sexta-feira, 30 de agosto de 2019



FOTOBIOGRAFIA DE UM AQUEDUTO


"(...) muito necessário trazer se a agoa da USSEIRA a esta villa de que sua alteza tem serta informasam e aqui se trata pedem a sua alteza a esta conta lhes fasam merse respeitando a necessidade desta villa que della ha (...)"

Rogava assim o povo da vila de ÓBIDOS à Rainha D. CATARINA DE ÁUSTRIA a construção urgente de um aqueduto que resolvesse o grave problema de abastecimento de água, e a rainha, tendo sido aliás ela própria que tinha iniciado as obras de modernização da vila, não se fez rogada e mandou construir o tão desejado AQUEDUTO, chamado tanto de ÓBIDOS  como da USSEIRA, depende se falamos do início ou do seu final... E neste caso manda o bom senso que se comece pelo Chafariz Real da Praça de Santa Maria, o culminar pomposo da viagem da preciosa água...





Chafariz Real


Encostado ao muro que suporta a Rua Direita, aquela que corta a vila desde a porta principal da muralha até ao castelo, o chafariz construído em pedra calcária e alguns pedaços de mármore rosa ostenta não só o corroído brasão de Catarina de Áustria como também o Pelourinho da Vila e hoje, porque gota não cai, só podemos imaginar os jactos de água a jorrar das duas bicas em forma de gárgulas e o povo em fila e à vez a encher cântaros, infusas e baldes... Mas ali, dentro da vila, nem sinal do aqueduto porque a canalização, nos seus quinhentos metros finais, entre a Porta da Vila e o Chafariz Real, segue subterrâneamente pela Rua Direita...








Quem, ao passar por Óbidos, não reparou em duas coisas, o castelo e aquela imensidão de arcos a perder de vista? Onde acabará aquilo? Bem, desde a Porta da Vila até ao chamado Vale dos Arcos e num percurso de dois quilómetros e meio, o aqueduto é aéreo, construído em pedra calcária e tijolo e coberto de alvenaria, ostenta arcos de volta perfeita que, com boa vontade, lhe conferem uma impressão românica e gótica...




Vale dos Arcos


Da vila de Óbidos até ao Vale dos Arcos, o caminhante ou corredor que se afoitar consegue acompanhar facilmente o aqueduto mas a partir daí ele desaparece, nem sinal, os três quilómetros até à nascente voltam a ser subterrâneos...








E quem for realmente curioso e teimoso pode aventurar-se a descobrir a fonte desta obra de engenharia e para isso basta rumar à USSEIRA e foi isso exactamente o que fiz... Mas quem pensar que irá encontrar facilmente a fonte ou sequer alguma placa a indicar o caminho para ela irá desesperar, corre a povoação para cá e para lá e não encontra nada, nem sequer muitas pessoas a quem pedir informação... Mas era uma manhã de sorte, calhou inquirir a jovem empregada da associação cultural e recreativa da terra e que tinha vindo à rua desfazer-se lixo para a coisa se compor, ela inicialmente ficou à nora mas respirou de alívio quando chamou alguém que vira aproximar-se... Era o Artur Marques, funcionário da Junta e que equipado a preceito e de aspirador portátil na mão limpava os passeios das precoces folhas outonais... O Artur conhecia tudo e todos por aquelas bandas, ali nascera há seis décadas e dali não tencionava sair a não ser de carreta, claro que sabia a história do aqueduto e da sua fonte, sabia os caminhos para cá e para lá, tinha pena de não poder levar-me lá pessoalmente mas trabalho é trabalho, e depois...




O açude...
  

A fonte do aqueduto é uma mina que hoje está inacessível não só porque se encontra numa propriedade privada como parece que, como é normal hoje em dia neste país, se encontra escondida no meio de luxuriante e selvagem vegetação... Mas da mina ainda brota água e em força, é fácil ver isso no açude, uma represa lá em baixo no vale, já próximo da fonte que um dia abasteceu Óbidos...


                                                                                                              (Fotos: Jean-Charles Forgeronne)

João Alembradura

(Historiador de Valmedo)


A LOUCA VIDA DE UMA RAINHA...


