FOTOBIOGRAFIA DE UM AQUEDUTO
"(...) muito necessário trazer se a agoa da USSEIRA a esta villa de que sua alteza tem serta informasam e aqui se trata pedem a sua alteza a esta conta lhes fasam merse respeitando a necessidade desta villa que della ha (...)"
Rogava assim o povo da vila de ÓBIDOS à Rainha D. CATARINA DE ÁUSTRIA a construção urgente de um aqueduto que resolvesse o grave problema de abastecimento de água, e a rainha, tendo sido aliás ela própria que tinha iniciado as obras de modernização da vila, não se fez rogada e mandou construir o tão desejado AQUEDUTO, chamado tanto de ÓBIDOS como da USSEIRA, depende se falamos do início ou do seu final... E neste caso manda o bom senso que se comece pelo Chafariz Real da Praça de Santa Maria, o culminar pomposo da viagem da preciosa água...
Chafariz Real |
Encostado ao muro que suporta a Rua Direita, aquela que corta a vila desde a porta principal da muralha até ao castelo, o chafariz construído em pedra calcária e alguns pedaços de mármore rosa ostenta não só o corroído brasão de Catarina de Áustria como também o Pelourinho da Vila e hoje, porque gota não cai, só podemos imaginar os jactos de água a jorrar das duas bicas em forma de gárgulas e o povo em fila e à vez a encher cântaros, infusas e baldes... Mas ali, dentro da vila, nem sinal do aqueduto porque a canalização, nos seus quinhentos metros finais, entre a Porta da Vila e o Chafariz Real, segue subterrâneamente pela Rua Direita...
Quem, ao passar por Óbidos, não reparou em duas coisas, o castelo e aquela imensidão de arcos a perder de vista? Onde acabará aquilo? Bem, desde a Porta da Vila até ao chamado Vale dos Arcos e num percurso de dois quilómetros e meio, o aqueduto é aéreo, construído em pedra calcária e tijolo e coberto de alvenaria, ostenta arcos de volta perfeita que, com boa vontade, lhe conferem uma impressão românica e gótica...
Vale dos Arcos |
Da vila de Óbidos até ao Vale dos Arcos, o caminhante ou corredor que se afoitar consegue acompanhar facilmente o aqueduto mas a partir daí ele desaparece, nem sinal, os três quilómetros até à nascente voltam a ser subterrâneos...
E quem for realmente curioso e teimoso pode aventurar-se a descobrir a fonte desta obra de engenharia e para isso basta rumar à USSEIRA e foi isso exactamente o que fiz... Mas quem pensar que irá encontrar facilmente a fonte ou sequer alguma placa a indicar o caminho para ela irá desesperar, corre a povoação para cá e para lá e não encontra nada, nem sequer muitas pessoas a quem pedir informação... Mas era uma manhã de sorte, calhou inquirir a jovem empregada da associação cultural e recreativa da terra e que tinha vindo à rua desfazer-se lixo para a coisa se compor, ela inicialmente ficou à nora mas respirou de alívio quando chamou alguém que vira aproximar-se... Era o Artur Marques, funcionário da Junta e que equipado a preceito e de aspirador portátil na mão limpava os passeios das precoces folhas outonais... O Artur conhecia tudo e todos por aquelas bandas, ali nascera há seis décadas e dali não tencionava sair a não ser de carreta, claro que sabia a história do aqueduto e da sua fonte, sabia os caminhos para cá e para lá, tinha pena de não poder levar-me lá pessoalmente mas trabalho é trabalho, e depois...
O açude... |
A fonte do aqueduto é uma mina que hoje está inacessível não só porque se encontra numa propriedade privada como parece que, como é normal hoje em dia neste país, se encontra escondida no meio de luxuriante e selvagem vegetação... Mas da mina ainda brota água e em força, é fácil ver isso no açude, uma represa lá em baixo no vale, já próximo da fonte que um dia abasteceu Óbidos...
(Fotos: Jean-Charles Forgeronne)
João Alembradura
(Historiador de Valmedo)