sexta-feira, 26 de abril de 2019



EFEMÉRIDE # 58



A REVOLUÇÃO DA ANTENA DESMODULADA...



Ainda cheirava à fumaça dos foguetes da véspera onde se tinha comemorado um belíssimo número redondo, os primeiros 20 anos do 25 de Abril, essa revolução popular que encravou a lógica de um letárgico estado novo que tinha mantido durante décadas um país em estado comatoso, quando na manhã de 26 de Abril de 1994 outra revolução global aconteceria, não a partir de quartéis ou com epicentro no Largo do Carmo, antes por toda a parte, pelo país inteiro, pelo éter, pelas consciências ...
Nascia a...







Um grito de revolta, um hino à diferença, à modernidade, ao futuro...
Pode ser injusto para muita gente que fez esta rádio, mas a vida é assim, por vezes injusta, tenho que destacar algo e alguém e assim, também, acabo por destacar todos vós porque afinal vós todos, juntos, é que fizeram a antena, a 3!
A Antena 3 ressuscitou em mim a paixão pela rádio, devolveu-me os anos da adolescência em que, inseguro e complexado como todos os adolescentes dos anos 70-80 me refugiava na magia dos 2 PONTOS do grande Jaime Fernandes... A coisa começava assim: "Bom dia... Nesta primeira hora vamos ficar com J.J.Cale..." E depois, passadas duas horas, meio-dia certinho, acabava assim: "Foram os 2 PONTOS....  Nesta segunda hora ouvimos os The Doors...!" Tão simples quanto isto e todos os dias durante anos, conseguem imaginar a carrada de moedas de 5 escudos que tive de roubar à minha mãe e à minha avó para ir comprar cassetes de crómio para gravar os 2 PONTOS?
E depois viriam os anos de boémia académica em Lisboa e aí, infelizmente, não havia tempo para a rádio...








Até que um belo dia de 1990 e tal, já trintão e recém-casado, incumbido de confeccionar o almoço, um belo atum de lata acompanhado de batatas cozidas, coisa que tinha idealizado fazer ao som dos Jethro Tull, a coisa corre deveras mal! A porcaria da cassete encrava, aquele estúpido tijolo que tinha comprado com garantia semanas antes a um manhoso marroquino que por ali tinha passado enfureceu-me, apeteceu-me mandá-lo contra a parede mas, não sei como, obra divina concerteza, devo ter empurrado um botão qualquer e a coisa descamba para o rádio... Primeiro uma voz aprazível (todas as vozes da rádio são aprazíveis, certo?) que dizia qualquer coisa de costa a costa, e depois fico lívido, ouço os acordes de "Sweet Home Alabama", uma vaga memória que tinha das casernas da recruta em Mafra e onde um curioso camarada de pelotão e personagem de Sesimbra me tinha uma vez  lançado ao desafio que a melhor banda do mundo eram os Lynyrd Skynyrd... E eu, convencido de que era erudito do rock, pensei que o tipo era mesmo marado, nunca eu tinha ouvido falar naquela banda de nome esquisitérrimo...  Mas agora aquilo soava muito bem enquanto as batatas iam cozendo!




Os meus tesouros do Costa-a-Costa



E depois que dizer? Bem, já não precisei de roubar moedas a ninguém mas gastei muita cassete para gravar o "COSTA A COSTA", religiosamente aos domingos de manhã durante anos... E não houve tempo tão bem empregue como esse em que descobri Ben HarperSteve Earle, Lucinda Williams, Stevie Ray Vaughan, Arcangels, Jayhawks, Jeff Buckley ou em que pude revisitar Steve Forbert, Grateful Dead ou o grande Cash, entre muitos outros... 
Por isso, obrigado Antena 3 e um grande abraço para o PEDRO COSTA por terem trazido tantos momentos de descoberta e felicidade para a minha vida, até hoje....








E depois há coisas que não se explicam, um dia dou comigo em pleno pré-concerto do ERIC CLAPTON, um Pavilhão Atlântico ainda a encher, a dizer em voz bem alta para quem quisesse ouvir, amigos e estranhos, que eu estava ali para ouvir o grande DOYLE BRAMHALL II e não o cabeça de cartaz... Terei dito que um já era e que o futuro era o que fazia a primeira parte! Heresia? Talvez... Claro que a culpa foi do Costa-a-Costa, mas até hoje não me arrependo, o Clapton esteve bem mas Doyle esteve sublime!



João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)




terça-feira, 23 de abril de 2019



E PORQUE HOJE É O DIA MUNDIAL DO LIVRO...



Dona Constança chegou e logo o largo principal do Moledo se agitou, o Ezequiel e o Malaquias, amigos nonagenários desde que haviam nascido, sentados como podiam no banco de jardim defronte do moinho do Pantónio, comentaram em surdina um para o outro:
   -Olha, que vem aqui fazer a criada da D. Inês a esta hora tão matinal? 
   - Se calhar vai ali à banca da fruta da Perpétua comprar algumas laranjas, não seria a primeira vez...
    - Tás tonto, homem! Então lá em baixo no Paço não há montes de laranjeiras? Até se estragam! Ainda se fossem nêsperas, vá lá, parece que a senhora gosta delas, mas olha, não me parece...
E os dois seguiam a mordoma com expectativa e abriram de espanto as bocas desdentadas ao ver que a senhora se tinha abeirado da biblioteca-frigorífico, aquele objecto estranho e inusitado que tinham ali colocado há dias...
    - Estranho, Malaquias, porque raio vem ela tão cedo buscar um livro? Aqui há marosca, queres lá ver!




