MISTÉRIO EM BRATISLAVA... - I
De muito longe vinha aquele som familiar, soava como que muitos sinos repicando desde as profundezas dos tempos, uns agudos e fortes, outros distorcidos e graves, fazia-lhe lembrar o sino da igreja da Senhora das Neves que existia mesmo ao lado da escola primária e que muitas vezes lhe provocara arrepios sempre que o homem do badalo teimava em dar sinais funestos quando ele e os outros meninos brincavam no recreio...
Abriu os olhos e viu a brancura do tecto, onde estava? Dois aguilhões trespassavam-lhe as têmporas, sentia a nuca presa e pesada, abriu a boca e estendeu a língua seca e entumescida, gretada, ávida de um gole de água... Que raio? Os sinos tocavam cada vez mais perto... Então olhou para o lado e encarou o raio do telefone, a custo levantou o auscultador...
- Inspector Ferreira, já viu as notícias de hoje?
- Que notícias? - conseguiu articular com dificuldade...
- Ligue a televisão homem, ou compre o jornal, não se fala de outra coisa! Beba um café bem forte quando sair do hotel e venha ter comigo aqui à esquadra... Ah, e não se esqueça, traga tudo o que tiver sobre o seu amigo espião.
O inspector Ferreira ficou com o auscultador pendurado no ouvido, ouvindo apenas aquele irritante zumbido metálico. Olhou para o lado e apenas encontrou lençóis amarrotados, Julie tinha desaparecido mas o seu cheiro ainda inundava o quarto agora aquecido pelos raios de sol que rasgavam as cortinas das janelas.
"Que mulher!" - disse para si mesmo, recordando aqueles olhos azuis cristalinos (ou seriam verdes?) e aquelas pernas sem fim, será que alguma vez se voltariam a cruzar, pensou, talvez, afinal ela era hospedeira e ele viajava muito, um dia haveria ela de lhe servir um pequeno-almoço continental num dos inúmeros voos que ele ainda teria pela frente, mas... Que raio, acorda! Foi apenas um encontro fortuito, único, saiu-te a sorte grande, agora esquece, dizia em voz alta para si próprio, pareces um adolescente! Provavelmente nem é hospedeira, será antes uma espia húngara a enrolar-te?...
The legendary Čumil is gone
Jornal Spectator - Bratislava |
O inspector levantou-se, irritado, e castigou-se com um duche de água fervente... Vestiu-se, desceu, pediu um jornal da manhã na recepção e encaminhou-se para o café da esquina para tomar o pequeno-almoço, antes de enfrentar o comissário RADO, chefe da Polícia de Bratislava. Na capa do Spectator, em todos os canais da televisão, em todas as conversas, não se falava de outra coisa: o desaparecimento do CURIOSO, também conhecido por CUMIL ou MAN AT WORK, uma das principais atracções turísticas da Eslováquia...
Agora o Inspector Ferreira observava atentamente a fotografia que Julie lhe tinha tirado dias atrás junto da simpática estátua que representava um trabalhador da era comunista emergindo dos esgotos para observar o mundo à superfície, para uns estaria apenas a gozar um pequeno descanso, para outros, como quem não quer a coisa, estaria a espreitar as pernas das belas transeuntes distraídas...
- Porque raio roubaram a estátua? - perguntou-se o Inspector em voz demasiado alta enquanto dezenas de pares de olhos imediatamente o miraram, inquisitórios....
João Pena Seca
(Escritor de Valmedo)
(Escritor de Valmedo)