaram... Não havia muito uso a dar àquelas aflorações graníticas de poucos recursos mas assim não entendeu a rainha D. LEONOR, a vizinha e riquíssima patrona das Caldas da Rainha e outras obras meritórias que, em 1513, patrocinou de bom grado e melhor intenção a instalação de um mosteiro da Ordem de São Jerónimo em plena Berlenga Grande com o intuito de prestar auxílio às embarcações que por aí passavam e às vítimas dos frequentes naufrágios provocados pelo mar inclemente... É deste tempo a maravilhosa história do amor proibido de D. Rodrigo e D. Leonor,  ele desterrado para o mosteiro da Berlenga por seu pai e ela chorando a sua ausência, ambos filhos de famílias abastadas e inimigas de Peniche e que, qual shakesperiana tragédia, ainda perdura hoje na memória das gentes...



"Berlengas ao longe..." - Jean-Charles Forgeronne


Não aguentaram muito os frades aquele santo desterro devido à fome, às doenças e aos ataques dos piratas, o mosteiro seria abandonado e acabaria em ruína... Passado mais de um século, em plena Guerra da Restauração da Independência, e aproveitando a preciosa localização estratégica do arquipélago, D. João IV, com o intuito de criar uma barreira de defesa perante as invasões marítimas dos inimigos, ordenou a construção de uma fortaleza a partir das ruínas do antigo mosteiro, nascia assim o FORTE DE SÃO JOÃO BAPTISTA...



Planta da Fortaleza da Berlenga


Alvo de inúmeros ataques, o forte foi sempre um baluarte na defesa do território, não apenas na Guerra da Restauração como também durante as Invasões Francesas, tendo servido nesse tempo como base de apoio às aliadas tropas inglesas... O seu alto valor estratégico mereceria o aval quer de D. Afonso VI e de D. João VI para consecutivas obras de restauro, obras essas que teriam continuidade na década de 50 do século XX para o transformar numa pousada e assim foi até ao 25 de Abril de 1974, altura em que foi desactivado... Finalmente, hoje em dia funciona como "casa-abrigo" da Associação dos Amigos das Berlengas, e ainda bem que assim é, desterro assim precisa mesmo é de amigos que cuidem dele!



João Alembradura

(Historiador de Valmedo)

quarta-feira, 19 de junho de 2019

"Forte de São João Baptista" - Berlengas

Jean Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


A vida não muda», pensou, «não quer mudar». Tinha vontade de gritar; baixou as mãos e torceu-as de encontro ao ventre, tão fortemente que os pulsos lhe ficaram doridos. (...) «Era isto que gostaria de saber - repetiu - e se é possível continuar assim, todos os dias, com este aborrecimento, e se não mudarmos nunca e nunca deixarmos estas misérias, e deleitarmo-nos com todas as parvoíces que nos passam pela cabeça, e discutirmos e contendermos sempre pelas mesmas razões e não nos afastarmos nunca da terra quanto isto - e levantou a palma da mão acima da mesa."


in "Os Indiferentes",  

ALBERTO MORAVIA

domingo, 16 de junho de 2019




A partir do romance "Os Indiferentesde Alberto Moravia, um filme com Claudia Cardinale, uma das beldades mais aclamadas da sétima arte nos anos 60 e 70... Vale a pena rever!



João Película

(Cinéfilo de Valmedo) 


LIVROS 5 ESTRELAS - XII



A DESPREZÍVEL INDIFERENÇA DOS AUTÓMATOS...