Micro-Biblioteca  - Moledo



E os dois velhotes, que haviam nascido paredes meias com dias de diferença, que desdenhavam os livros e essa coisa de saber ler, que davam mais importância às maledicências e aos mexericos das pessoas vulgares, haveriam também de morrer de curiosidade passado pouco tempo e no mesma tarde pois não se dignaram levantar e abeirar-se daquele estranho objecto onde agora a Dona Constança se debruçava e revolvia aquele amontoado de volumes... Melhor sorte teve a Isaura, a mulher do taberneiro e merecedora da estátua de maior alcoviteira  do planalto por onde César deambulou e que, sendo uma das poucas pessoas que sabiam ler na região, era ela que lia em voz alta o Correio da Manhã Medieval, que lia às pessoas os pergaminhos do Imposto Real Solidário que o Cavaleiro Transportador de Telegramas trazia de vez em quando e assim, fazendo uso dos seus largos anos de treino ao balcão a dar à lábia e a sonegar trivialidades e segredos aos clientes, sabia como entabular uma conversa:
  - Então, Dona Constança, que procura? Algum livro de receitas? Não me diga que o D. Pedro vem aí e exigiu-lhe algum petisco novo?
   - Oh, se fosse isso estava eu bem, Dona Isaura, mas olhe bem para a minha sorte, vim encomendada por D. Inês de lhe fazer chegar sem falta um livro de aventuras cavaleirescas para ler ao seu amante, parece que o príncipe tem tido dificuldades  em adormecer...
    - Mas porquê se estes ares do Moledo são tão tranquilos e amigos do bom sono, olhe cá eu adormeço que nem uma pedra!
       - Pois, mas D. Pedro anda mesmo com a mania da perseguição, não pára sossegado um instante, em cada esquina imagina um espião ao serviço do Rei e até já ouvi, sem querer, sabe como é, que ele tem um plano secreto para fugir com a D. Inês para outras paragens...
       - Olhe aqui, Dona Constança, esta parece ser uma boa solução... -  e apontava para um livro que ostentava na capa  o título "A Demanda do Santo Graal"...  - Fala sobre as aventuras de uns cavaleiros muito famosos que empreenderam uma busca de um livro que continha todo o conhecimento deste e de outros mundos...
-Oh! Dona Isaura, salvou-me a vida, era isso mesmo que a D. Inês queria. Muito agradecida e agora tenho que ir porque o príncipe já deve ter passado o Paço e não tarda nada sobe a Pena-Seca...










João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

domingo, 21 de abril de 2019



           "Se por acaso encontrar um parafuso
              ou uma porca no palmo de chão à
                sua frente, não pare e não olhe,
                  fuja antes a sete pés porque o
                    resto pode vir a caminho..."


Yuehan Kaluosi

(Filósofo Taoísta de Valmedo)




"!" - Jean Charles Forgeronne





É MUITA MERDA, SENHOR!


Na Índia, uma mulher teve a coragem de pedir o divórcio alegando "tortura mental" pelo facto do marido não lhe ter construído uma casa de banho com retrete, coisa que ele prometera aquando do casamento em 2011 mas que nunca cumpriu... A pobre criatura, exausta porque todos os dias era obrigada a esperar que anoitecesse para poder fazer as necessidades ao ar livre e que, nas outras situações urgentes que ocorriam durante o dia calcorreava quilómetros, apertadinha, até à casa da mãe situada noutra cidade para se aliviar, não aguentou mais de quatro anos e em 2015 meteu os papéis para a separação.... Teve sucesso mas ainda teve que esperar mais dois anos naquele aperto até que o juiz lhe desse razão!
Não se sabem as razões do marido para não construir a casa de banho que poderia harmonizar a relação mas talvez achasse que a mulher estava com esquisitices, é que afinal cerca de 700 mil pessoas na Índia defecam ao ar livre! 






Aqui por Valmedo, terra de paisagens magníficas que convidam a caminhadas e corridas pela bravia natureza e que, ao contrário da Índia, só defeca ao ar livre quem quer, a questão é diferente, as bostas que se encontram no caminho, pela sua quantidade e artística feitura, revelam que são obra de quem retira satisfação do ancestral caganço atrás da moita! O problema é que às vezes não sabemos para que lado a moita está virada e afinal quando pensamos que estamos na frente dela ZÁS!, já está, pisadela na mouche.... E não havendo dados de quantas pessoas defecam ao ar livre em Portugal, meus amigos, pelas minhas observações no terreno durante os meus treinos arrisco adiantar que também uns bons milhares de portugas gostam de pôr o rabo ao léu atrás da moita e não só....
No final, fica a consolação de sabermos que, por cada evacuação em plena natureza, se poupa muita água, esse recurso cada vez mais precioso e escasso... Afinal, cada obra feita atrás da moita contribui para o equilíbrio ecológico do planeta! Além disso, o puritanismo associado à higiene intimista na casa-de-banho parece ter os dias contados, afinal parece que muita gente, contra a cartilha sanitária, vai fazendo o seu xixi enquanto toma duche... Nojento? Nada disso, a água corrente do duche arrasta a urina rapidamente para o ralo, e além disso convém não esquecer que, salvo casos de doença, a urina é um liquido biológico estéril e que os nosso avós agricultores não desperdiçavam o seu valor nutricional enquanto adubo, os bacios eram despejados pela manhãzinha na horta e as couves agradeciam, nasciam maiores e mais saborosas... Dizem os defensores da causa que urinar no duche em vez de o fazer na sanita poupa milhares de litros de água por ano e por habitante... Conclusão:  em defesa do ambiente, defecar na natureza, urinar durante o duche e abaixo a sanita e o autoclismo! 



