terça-feira, 24 de janeiro de 2023

 

EFEMÉRIDE # 94


O BOÉMIO DE FATO DE VELUDO E CACHECOL VERMELHO


"Alguém comparou a mulher que se viu voar naquela manhã da janela de um quinto andar de Paris a um anjo. Mas não era um anjo, era Jeanne: Jeanne Hébuterne, a menina-viúva, grávida de nove meses de um dos artistas mais desprezados em vida e mitificados na morte que o século XX viu surgir - Amedeo Modigliani."    -     in "O Olhar e a Alma", Cristina Carvalho, 2015, Edições Planeta...

E passado todo este tempo ainda se diz por aí que no funeral do genial artista o que mais abundavam eram os marchands fazendo ofertas pelas obras que o pintor nunca conseguira vender em vida, ele que num cenário de pobreza angustiante sobrevivera dia-a-dia graças à bondade e à esmola de amigos e admiradores...





A relação com o cínico mundo real nunca foi fácil para Amedeo, logo na sua primeira exposição individual o pintor toscano é confrontado com a polícia, chamada para intervir por causa de uns nús considerados imorais expostos na montra do certame... Também por causa da dependência do álcool e das drogas mas essencialmente devido aos seus crónicos problemas de pulmões, MODIGLIANI, isolado em casa com a sua última musa, Jeanne, sem comida e sem ajuda médica, não resiste e morre aos 35 anos de uma curta vida, passam hoje exactamente 103 anos...




"Jeanne Hébuterne com suéter amarelo"


JoãoPlástico

(Artista de Valmedo)

"Alcobaça"


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo deValmedo)
 

 

TASCAS E ANTROS DE PRAZER - XXIII

O CABEÇO DO BICHO


E vale mesmo a pena subir a um dos cabeços que rodeiam Alcobaça, neste caso aquele para os lados da Maiorga e onde se esconde um segredo cada vez menos bem guardado, um templo gastronómico com assinatura de chef  e arte de bem receber chamado O CABEÇO DO BICHO, preciosa sugestão que, como acontece amiúde, surgiu por boca amiga, neste caso do Henrique, ele próprio da terra e também ele de boa boca... E mais uma vez se veio a provar que as melhores coisas não precisam de grandes marketings publicitários, basta o boca-a-boca de comensais deliciados... 


"O Cabeço" - Jean-Charles Forgeronne

 
Começamos por ser convidados a deixar o stress do lado de fora da propriedade assim que entramos num espaço de rústico que apela à comunhão com a natureza e ao relaxamento, e isso, caros amigos, tenho para mim que abre e bem o apetite de qualquer alma... Depois, já acomodados, somos presenteados com a simpatia da Evelina, a anfitriã do Cabeço e que nos guia pela vasta oferta que varia conforme o dia ou a ocasião e nesta minha primeira visita, depois de picar umas entradas bem sortidas, optei por partilhar um excelente naco de vaca acompanhado de batata frita, arroz e feijão preto, simplesmente delicioso...





Mas naquela noite de reis houve também quem se deliciasse com o magret de pato com laranja e batata doce ou com um bife de atum braseado, com um bife à casa ou com risotto de bacalhau... De resto, fica o conselho de que é boa ideia reservar mesa no caso de se tratar de uma ocasião especial para não correr o risco de ficar encalhado à porta... Ah, é verdade, note-se que ao almoço em dias de semana há menu económico e embora aí o leque de opções seja muito mais restrito e sem pratos fixos o risco que se corre é muito baixo devido à mestria da confecção...



E depois, para casos de digestão difícil ou demorada é sempre uma excelente ideia fazer depois um pequeno passeio pelas imediações do mosteiro ou pelas margens do Alcoa e do Baça... 


João Ratão

(Chef de Valmedo)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023



"Pantonio no Alcoa" -  Alcobaça  


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

 

LENDAS E NARRATIVAS - XV


ALCOBAÇA, UMA HISTÓRIA DE AMOR...


