terça-feira, 29 de outubro de 2019



EFEMÉRIDE # 64


SESSENTA ANOS DE POÇÃO MÁGICA!


ASTÉRIX faz hoje sessenta anos! De facto, embora continue a apresentar uma saúde e aspecto invejáveis, foi no longínquo 29 de Outubro de 1959 que o herói gaulês veio ao mundo nas páginas da primeira edição do semanário juvenil francês PILOTE e constituiu uma pedrada no charco... Era uma coisa tão diferente quanto romântica e sedutora que ainda por cima fazia rir à gargalhada, a ideia de um punhado de extravagantes habitantes de uma pequena aldeia da Gália resistir ao todo poderoso invasor romano caiu no goto do público francês e o monstruoso sucesso de Astérix, segundo René Goscinny, o guionista das aventuras, talvez seja fruto de um feliz acaso, é que na conjuntura de então em que os franceses se sentiam um pouco vazios e sem esperança devido à crise na Argélia, à recente derrota na Indochina e às marcas ainda dolorosas da ocupação nazi, a história da resistência gaulesa apelava ao patriotismo e a uma renovação do orgulho nacional, ainda para mais através de uma das armas mais poderosas que se conhecem, o humor, ainda por cima inteligente e muitas vezes subtil... 







A galeria de personagens é deliciosa: Astérix, o principal herói, pequeno guerreiro que com a sua inteligência e esperteza assume todas as missões delicadas com a ajuda da poção mágica fabricada por Panoramix, o druída da aldeia e o único que sabe a receita da bebida que confere uma força descomunal, Obélix, a personagem mais engraçada, carregador de menires, caçador de javalis e imbatível lutador devido à sua hercúlea força que adquiriu em criança ao cair no pote da poção, Ideiafix, o fiel companheiro de Obélix e primeiro cão ecologista da história e que não suporta ver uma árvore abatida, ou Matasétix, o chefe da aldeia, respeitado por todos e corajoso até dizer chega tendo no entanto um medo visceral: que o céu lhe caia em cima...  







E os portugueses amantes de banda desenhada até não se podem queixar muito, ASTÉRIX demorou apenas 2 anos a ser publicado pela Lusitânia, foi no dia 7 de Outubro de 1961 nas páginas do Cavaleiro Andante, para não deixar mais de ser um dos heróis apreciados por cá, lembro-me bem de  nos tempos livres da escola fazer a íngreme subida até ao castelo torrejano para entrar na biblioteca e ficar ali a deleitar-me com as aventuras dos loucos gauleses e sempre olhei para Astérix como o nosso Viriato e também o meu orgulho patriótico subia um pouco... E para comemorar esta efeméride aí está, acabadinho de sair e ainda fresquinho, o novo álbum da saga, "A Filha de Vercingétorix" onde, fruto dos tempos e de novas mentalidades, se apresenta a primeira heroína da série e que, parece, promete dar a volta aos casmurros habitantes da aldeia...
E que esta deliciosa poção mágica não acabe tão cedo para delícia das nossas leituras! 



João Quadradinho

(Leitor BD de Valmedo)

segunda-feira, 28 de outubro de 2019




CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XIX


OS BÚFALOS, O COWBOY E A BOLA...


Quem perder alguns minutos a ver os resumos dos jogos das competições europeias que por estes dias entopem os canais de televisão poderá reparar num curioso emblema estampado nas camisolas azuis de um clube belga: nada menos do que um índio sorridente exibindo um majestoso toucado de penas! Muito estranho, poder-se-à pensar, o que raio faz um índio no símbolo de um clube do velho continente? Mas, como muito do que parece estranho à primeira abordagem é fruto da ignorância e do desconhecido, vamos lá investigar o mistério... O clube em causa chama-se em bom flamengo Koninklijke Atletiek Associatie GENT e já conta com 119 anos de vida e de histórias e bem se poderia chamar também GENT BUFFALO BILL Football Club! 