João Green 

(Ambientalista de Valmedo)

sexta-feira, 19 de abril de 2019




EFEMÉRIDE #  57


REDONDO, GROSSO E GENIAL...



Fernando BOTERO comemora hoje 87 anos! O artista colombiano, nascido em Medelín, criou, até hoje, mais de 3000 pinturas, cerca de 200 esculturas e inúmeros desenhos e aguarelas, num estilo próprio que alguém caracterizou como Boterismo, um universo pejado de peculiares figuras rotundas... -"Não pinto pessoas gordas!" - respondeu Botero quando questionado em relação ao seu estilo, aprimorado durante décadas... E de facto, não são só as pessoas que são volumosas, tudo é volumoso na sua arte, os animais, os objectos, o universo afinal, que parece ter sido inchado para dele se extrair melhor a razão da existência...
Activista político e mente inquieta em relação às ditaduras e violência latino-americanas, despojou-se da fama alcançada e num gesto de profunda comunhão social e humanitária ofereceu à sua Medelín natal duzentas pinturas e dezenas de esculturas, podendo estas últimas ser desfrutadas na imensa Praça Botero, assim chamada em nome da sua honrosa arte...



PRAÇA BOTERO - MEDELÍN


E como, por feliz e misericordiosa coincidência, hoje também grande parte da humanidade celebra a eventual santidade desta sexta-feira, aqui fica a via sacra retratada pela genial arte de Botero... E venham mais 87 obras!









João Plástico

(Artista de Valmedo)

quinta-feira, 18 de abril de 2019




LIVROS 5 ESTRELAS - X


PORTUGAL E O IMPÉRIO DA LOUCURA... 



SELMA LAGERLOF  publicou "O Imperador de Portugal" em 1914, cinco anos após lhe ter sido atribuído o Nobel da Literatura (foi a primeira mulher a consegui-lo) e porque já então tinha escrito obras imortais como "A saga de Gosta Berling", "Jerusalém", "O livro das lendas" ou o fantástico "A viagem maravilhosa de Nils Holgersson através da Suécia" não faz desta uma obra menor, antes pelo contrário... O título pode induzir em erro os mais incautos, a narrativa não tem nada que ver com Portugal ou sequer com quaisquer figuras ou factos históricos lusitanos, é um relato das aventuras e desventuras de um pobre camponês sueco, habitante de uma aldeia perdida entre lagos e florestas, e que acaba por enlouquecer quando a sua adorada filha sai de casa para Estocolmo no intuito de ganhar o dinheiro suficiente para pagar as dívidas da família e evitar que os seus pais fiquem sem a casa...
O pobre pai, na sua loucura, que aumenta à medida que os anos passam e a filha não regressa nem dá sinal de vida, convence-se que Clara Bela, o sol da sua vida, é a Imperatriz de Portugal e ele próprio o Imperador desse país fabuloso onde reina o sol...



«Amigos», murmurava para consigo, «as coisas assim é que estão certas. Não vêem os passaritos novos? Os pais deitam-nos fora dos ninhos se eles não vão de livre vontade. E já repararam no cuco pequeno? Há lá coisa mais reles do que vê-lo refastelado no ninho sem fazer nada, e só a piar para pedir comida, enquanto os pais adoptivos se estafam por causa dele? Não, assim é que está certo. Os jovens não podem ficar em casa e ser um carrego para nós, velhos. Têm de ir tratar da vida. É assim, amigos...»










A história de Jan de Skrolicka, assim se chama o pai, foi baseada numa personagem real que Selma Lagerloff conheceu e que acompanhou de perto a sua loucura e que, ironicamente, é actualmente seu vizinho no cemitério de Ostra Amtervik, onde na sua campa rasa se pode ler Jan Nilsson (1811-1898)...
 "O Imperador de Portugal", um hino à esperança e ao amor, lê-se de um fôlego porque na sua urdidura simples, de uma simplicidade estonteante mas de uma profundidade desarmante em que cada breve capítulo assume o carácter de parábola em que são abordadas  as virtudes e as manhas da alma e do comportamento humanos, o leitor é conquistado de uma forma arrebatadora... E no final o leitor pode concluir que génio é sinónimo de simplicidade genuína!



João Pena Seca

(Escritor de Valmedo)

terça-feira, 16 de abril de 2019



O MILAGRE DAS AVES-DO-PARAÍSO



A menina deixou de poder andar aos três anos de idade, a defeituosa perna esquerda provocava-lhe dores atrozes e impediam-na de brincar com os irmãos e acabaria por passar quase toda a infância sentada na cama ou numa cadeira na cozinha e para se deslocar tinha que ser à boleia do colo de alguém... O desespero e a tristeza apoderaram-se do seu querido pai e dos outros membros da família, parecia que não havia remédios ou preces que a curassem e a sua grande consolação eram as histórias e as lendas que lhe contavam sobre aquela terra mágica, fantasias sobre fadas, feiticeiras, trolls, duendes e outras criaturas que habitam as insondáveis florestas à beira dos misteriosos lagos da Varmlândia... 
Das janelas de Marbackca, assim se chamava aquele maravilhoso lugar onde vivia, sonhava com o dia em que o seu sofrimento chegaria ao fim e lutando contra o desânimo agarrava-se ao melhor que a dramática existência lhe proporcionava,  admirar a paisagem, o lago, a floresta, as aves, os gansos, os patos, os corvos, imaginar histórias e vidas bem mais felizes que a sua...
Até que um dia, já desesperado, o pai anunciou que no verão que se aproximava iria a família passar uma temporada a umas termas que tinham  a fama de que os banhos de imersão nas suas águas milagrosas curavam os problemas de esqueleto. De facto, a cura aconteceu, mas não foi obra das águas... Quis o destino ou alguma identidade sobrenatural que a casa que o pai da menina tinha alugado à beira das termas pertencesse a uma simpática senhora que se afeiçoara instantaneamente à menina e cujo marido era o comandante de um navio que estava de regresso de uma viagem a Java e que, sabia-o ela, trazia com ele aves-do-paraíso... Haveria de pedir ao marido que mostrasse essas aves prodigiosas à menina!