Assim que nasce, CATARINA DE ÁUSTRIA é encarcerada juntamente com a mãe em Tordesilhas, culpa das invulgares credenciais com que se apresentou ao mundo: por um lado, é orfã de pai, FILIPE, O Belo, rei de Castela e não aquele que no trono de França dois séculos antes tinha achado por bem exterminar os Templários, esquisitices da História, porque carga de água existem dois Filipes Belos que ainda por cima nada têm a ver um com o outro?; por outro lado, Catarina é filha de JOANA, a Louca, aquela mesma que mandou embalsamar o seu defunto marido e que depois viria a passear o seu cadáver durante oito meses por terras castelhanas, completamente alheada do mundo real... Valeu a Catarina a influência do seu irmão, o imperador Carlos V, que a mandou libertar para a casar com o rei lusitano D. JOÃO III e assim selar uma importante aliança no conturbado xadrez político da época... 




Catarina de Áustria




Apesar de constar que teve um casamento feliz e tranquilo com o seu piedoso marido, a vida de Catarina esteve sempre impregnada de tragédia e que culminou no facto de ter assistido à morte de todos os seus nove filhos, e se perder um filho é doloroso imagine-se nove!... Assim, quando morre D. João III, Catarina assume durante meia dúzia de anos a regência do reino de Portugal até à maioridade do seu neto e futuro rei, D. SEBASTIÃO, o tal que se viria a perder no nevoeiro e que até hoje não encontrou o rumo para casa... E Catarina, que morreu meses antes de Álcacer-Quibir, ao menos foi poupada à perdição do neto!
Herdeira de beleza e de loucura, a nossa dama austríaca não saiu nem a um lado nem a outro, antes se revelou uma rainha inteligente, determinada e culta, e fruto da sua enorme cultura é o facto de ter passado a vida a coleccionar obras de arte asiática e de tal forma o fez que, à época e em toda a Europa, não havia colecção de arte que contivesse maior número de obras não europeias!...
E Catarina ainda teve tempo para deixar obra feita, de que é exemplo o AQUEDUTO DE ÓBIDOS, ou antes, o AQUEDUTO DA USSEIRA, que mandou construir em 1573...



Óbidos à vista...


João Alembradura

(Historiador de Valmedo)



A ALMA DE VIENA E A BONECA...



Um autêntico furacão varreu VIENA durante o estertor do século XIX e o alvor do século XX e era uma mulher, a mulher! Corporizou o ideal de femme-fatale, era belíssima para os padrões da época, alta, opulenta, olhos azuis que desarmavam e semblante suave e equilibrado, mas o que a distinguia era muito mais do que o aspecto físico, ela era muito culta, inteligente, brilhante, original, desafiadora, uma personalidade de atracção irresistível... E os homens simplesmente não lhe conseguiam resistir, caíam de quatro perante o arrebatador poder de sedução desta mulher, desde músicos, pintores, escritores e outros artistas da fervilhante cena cultural da Viena de então, quem se cruzasse com ela caía de amores por aquela abençoada criatura, desde Mahler, a Kokoskha, a Gropius, a Werfel, a Rilke, a Klimt, a Hauptmann e por aí fora... 





Alma


ALMA, assim se chama a nossa heroína, era uma talentosa artista, filha do pintor Schindler, tinha-se revelado desde tenra idade uma exímia pianista, começou a compor música aos nove anos de idade e aos vinte já tinha no seu reportório composições para ópera e mais de cem lieder, as célebres canções para piano e canto, e claro, toda a gente comentava pela capital austríaca sobre o enorme talento e o risonho futuro que aguardava aquela jovem... Mas algo inexplicável aconteceu aos seus vinte e um anos de idade! Um casamento precoce e trágico com o todo-poderoso Gustav Mahler, o então director da ópera de Viena e vinte anos mais velho que do alto do seu estatuto e das convenções sociais da época  obriga Alma a anular-se enquanto mente criativa, que parvoíce era essa de ela querer continuar a ser compositora?! O lugar dela era em casa, na gestão doméstica, e ela a isso se predispôs, anulou-se para o tornar feliz, e assim seria até ao fim da sua vida, anular-se-ia sempre para tornar os seus homens melhores e felizes! Há sempre uma falha no carácter, não há personalidades perfeitas e a falha de Alma era essa, a de não romper com toda a situação, de não ter a coragem de dar o salto em frente ainda que no escuro, mas sempre ousar seria a única saída, e não foi, teve um casamento miserável e infeliz com alguém egocêntrico, absorto, aborrecido e até, segundo alguns, impotente! Que desperdício... Alma passa o tempo a chorar, sofre, torna-se depressiva e revolta-se contra o vazio em que a sua vida se tinha tornado, valeu-lhe que numa das suas estadias balneares para recuperar das suas angústias conhece Walter Gropius, o famoso arquitecto fundador da Bauhaus, e a paixão surge desenfreada num clandestino idílio que só não não dura mais tempo porque, passado um mês, num lapso caricato, Gropius dirige por engano a Mahler uma arrebatadora carta que seria para Alma e aquele fica destroçado, morrendo pouco tempo depois... Alma fica viúva aos 31 anos de idade...  
  