Em 1906 passou por GENT o lendário BUFFALO BILL com o seu mundialmente famoso circo "Buffalo Bill Wild West Show" e se bem que o célebre cowboy William Cody já não matava búfalos aos milhares como ninguém, daí a sua alcunha, até porque já tinha 60 anos de idade e as dores nos ossos fruto de tanta cavalgada selvagem não deviam ser assim tão poucas, a sua presença era suficiente para atrair multidões... E consta que o show impressionava qualquer um, havia índios do oeste americano, cowboys, atiradores e inúmeros exímios cavaleiros que faziam abrir a boca de espanto com as suas habilidades, e depois Cody tinha olho para a coisa, foi muito mais além do que o Oeste e tornou o espectáculo universal ao incluir exóticos figurantes, desde turcos a mongóis, a cossacos ou árabes... E se bem que em Gent já não integravam o espectáculo duas das suas históricas e maiores atracções,  SITTING BULL, ele mesmo, o mítico chefe dos Sioux que entretanto falecera em 1890, e Calamity Jane, a famosa aventureira e heroína falecida três anos antes, o show de Buffalo Bill continuava a deslumbrar...










E a quem o Buffalo Bill's Wild Show muito impressionou em Gent foram os jogadores do ainda jovem KAA GENT que depois de terem assistido em êxtase a um jogo de futebol muito especial, cavalos montados por índios e cowboys numa frenética disputa por uma bola gigante, passaram a partir dessa altura e até hoje a denominarem-se BÚFALOS, ao mesmo tempo que o emblema do clube passou a ostentar a raça, a coragem e a nobreza índia... 



Um jovem adepto búfalo...










Entretanto, e depois de muita oscilação e instabilidade, o KAA GENT viria a estabelecer-se definitivamente como clube de primeira divisão e é muito recente o seu maior feito desportivo: campeão da Bélgica em 2015! O palmarés dos búfalos inclui ainda duas Taças da Bélgica (1964 e 1984) e hoje já habituou os seus adeptos a regulares presenças nas competições europeias, ainda na passada semana recebeu os alemães do Wolfsburgo para a Liga Europa e demonstrou a sua raça índia ao empatar a dois golos depois de ter estado em desvantagem por 2 a 0...




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domingo, 27 de outubro de 2019



TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO -  X



GENT, OS NAZIS E O GRAAL...



Uma coisa extraordinária aconteceu numa pequena cidade da Flandres corria o ano da graça de 1432, Jan van Eyck apresentou a obra-prima " A Adoração  do Cordeiro Místico", também conhecida como o "RETÁBULO DE GENT", simplesmente considerada a obra mais importante da arte ocidental porque esteve na origem do Renascimento europeu e porque sintetiza nos seus doze painéis com vinte e quatro pinturas a história integral do cristianismo... Os irmãos Eick, mestres do período gótico, foram uns verdadeiros visionários e pioneiros, foram eles que mostraram ao mundo pela primeira vez a beleza e a riqueza da pintura a óleo! E se hoje um turista, um viajante ou simplesmente um curioso que tenha a sorte de andar em deambulação por GENT e que ouse entrar na sua belíssima catedral gótica, a SINT-BAAFSKATHEDRAAL, será de bom tom que não menospreze o histórico momento que está a viver, é que aquilo que tem à sua frente não é apenas mais uma das milhentas obras flamengas de cariz religioso que há por aí aos pontapés e que às vezes, por serem tantas, até chateia, é que neste caso muito particular estamos na presença da obra de arte mais desejada e roubada de toda a História!  




"Centro histórico de Gent" - J.C.Forgeronne


A conturbada existência de "A Adoração do Cordeiro Místico" teve início 1556 quando em plena reforma os protestantes assaltaram a catedral para destruir a obra, por eles considerada blasfema e um exemplo da idolatria católica aos anjos, aos santos e à Virgem... Valeu ao retábulo ter sido desmontado e escondido na torre da igreja por alguém expedito e assim lá conseguiu escapar à fúria da revolução! Mas seria sol de pouca dura, durante as invasões napoleónicas a obra seria roubada pelos Franceses  e levada para Paris... Com o ocaso de Bonaparte o retábulo regressaria a Gent até que em 1934 um dos painéis da obra, o do canto inferior esquerdo, seria roubado por um ladrão azarado mas que deixou até hoje por resolver um dos maiores mistérios da cidade: onde pára o bocado roubado? É que quando o arrependido malfeitor estava prestes a confessar onde tinha escondido a pintura.... morreu subitamente! E desde então uma réplica substitui o pedaço desaparecido...





