quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

 

Algures, incognitum...


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)




ESCRITO NA PAREDE - XVIII





 



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

 

O QUESTIONÁRIO MAIS FAMOSO DO MUNDO 


O nome de Marcel PROUST não ficou para a eternidade apenas por nos ter deixado uma das maiores obras literárias do século XX, talvez hoje até ele seja mais conhecido pelo famosíssimo questionário homónimo! Vamos por partes, naqueles gloriosos tempos da viragem do século em que o ócio era a ocupação primordial da alta sociedade, para divertimento de donzelas curiosas e cavalheiros destemidos surgira na Inglaterra vitoriana um livro chamado "Confessions. An Album to Record Thougts, Feelings, & c." uma espécie de confessionário escrito que desvendaria a mente de qualquer um ainda que andasse escondido atrás das elaboradas convenções sociais da época e foi ele apresentado a um Proust adolescente por uma amiga chegada, Antoinette Faure, filha do então futuro presidente da República Francesa... Proust não se acanhou e lá respondeu, afinal era apenas um jogo e as suas respostas, mais simples ou mais elaboradas, mais genuínas ou camufladas, não passariam de uma curiosidade para aqueles que depois viriam a ler o livro... Outros questionários surgiriam depois e muita gente famosa e muita outra gente à procura de fama os aceitavam de bom grado e a eles respondiam com a arte e engenho possíveis...




Décadas mais tarde, já Proust finado e canonizado pela sua obra-prima então publicada, o filho de Antoinette, talvez numa limpeza do baú de memórias da mãe que apodrecia num sotão esquecido, descobriu o questionário original onde Proust tinha escrito as suas respostas e vai daí, ciente da preciosidade que tinha resgatado ao esquecimento, publicou-o na revista de literatura "Les Cahiers du Mois" e depois de interpretadas as respostas do famoso escritor à luz da psicanálise freudiana então na berra o resultado só poderia ser um sucesso estrondoso, a partir daí todo o género de questionários similares que existiam e que viriam a aparecer depois e ainda hoje corriqueiros se basearam nas 30 questões originais a que Proust respondeu:


1 - A sua virtude preferida?
2 - A qualidade que mais aprecia num homem?
3- A qualidade que mais aprecia numa mulher?
4- O que aprecia mais nos seus amigos?
5 - O seu principal defeito?
6 - A sua ocupação preferida?
7 - Qual a sua ideia de felicidade?
8 - Um desgosto?
9- O que é que gostaria de ser?
10- Em que país gostaria de viver?
11- A cor preferida?
12 - A flor preferida?
13 - A ave preferida?
14- O romancista preferido?
15- O poeta preferido?
16 - Qual o seu herói de ficção?
17- Heroínas favoritas na ficção?
18- Compositor preferido?
19 - Pintor preferido?
20- Qual o herói da vida real?
21 - Quais a suas heroínas históricas?
22 - Nomes preferidos?
23- O que detesta acima de tudo?
24 - Quais as figuras históricas que mais despreza?
25 - Qual o evento militar que mais admira?
26 - O dom da natureza que gostaria de ter?
27 - Como gostaria de morrer?
28 - Qual é o seu estado de espírito actual?
29 - Os erros que lhe inspiram maior indulgência?
30 - Qual é o seu lema?

Atreve-se, amigo leitor, apesar da sua mente poder ser exposta?


João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

domingo, 9 de janeiro de 2022


A BELA VIDA BURGUESA


Um tempo houve em que não era preciso trabalhar e em que o tempo sobrava  para o ócio e para a exibição de dotes, fosse namoriscando com prosápia donzelas em idílicos jardins ou frequentando salões onde reinavam o gosto pela arte e o prazer da quadrilhice e para fazer parte desse mundo bastava pertencer à alta burguesia e talvez melhor do que ninguém Antoine Watteau  ilustrou esse mundo encantado... Escreveu um dia Bertrand Russel: "Os homens excepcionais, ignorados pelos seus contemporâneos e a quem somente a posteridade reconheceu o valor, não poderiam manifestar-se no passado se não tivessem herdado uma grande fortuna. Milton, Byron, Shelley e Darwin tiveram essa oportunidade...".   Desse lote de afortunados enunciado pelo famoso filósofo poderia constar também  Marcel Proust que, embora não fosse verdadeiramente poeta, assim descreveu a tela do pintor seu contemporâneo intitulada "La fête de l'amour":


 

"La fête de l'amour" - Antoine Watteau

 

Crepúsculo mascarando as árvores e as faces

Com o seu manto azul, sob um disfarce incerto;

Uma poalha de beijos rondando as bocas lassas...