Podiam ser outras das muitas obras de ALBERTO MORAVIA para aqui chamadas mas fica-se muito bem acompanhado pelo seu romance de estreia, "OS INDIFERENTES", publicado em 1929, tinha o autor apenas 22 anos... Pode-se pensar que nessa tão tenra idade não caberá suficiente conhecimento sobre o mundo e as pessoas que resulte em obra meritória mas é exactamente isso que acontece, a obra revela um olhar crítico e profundo sobre a classe média burguesa italiana em pleno regime fascista, gente amorfa e superficial, inútil para um mundo a precisar de mudança e que não percebe, alimentada pelos vícios do regime e rituais sociais, indiferente e merecedora de desprezo... O jovem Moravia teve em tão pouco tempo de vida muito tempo para estudar o mundo e os outros porque viu-se obrigado a passar longos períodos de cama, em casa e em sanatórios, devido a uma grave tuberculose óssea contraída aos nove anos de idade. Os seus estudos foram muito conturbados e depois de se ter curado a muito custo e de ter acabado o liceu dedicou-se ao jornalismo e à escrita, sempre a esmiuçar a conturbada realidade e a sondar a misteriosa alma humana numa obra tão vasta quanto coerente e profunda, em títulos tão deliciosos quanto promissores como "As Ambições Erradas", "A Desobediência", "O Desprezo", "O Tédio", "A Vida Interior", O Homem Que Olha" ou "O Autómato"...   








Alberto Moravia nunca foi indiferente apesar de ele próprio pertencer àquela classe burguesa urbana que tanto criticou e odiou, e nunca tendo calado a voz naturalmente muitos problemas lhe arranjou o regime fascista, não só passou por muitas dificuldades económicas como em 1943, para escapar à prisão, fugiu de Roma e refugiou-se numa cabana durante 9 meses... E.um homem e um escritor desta estirpe merecia mais do que ser apenas um quase-Nobel, tanto mais que a sua obra continua inquietadoramente actual, "Os Indiferentes" podia ter sido escrito ontem tal a indiferença perante as calamidades que assolam este mundo-cão.... 



João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

sábado, 15 de junho de 2019



TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO -  VII


E O NOBEL DA LITERATURA VAI PARA... C.I.A!


Desenganem-se aqueles que pensam que os agentes especiais das forças de segurança dos U.S.A não passam de man in black, aqueles agentes de fato escuro imaculado e óculos de sol a condizer, elegantes e mais rápidos que a própria sombra, quais robots implacáveis e preparados apenas para aniquilar qualquer ameaça à ordem pública americana... Agora sabe-se que eles são muito mais do que isso, não só estão preparadíssimos para qualquer invasão alien  como também são extremamente cultos e com uma queda especial para a literatura...



De facto, saiu há tempos estampado no insuspeito La Stampa, jornal de referência italiano há século e meio, que foi a C.I.A que  em 1958 atribuiu  o Nobel da Literatura Pasternak, o romancista russo autor do célebre "Doutor Jivago"! E para se perceber como isso aconteceu temos que recuar para aquele tempo do pós-guerra e em que, apesar das armas estarem  frias, escaldantes estavam a propaganda, a contra-informação e a espionagem, valia tudo para denegrir quem estava do outro lado da cortina...
Era consensual para os membros da Academia Sueca a atribuição do Nobel da Literatura a ALBERTO MORAVIA, por uma obra excepcional no romance, no ensaio, na dramaturgia, até na literatura de viagens... E curiosamente tinha ele publicado no ano anterior "La Ciociara", uma das suas mais aclamadas obras, e no próprio ano da atribuição do Nobel, parece surreal mas não é, é mesmo real surreal, tinha publicado "Un mese in URSS"!
Pois bem, ainda segundo o La Stampa, inusitada e incompreensivelmente,  no momento da atribuição do prémio, surge a opinião do "chefe do gang", um tal de Sterling, secretário permanente da Academia Sueca, a proclamar aos sete ventos que não senhor, quem merecia o prémio era Pasternak pois, segundo ele, seria o escritor russo mais importante do século, apesar de já lhe ter sido recusado o prémio anos antes pelo mesmo romance, o que é obra pelo facto de ter sido um autor editado apenas clandestinamente em Itália! É extraordinário! E apesar da incredulidade dos outros membros, o lobby da CIA, que manobrava a Academia Sueca, levou a sua adiante, roubou o Nobel a MORAVIA para o entregar a um russo apenas porque era um dissidente e uma voz contra a Rússia, um míssil importante na Guerra Fria... Era então Pasternak um autor banido na União Soviética e a sua glorificação seria importante para a opinião pública ocidental, apesar de isso posteriormente ter sido a sua desgraça: foi-lhe proibido ir receber o prémio sob castigo de nunca mais poder regressar à pátria e isso foi-lhe demasiado, não aguentou ele, morreria dois anos depois sem nunca ter recebido o prémio... Em 1961 seria finalmente reabilitado na URSS e a sua obra-prima, "Doutor Jivago", só seria publicada no seu país em 1988, quase trinta anos após a sua morte! Um castigo imerecido!