"O Retábulo de Gent" - J.C.Forgeronne



Entretanto, em 1940 foram os NAZIS que levaram para Berlim o retábulo, convencidos que nele estaria "escondido" um mapa para alcançar o SANTO GRAAL, e é bem possível que o Indiana Jones também tenha passado pela Flandres para desvendar o mistério mas hoje, passado tanto tempo, podemos dizer que ainda bem que continua em parte incerta a peça que falta porque assim Hitler não chegou ao milagroso e poderoso cálice que lhe daria o controlo sobre todo o mundo...
Certo é que a obra de VAN EICK voltou a ser recuperada em 1946 e desde então não mais saiu da catedral e conta-se por Gent que todos os anos muitos curiosos e detectives amadores mergulham a fundo na demanda pelo painel desaparecido, até agora sem sucesso! Por isso, todos os Sherlocks de boas intenções serão bem acolhidos em Gent...










João Iniciado

(Ocultista de Valmedo)

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

"Rio Leie" - Gent


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


QUANDO O NOVO INCOMODA O VELHO...



Depois da saudação em inglês, o recepcionista do hotel em GENT, ainda moço e de ar simpático, pediu a nossa identificação:
   - Your name, please?
   - João...
   - João? Good name!
E eu, que por breves instantes espreitara o célebre GRAVENSTEEN, a imponente casa acastelada outrora morada dos Duques da Flandres e que se vislumbrava do outro lado da rua com um ar ainda mais imponente do que aquele exibido pela foto do guia turístico, virei-me e encarei o jovem com um semblante que exigia mais explicações:
   - Yes, I like it too...
   - Where do you come from?
   - Portugal...
   - Oh! And I am brazilien!
   - Então talvez possamos falar português, não?
E desatamos todos à gargalhada... 





"Gravensteen" - Gent




E a língua aproximou dois continentes naquela terra de fala estranha, o HEITOR tinha vindo com meses de idade do Pará para a Bélgica, é estudante de direito e vai ganhando uns euros como recepcionista... E sim senhor, para além do francês dominava bem o flamengo, mas foi em português sorridente que nos ofereceu um mapa da cidade com os locais mais importantes para visitar e, mais importante, se disponibilizou para ajudar no check-in aéreo que teríamos de fazer na manhã seguinte. E claro, conhecia o Benfica e era adepto do Flamengo...   





"Stadshal" - GENT




   - Ó Heitor, importas-te de assinalar aqui onde fica o Amadeus, sabes, aquele famoso restaurante das costoletinhas? Conheces?
   - Claro, toda a gente conhece, mas qual deles? Há dois! - e assinalou no mapa a localização do velho, o original, e do novo... - Se não conseguirem mesa neste aqui, que é o mais antigo e que muitas vezes está cheio, tentem neste aqui, mesmo no centro histórico, não tem nada que enganar, fica por detrás de uma coisa muito esquisita que vão encontrar no centro da praça, uma casa inacabada que só tem telhado... 
   - Não me digas que o construtor foi à falência!? Isso é mais típico de Portugal!
   - O arquitecto passou muito mal, foi muito criticado e quase ninguém achava muita piada àquela coisa esquisita ali junto aos monumentos e a coisa ficou assim, até hoje, por acabar. A gente chama-lhe o curral de ovelhas porque parece um celeiro...






    
E depois de ir ao céu com as costoletinhas do Amadeus era obrigatório ir ver aquela coisa estranha e uma coisa é aquilo que se fala, outra é aquilo que se ouve, outra ainda aquilo que se entende e que podem todas não coincidir com a coisa real e enquanto caminhávamos pela beira-rio íamos imaginando como seria aquele casa tão esquisita que ainda só existia para nós pela boca do Heitor e estranhava eu porque ainda não tinham então demolido aquilo...  E de facto, e de todos os ângulos de vista, a construção é um pouco estranha à primeira vista mas naquele anoitecer foi muito útil porque nos safou de uma boa molha e serviu também de refúgio e palco para actividades de praxe de um grupo de universitários...