Levada ao colo até ao interior do navio, trouxeram então um casal de majestáticos pavões e quando o macho abriu a sua plumagem em todo o esplendor a menina foi tomada de um ataque de êxtase, nunca tinha visto tanta beleza num ser vivo e, sem dar por ela, largou-se dos braços que a seguravam e caminhou, determinada, em direcção àquela maravilhosa criatura... Milagre, ninguém sabe como, não houve explicação, mas a menina perante aquela fabulosa aparição tinha ultrapassado a sua paralisia, até ao final da vida...




A menina chamava-se SELMA LAGERLOF e acabaria por se tornar na primeira mulher a ganhar o Nobel da Literatura, em 1909, e cinco anos depois seria também a primeira mulher a ingressar na Academia Sueca... Além disso, é ainda hoje uma das escritoras mais lidas e com maior sucesso em todo o mundo! Para a história, quando a menina regressou a Marbacka, a sua casa, levava consigo um dos casais de pavões que o comandante entretanto lhe oferecera e quem hoje visitar a sua casa-museu ainda pode encontrar lá, à entrada, um casal dessas aves do paraíso, em memória de um acontecimento extraordinário...



João Alembradura

(Historiador de Valmedo) 

domingo, 14 de abril de 2019



"Birds" - Jean-Charles Forgeronne




DESALINHADOS, PERDIDOS OU EXPLORADORES?



O PARDAL-DE-COROA-BRANCA é uma ave nativa da América do Norte, onde passa toda sua vida acima e abaixo ao longo da costa do Pacífico, vive no Alasca durante a Primavera e Verão, onde se reproduz e migra para o norte do México no Outono, onde passa o Inverno... Todo este ciclo de vida parece estar programado no cérebro dos pássaros desde o seu nascimento, assim revelaram estudos feitos, mas como em todas as sociedades organizadas existem sempre aqueles poucos que desafiam a ordem e o destino, aqueles que se revoltam e desafiam o mundo que lhes foi imposto, seja por questões políticas, morais ou outras quaisquer ou tão só por espírito rebelde e aventureiro, chamam-lhes os desalinhados e essas aves raras também existem no mundo da passarada, audazes ao ponto de desafiar o desconhecido... É absolutamente extraordinário que, apesar de toda a ordem estabelecida na vida do pardal-de-coroa-branca, criatura inexistente na Europa Ocidental, tenham sido avistados alguns destes pássaros nas ilhas britânicas e na Noruega! Foram eles os tais desalinhados que existem em qualquer comunidade? Assim como o homem busca novos mundos pelo Espaço fora, foram eles os pássaros-exploradores em busca de novos habitats num planeta em crise? Ou, simplesmente, perderam-se das suas rotas, à semelhança dos muitos perdidos que existem em qualquer comunidade?




Igreja de SantaMargarida

Que explicação pode haver para, por exemplo, entender o avistamento de um pardal-de-coroa-branca em Cley Next the Sea, uma pequena localidade perto de Norfolk, na costa leste da Inglaterra? Tão inusitada ocorrência levou a que, para comemorar tão milagrosa aparição  a comunidade local decidiu incluir uma imagem do pássaro no vitral de uma janela da Igreja de Santa Margarida, o monumento ex-libris do sítio!  




Ícone religioso...



Mas há um pequeno pormenor nesta belíssima história que me põe a pensar, é que a aparição do pardal-de-coroa-branca em Norfolk aconteceu em 2008, exactamente na mesma altura em que, como refere o nosso amigo João Atemboró no seu último artigo que publicou em "Curiosidades do Mundo Cão -XIV", os americanos desviaram dezenas destas aves para a costa atlântica dos Estados Unidos com o propósito de estudar o seu sentido de orientação... Fica a hipótese, fariam esses tresmalhados exemplares avistados na Europa parte da passarada refém dessas experiências e, perdendo o norte e o sul, terão voado até encontrar refúgio?


João Abelhudo

(Investigador de Valmedo)


sábado, 13 de abril de 2019



TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO - VI


O MALDITO SONO DOS JUSTOS...


O sono incomoda muita gente, é o que se pode concluir depois da leitura atenta de "24/7" de Jonathan Crary, uma fascinante obra reveladora e crítica que analisa o papel do espectador e do consumidor no centro do vortex do buraco negro que é a sociedade de economia capitalista... Crary, crítico de arte, professor e escritor bem informado, começa por informar-nos que há já dez anos várias universidades e cientistas copiosamente pagos pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos têm vindo a estudar exaustivamente o cérebro e o comportamento do PARDAL-DE-COROA-BRANCA, esse fantástico pássaro que não dorme nem descansa durante os muitos dias que dura a sua viagem migratória ao longo da costa leste que separa o Alasca do México... O objectivo de tão importante pesquisa é entender como consegue o pássaro ludibriar a vital necessidade de dormir e aplicar esse conhecimento aos humanos, não só descobrir como podem as pessoas não dormir como fazê-lo mantendo-se activas com desempenho eficaz e produtividade!





