sexta-feira, 23 de abril de 2021

Makas

 

LIVROS 5 ESTRELAS - XXIV


CALUANDAS, XARÁS E MAKAS...


E porque hoje é o Dia Mundial do Livro celebremos um, um pequenino de apenas 140 páginas que me chegou emprestado pelas mãos de um chará e que por sua vez o tinha recebido autografado pelo autor também nosso chará, de rápida e fácil leitura a condizer com estes modernos tempos que padecem da doença da pressa, essa pandemia que nos rouba amiúde a descoberta e a felicidade da leitura mas que depois nos recompensa quase até ao infinito... São sete os contos que compõem " O dia em que Charles Bossangwa chegou à América", obra de JOÃO MELO, caluanda, escritor, jornalista, publicitário, professor universitário e consultor nascido em Luanda, poeta e contista premiado e traduzido em várias latitudes e com fortes ligações à Lusitânia, tendo estudado em Coimbra e sendo actualmente, por exemplo, cronista no Diário de Notícias...





Desde a história de Jorge Kalupeteka, um mulherengo intratável num país desgovernado, ao triste epílogo de um triste ministro que tinha apostado toda a sua vida numa carreira política, passando pela saga da Dona Felismina, angolana de gema com uma visceral aversão a tudo o que era chinês ou vindo daquelas amarelas regiões, passando pela desgraçada vida de Ana Maria, uma bela moçoila que acaba a revoltar-se por causa de cuecas e calcinhas, mergulhando na questão existencialista de um homem refém de um torcicolo ou na aversão que um angolano tem em relação ao verbo malhar, tudo é uma onda de inquietação e fino humor perante a política, a economia e as makas por resolver da sociedade angolana, tudo acabando na odisseia de Charles Bossangwa que um dia decidiu abandonar tudo aquilo e rumar à América...

Boa leitura, caluandas e xarás...


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

Nunca vi o mar

 


Para os milhões de pessoas que nunca viram o mar...



LAGOA


Eu não vi o mar

Não sei se o mar é bonito,

não sei se ele é bravo.

O mar não me importa.


Eu vi a lagoa.

A lagoa, sim.

A lagoa é grande.

E calma também.


Na chuva de cores da tarde que explode

a lagoa brilha,

a lagoa se pinta de todas as cores.

Eu não vi o mar. Eu vi a lagoa...


Carlos Drummond de Andrade



"A lagoa de Óbidos" - Jean-Charles Forgeronne



Black Lagoon

 

A LAGOA ESCURA


E quem nunca sonhou ir para uma ilhota deserta numa qualquer lagoa?



Still Corners





"Recuando com a maré,

vendo a praia do outro lado,

nós nadamos com a lua

até uma ilha na lagoa escura...

Sonhando enquanto o tempo se esvai,

vendo o sol também a desaparecer

tudo o que temos é isto agora,

vamos fingir que não somos nós esta noite

e disso não podes fugir...

Correndo de volta com a maré,

olhos de safira na noite repentina,

nós nadamos com a lua

para uma ilha na lagoa escura

e não se pode fugir,

não se pode fugir..."


(Tradução livre de "Black Lagoon", Still Corners)





Black Lagoon



João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

segunda-feira, 19 de abril de 2021

 

"Misty lagoon" - Lagoa de Óbidos 

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

Arnoia

 


FOTOBIOGRAFIA DE UM RIO - IV


DE TODO O MUNDO ATÉ À LAGOA...


Todo o mundo se encontra naquela excrescência vulcânica de 250 metros de altura encostada a Montejunto e bafejada pela aura mística do número 3, ali confluem 3 freguesias (Alguber, Landal e Rio Maior), 3 concelhos (Cadaval, Caldas da Rainha e Rio Maior) e três distritos (Lisboa, Leiria e Santarém) e por isso e a propósito não se achou melhor nome para lhe dar do que SERRA DE TODO-O-MUNDO...


"Serra de Todo-o-Mundo" - Jean-Charles Forgeronne


E é precisamente na encosta da serra virada para a aldeia de Alguber que nasce o ARNOIA, rio pequeno em comprimento mas grande em história e beleza, começando logo pela pequena ponte romana à saída da aldeia e que era passagem da via romana que ligava Collipo (villa romana junto a Leiria) a Eurobrittium (Óbidos) numa via secundária que ligava Rio Maior ao Cadaval e que seguiria no sentido de Lamas onde entroncava na via principal que ligava  Eurobrittium a Olisippo (Lisboa)...