Hermione Moos nos acabamentos da boneca...




Depois de enviuvar ALMA desiste definitivamente da música mas também jura a si própria que nunca mais deixará que um homem mande nela, e quem mais sofreu com isso foi o amante seguinte, Oskar KOKOSCHKA, o pintor expressionista e rebelde que com ela viveu durante três anos uma atormentada paixão... E quando foi abandonado por ela, KOKOSCHKA a modos que enlouqueceu e não suportando a ausência da sua amada encomendou à pintora e escultora Hermione Moos uma boneca de pano em tamanho real que retratasse fielmente os traços de Alma Mahler... A encomenda demorou quase um ano a ficar pronta e apesar de constar que a obra final tivesse algumas  imperfeições que não agradaram a Kokoscka, a verdade é que ele se tornou inseparável da boneca, inclusivamente a levava ao teatro e à ópera! E o estranho romance entre pintor e boneca durou um ano até que um dia, sabe-se lá porquê, uma veneta ou um copito a mais, o amante não foi de modas e decapitou a sua amada embonacrada!
Quanto à verdadeira Alma, entre muitas paixões voltaria a casar duas vezes, com o já conhecido Gropius e com o romancista Franz Werfel, este o homem que aguentaria mais tempo a seu lado, trinta anos bem contados e que com ele, já com sessenta anos de idade, foi obrigada a fugir dos nazis atravessando a França e transpondo a pé os Pirinéus para daí alcançar Portugal e rumar à América... Portugal foi a sua salvação então e Alma assim o reconheceu na sua autobiografia: "Nunca esquecerei aqueles dias de paz paradisíaca num país paradisíaco depois do tormento dos meses anteriores!"







"Auto-retrato com boneca" - Kokoschka, 1922



João Plástico

(Artista de Valmedo)


segunda-feira, 26 de agosto de 2019


CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XVIII


PREGAR A TRADIÇÃO NUM CEPO...


O incauto viajante que não sabe da história e que vai em busca do principal monumento de VIENA, a imponente catedral de Santo Estevão (Stephansdom), e se for alguém de curiosidade apurada e capacidade de observação refinada, corre o bom risco de ser surpreendido por  algo invulgar: ali mesmo, numa esquina da praça defronte da catedral, pode-se observar numa curiosa redoma um tronco totalmente cravado de pregos! A coisa está tão bem inserida no meio que naquela barafunda de turistas que vão e vêem o artefacto passa despercebido à maior parte das criaturas que por ali deambulam, e isso ficou provado nos dez minutos que fiquei ali a contemplar a inusitada obra de arte e a observar a movimentação das massas, tudo segue direitinho para a catedral e depois de a visitar deixa-se engolir pela atracção vanguardista do edifício Haas Haus antes de ir na corrente pela deliciosa rua Graben onde imperam as lojas elegantes...




"O Cepo de Viena" - J.C.Forgeronne

E estava eu ali à procura do melhor ângulo para fotografar o cepo quando alguém se aproxima ligeiro de máquina fotográfica em punho e olhar perscrutante sobre os óculos caídos pelo nariz, e então fiquei petrificado como o cepo na redoma, reconheci imediatamente o grande fotógrafo Jean-Charles Forgeronne, ele mesmo ali de carne e osso, e eu que o seguia assiduamente naquele blog um pouco marado chamado Planandonomundocão, longe de imaginar que haveria de me cruzar com ele no sitio menos provável... Ele abeirou-se, examinou a coisa como se procurasse o melhor ângulo para disparar e do nada perguntou:
   - Português?
Devo ter feito cara de parvo e ficado tempo demais de boca aberta que ele insistiu:
   - Autocolante do glorioso! - disse ele olhando para a mochila que eu tinha às costas...
   - Pois! Português e sofredor... - consegui dizer depois do embaraço inicial. E não era a primeira vez que eu era desmascarado nos locais mais recônditos pelo autocolante do Benfica, da próxima vez que quisesse passar despercebido teria que mudar de mochila.
    - Sabe a história? - perguntou ele. E sem esperar pela resposta adiantou: - Este tronco tem mais de quinhentos anos e consta que cada um daqueles milhares de pregos foram ali cravados desde então pelos ferreiros antes de saírem de Viena... Cada vez que saiam da cidade espetavam um prego para lhes dar boa sorte!
Forgeronne pôs-se de joelhos, inclinou a câmara e disparou. - Pronto! Já reparou que consegue uma bela foto se captar o reflexo da catedral?
  - Por acaso estava a pensar como se poderá espetar ali outro prego... Para dar sorte ao glorioso...
  - Bem, se calhar vale mais ir rezar para a catedral - respondeu ele, rindo. - Bom dia e bom passeio.
E seguiu ele em demanda de outras curiosidades...