Pardal-de-coroa-branca - João Plástico




E se numa primeira instância o aparelho científico-militar americano busca uma forma de criar o soldado-insone, desperto 24 horas para a batalha sem pestanejar nem pregar olho, sempre alerta e com capacidades de discernimento que as armas robóticas teleguiadas nunca poderão alcançar, Crary alerta-nos que, como em muitos outros casos conhecidos, a aplicação dessas pesquisas rapidamente estenderá os seus tentáculos para a esfera social, ou seja, alcançar o trabalhador-insone e o consumidor-insone, 24 horas por dia, 7 dias por semana, assim o exige a engrenagem do capitalismo actual... Por outras palavras, para a sociedade de consumo, o sono só atrapalha, é um tempo morto em que não se produz nem se consome, é uma afronta! E não será muito difícil que a sociedade veja essa futura revolução biológica com bons olhos tantos são os que já não dormem para consumir toneladas de realidade virtual, aos que se somam aqueles que buscam uma vigília permanente, quais zombies, numa frenética busca de tempo... Talvez o sono seja mesmo o último reduto da humanidade, a última fronteira ainda não derrubada pela lógica mercantilista e totalitária, e será ele a distinguir no futuro as pessoas dos autómatos sonâmbulos em que a maioria se tornará... Um admirável mundo novo parece estar aí à porta, por mim, prefiro migrar para a costa do Pacífico e fazer umas pacíficas sestas entre os pardais!







João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

sexta-feira, 12 de abril de 2019



CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XIV


O GPS DO PÁSSARO QUE NÃO DORME...



Mede 18 centímetros, pesa 26 gramas, é apenas um pássaro, como muitos outros, mas é uma criatura deveras fascinante... O PARDAL-DE-COROA-BRANCA, assim chamado porque apresenta umas listas pretas e brancas no seu cocuruto, de alva sobrancelha, peito cinzento e asas listradas de castanho, branco e preto, vive na costa leste da América do Norte, desde o Alasca, onde se reproduz no Verão, até ao sudoeste dos Estados Unidos e norte do México, onde passa o Inverno... No Outono, migra do Alasca até ao México, ao longo da faixa costeira do Pacífico e na Primavera retorna ao norte em busca de menos calor... Neste preciso momento, milhares de Zonotrichia leucophys voam de dia e de noite rumo ao setentrião! 




Pardal de coroa-branca



Uma das coisas extraordinárias desta minúscula ave é a sua capacidade de orientação, ela consegue encontrar a sua rota migratória mesmo sob batota! Há uma década atrás, mais ano menos ano, investigadores americanos raptaram 30 destes pássaros em plena migração para o sul, 15 deles adultos e os restantes juvenis na sua primeira viagem, e levaram-nos de avião para a costa oeste, a quase 4000 quilómetros de distância e aí, numa operação certamente supervisionada pelo FBI e pela CIA, largaram-nos para ver o que faziam os pobres bichos ...  
Pois bem, os adultos conseguiram em apenas 3 dias reorientar a rota e voar na direcção certa, rumo ao sudoeste; os outros, ainda jovens e inexperientes, voaram para sul! As conclusões retiradas foram duas: os pássaros  conseguem memorizar um mapa global de navegação a partir de migrações anteriores, um autêntico GPS certificado, e, não menos importante, as aves já nascem com instruções de orientação pré-definidas!
Outra capacidade  extraordinária do pardal-de-coroa-branca é a de conseguir ficar acordado durante 7 dias e 7 noites nestas suas viagens migratórias, voando à noite e voando de dia enquanto procura alimento sem descansar!



João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

quarta-feira, 10 de abril de 2019





"Birding" - Jean-Charles Forgeronne


Aí está, o Birding pode atrair qualquer um, mesmo que isso nunca lhe passasse pela cabeça! Vejam o que aconteceu ontem com o nosso amigo Jean-Charles Forgeronne que, inocentemente  numa caminhada desenjoativa nas imediações da sua casa, se depara com uma espécie de ave desconhecida até hoje, o Perdigotus valmedus...  Será que, depois desta fantástica ocorrência, estará ele num Big Year

terça-feira, 9 de abril de 2019




Eu gosto de pássaros

Eu não consigo ver o lançamento dos foguetões
nem olhar para as mulheres-troféu dos astronautas,
e nem oiço as suas palavras
porque eu gosto de 
pássaros...

Não me interessa ir passear ao centro,
um louco carro desgovernado desfar-me-á
ao olhar para pessoas como vacas numa manada,
bem, eu gosto de
pássaros...

Se tu és pequeno e andas em busca
tenho um comedouro para te empoleirares.

Não aguento as filas para as lojas,
as pessoas pequenas e mesquinhas aborrecem-me,
mas tudo bem se te quiseres armar em cagão
porque eu gosto de
pássaros...

Se tu és pequeno e andas em busca
tenho um comedouro para te empoleirares.



"I like birds" - Eels
Eels
(Banda sonora de " The Big Year")
Tradução de J.C - (Poeta de Valmedo)




I LIKE BIRDS - Eels                                                             



João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)


A FANTÁSTICA VIDA DOS PÁSSAROS E DE QUEM OS CONTA...