Alberto Moravia


Que não seja retirado o valor e o mérito a PASTERNAK, não só pela sua obra e coragem mas também pela sua história de vida, mas do que se trata aqui é do mais elementar crime humanitário, roubar o Nobel a alguém apenas porque dá muito jeito atribuí-lo a outrem... Mas a batota não tem limite, em jeito de compensação seria atribuído no ano seguinte o prémio a um italiano, muito menos merecido do que aquele que foi sonegado, apenas para calar as bocas da reacção...! E assim, glória a MORAVIA, o grande escritor e combatente quase-Nobel, vítima do sistema...
E depois podemos questionar: quantos Nobel foram atribuídos por influência política ou económica?



João Vírgula

(Leitor de Valmedo)


quarta-feira, 12 de junho de 2019




Luto por Ruben de Carvalho 


Homem de causas, revolucionário, democrata, resistente, humanista, dialogante, culto, melómano, empreendedor, ideólogo e organizador da Festa desde a sua primeira edição, unânimemente considerado uma figura ímpar na vida portuguesa que a todos vai fazer falta, Ruben de Carvalho, por si hoje ponho a minha gravata de luto!. RIP...


Neste mundo-cão, calcula-se que cerca de 600 milhões de homens se perfilem todas as manhãs em frente ao espelho para que, num ritual simbólico e mágico com séculos de existência, atem a gravata à volta do pescoço através de um nó o mais perfeito possível... Bem, nem todos, alguns, os mais confiantes e exímios, não precisam de espelho nem de conselhos, fazem-no a seco! Mas não se despreze o alcance que um nó de gravata irrepreensível pode fazer por alguém! 




Manual de Instruções



João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)


O HOMEM E O PODER DA GRAVATA...



Foi a revolução social e cultural dos anos 60 que acabou com a obrigação do uso da gravata, até então e por mais de 200 anos andar engravatado era uma fatalidade desde tenra idade para os homens, começava na escola e no liceu, continuava no escritório e levava-se quando se saía à rua, indispensável em jantares ou reuniões sociais ou de família... A geração da contra-cultura, da paz e do amor livre, elegeu então a gravata como símbolo de opressão e da ditadura burguesa, e de facto assim era, e passados 60 anos andar engravatado apenas é exigido em raras excepções,  hoje impera a liberdade de escolha, pode-se usar o adorno apenas quando e onde bem apetecer...