"Cepo espeta no cepo" - Festa de Nadrupe


Semanas mais tarde, no habitual jantar de amigos da corrida e do snooker  na festa anual do Nadrupe, aqui bem perto de Valmedo, e depois de uma maravilhosa mão de vaca condimentada com boa boa disposição e amizade, descemos à zona de jogos e com surpresa imagino-me novamente em Viena junto daquela relíquia da Idade Média, é que ali estavam dois enormes cepos no meio do recinto e de volta deles muita gente em alvoroço, alguns, os jogadores, tentando à vez com furiosas marteladas enterrar um prego enorme no cepo e os demais, uns curiosos outros divertidos, apoiavam ou gozavam com a falta de perícia de alguns no martelanço... No final, glória ao vencedor, aquele que primeiro espetar na totalidade o seu prego!
Parece que este é um jogo tradicional português bem antigo e que ultimamente tem feito sucesso nas festas populares de norte a sul e que pode ser praticado por qualquer um mesmo que não tenha a perícia dos ferreiros vienenses, embora, e por mim falo, naqueles em que as mãos são a principal ferramenta de trabalho será melhor fazer um seguro de acidentes pessoais... E mais que não seja, enquanto se tenta espetar a cavilha deseja-se boa sorte para os tempos próximos enquanto se ganha alguma habilidade para certos trabalhos caseiros...


João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)
"Um coelho chamado Donald Monet" - Viena - J.C.Forgeronne




Duas d"As Três Idades da Vida" em Paimogo - Klimt



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)
"O Beijo" - Gustav Klimt, 1907 - Galeria Belvedere, Viena

domingo, 25 de agosto de 2019



ANDAR À RODA POR UM BEIJO EM VIENA


VIENA facilmente mete a cabeça de um viajante a andar à roda tanta é a magnificência da sua arquitectura, a imponência monumental e a riqueza cultural que dela emana, respira-se arte e vive-se a história em cada centímetro quadrado da velha cidade imperial que já foi o centro artístico da Europa... Mas quando se fala de RODA em Viena está-se a falar instintivamente na RIESENRAD, ou seja na famosa RODA-GIGANTE que roda há mais de um século no PRATER, antiga coutada de caça imperial e que foi transformada num parque público em 1766 pelo imperador Francisco José I, marido da famosa Sissi. Em 1897 seria então inaugurado o parque de diversões mais antigo do mundo e cujo principal símbolo é exactamente a descomunal roda que muita história tem para contar, passou incólume pela I Grande Guerra mas o mesmo já não aconteceria mais tarde quando, em plena II Guerra Mundial, viu grande parte da sua estrutura ser destruída pelos bombardeamentos de que Viena foi alvo...




"Riesenrad" - Viena - J.C.Forgeronne



Mas rapidamente a Riesenrad foi restaurada para se manter em actividade até hoje, passados 122 anos e tendo-se tornado um dos ex-libris de Viena... Apesar de só ter hoje metade das 30 cabines originais, continua em perfeito funcionamento e é possível, para além de uma simples volta para desfrutar de um magnífico panorama sobre Viena do alto dos seus 60 metros, alugar uma cabina para um memorável jantar de sonho à luz da vela, para quem pode, claro! E para essa febre romântica que assalta os visitantes de Viena muito contribuiu a sétima arte, nomeadamente a cena imortalizada em "Antes do Amanhecer", trilogia de culto da autoria de Richard Linklater e em que Ethan Hawke e Julie Delpy, ou antes,  Jesse e Céline, se beijam a bordo de uma das cabines da roda gigante...