Tudo nasceu graças a uma irónica tarde primaveril, fria e chuvosa, a convidar para o sofá e o filme que já ia quase a meio no Hollywood havia nascido de um livro e esse livro, soube-o depois, tinha nascido da realidade, ou seja, como se adverte no início do hilariante "THE BIG YEAR", é uma história verídica onde só os factos foram alterados... E do que se trata aqui é de uma realidade muito particular e desconhecida da maior parte das pessoas, chamam-lhe BIRDING, observação de aves selvagens em plena natureza e que se distingue daquela outra actividade em que as pessoas vão para uma casinha observar através de uma janelinha, trata-se mesmo de calcorrear montes e vales à procura dos pássaros... Parece que tudo começou por volta de 1900 quando o ornitólogo Frank Chapman sugeriu que, em vez de celebrar o dia de Natal com concursos para ver quem matava mais aves, como era então tradição, os americanos deveriam antes contá-las! E como é sabido, poucos reptos ficam sem resposta, por mais estranhos que pareçam, e daí nasceu o Big Year, uma competição com o objectivo de contar o maior número de aves durante um ano civil na América do Norte...








O filme é uma alucinante comédia com três grandes actores, Jack Black, Steve Martin e Owen Wilson, mas vale também pelas fantásticas paisagens, pelas curiosidades sobre algumas espécies de aves e sobre essa estranha mania que algumas pessoas têm de abandonar tudo e desatar a perseguir as aves, especialmente as raras, correndo mil perigos e pondo por vezes em perigo a própria vida... Como não podia deixar de ser, a história vai mais além e mostra que todos andam em busca de algo, não apenas de records que chegam a atingir a fabulosa marca de 750 espécies avistadas... Muitas vezes, o avistamento do pássaro não vai além da meia dúzia de segundos, o suficiente para a foto, mas esses instantes significam horas inestimáveis de memória futura ou então a ocorrência não passou da audição do canto da ave! Sim, os concorrentes podem contabilizar apenas o canto das aves, desde que o saibam identificar e reproduzir, o que exige uma grande dose de honestidade a quem se mete nestas aventuras...



Chega a hora da advertência, amigo leitor, se acabou de decidir que vai experimentar e concorrer ao próximo Big Year é melhor que tenha muito dinheiro de parte e que deixe tudo para trás, trabalho e família, que esteja preparado para hoje perseguir um flamingo nos pântanos da Flórida e amanhã embarcar à pressa para o Alasca tão só porque uma tempestade primaveril se aproxima das Aleutas e não há conjunção melhor do que essa para observar numa remota ilha dezenas de espécies diferentes ao mesmo tempo! E pelo caminho pode ser que se cruze com a Pildra-dourada, que por acaso até é acinzentada e que, sendo um passaroco que mede apenas 23 centímetros,  é um dos maiores viajantes do mundo; reproduz-se no Ártico, voa até à Argentina e regressa ainda no mesmo ano, num dia de sorte, a meio da sua viagem, pode ser avistado nas praias da Guatemala ou num milheiral do Illinois, percorrendo centenas de milhares de quilómetros na sua vida...
O que leva então essas pessoas à obsessão pelas aves? A resposta difere e está em cada um, certamente, mas talvez a necessidade de sair da rotina, a vontade de fazer algo memorável, ou simplesmente encontrar-se consigo próprio...




João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)


domingo, 7 de abril de 2019

PAUS



E pronto, foi um show de ritmo, batuques e pancadas... Pena que as vozes não se façam ouvir e que baixista e teclista sejam engolidos pela dupla bateria, mas aí os paus estão irrepreensívelmente sincronizados e o ritmo chega a ser alucinante, os ouvidos ainda latejam na manhã seguinte! É um projecto interessante e deixa curiosidade para os próximos trabalhos, pessoalmente acho que seria bom uma maior aposta na melodia para cortar tanto frenesim, ou talvez seja apenas ao vivo que salta essa impressão. É hora de agora ouvir com atenção o "Madeira" ao ritmo de uma ou duas ponchas...



João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo) 

sábado, 6 de abril de 2019



ATIRAR O PAU AO ROCK



Um dia eles experimentaram atirar PAUS ao Rock e, sem quase se dar por isso, o caminho foi-se fazendo através de quatro álbuns já editados, o último dos quais, "Madeira", foi lançado há precisamente um ano, a 6 deAbril de 2018, pelo que o concerto de logo no capítulo final dos SONS DA VILA será também uma celebração...
É tempo então de nos deixarmos ir até a uma ilha encantada de sons e sensações, embaladas pela bateria-siamesa, a imagem de marca de um interessante projecto original e alternativo... Até logo então...







João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)


CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XIII


O NOSSO RICO COSMOS IMPERFEITO...


Ironia cósmica, poucos têm muito, muitos têm pouquíssimo... Mas isso nunca foi novidade para nós, seres sonhadores e habitantes de um minúsculo planeta perdido algures numa espiral da Via Láctea, a injustiça sempre esteve omnipresente e omnipotente, houve sempre quem pisasse e esmagasse os seus semelhantes para alcançar efémeras glórias, muitas delas até glorificadas por dogmas religiosos corruptos e caducos, mas como desde sempre o Céu se pôde comprar poucos levaram isso a mal...
Neste mundo cão terreno em que vivemos inundados pela miséria e catástrofe social, por exemplo, 1% da população mundial tem mais riqueza do que os restantes 99%, visto de outra maneira, as 8 pessoas mais ricas do planeta concentram mais riqueza do que 3,6 mil milhões de pessoas! São dados oficiais e garantidos pela Oxfam, muito provavelmente já desactualizados porque o panorama piora a cada dia que passa... 
Os números reais não passam de números abstractos enquanto não passam realmente a ser números inteiros, isto é, materializados, e dizem alguns que bastaria uma taxa extra de 0.5% sobre 1% dos mais ricos para que se pudessem educar 262 milhões de crianças e permitir serviços de saúde que salvariam a vida a 3 milhões de pessoas, que de outra forma estão condenadas...