E quando lá voltamos na manhã seguinte, a estranha construção já nos pareceu menos bizarra, até engraçada e depois aquele edifício inacabado tornou-se uma coisa bem interessante depois de saber a sua história oficial, que reza assim: 
   O STADSHAL, que se pode traduzir por "pavilhão da cidade", é uma estrutura maciça de aço e madeira que foi construída entre 2010 e 2012 e ao contrário do que pensa o Heitor e muitos outros não está por acabar... É obra de uns célebres arquitectos flamengos que também já tinham provocado muita celeuma com a construção da Sala de Concertos de Brugges e mede 40 metros de comprimento por 20 de altura, com um tecto de madeira onde foram abertas 1600 pequenas janelas que proporcionam um interessante jogo de luzes diurnas e nocturnas, e  tudo sustentado por grossos pilares. E claro, não tem paredes... E enquanto cá em cima, o "salão" tanto alberga o mercado semanal como espectáculos ou outras actividades, no piso subterrâneo existem estacionamento para 200 bicicletas, instalações sanitárias, exposições e uma brasserie...








E a polémica arrasta-se vai para vinte anos, metade gosta e metade odeia, ainda hoje muitos não se conformam com a existência daquela "anormalidade" e até a Unesco se meteu ao barulho porque entendia que um projecto tão moderno não encaixaria bem no ambiente histórico de Gent, a eterna luta entre o novo e o velho...  E eu, que não irei ao Parlamento flamengo votar a favor ou contra a demolição mas que tive a sorte de admirar a construção maldita e toda aquela encantadora praça, com o campanário logo atrás, gosto! E acho que quanto mais se passa por lá mais se fica a gostar e não me importaria nada de lá regressar um dia para as festas da cidade que, curiosamente, decorrem ali mesmo! 



João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

domingo, 20 de outubro de 2019



TASCAS E ANTROS DE PRAZER - V


A OUTRA MÚSICA DO AMADEUS...


Primeiro há que encontrá-lo, o que nem sempre é fácil, como aconteceu em GENT onde foi preciso percorrer meia dúzia de vezes e de uma ponta a outra o típico e castiço bairro de Patershol, tarefa no entanto amenizada pelo encanto das ruelas à beira do rio Lys... Para piorar o cenário, começava a chuviscar e apertava a hora, era sabido que havia que chegar bem cedo para arranjar mesa senão o serão poderia ficar definitivamente estragado e além disso os letreiros das ruas escritos apenas em flamengo também não ajudavam nada, duas ou três pessoas não conheciam bem a zona e outras tantas eram turistas igualmente perdidos, valeu já em fase de desespero a aposta num grupo de amigos cinquentões bem instalados numa minúscula esplanada de um pequeno café escondido num pequeno beco, bem dispostos, bem bebidos e, pelo cheiro, bem fumados, que de imediato e em bom e simpático inglês nos indicaram a solução: left, front, left and in the middle of the street... Amadeus!




Amadeus - Gent


Já sentados e em ambiente agradável, o pessoal, simpático, trouxe-nos a ementa, coisa desnecessária porque sabíamos muito bem ao que íamos:  a tradicional all you can eat, que é como quem diz, as famosas COSTOLETINHAS À AMADEUS, tantas as que se puderem comer!!!! Em bom português, trata-se de uma peça de entrecosto, pianola ou teclado, como lhe queiramos chamar, bem grelhadinha e suculentamente recheada de um molho agridoce, acompanhada de uma batata bem proporcionada e envolta num molho delicioso... Acresce que pode-se repetir tantas as vezes que se conseguir, e num país em que a comida não é barata poder fazê-lo por menos de 20 euros (!) é uma excelente opção... Pode até fazer-se uma refeição diária, almoço e jantar num só!









E depois, pormenores curiosos mas deliciosos, colocam à nossa frente uma lata para acondicionarmos os ossos da iguaria, e depois o vinho da casa, um merlot Amadeus claro, depois do primeiro e obrigatário copo, é pago ao milímetro, a garrafa já vem com uma escala e o cliente só paga o que bebe!!!









Esta ideia teve tanto sucesso que se espalhou por toda a Bélgica e hoje é possível encontrar um Amadeus em qualquer cidade do país, mas foi aqui, em GENT, que tudo começou...