O amor que unia a donzela Baça ao moço Alcoa era tão intenso e puro que parecia digno de um conto de fadas e por isso aquele par de namorados era benquisto e admirado por toda a gente da região... Bem, valha a verdade nem todos lhes queriam bem porque um dia o rapaz recebeu a visita de uma enigmática e invejosa criatura e esse encontro virou-lhe o carácter e o modo de viver e tornou-se ambicioso a tal ponto que abandonou a sua até então amada Baça...


"Confluência do Alcoa e do Baça" - Jean-Charles Forgeronne


A desolada Baça chorou tanto e noites a fio que as suas lágrimas formaram uma ribeira... Quando soube disso, o jovem Alcoa caiu em si e num desespero terrível, afogado em remorsos chorou também dia e noite tanto que se transformou num rio que em noites de luar murmurava:
   - Baça, meu amor! Perdoa-me, peço-te por tudo que me perdoes!
E então Baça perdoou-lhe e ali mesmo na ponta do jardim do amor se juntou a Alcoa, desaguando no seu lado esquerdo, o lado do coração... Formou-se assim ALCOBAÇA e diz-se por aí que ainda hoje quem por ali passar em certas noites ainda consegue ouvir murmúrios e suspiros apaixonados vindos das águas do rio...


"Jardim do Amor" - Jean-Charles Foregeronne


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

 

UMA QUESTÃO DE IMPULSO...


Não sei porque razão, talvez devido a um repentino impulso, estacionei à lagardére e desci a rua do castelo em busca de emoções de outrora das quais, então me apercebi, tinha saudades, passar defronte da abandonada misericórdia de manuelinos pórticos ou abordar o largo do convento onde outrora reinava o majestoso coreto era coisa que não fazia há muito... E então, já lobrigando a Rua Grande à minha direita lembrei-me, havia que ir à Galeria Municipal da Lourinhã espreitar as "Mensagens Codificadas", uma anunciada exposição de pintura de uma artista ucraniana radicada em Portugal cuja foto de cartaz me havia seduzido dias atrás...


"Impulso" - Helena Zyryanova


Helena Zyryanova nasceu em 1971 na costa do Mar Negro e sempre teve o sonho de ser artista, as contingências mundanas trouxeram-na para Portugal em 2000 e onde veio a ficar durante 12 anos a viver em Peniche... Formada na Escola de Arte da sua terra natal nunca desistiu de pintar retratos e paisagens, expondo em Nova Iorque e tendo várias obras suas em colecções particulares espalhadas pela Europa, pela América e pelo Japão... Depois de 10 anos a viver na Alemanha por razões familiares regressou em Setembro do ano passado a Peniche, terra e mar pelos quais se apaixonou até à eternidade... Acresce que as suas últimas obras, uma simbiose de surrealismo e modernismo colorido, impregnadas de alusões oníricas, são feitas à noite depois dos seus turnos numa fábrica de peixe penichense...


"Viburno vermelho" - Helena Zyryanova

E alerta-nos Helena para não nos assustarmos com o preço de uma obra sua, o "Viburno vermelho", essa alusão à canção patriota ucraniana escrita durante a I Guerra Mundial e que curiosamente é tema do último single dos Pink Floyd, diz a artista que doará metade do valor da pintura a uma família ucraniana que ela conhece, o pai combatendo na frente de batalha e a mulher e a filha refugiadas em casa, algures... É obra!


João Plástico

(Artista de Valmedo)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

 

LIVROS 5 ESTRELAS - XXXI


A SOLIDÃO, A VIOLÊNCIA E OS CÃES...


Que faz um cão no meio do caminho? Espera por nós para o salvarmos do abandono? Ou será que é ele que nos quer salvar da nossa solidão? "UM CÃO NO MEIO DO CAMINHO" é mesmo o título do novo romance de Isabela Figueiredo, ex-jornalista, ex-professora de português no ensino secundário e agora blogger e escritora já com vários prémios e muito êxito...