"Universo Esquizóide" - João Plástico



Se houve alguém que criou estes Cosmos, partindo do princípio de que não terá ele nascido de geração espontânea, então esse criador só pode ser esquizóide porque criou uma grande merda! Como é possível que, com tanta miséria na Terra e onde a riqueza se avalia em propriedade e pedras preciosas, haja vários planetas já descobertos inteiramente constituídos por DIAMANTES a orbitar por aí? Por exemplo, o 55 Cancri e, na constelação de Caranguejo, duas vezes maior que a Terra e oito vezes mais denso, a apenas 40 anos-luz de distância e inteiramente formado por grafite e diamantes... Bastaria uma navezita carregada de material e solucionar-se-ia o problema da pobreza entre nós, desde que se sobrevivesse aos 2000ºC à sua superfície, suprema e divina ironia... Estará a NASA em modo conspirativo a trabalhar no assunto? 
"Mother Fucker Creation", apetece dizer...


João Plutónico

(Astrofísico de Valmedo)

sexta-feira, 5 de abril de 2019



"Vale mais um diamante imperfeito do que um                  pedregulho sem defeito"

(Provérbio chinês)



Ou: "A perfeição pode ser uma ilusão nefasta..."


Yuehan Kaluosi
(Filósofo Taoísta de Valmedo)

quarta-feira, 3 de abril de 2019



A MISTERIOSA ORIGEM DAS PALAVRAS - V


TRIBUTO A UM AMIGO NADA BERA... 


Segundo o "Dicionário do nome das coisas", de Orlando Neves,  BERA  significa "ser de má qualidade, não prestar", podendo ainda aplicar-se a alguém de "maus instintos, maldoso"...  Ao contrário dos diamantes encontrados na natureza e que são quase tão antigos como o planeta, a palavra bera é relativamente recente no nosso dicionário, tendo aparecido na primeira década do passado século e derivado do apelido do dono de uma grande firma de diamantes com sede em Berlim e sucursais espalhadas pelas cidades mais importantes da Europa, Baer, assim se chamava o senhor...



Trocaram-se os diamantes por café




Então, por volta de 1908, Lisboa e Porto foram acometidas por uma estranha febre que contagiou toda a gente, a febre das pedras falsas; consta que na Rua Garrett, dos números 2 a 6, se estabeleceu uma loja sumptuosa que pertencia a uma empresa americana (Bera Scientific Diamond Palace) e que exibia e vendia nada menos nada mais do que jóias falsas, embora de refinado e perfeito acabamento que convencia todos de que se tratavam dos afamados brilhantes da marca alemã... O êxito da empresa foi enorme e temporário mas o termo bera ficou até hoje para designar qualquer coisa adulterada ou uma imitação mais ou menos perfeita... Hoje, também "ficar bera" significa ficar zangado, furioso, danado, que é como terão ficado todos aqueles compradores de gato por lebre! 








E mais valioso do que diamantes, falsos ou verdadeiros, só aquelas coisas que não se lapidam nem se compram, o amor, a amizade, a saúde, a sorte... E assim, de facetador na mão, é com enorme satisfação que dedico esta bera crónica a uma grande e verdadeira pessoa que tenho a sorte de ser minha amiga, João  Andarilho, ele que antes de se ter aventurado na busca da insustentável leveza da certeza até foi lapidador de diamantes durante grande parte da sua vida... 



João Portugal

(Linguísta de Valmedo)
Tâmara Alves - "A lata delas" - Entrecampos


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


A TOUPEIRA DE ABRIL


A FÉNIX, O FÉLIX E OS RENASCIDOS...



- Quem diria? Se não viesse cá acima não acreditaria, esta equipa parece mesmo a Fénix renascida! - disse a Toupeira assim que saiu do buraco...
De facto, o mês de Março poderia ter sido perfeito não tivesse acontecido aquele inexplicável hara-kiri perante o Belenenses porque a categórica vitória no Dragão e a passagem aos quartos na Europa, juntando as vitórias sobre duas recentes bestas negras do glorioso, Moreirense e Tondela, mantiveram a equipa em alta rotação. E como eu gostei depois de ouvir o bicharoco dizer:
João Félix não tremeu e foi decisivo na vitória no Porto mas depois perdeu um pouco de fulgor, mas estou convencida de que vai voltar aos registos anteriores .


 - E então o que podemos esperar para Abril, amiga Toupeira?
 - Bem, as dificuldades não páram e a equipa terá que estar ao seu melhor nível como ainda ontem o Mister Lage afirmou, não se pode afrouxar a intensidade nem a entrega por um segundo que seja, vêm aí 4 finais para a Liga (Feirense e Braga fora, Setúbal e Marítimo em casa), obrigatório ganhar todos os jogos... E que não voltem a haver erros infantis na defesa, o melhor mesmo é levar o Odysseas ao médico dos olhos não vá precisar ele de lentes para os golpes de vista!
 - E então hoje? O Sporting?
 - Boa oportunidade para rodar a equipa, olha, por exemplo, já que se ressucitou o TAARABT bem que se lhe pode dar a verdeira oportunidade e lançá-lo a titular! - devo ter franzido o sobrolho por que a Toupeira se apressou a concluir: - E até acho que pode vir a ser a chave do jogo e colocar a equipa no Jamor!