"A roda" - Viena - J.C.Forgeronne


A cena não foi ali filmada por acaso, consta que tudo terá partido da admiração do realizador pelo mítico Orson Wells que ali filmou em 1949 uma cena do filme "O Terceiro Homem", baseado na obra do grande Graham Greene...




Na cabina antes do amanhecer...



João Película

(Cinéfilo de Valmedo)

sexta-feira, 23 de agosto de 2019



MOZART, O BACALHAU E OS PALAVRÕES...


Que melhor local poderia haver para encontrar o fascinante génio do MOZART senão ali mesmo, defronte da fachada imponente do Palácio de Shonbrunn? Ali estava ele armado em estátua dirigindo uma imaginária orquestra e só dava sinais de vida quando alguém lhe dava troco, isto é, notas que lhe soavam a música celestial e então, mas só então, se agitavam os seus braços numa vénia graciosa...
À falta do alemão e enquanto depositava as duas parcas moedas que me tinham sobrado do caríssimo metro de Viena perguntei-lhe:
  - Can I get you a picture?
Não obtive resposta, apenas uma leve aquiescência com a cabeça e lá tirei o retrato enquanto desabafava alto e em bom português:
"F*da-se, este está muito bem caracterizado, cheio de manias e emproamentos como o original!"



"Amadeus"- Viena - J.C.Forgeronne




E então algo extraordinário aconteceu, a estátua desfez-se por completo, sorriu para mim e até botou palavra:
  - Where are you from?
  - Portuguese!
  - Oh! F*cking amazing country! I love Lisbon, f*ck! I was there several times, f*ck! How do you say? Sheet, I can't remember... Codfish?
- Bacalhau?
- F*ck! That's it! Ba-cá-lau... Mother f*cker! Bacálau! I love your bacálau! The best bacálau in all the f*cking world! 
- I agree and we have thousand ways of cooking it! 
- F*ck, that's right! But my prefered is like handjob...
 E então encravei aqui... Que raio quereria dizer o bom do Amadeus com bacalhau à handjob? Mas fez-se luz...
- Ah! Punheta de bacalhau!
- Yes, f*ck, that's it! Pu-nhe-tá! 
A coisa entretanto estava difícil, mais uma carrada de chineses tinha entretanto saído de um autocarro e acercava-se, não restou ao bom do Mozart aprimorar-se outra vez, tornou-se rígido novamente mas não sem esboçar um último sorriso e dizer:
- I love portuguese and bacálau! F*cking loving people! 
- Have a nice day...
E lá entrei no Palácio, já com saudades daquela figura que agora era engolida pelo enxame de chineses e que não tinha mãos a medir para as selfies e para as moedas, seria um bom dia certamente...




"Schonbrunn" - Viena - J.C.Forgeronne




E embora estivesse eu a deambular por um lugar mágico não conseguia tirar da cabeça o encontro imediato com aquela desconcertante personagem, afinal tinha sido num daqueles salões que aos 5(!) anos de idade MOZART tinha encantado a corte com o seu virtuosismo no cravo, na presença da imperatriz Maria Teresa e da sua filha Maria Antonieta, a futura rainha de França que acabaria guilhotinada, e que um século depois também por aqueles jardins tinha andado Isabel da Baviera, mais conhecida por SISSI, carregando a sua melancolia enquanto não dava mais uma das suas escapadelas à ilha da Madeira para curar os acessos de tristeza e ansiedade... E aquele ambiente fazia-me crer que era mesmo o génio que estava lá fora afogado em turistas chineses, não padecia afinal Mozart daquela estranha e célebre doença neurológica conhecida por Síndrome de La Tourette, também conhecida pela "doença dos tiques"? Para além da produção extravagante e descontrolada de movimentos e sons bizarros, um dos principais sintomas da doença é a utilização excessiva e compulsiva de palavrões e isso aquele Mozart que acabara de conhecer fazia-o convincentemente, à imagem do original que, segundo os estudiosos do fenómeno, em dezenas de cartas que endereçara à família tinha brindado os destinatários com inúmeros palavrões, sendo os mais comuns "olho do cu", "peido", "cu" e "merda"... Além disso, tal qual o original, este também era viajado, teria estado várias vezes em Lisboa onde se perdera pelo lusitano bacalhau! Seria mesmo ele, ressuscitado?