"Ponte Romana, Alguber" - Jean-Charles Forgeronne


Depois de passar por A-dos-Francos, A-dos-Negros e Painho, e a um quilómetro e meio antes de chegar a Óbidos foi em 2005 concluída a construção da barragem do Arnoia com o intuito de suprir as necessidades de regadio para as culturas de mais de 900 agricultores e cuja albufeira permite a rega de uma área de 1100 hectares... Aí, nas calmas e melodiosas margens da albufeira, o pequeno ARNOIA não fica nada a dever aos grandes rios deste mundo-cão, vasto, largo, imponente, quem for ali levado de olhos vendados e não souber onde está pode pensar que aquele poderá ser o Reno ou o Danúbio...



"Albufeira do Arnoia" - Jean-Charles Forgeronne


Transpostas as comportas da barragem o ARNOIA volta a ser o estreito mas pujante rio de outrora, há-de passar ali ao lado de Eurobrittium, a capital da civitas romana de outrora e vai beijar ao de leve as muralhas de Óbidos... 


"Arnoia em óbidos" - Jean-Charles Forgeronne


Passado Óbidos o ARNOIA flui calmamente para o seu destino não sem antes, a escassas centenas de metros da foz, receber as águas de um companheiro de aventuras, o rio REAL, que embora por rumo diverso também caminhou desde a serra de Montejunto para aqui chegar ao fim de 33 quilómetros de aventura, apenas mais 3 que o Arnoia...



"À esquerda, o Arnoia, à direita, o Real..." - Jean-Charles Forgeronne


E lá vão depois os dois, irmanados e entrelaçados numa suave entrega à Lagoa de Óbidos ...



"Foz do Arnoia" - Jean-Charles Forgeronne


João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)  

domingo, 18 de abril de 2021

Oppidum

 


ÓBIDOS, SÍTIO E MONUMENTO!


E porque hoje é o DIA INTERNACIONAL DOS MONUMENTOS E SÍTIOS comemoremos um sítio e um monumento de ÓBIDOS, terra que é um livro aberto de história e civilização...


Eburobrittium - Jean-Charles Forgeronne


O sítio chama-se Eburobrittium e durante 1500 anos permaneceu secreto, era um grande mistério a localização da cidade que era a capital da civitas (região administrativa romana que equivalia aos nossos distritos actuais) que abrangia não só a serra de Montejunto mas também toda a faixa atlântica que vai de Collipo (Leiria) a Olisipo (Lisboa) e não fosse a importante referência feita à localização da cidade pelo sábio, historiador e naturalista romano Plínio-o-Velho na sua obra "Naturalis Historia" e talvez Eburobrittium tivesse caído definitivamente para o saco do esquecimento com o rótulo de mais uma fábula fantasiosa... Afinal Plínio tinha razão, a cidade existiu mesmo e voltou à vida em 1994 aquando das obras de construção da A8 na zona das Gaeiras, tendo-se descoberto importantes vestígios arqueológicos que atestam a importância da cidade que terá sido erguida no século I a.C, reinava então César Augusto. Abandonada por volta do século V d.C talvez devido ao recuo das águas da lagoa de Óbidos, Eburobrittium poderá ainda manter-se enigmática por muito tempo até porque se pensa que parte dela poderá estar mesmo debaixo da estrutura da auto-estrada...  


Oppidum - Jean-Charles Forgeronne

Avancemos aí uns 700 anos depois de Eburobrittium e passemos das invasões romanas para as muçulmanas pois terão sido os mouros a erigir as primeiras muralhas do nosso monumento, o castelo que é o mais bonito e mais bem preservado de toda a Lusitânia actual, afinal o termo latino Oppidum que está na origem de ÓBIDOS significa "cidade fortificada"... De tão majestoso e lindo, o castelo seduziu D. Afonso Henriques que com muita luta e esperteza o conquistou para a cristandade em 1148 e como um castelo é como um convento, só sabe da história quem lá vai dentro, entremos pois que a ousadia será recompensada...


João Alembradura

(Historiador de Valmedo)

sábado, 17 de abril de 2021

Nirvana

 


EFEMÉRIDE # 88


QUANDO CHEIRA A ESPÍRITO ADOLESCENTE...