Gravata bowieana
Não é por acaso que em certas áreas como as dos negócios e da política ainda é e será sempre obrigatório o uso da gravata pois ela está associada a uma impressão de dignidade, confiança, respeito, tradição... Coitados então daqueles que trabalham nas grandes empresas, nos bancos e nas seguradoras, até nalgumas agências imobiliárias, enfim em tudo o que se prende com o dinheiro que se pretende dos outros, lá terão eles que escolher sempre a gravata certa para levar no dia seguinte para o trabalho. E atenção porque há muitos negócios que podem fracassar num ápice apenas porque a gravata escolhida para a ocasião não foi a melhor e não impressionou por aí além o potencial cliente! É o poder da gravata...
Mas o poder da gravata não se esgota na área profissional, sendo ela a mais alegre e vistosa peça do tímido e muito curto vestuário masculino, permite expressividade perante os outros, uma gravata revela a personalidade ou o estado de alma momentâneo de quem a usa! A variedade de gravatas permite ao homem mil e uma mensagens, desde andar primaverilmente engravatado com flores, sentir-se matemático através de motivos geométricos, transmitir sobriedade com uma peça lisa e monocolor ou até sentir-se revolucionário se optar por uma gravata com uma imagem de Che Guevara... E então, aí sim, quando a gravata é usada não por obrigação mas por vontade e por desejo de afirmação, torna-se sinónimo de prazer e bem estar...
Hoje preciso de ordem...
Não deixa de ser curioso que hoje a gravata simbolize a revolução contra a ditadura da moda pronto-a-vestir que tende sempre a uniformizar a sociedade, olhamos em volta e parece que toda gente anda vestida da mesma maneira e no mundo masculino então isso é levado ao extremo, do fato e gravata  do antigamente passou-se para a ditadura da ganga que toda a gente usa ou da combinação clássica calça-camisa, tudo padronizado porque todos compram no mesmo sítio. Usar uma gravata expressiva é então ser diferente, ser único, é ter poder...
Mas muita atenção, amigo utilizador de gravata, não revele em demasia e por distracção o que lhe vai na alma, fique sabendo que ao admirar a sua gravata alguém bem informado pode descobrir os seus segredos, é como se o estivesse a ver todo nu, imagine... Muitos especialistas no universo da gravata afirmam que ela simboliza virilidade, tornando-a num símbolo fálico, e isso é pacífico, mas vão mais além e caindo até no reino da psicanálise afirmam convictamente que, por exemplo, quem coloca uma gravata com motivos geométricos anseia por colocar ordem no mundo-cão, que quem opta por uma gravata às riscas é um adepto fervoroso da disciplina e da organização, enquanto que quem escolhe uma gravata com motivos repetidos sofre de inquietação...
Por isso, amigo, é livre de poder usar o poder da gravata, mas convém usá-lo em seu proveito...





João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

terça-feira, 11 de junho de 2019



O BARRO, A PEDRA E A GRAVATA...



Vinte séculos antes da popularização do lenço ao pescoço feita pelos cavaleiros croatas durante a Guerra dos Trinta Anos já os soldados de outros exércitos da Antiguidade usavam esse adereço...  Descoberta em 1974 por acaso, a sepultura do primeiro imperador da China revelou-se espectacular pelos cerca de 8000 soldados em terracota que ressurgiram à luz do dia, eles estiveram enterrados durante 2000 anos juntamente com o fundador da dinastia Qin. A finalidade desse imenso exército era proteger o imperador durante a vida depois da morte e se cada soldado, de tamanho natural, é único porque cada um tem as suas próprias feições, todos eles, sem excepção, usam lenço à volta do pescoço! E calcula-se que ainda faltam desenterrar milhares de soldados, centenas de cavalos e carros, ao bom do imperador não faltará protecção nas próximas guerras ele que fez enterrar vivos consigo as suas esposas e os construtores do túmulo, certamente para proteger os segredos, os domésticos e os do monumento...






Guerreiros de Xian - séc III a.C



Pela mesma época, no século II a.C, os soldados romanos que andavam em campanha pelo Império usavam o focale, uma faixa de tecido que tinha variados usos mas que, atada à volta do pescoço, protegia do frio. E hoje, quem passear à descoberta por Roma e der de caras com a Coluna de Trajano, monumento em mármore com 30 metros de altura e mandado erigir pelo imperador em memória da suas vitórias sobre os Dácios, pode observar ao pormenor as figuras dos legionários aí representados e constatar que todos eles usam o tal focale ao pescoço...  




Legionários engravatados - Coluna de Trajano


O costume dos chineses e dos romanos usarem lenços à volta do pescoço perdeu-se no esquecimento durante séculos e só no século XVII os croatas o trouxeram de novo à ribalta, e todos eles, chineses, romanos e croatas que utilizavam esse adereço tinham uma coisa em comum: são guerreiros, soldados que combatiam em climas agrestes e que tinham de se proteger do frio. 


João Alembradura

(Historiador de Valmedo)


A MISTERIOSA ORIGEM DAS PALAVRAS - VII



GRAVATA, NASCIDA DA GUERRA...