Quando saí de SHONBRUNN o meu Mozart já lá não estava e só lhe desejei melhor sorte que ao original que morreu doente e abandonado aos trinta e cinco anos de idade... Consta que apenas o condutor da carruagem e o capelão acompanharam Amadeus até à última morada, no cemitério San Marcos onde foi enterrado numa vala comum, vale que embora se tenham perdido os seus restos mortais lá lhe dedicaram um monumento fúnebre em sua memória... E a sua presença continua a ser tão forte hoje em dia que eu, mesmo ali e ainda a quente, prometi a mim mesmo que uma das primeiras coisas que iria fazer quando regressasse a Valmedo seria confeccionar e degustar uma maravilhosa punheta de bacalhau, tudo ao som de Don Giovanni e regado com um tinto filho da p*ta!


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)



quinta-feira, 15 de agosto de 2019



ALUCINAÇÕES DE UM ARTISTA FRUSTRADO...




Amigos caninos, já não era sem tem tempo, que saudades tinha de comunicar convosco! Pois bem, hoje quero falar-vos de ARTE e tudo começou assim:
  - James, dá cá isso!
E eu, claro, não dei nada, afinquei mais os dentes na minha presa e refugiei-me no cantinho que estava mais à pata...
  - Ouviste?! Dá cá isso senão temos problemas!  - gritou o J.C, arremelgando-me os olhos e isso, amigos, significa que a coisa é séria e que será melhor  negociar...
E eu, confesso-vos, amigos caninos, que desta vez estava mesmo surpreendido com a reacção do J.C, e embora reconheça que às vezes ele pode ter alguma razão, desta vez não era caso para tanto espalhafato, afinal eu só tinha entre os meus dentes um pedaço de raiz que tinha encontrado durante o nosso curto passeio pelas redondezas, não passava de um pedaço de madeira que me tinha chamado a atenção pelo seu cheiro, ainda tinha impregnado aquele odor a mamífero selvagem, talvez coelho talvez javali, uma mistura almiscarada que me agradava... De resto, nada  de especial tinha, a meu ver, aquele pau, porque não passava disso mesmo, um singelo e reles pau que tinha encontrado pelo caminho...
E então desabocanhei, curioso para ver o que saía dali... O J.C pegou naquilo, virou-o vezes sem conta, olhou por cima e por baixo, até de lado, e disse numa voz que não escondia a emoção:
   






   - Não vês que isto é uma obra de arte da natureza?
E aí eu comecei a ficar preocupado, teria ele endoidecido de vez? Estaria com alucinações? O meu ar de estupefacção deve ter sido bastante convincente por que já ele se justificava:
   - Repara, visto deste ângulo parece mesmo um cão a correr, feliz da vida, não achas?
E eu olhava para o pau, olhava para o J.C, e não sabia o que dizer, era uma coisa surreal!
  - Não vês, James? - insistia ele...
  - Não, não vejo cão nenhum aí! - ladrei... 




Então ele olhou para mim com os olhos arregalados sobre os óculos e, passado uns instantes que me pareceram uma eternidade, disse:
  -Desculpa, tens razão, a tua prioridade é o cheiro e não o aspecto, mas vou tentar explicar-te...
E deu meia volta, levando consigo o artefacto e deixando-me ali especado nas quatro patas...
Voltou passado algum tempo agitando na mão direita o pau e na mão esquerda um papel:
  - Repara neste desenho, és tu a correr, certo?
E de facto, aquilo até poderia ser eu, manchas acastanhadas e língua de fora, de facto parecia um cão a correr...
  - E não achas que aqui é a mesma coisa? Um cão a correr? Tu, por exemplo?
E eu, amigos caninos, olhava e olhava mas não conseguia ver nada de especial naquele pedaço de raiz, a única coisa que alcançava era aquele cheiro a natureza selvagem...  
E então o J.C abanou a cabeça, disse qualquer coisa para si mesmo, tirou o telemóvel do bolso e fotografou aquela obra de arte da natureza e voltou-me as costas... Aí, coisa resolvida, voltei a abocanhar aquilo que não tardou a ficar desfeito em mil pedaços enquanto ia pensando nesta maluqueira de alguns humanos que julgam ter visão artística e que passam a vida a tentar descobrir arte em coisas que não lembra ao diabo! 