O desodorizante
Passam hoje exactamente 30 anos (!) sobre a primeira apresentação ao vivo de "Smells like teen spirit"! Os NIRVANA, apesar de já terem então editado o seu primeiro trabalho que tinha passado completamente despercebido ("Bleach",1989) eram ainda uma banda desconhecida da crítica e do público quando na gloriosa noite de 17 de Abril de 1991 subiram ao palco do O.K Hotel em Seattle com o intuito de angariar  dinheiro para o combustível necessário para cobrir a longa viagem de 1827 quilómetros até Los Angeles, onde iriam gravar o seu segundo álbum...  Bastante curiosa é a história de Smells like teen spirit, tema que viria a ser o primeiro e maior êxito da banda e hoje considerada por muitos uma das melhores canções rock de todos os tempos, afinal ela tinha sido apresentada poucos dias  antes por KURT COBAIN aos outros músicos que a receberam com muito pouco entusiasmo, especialmente pelo baixista Krist Novoselic que a considerou mesmo ridícula! Não tivesse Cobain teimado com os seus companheiros e obrigá-los a trabalhar no tema em que depositava muita fé e talvez aqueles famosos riffs nunca viriam a ver a luz do dia e tornado a breve carreira da banda um gigantesco e surpreendente sucesso... Tempos mais tarde Cobain revelaria que o título da canção estava relacionado com um escrito que a sua amiga  Kathleen Hanna tinha feito na parede do seu quarto enquanto extravasavam a revolta e a insatisfação que lhes iam na alma destruindo mobília e bibelots: tinha ela escrito "Cobain smells like teen spirit"... 


O álbum

Ora, até os heróis e ídolos de uma geração inteira podem ter os seus momentos parvos e de ignorância, afinal ninguém é perfeito e muito menos Cobain que então com 24 anos de idade já padecia e muito do seu conhecido transtorno bipolar e vai daí entusiasmou-se com aquela ideia do Smells like teen spirit, entendeu isso como um elogio ao seu desejo de uma revolução e do seu grito de revolta contra a apatia da juventude da sua própria geração, mas de facto o que Hanna tinha feito era um simples gozo, uma provocação, afinal o que ela quis dizer era que o quarto de Cobain tresandava a Teen Spirit, uma famosa marca de desodorizante muito popular entre as jovens americanas da época e que era usado pela então namorada de Kurt na altura, Tobi Vail, companheira de Hanna na banda punk feminista Bikini Kill... Cobain só viria a descobrir o que era o Teen Spirit já o tema tinha sido gravado e editado como faixa de abertura do segundo álbum da banda, Nevermind, considerado pela crítica como um dos melhores de sempre da história da música!  


E o primeiro show...

Smells like teen spirit


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Camuflagem...


 

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

Instinto

 

MISTERIOSOS HÁBITOS CANINOS


Pois é amigos caninos, quando pensava eu que tinha o controlo sobre a minha pacata existência e sobre a segurança daqueles que me interessam e em que confio até ao infinito eis que, assim como que do nada, sou confrontado com as mais lancinantes dúvidas sobre as minhas certezas e sobre as regras que eu pensava conhecer de como este mundo-cão funciona...  Não sei se já passaram pelo mesmo, provavelmente alguns de vós sim e portanto sabem aquilo a que me refiro, se calhar não passa até de uma etapa ancestral e natural que faz parte da ordem natural de aprendizagem da sobrevivência mas, àqueles ainda inocentes que um dia serão postos à prova, ouçam com atenção o que vos direi a seguir, poderá ser-vos muito útil quando um dia, por terem a tentação de colocar tudo em causa, não detonarem todo o mundo à vossa volta... Agora que ganhei a vossa atenção, amigos caninos, vamos lá à história...   






Ontem, como sempre e habitualmente, fui esperar o J.C ao portão, sabem que ainda ele vem lá em cima a uns bons duzentos metros de distância e já eu reconheci o barulho e o cheiro daquela máquina barulhenta e irritante em que se faz transportar e depois é vê-lo estacionar de leve junto ao passeio e vê-lo acartar uma série de sacos que mete impressão, ele é o saco das compras do supermercado, ele é o saco do desporto, sim, ele sai manhãzinha cedo para fazer a sua corrida diária em plena natureza, e ainda lhe junta um misterioso saco preto onde transporta os óculos, o telemóvel, a carteira e uma série de papéis de entre os quais se destaca a lista de compras que tinha de fazer sob pena de não haver ingredientes para o almoço estudado de véspera...