Surge terno o que é vago e longínquo o que é perto.


A mascarada, outra longe melancolia,

Faz o gesto de amar mais falso, triste encanto.

Capricho de poeta - ou prudência de amante,

Que pra adornar o amor há que ter mestria -

Eis barcas, libações, silêncios e harmonias.



João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

sábado, 8 de janeiro de 2022

 

LIVROS 5 ESTRELAS - XXVIII


EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO


Criação de um moralista culto e sensível, "Em Busca do Tempo Perdido" é uma obra imensa não só em tamanho como em conteúdo e é um testemunho muito particular do mundo e da sociedade francesa nos alvores do século XX, um quadro cheio de impressões, sensações e devaneios sobre o amor, sobre a memória, sobre o tempo e sobre tudo aquilo que o autor julgou digno de ser vivido e gravado para a posteridade... Marcel Proust, doente desde tenra idade por ser fraco de pulmões (desde a infância onde cedo foi atacado pela asma até à morte prematura devido a uma bronquite mal tratada) teve a sorte de ter nascido numa família rica que não só lhe abriu os salões da alta burguesia onde se inspirou para muito do enredo da sua criação literária como lhe proporcionou tempo para se dedicar em exclusivo à escrita do seu enorme romance, a obra de uma vida...



Proust retirou-se do mundo para escrever as sete novelas que compõem "Em Busca do Tempo Perdido", empresa gigantesca que lhe viria a consumir 16(!) anos da sua existência e foi já em completa reclusão no seu quarto que nos últimos dois anos de vida, já bastante fragilizado e doente, num esforço prodigioso, escreveu até à morte os últimos volumes do monumental romance... Obra datada, sem dúvida, mas eterna...


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

 

CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - XXXVI


ANO NOVO, VELHOS PROJECTOS...


A tradição continua enraizada e sempre que se entra num novo ano lá vem a curiosa elaboração da lista de projectos pessoais a realizar, desta é que é, até parece para alguns que o novo ano não tem nada a ver com com o caminho percorrido e com aquilo que já se fez nos anteriores, para muitos parece até ser um acto de desesperada fé tal é o entusiasmo com que os escrevem na agenda, outros, quiçá a maioria, limitam-se a improvisá-los mentalmente e à pressa a cada passa engolida antes das badaladas fatais, mas ninguém, arrisco-me a alvitrar, nem que por uma só vez na vida ou só na infância quando se ainda é inocente e se acha piada à brincadeira, deixou de desejar algo para o futuro, quer se ligue a isso muito ou pouco... Faz parte do sonho!





Projectos e desejos há muitos, uns vitais outros banais, uns que não dependem de nós e outros que só dependem de nós e da nossa força de vontade, uns serão realizados mais cedo ou mais tarde, outros nunca e ainda outros irão para a gaveta do "talvez um dia" onde correm o risco de se desfazer em pó... Bom, quanto a mim e que por acaso estava aqui a olhar para os meus livros bem arrumadinhos na prateleira, acabo de ir à gaveta ressuscitar um velho e poeirento desafio: acabar de ler "Em busca do tempo perdido" de Marcel Proust, tarefa hercúlea para uma vida inteira iniciada há décadas e ainda por terminar (afinal o autor também demorou quase a vida inteira a escrevê-la) e acho que ainda me falta ler os últimos dois volumes!  A meu favor, caríssimos amigos, jogam os seguintes dados acerca da obra que encontrei algures e muitos parabéns a quem se deu ao trabalho de os reunir:

- são 7 volumes;

- 3031 páginas;

- 1 267 069 palavras

e cerca de 2000 personagens...


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

 

VAI UM PEIXE-ESPADA PRETO NO FORNO?