JAMES

(Cão de Valmedo)

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

terça-feira, 13 de agosto de 2019



O PICANTE DO DESERTO EM VALMEDO...



Chama-se MERGUEZ e é uma salsicha que nos traz os odores e os aromas do deserto do Magrebe... Imaginemo-nos de visita a uma típica casa berbere, ali no sopé do ATLAS marroquino, e do terraço tem-se pela frente o vasto deserto do Sara e pelas costas, do outro lado das altas montanhas, a planície que desagua no Atlântico; a casa de adobe tem um telhado de canas e palha e é um labirinto de divisões que ocupa dois pisos, incluindo a casa dos animais, quando menos esperamos podemos cruzar-nos com cabras e carneiros, e é justamente juntando à carne, à gordura e à tripa destes últimos um sem número de especiarias (alho, cominhos, gengibre, açafrão, várias pimentas, cravinho e muitas mais) que, honrando a tradição, se fabricam as salsichas merguez...
Desde os tempos coloniais que a merguez se tornou famosa em França e depois noutros países e a  globalização levou inevitavelmente a uma adaptação europeia, a salsicha francesa, por exemplo, é feita com uma mistura de carne de vaca e carneiro. As merguez são muito versáteis, podem ser confeccionadas com couscous, servidas simples ou em sandes, fritas com ou sem ovos ou podem servir de recheio a massas e pasteis, mas achei bem experimentá-las à Valmedo, enroladas em couve e acompanhadas por um delicioso arroz de pimentos... Aqui vai:  







MERGUEZ COM COUVE À VALMEDO


INGREDIENTES:

- 10 a 12 salsichas merguez
- 1 couve pequena
- 1 cebola
- 3 dentes de alho
- 3 tomates maduros
- 3 cenouras
- azeite q.b
- 1 folha de louro
- 1 copo de vinho branco seco
- sal e pimenta
- arroz q.b
- 1/2 pimento verde









- Começa-se por cozer as folhas de couve e as cenouras às rodelas finas em água e sal; retirar e reservar a água da cozedura;
- refogar a cebola e os alhos picados em azeite; quando alourar juntar 1 folha de louro e os tomates cortados em pedaços pequenos; temperar com sal e pimenta e deixar cozinhar, juntando se necessário um pouco da água da cozedura das couves para não secar;
- entretanto, enquanto o refogado vai apurando, vai-se enrolando as salsichas nas folhas de couve, prendendo-as com palitos;
- juntar ao refogado 1 copo de vinho branco, as cenouras e as salsichas enroladas, rectificar os temperos (atenção que as salsichas são picantes e muito condimentadas) e deixar cozinhar 10 minutos;
- servir com arroz de pimentos feito na água da cozedura das couves;


Bon appétit...









João Ratão

(Chef de Valmedo)

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

"Mural John Lennon" - Praga

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


"Assim, em média, num mês prenso duas toneladas de livros, mas, para encontrar forças para este meu bendito trabalho, nestes trinta e cinco anos devo ter bebido tanta cerveja que encheria uma piscina de cinquenta metros ou um conjunto de tanques para coroas de Natal... Assim tornei-me sábio contra a minha própria vontade..."

in "Uma solidão demasiado ruidosa", Bohumil Hrabal





"Praga" - Jean-Charles Forgeronne 



LIVROS 5 ESTRELAS - XV


A SOLIDÃO NUM MUNDO SEM LIVROS...


Um génio desconhecido! Não fosse a mão amiga do João Andarilho a emprestar-me este pequeno grande livro e bem poderia acontecer eu finar-me um dia destes sem ter desfrutado desta pérola... São pouco mais de cem páginas mas valem muitas mais porque é raro encontrar tanta coisa em tão poucas palavras, numa frase ou num parágrafo pode concentrar-se o mundo inteiro, o real e o imaginário, como numa amálgama saída da prensa do trágico herói da história, tudo ligado por ironia e sarcasmo desarmantes... "Uma solidão demasiado ruidosa", publicado por Bohumil Hrabal em 1976, após a era de repressão soviética na Checoslováquia e em que o próprio autor foi considerado proscrito e viu as suas obras proibidas durante anos, é uma maravilhosa homenagem aos livros. O herói trabalha na cave de um depósito de reciclagem em Praga aonde lhe chegam toneladas e toneladas de papeis e livros para a destruição mas, antes de os colocar na sua prensa, ele não resiste a folhear os livros, a conhecê-los e a achá-los a coisa mais importante da sua vida; assim, salva aqueles que pode e leva-os para casa, aos outros abre-os na página favorita ou na imagem mais bela e com eles forra os pacotes prensados, as suas obras de arte afinal...