- Então e essa confiança estende-se à eliminatória com os alemães?
- Claro, mas não sou eu que estou confiante nem eufórico, as dificuldades serão muitas mas o que eu vejo é que é a equipa que respira confiança e isso, quando reina o bom ambiente e a união é o mais importante, são valores renascidos de um passado glorioso... Bem tenho que ir, amigo, é que ainda tenho que ir entregar o IRS, e isso lá em baixo nas profundezas é tão complicado como cá por cima, a coisa está sempre a bloquear...

E a toupeira lá foi, tranquilamente, enquanto eu ia pensando como seria bom se daqui a um mês os seus vaticínios batessem certo, liderança no campeonato, alemães borda fora e encontro marcado para a festa do Jamor...

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CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XII


O UNIVERSO FEITO DE LIVROS...


Provavelmente só alguém de uma tribo ainda desconhecida num recôndito canto da Amazónia é que não leu ou não viu o filme " O Nome da Rosa", mas talvez poucos saibam da homenagem que um grande erudito, Umberto Eco, prestou a outro grande erudito, Jorge Luís Borges... A Biblioteca dos livros proíbidos que se torna o local central da trama e da demanda do bom frade franciscano Guilherme de Baskerville em busca da verdade foi construída a partir da Biblioteca de Babel de Borges...

"O universo (a que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no meio, cercados por parapeitos baixíssimos. De qualquer hexágono vêem-se os pisos inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável. Vinte estantes, a cinco longas estantes por lado, cobrem todos os lados menos dois; a sua altura, que é a dos pisos, mal excede a de um bibliotecário normal Uma das faces livres dá para um estreito saguão, que vai desembocar noutra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do saguão há dois gabinetes minúsculos. Um permite dormir de pé; o outro, satisfazer as necessidades finais. Por aí passa a escada em espiral, que se afunda e se eleva a perder de vista. No saguão há um espelho, que fielmente duplica as aparências.(...)", in "A Biblioteca de Babel"...










Também a personagem Jorge de Burgos, o velho cego que espera o Anticristo, venerando em idade e sapiência e ao qual, para mal dos seus pecados, muitos monges se entregavam em confissão, foi baseada no escritor argentino, também cego e que à semelhança do mau da fita também se socorria de outros para lhe lerem os livros...










No final, tanto Eco como Borges, irmanados pela mesma paixão e fervor homenageiam os livros...



João Película

(Cinéfilo de Valmedo)
A mão de Borges

terça-feira, 2 de abril de 2019



ENCONTROS IMEDIATOS COM ESCRITORES - IV


JORGE LUÍS BORGES


A ironia era um dos inestimáveis atributos de Jorge Luís Borges que não se cansava de dissertar sobre a a surrealidade deste mundo cão e não se coibia, antes pelo contrário, de abordar os assuntos mais sensíveis, como a sua cegueira por exemplo, ao afirmar aos quatro ventos que Deus possuía uma magnífica ironia pois o tinha abençoado com «os livros e a noite»...  Mas a ironia não tem fim, tal qual a Biblioteca infinita de Borges, e quem hoje deambular pelas Avenidas Novas da capital portuguesa acabará por avistar um pequeno mas simpático jardim no exacto local onde existiam há anos as oficinas da Carris, chamam-lhe, a propósito, o Jardim do Arco do Cego, por se situar no bairro também assim misteriosamente chamado, Arco do Cego, e o que se encontra no centro desse jardim? Jorge Luís Borges, ou melhor, o seu memorial! Macabra ironia, poder-se-á pensar ao primeiro impulso, mas é aquele um monumento à cegueira ou ao escritor? Não havia melhor sítio do que aquele cego jardim para honrar a memória do cego escritor? Deliciosa ironia geográfica, amigo leitor de Borges, é que por coincidência a Embaixada da Argentina, pátria do escritor e de onde tinha saído anos antes a ideia de criar o memorial, fica ali mesmo na esquina e então que melhor local para honrar o grande vulto das letras argentinas do que este, afinal?








Mas, gostaria Borges da ironia, não é uma estátua do escritor que ali podemos encontrar mas sim a sua imaginação, a sua mão e as suas palavras! Uma NUVEM em mármore simbolizando a imaginação encima a obra que mede dois metros de altura e pesa duas toneladas e onde, no meio da estrutura, se logra a MÃO do escritor retirada de um molde feito pelo escultor argentino Federico Brook no tempo em que com Borges conviveu, e ainda há lugar e tempo para a leitura de um excerto do poema "Os Borges" onde o poeta alude com orgulho às suas origens lusitanas, o bisavô era natural de Torre de Moncorvo e daí emigrou para a América do Sul... E fica bem a todos saber que o material principal utilizado na obra foi o granito português cinzento escuro! E também ficaria Borges imensamente feliz e orgulhoso se soubesse que no dia da inauguração do seu memorial em terras lusas no longínquo ano de 2008, lá esteve, numa das suas últimas aparições públicas, o nosso SARAMAGO...









OS BORGES

Nada ou pouco sei dos meus ancestrais
Portugueses, os Borges; vaga gente
Que na minha carne, obscuramente,
Prossegue os seus hábitos, temores e rituais.
Ténues como se nunca houvessem existido
E alheios aos trâmites da arte,
Indecifravelmente fazem parte
Do tempo, da terra e do que é esquecido.
São Portugal, são a famosa gente
Que forçou as muralhas do Oriente
E se deu ao mar e a outro mar de areia.
São o rei que no místico deserto
Se perdeu mas jura estar perto.


(Tradução de José Mário Silva)





João Vírgula

(Leitor de Valmedo)