De leitura escorreita e sedutora a obra debruça-se sobre a solidão, ou melhor sobre as solidões porque nenhuma solidão é igual e sobre como um cão pode ajudar alguém a sair de um buraco negro... O enredo passa-se numa época muito cara à autora, ela própria retornada aos 12 anos de idade e crescendo com os anos da revolução de Abril e a consequente luta política pela democracia...   

"- Moramos num apartamento, José Viriato."
Palmada leve.
- Não temos condições para ter um animal em casa.
Palmada assertiva.
- Ainda não tens idade para saber tomar conta de um cão.
Palmada dupla só com a ponta dos dedos.
- Eu trabalho, a tua mãe trabalha e tu vais para a escola. Quem olha por ele?
Sete pancadas explicativas marcadas com os dedos.
- Mais te digo: um cão prende-nos.
Palmada firme.
- E no final só temos desgostos.
Pancada de punho fechado.
- Eles morrem antes de nós.
Pancada com a mão ligeiramente aberta.
 - Temos de ser racionais quando tomamos decisões.
Palmada pragmática.
- Isso não é uma má ideia: é uma péssima ideia, José Viriato.
Palmada ponto parágrafo.
- Digo-o para teu bem.
Pancada final.
Ficamos em silêncio.
Eu repliquei em voz baixa:
- Quero um cão."


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

 

CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - XXXIX


SATÃ E O EXORCISTA MASTURBADOR...


Neste preciso dia em que é levado a enterrar BENTO XVI, o duocentésimo sexagésimo quinto papa da história da Igreja Católica e o primeiro a abdicar em 600 anos e a ser enterrado por outro papa, vem à lembrança que foi ele em pessoa e em espírito que em 2010 ordenou Xavier Novell como Bispo da cidade de Solsona, na Catalunha, então o bispo mais jovem de toda a Espanha com os seus 41 anos de idade... O jovem bispo tornar-se ia depois no exorcista titular da sua diocese e foi nessa condição que Novell iria transformar a sua vida numa novela de delirante enredo: perdeu-se de amores por uma escritora de contos eróticos e satânicos e que para além disso era divorciada e com dois filhos, coisa que deve ter corado de embaraço as altas instâncias morais do Vaticano!


"CM-24/11/2021"

No dia 22 de Novembro de 2021, e três meses após o Papa Francisco ter aceite a sua renúncia ao cargo embora lhe mantendo o título, o bispo exorcista Novell casaria no Registo Civil de Súria com a sua musa catorze anos mais nova, Sílvia Caballol, que para além de escritora é psicóloga e na ocasião grávida de gémeos... Parece que foi uma cerimónia bastante simples e o dia normal como os outros, nessa manhã do dia do casamento o bispo tinha ido trabalhar como sempre numa empresa especializada na extracção de esperma de porcos de elite! Sim, o trabalho do bispo é masturbar porcos! Diabo, não é este um excelente enredo para uma novela?!


João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

 

12 ANOS DO MUNDO-CÃO EM 12 PALAVRAS...

OU

AS PALAVRAS DO ANO (2011-2022)


Ao princípio a AUSTERIDADE não lhe fez muita mossa, começou por se valer de algumas economias que tinha numa conta à parte, um pé-de-meia que nunca tinha passado acima do tornozelo mas que era uma almofada para encarar apertos inesperados que pudessem surgir porque o conforto neste mundo-cão é tudo menos garantido, dissera a si próprio durante anos todos os dias como se de uma oração se tratasse...  Mas de pouco lhe valeria esse pequeno saco de poupanças que nem réstea de azul tinha, João Destratado começou a sentir-se cada vez mais ENTROIKADO a partir do momento em que o pequeno e obediente coelho tirou da cartola a solução mágica para a crise: vamos aos bolsos dos funcionários públicos, "essa escumalha que tanto refila mas pouco produz!", nada de subsídios e ainda um cortezinho no ordenado não virão daí males ao mundo! Tivera o grande azar de ter optado por construir uma carreira profissional ao serviço do Estado e como tal não podia desviar um cêntimo sequer dos seus rendimentos das garras do Fisco, irritava-se quando lhe chamavam Funcionário Público e ao qual ele respondia com raiva que isso não era profissão sequer, ele era um Técnico Especialista Superior que por acaso trabalhava para o Ministério da Saúde e que não tinha sido contratado por um amigo ou por qualquer cunha, tinha lá chegado através de concurso público, não devia favores nem nada a ninguém! 