Mas o progresso vai alterar tudo, não só a vida do nosso herói na cave mas também a do mundo lá em cima... Crítico, incómodo, divertido, surreal, original, esta obra contribuiu para que Hrabal fosse considerado no seu país um seguidor de Kafka e eleito como um dos melhores escritores do século XX... 

"(...) e eu, como que atingido por um raio, humilhado, numa situação de grande stress, compreendi de repente, com o corpo e com a alma, que já nunca mais seria capaz de me adaptar, que estava na mesma situação dos monges de alguns mosteiros quando souberam que Copérnico descobrira leis cósmicas diferentes daquelas que eram válidas até ali - que a Terra já não era o centro do universo, que era ao contrário -, e esses monges suicidavam-se colectivamente, porque não saberiam imaginar um mundo diferente daquele em que tinham vivido até então. (...) E aí é que se me toldaram os olhos: eu que, durante trinta e cinco anos, tinha empacotado textos velhos, eu que não podia viver sem a surpresa de a cada momento poder pescar, no papel repelente, um belo livro como prémio, então eu havia de ir empacotar papel branco, inumanamente imaculado?" 




João Vírgula

(Leitor de Valmedo)


sábado, 3 de agosto de 2019



EFEMÉRIDE # 61


AS MARAVILHOSAS CABEÇAS FALANTES...


40 anos! E parece que foi ontem... Pode parecer piroso, e talvez o seja mesmo, mas arrisco dizer que o tempo é definitivamente uma coisa muito relativa, como é então possível terem passado quatro décadas sobre aquele momento em que fui comprar o "FEAR OF MUSIC" à velhinha loja de discos da velhinha Rua Almirante Reis, em Torres Novas, com os bolsos recheados com os escudos amealhados na colheita do figo preto, espaço de que não me recordo do nome e que não passava de um simples e esconso corredor que abria num balcão recheado de capas das últimas novidades e não só, antro especial que era conhecido então por ter sempre aqueles discos alternativos de que todos gostávamos e comentávamos em animadas conversas durante os intervalos das aulas... E se não houvesse encomendava-se, uma fnac muito à frente do seu tempo! Mas do que me lembro e bem é que foi graças ao Mourão, colega de turma e craque de andebol com tiques musicais interessantes que cheguei aos TALKINGS HEADS, ele que morava paredes meias com a garagem dos Claras onde eu apanhava a camioneta da carreira para casa ao fim do dia, e num desses dias, após animada conversa sobre música e bandas, dou comigo em casa do Mourão a ouvir o "Psicho Killer", novidade então e grande orgulho dele... E de facto convenceu, fiquei apanhado pelas cabeças falantes, embora só mais tarde tenha comprado os seus discos e bebido a sua magia até à última gota!





Editado a 3 de Agosto de 1979




E que deslumbre foi chegar a casa e colocar o 33 rotações na aparelhagem, delícia de som, algo muito à frente do seu tempo, chamassem-lhe o que quisessem, punk electrónico ou new wave, não interessava a onda, era apenas um som genial! E aquela incrível sequência de "Cities", "Life during Wartime", Memories can't wait", muda o disco para o para o lado B (sim, era preciso mudar o disco para o lado B, às vezes parecia que eram duas obras distintas, a A e a B) e depois "Air" logo seguida da minha favorita, "Heaven", era demais para uma mente conturbada e irrequieta de quinze anos de pouca maturação! E foi aí que ouvi pela primeira vez que o céu é um sítio onde nada acontece! E se puder levar algumas coisas comigo para o céu ou para o inferno, quem sabe, por poucas que sejam, levarei então o "Fear of Music"!







João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)


"(...)
Ficar, partir
Não ter, decidir
Guardar, ouvir
Eu não me posso mais.

Ficar com o tempo a dobrar
Sair com seja quem for
Passar a noite a brincar
Cavar buraco maior
Cantar a minha tristeza
E achar que vou ficar bem
Não se pode tar sempre bem."


"Sempre bem" (excerto), "A invenção do dia claro", 2019
CAPITÃO FAUSTO 



"Tristeza boa" - Jean-Charles Forgeronne

"Sons na Areia 2019" - Capitão Fausto