Mas ontem foi diferente, seria suposto eu receber uma festinha pendurado na grade do muro, e recebi, seria suposto o J.C pousar toda aquela carga do lado de dentro do muro, e pousou, seria suposto eu cheirar todo aquela bagagem e cheirei, seria suposto eu aperceber-me de dezenas de cheiros diferentes e alguns até entusiasmantes como aqueles que saem dos ténis esfarrapados e das meias suadas, por vezes cheira-me a perdiz, outros a coelhos ou a cabras, por vezes até a cão, mas desta vez fiquei estupefacto e muito desconfiado: cheirou-me a cão da minha espécie, cheirou-me a epagneul-breton! E não desconfiam sequer os humanos que nós, de entre todos os cheiros do mundo, conseguimos distinguir o cheiro da nossa espécie numa fracção de segundo e que de entre milhões de cheiros reconhecemos imediatamente o cheiro da nossa mãe ou dos nossos irmãos!


- "Mau!" - exclamei olhando para ele... "Andas a trair-me? Ainda por cima com alguém da minha raça?"






 -"Não sejas tolo, James!  Encontrei este teu amigo quando acabei a corrida, quem sabe um primo teu..." E mostrava-me ele no telemóvel as fotografias do outro bicho rebolando-se no chão... -"Muito simpático por acaso, abeirou-se de mim e até lhe fiz uma festinha mas ele tinha outras prioridades, logo desatou a esfregar-se na merda de cabra que um rebanho tinha deixado ali pelo caminho, imagina! E já falamos sobre esse hábito que também tu tens, certo?"


Pois, amigos caninos, com essa ele me calou e fez sossegar a minha inquietação, parece que a nossa espécie de caçadores eméritos tem inscrito no seu código genético um hábito muito particular: quando encontra na natureza um cheiro peculiar de outro animal e eventual presa desatamos a enroscar-nos nele para assim podermos aproximarmo-nos sem sermos denunciados pelo cheiro! Até consta aqui por casa que eu, ainda menino, encontrando duas cascas de camarão no chão me enrosquei sofregamente nelas e andei depois a tresandar a marisco por muitos dias...  


James

(Cão de Valmedo)

domingo, 4 de abril de 2021

Civilizacão

 


CIVILIZACÃO


Primeiro julguei que fosse apenas mais uma daquelas gralhas que passam o crivo da revisão e que felizmente aparecem com raridade estupidamente estampadas na página de um jornal e que, mesmo que com toda a benevolência desculpada pelos velhos ditados de experiência feitos tipo "são ossos do ofício" ou "no melhor pano cai a nódoa", podem borrar a pintura toda, afinal tinha caído uma cedilha ao título: CIVILIZACÃO! Mas depois, lendo com atenção a primeira linha do artigo de opinião fez-se luz: "Goste-se ou não, um cão é civilização."; afinal a coisa era mesmo assim, intencional e deliberada, não havia qualquer gralha, era mesmo de CIVILIZACÃO que se tratava!




Mas para dar um pouco de sentido a esta minha discorrência recuemos um pouco no tempo, apenas umas horas antes quando me deu a veneta de recuperar um hábito antiquíssimo há muito perdido nas brumas da existência, é que em dia de aniversário tinha eu enquanto jovem a tradição de comprar o jornal e, recortando as notícias mais interessantes do especial dia 3 de Abril, guardá-las para mais tarde recordar... E assim, enquanto essas memórias repousam algures na garagem bem acondicionadas num baú tão velho quanto as traças, dei por mim a trazer para casa a edição 55500 do Diário de Notícias, talvez até para desenjoar do vício entretanto adquirido de "ler" os jornais on-line, o que não é bem a mesma coisa...  E assim, por acaso, descobri António Araújo, historiador que marca pontos ao escrever de acordo com a antiga ortografia e que deu à estampa um artigo de opinião absolutamente maravilhoso onde cruza o amor pelos cães e a origem das suas raças, o gosto pela história e pelas curiosidades do mundo-cão bem como uma análise despudorada sobre a humanidade e as suas incongruências, ao fim e ao cabo para concluir que a CIVILIZACÃO é bem melhor e mais evoluída do que a humana CIVILIZAÇÃO! Ficou curioso e com dúvidas, amigo leitor? Remédio simples, leia o artigo de fio a pavio e delicie-se...


"Um cão não tem ódio nem inveja, não conhece a hipocrisia ou a vaidade, e só faz o mal se for treinado ou maltratado para isso - pelos seres humanos. Connosco é diferente, terrivelmente diferente: o mal parece ser inerente à nossa natureza, tal é a dimensão e o requinte que a crueldade perversa entre nós assume, até na indiferença que somos capazes de manter perante o sofrimento alheio." 





João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

sábado, 3 de abril de 2021

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Entender o mundo...


ESCRITO NA PAREDE - XIII



ENTENDER O MUNDO E ENCONTRA O TEU LUGAR...




"Tapada das Necessidades" - Jean-Charles Forgeronne