A história da gravata é muito antiga e tem muito que contar e nada melhor do que começar pela Guerra dos Trinta Anos, esse flagelo de origem religiosa que devastou a Europa entre 1618 e 1648 e que provocou mais de oito milhões de mortos... De um lado da barricada, e contra o império alemão dos Habsburgos, perfilavam-se os 160 000 soldados de infantaria  e cavalaria que compunham os exércitos franceses às ordens de Luís XIII, primeiro, e depois nos últimos cinco anos da contenda sob o comando do Rei-Sol, Luís XIV. Acontece que quase todos esses soldados que batalhavam sob a bandeira francesa tinham sido recrutados no estrangeiro e entre eles haviam muitos cavaleiros mercenários croatas, os quais, sem excepção e com o objectivo de se protegerem do clima e da sujidade, usavam uma fita larga de pano em volta do pescoço, coisa nunca vista por aquelas bandas... Ora, o regimento desses cavaleiros chamava-se "Royal-Cravate" porque, numa das suas formas, «croata» escrevia-se KRAWAT... E assim a francesa "cravate" deu origem à lusitana GRAVATA




Cavaleiro croata com a sua gravata



Claro que depois a história continua, esse pano colorido que os cavaleiros croatas usavam era muito mais prático e confortável do que os cabeções engomados usados pelos franceses que evidentemente se sentiram uns autênticos cabeçudos ao olharem para os seus colegas croatas muito mais elegantes, vistosos, ligeiros e eficazes e foi num ápice que essa moda do lenço croata foi adaptada pelos gauleses e difundida na corte de Luís XIV e por toda a aristocracia francesa, primeiro, e depois por todas as cortes europeias que isto da moda é tão forte que ninguém lhe pode passar ao lado sob o risco de parecer atrasado...



Luís XIV usando cravate - Hyacinthe Rigaud, 1701 - Louvre


João Portugal

(Linguísta de Valmedo)

sábado, 8 de junho de 2019



"Uma peça de vestuário útil, por exemplo o colete, é, precisamente por ser útil, insignificante. O homem moderno já só tem um acessório que lhe permite revelar a sua própria visão do mundo, assinalar a sua presença própria: a gravata."


Alberto Moravia

(Quase Nobel da Literatura)


TASCAS E ANTROS DE PRAZER - IV


ANTES DO REPASTO, GRAVATA FORA...


Fica escondida num pequeno largo de Carnide, naquela parte velha que faz lembrar uma aldeia, e chama-se "ADEGA DAS GRAVATAS", embora depois de lá ir toda a gente carinhosamente lhe passe a chamar apenas "O Gravatas"... E de facto se coisa não falta por lá são gravatas, elas são aos milhares penduradas no tecto ou expostas na parede, honrando a tradição já com décadas de os clientes lá deixarem esse seu acessório autografado...





Bom, mas apesar dessa particularidade de ostentar uma curiosa e sui generis decoração, não se vai ao "Gravatas" para ver as ditas cujas, vai-se lá para desfrutar de um banquete de irrepreensíveis grelhados de carne ou peixe, do bacalhau variado ou do cabritinho no forno, da excepcional açorda de gambas ou do polvo delicioso...



E depois, quanto a mim, o que faz valer a pena todos os sacrifícios, seja o tempo perdido a tentar um lugarzinho de estacionamento ou a espera na fila para abancar numa mesa não reservada, é o ex-libris da casa: o NACO NA PEDRA, carne de primeira  passada ao gosto do freguês e temperada com dois molhos e sal grosso quanto baste... E entre cada nacozinho vai-se à travessa das batatas fritas à maneira antiga... 







As doses são de boa catadura, algumas delas chegam a ser tão generosas que dá para dividir e depois as sobremesas satisfazem os gulosos mais exigentes... E para além da excelente comida, este antro de prazer distingue-se ainda pelo atendimento simpático e rápido, por ser uma óptima solução para confraternização de grupos e depois porque está estratégicamente perto da Catedral não há melhor escolha para almoçar antes dos grandes jogos do glorioso e aconchegar o estômago para qualquer susto ou para jantar em jeito de comemoração depois de uma saborosa vitória... 








João Ratão

(Chef de Valmedo)

sexta-feira, 7 de junho de 2019

"Reencontro" - Jean-Charles Forgeronne



AS MUITAS VIDINHAS DAS PESSOAS...