Mas haverá melhor forma de começar 2022 do que com um delicioso peixe-espada preto no forno? Agora que os excessos praticados na festiva e opulenta despedida do ano velho atormentam muitas consciências e que nalguns casos mais sérios até se tornam fisicamente visíveis aqui vai um bálsamo maravilhoso para estes primeiros dias do novo ano:


PEIXE-ESPADA PRETO NO FORNO

Ingredientes:

- Postas de peixe-espada preto q.b,

- batatas

- 1-2  cebolas roxas

-3 dentes de alho

- azeite, sal grosso, pimenta e pimentão doce;


Preparação

Preparação:

- Pré-cozinhar as batatas no micro-ondas durante 18 min. à temperatura máxima; reservar;

- lavar as postas do peixe e se necessário eliminar as escamas; fazer 2 a 3 cortes nas postas;

- pincelar com azeite o fundo dum tabuleiro próprio de ir forno, espalhar a cebola às rodelas e sobre ela dispor as postas do peixe; em cada corte colocar alho laminado, umas pitadas de pimentão doce e duas gotas de azeite;

- juntar as batatas ao tabuleiro, temperar com sal grosso e pimenta acabada de moer,

- regar tudo com azeite e levar ao forno pré-aquecido a 180º C durante 25-30 minutos;

- acompanhar com legumes salteados...


À saída do forno

O PEIXE-ESPADA PRETO é dos peixes mais saborosos que se conhecem, há quem o prefira frito ou grelhado, fica para próxima! É peixe muito nosso, habita o Atlântico desde o norte até à Madeira, onde é comum, mas também se encontra nos Açores e até ao largo de Sesimbra e desde há séculos que se tornou no prato mais emblemático da ilha da Madeira, e que saudades sinto agora de uma bela espetada do dito cujo com milho frito! Bon appétit!


No prato...


 João Ratão

(Chef de Valmedo)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

 


"O problema do mundo de hoje é que as pessoas   inteligentes estão cheias de dúvidas e as   pessoas  idiotas estão cheias de certezas!..."



Bertrand Russel (1872-1970), Matemático, Filósofo, Nobel da Literatura

domingo, 2 de janeiro de 2022

 

O TIBI MORREU!


A minha voz off a ecoar dentro da minha cabeça soou-me muito estranha, "Morreu o TIBI!", lia eu ainda estremunhado nas primeiras notícias on-line daquela manhã, atordoado e confuso e quase num delírio de dissociação de personalidade imaginava que aquela era a notícia da minha própria morte, afinal o TIBI era eu!  Fechei os olhos, inspirei fundo e olhei em volta, raios, está tudo no sítio, não estava a sonhar, ainda estava neste mundo-cão e a realidade assumia-se agora em toda a sua crueza, acontecera apenas que morto e enterrado, 2021, finado de velhice e doença, no último suspiro ainda teve tempo o filho da mãe  para levar com ele uma memória incontornável da bola lusitana, o TIBI, lendário guarda-redes do Leixões e do Porto na década de 70 e que se tornou para mim, involuntariamente, uma alma gémea, eu que até fui sempre benfiquista desde menino... 



"Tibi"


Tudo começou numa tarde de verão no campo da bola dos Parceiros e eu, que era menino de uma década apenas e de férias grandes em que o tempo sobrava demais, era sempre dos primeiros a aparecer e sofria por antecipação na oficina do Fazenda, "A Bola" já lida e relida, esperava ansiosamente pela chegada da malta mais velha que vinha do trabalho, dos curtumes de Alcanena ou da fábrica da Renova para a peladinha retemperadora do fim do dia e depois, quando alguém gritava que já havia malta suficiente, sete ou oito para cada lado, às vezes em dias ricos até onze, eu exultava: "Bora lá jogar"! E claro, eu que gostava de jogar à frente para poder sentir a alegria do golo lá me sujeitava á lei dos mais velhos e era relegado para guarda-redes, coisa que afinal não me importava muito porque o que eu queria era jogar e se fosse na baliza tudo bem e na verdade até gostava e defendia até algumas coisas... Só que naquela estratégia de jogo completamente anárquica os golos aconteciam como as cerejas e lá ia eu contrariado buscar a bola ao fundo das redes inexistentes e foi então que naquela tarde o Pirata, que nem era grande espingarda na coisa, me marcou um golo e gritou: "VAI BUSCAR TIBI!!!!", tal qual o homem da rádio gritava nos relatos domingueiros sempre que o outro TIBI sofria um golo! Vai daí a coisa pegou, e eu que era até então mais conhecido por Carlitos sempre que ia à baliza transformei-me no TIBI e assim ficou até hoje para aqueles amigos de infância... Por isso, e enquanto desejo paz à alma do grande TIBI, imagino se um dia alguém vai ter as mesmas sensações que eu tive ao ler a notícia da morte de alguém que nunca cheguei a conhecer pessoalmente: "Morreu o TIBI, não o do Leixões, o outro, aquele que escrevia para o blog..."...


"Eu, TIBI"


E será que existirão mais TIBIS por este mundo-cão afora?

J.C