- " Puta que os pariu a todos! - desabafava agora Destratado com o BOMBEIRO que o transportava de ambulância até ao hospital... - "Somos um infeliz país onde desde João V impera a CORRUPÇÃO , a pequena e a grande!"

- "Pois é, infelizmente..." - respondeu o bombeiro, talvez apenas para o acalmar porque não convinham muitas exaltações por parte do paciente, a perna não tinha bom aspecto e provavelmente ainda teria que ir ao bloco para operar...  - "Tudo por causa de uma trotineta, hein?"

- "Veja bem! É preciso azar, não acha? Mas coitado do homem, também não teve a culpa toda, ele só tentou desviar-se do cão... E além disso ouvi dizer da boca do patrão dele que é boa pessoa, trabalhador, pacífico, não se mete com ninguém... E além disso é um REFUGIADO iraniano... 

Destratado tinha relatado o incidente, ia a descer de Valmedo para a vila a cavalo da sua nova bicicleta quando de repente alguém trotinando se desvia para o meio da estrada para não chocar contra um cão que vinha subindo a ladeira alheado do trânsito, o embate foi inevitável, o refugiado apenas esfolou os braços, o cão saiu ileso e apenas o ciclista saiu machucado, após ter feito pirueta e meia aterrou sentado no alcatrão mas com uma perna um bocado torta...

- "Também não percebo esta coisa!" - exclamou entretanto o outro bombeiro, o que conduzia - "Como é que deixam andar todo o tipo de GERINÇONÇA na via pública, já não bastava os papa-reformas a entupir o trânsito, agora são as trotinetas ou são aquelas cadeiras de rodas automáticas, são fedelhos de skate a descer a ruas a alta velocidade, só falta mesmo um dia destes os carros terem que dar prioridade numa rotunda a uma criança que brinca com um carrinho telecomandado!"

Tinham entretanto chegado ao Hospital Central do Oeste e ali, no vale do Bombarral, chegavam as cinzas e os fumos dos INCÊNDIOS que assolavam Montejunto e o que restava da floresta do país, desceram-no da ambulância e estacionaram a sua maca no corredor da ortopedia... Um ENFERMEIRO realizava um inquérito a uma mulher com um braço ligado e umas equimoses no rosto e embora o fizesse em voz baixa Destratado ia descodificando toda a conversa, tratava-se de mais um caso de VIOLÊNCIA, doméstica, bem entendido...

E ali, num estéril e desumano corredor de hospital, João Destratado, profissional de saúde agora no outro lado da cortina, não conseguiu evitar que os seus olhos se humedecessem ao sentir SAUDADE dos seus tempos inocentes de infância em que tudo era puro e em que desconhecia ainda os podres deste mundo, a única coisa que o chateava então era quando tinha que ir de tempos a tempos levar com a VACINA do sarampo... E se este mundo-cão, mesmo assim, tem aguentado muitas guerras de palavras e enquanto a GUERRA consistir apenas em lançar palavras contra palavras vamos nós bem, pensava ele, agora quando são presidenciais bestas a lançar mísseis contra civis inocentes escudadas em propagandas absurdas e pré-históricas, o que fazer? Quanto a João Destratado, por mais destratado que se sentisse, só lhe restava amaldiçoar para todo o sempre os pequenos e hediondos Putins deste mundo... 


(PALAVRAS DO ANO - 2011 - Austeridade; 2012 - Entroikado; 2013-Bombeiro; 2014 - Corrupção; 2015 - Refugiado; 2016 - Geringonça; 2017 - Incêndios; 2018 - Enfermeiro; 2019 - Violência (doméstica); 2020 - Saudade; 2021 - Vacina; 2022 - Guerra...)


João Pena-Seca

(Escritor de Valmedo)