Amigos caninos, não sei se já alguma vez passaram por esta experiência mas ainda não estou bem em mim, vejam lá que a L. está a terminar uma fase importante da sua vida, parece que, ao contrário de nós, os humanos não gostam de encarar a vida como uma coisa única e contínua, antes gostam de a dividir em muitas outras vidinhas, aquela de quando eram pequeninos, depois aquela de quando já eram pessoas em miniatura, depois quando iam para aquela coisa chamada escola para aprender coisas que não usam no dia a dia e quanto mais coisas aprendem mais coisas esquecem porque não têm cabeça para tudo, a vidinha que eles chamam de adulta, outra vidinha que eles chamam de inferno que é quando vão para um sítio chamado trabalho e por aí adiante, elas são tantas vidas que acho que quando chegar a ser um cão já muito velho ainda não as hei-de conhecer todas... E já repararam na confusão que é uma pessoa ter que lidar com tantas vidas e ainda por cima às vezes cada uma anda com a sua vidinha diferente da vidinha das outras? Olhem, por exemplo, o J.C agora farta-se de me dizer que não só tem saudades da sua vidinha anterior em que não tinha barriga como está desertinho para largar esta que tem hoje e entrar na próxima vidinha a que ele chama a da reforma, e tantas vezes o diz que até chego a baixar as orelhas só para não ouvir o chato...
Ainda bem que nasci cão, penso de vez em quando...




A minha fita




Bem, mas voltemos ao que interessa, vai daí, amigos caninos, um dia destes a L., que agora tem passado mais tempo aqui por Valmedo depois de ter ido uns tempos para o outro lado do mundo aprender mais coisas com outras pessoas diferentes, chega-se ao pé de mim com uma fita para eu assinar, que era uma coisa muito importante para ela e que iria ser uma recordação para o resto da sua vida... E eu, claro, sem saber a qual vida ela se referia, tive que perguntar:
   - Mas vais-te embora outra vez, para outra vidinha?
   - Ainda não, James, ainda tenho muita coisa para aprender por aqui, mas espero um dia ir para outra vida, sim, é para isso que tenho estudado tanto! Mas não te preocupes, nunca te abandonarei! Virei sempre visitar-te quando puder e quem sabe, até te posso levar comigo a ver outros mundos...
   - E eu teria que mudar de vida? - perguntei, desconfiado...
   - Não, tonto, era só por uns tempos!
E fiquei aliviado, amigos caninos, é que acho que já criei raízes por aqui que não iria sobreviver noutro lado, gosto muito da minha única vidinha que vou vivendo aqui por Verde-Erva-Sobre-O-Mar...  Assinei a tal fita com muito gosto e só desejei que quaisquer que sejam as vidinhas que a minha querida L. tenha que viver que seja feliz e que nunca se esqueça de mim...
Ontem vi então as fotografias dessa cerimónia de passagem de uma vidinha para outra e emocionei-me, amigos caninos, lá estava minha fita entre todas aquelas de outras pessoas importantes para a L, e desde aí sou cão muito orgulhoso...






James

(Cão de Valmedo)

quarta-feira, 5 de junho de 2019



O CHEIRO A PAPEL RASGADO...


E se nalguns daqueles surreais dias que podem acontecer a qualquer um, amigo leitor, seja por inusitada embriaguez ou indesejada alucinação por psicotrópico abuso, der consigo a espirrar papel queimado tão somente porque em vez da mortalha deu por si a enrolar o tabaco numa nota de 50 euros que tinha esquecida no bolso da camisa e à qual, como se não lhe bastasse, ainda lhe botou fogo para a fumar, não entre em pânico... É que apesar das cinzas em forma de cifrão que iam caindo ao chão nem tudo está perdido, afinal confusões quem as não tem?
Pois fique sabendo que pode recuperar o seu dinheiro queimado, as notas de euro, danificadas ou mutiladas, seja por fogo ou outro agente, podem ser trocadas nos bancos centrais desde que mais de metade da nota tenha sobrevivido e que nesse pedaço sobrevivente seja possível confirmar a sua autenticidade...








João Tostão

(Fiscalista de Valmedo)