E depois, numa terra onde reinam os chocolates, as batatas fritas, os waffles e os mexilhões, e para que não enjoemos, há que visitar o Amadeus, nem que seja pelo ambiente, os restaurantes de Bruxelas e Gent, por exemplo, são magníficos, têm várias salas e algumas delas é como se estivéssemos dentro de uma biblioteca, as paredes estão completamente decoradas com livros...  Pode-se comer de uma forma poética, por exemplo... Ou, para quem não lhe apeteça leituras, há sempre a opção de mastigar com musicalidade, é que o Amadeus é outra música....








João Ratão

(Chef de Valmedo)


sexta-feira, 18 de outubro de 2019



MEDO, MEDONHO, MEDRONHO...



Com o Outono chega também uma nova paisagem e então parece que só temos olhos para aquelas típicas árvores de folhas caducas, amarelecidas ou avermelhadas, quase secas, prestes a cair ou que já no solo atapetam os caminhos e os trilhos... É essa a típica imagem desta época, feita de inúmeras árvores em striptease, mas se repararmos melhor, algumas, orgulhosas, teimam em continuar sempre verdes e exuberantes... É o caso do medronheiro! E até podemos passar por ele sem notar tal é a sua capacidade de se camuflar com outros arbustos e só quando olhamos para o chão imediatamente antes de pisar um redondo e enigmático fruto avermelhado é que paramos e olhámos, será que...


Medronheiro camuflado num carrasco de Moledo...




Veio-me agora à memória o primeiro contacto que tive com o medronho, teria pouco mais de uma dezena de anos de idade e tinha sido convencido pelo Sérgio, pelo QuimTó e pelo Marinho de que valia a pena a aventura, e assim, quais pequenos vagabundos, armados apenas de fisga e navalha, lá fomos numa bela tarde soalheira em excursão por ignotos caminhos do Ribatejo profundo em busca desse fruto proibido, uma boa hora de caminhada desde os Parceiros até aos arrabaldes de Casével, onde nos esperavam essas míticas árvores produtoras de álcool... Tinha sido avisado, cuidado que os medronhos embebedam, há que experimentar mas depois há que aguentar! A medo lá os comi, meia dúzia talvez, frutos ásperos e nada doces, e na viagem de regresso, animada e refrescada por muitos mergulhos num tanque de uma mina que descobrimos pelo caminho, pensei eu muitas vezes se afinal não seria tudo mentira, é que os efeitos da medronhada tardavam em aparecer... E mesmo nos dias seguintes, enquanto comia os medronhos que tinha trazido nos bolsos dos calções, convenci-me que afinal não havia razão para tão medonha apreensão... 









O medronheiro, de nome científico Arbutus unedo, que é como quem diz arbusto do qual só consegues comer um fruto, engraçada denominação devido ao sabor agreste do medronho, tem uma particularidade muito interessante: nesta altura convivem na mesma árvore belos cachos de flores brancas e muitos frutos de vivo vermelho! Isto acontece porque os frutos, os célebres e pequenos medronhos, demoram um ano  a amadurecer e assim coexistem com as alvas flores que irão dar origem aos medronhos do próximo ano!




Um ano de maturação para um fruto tão pequeno...




Plantado para a produção de AGUARDENTE, especialmente no Alentejo e Algarve, o medronheiro também existe no estado selvagem pelo Ribatejo, mas a melhor aguardente de medronho que bebi em toda a minha vida veio da zona do Estreito, ali pela Beira Baixa, pelas mãos amigas e caridosas do Jorge Humberto...

Mas nem só por cá medra o medronheiro, ele é espontâneo em toda a Europa, Norte de África e América do Norte... E, curioso, é a árvore de eleição da cidade de MADRID que tem como brasão um esperto urso a comer medronhos  de um belo medronheiro...








João Atemboró

(Naturalista de Valmedo)

terça-feira, 15 de outubro de 2019



MOULES À MARINIÈRE



O ex-libris gastronómico da Bélgica são os "Moules à Marinière", que é como quem diz, "MEXILHÕES À MARINHEIRO", por sinal de excelente paladar e fácil confecção... Aqui vai uma receita dos famosos mexilhões tal qual os degustamos em Bruxelas:





 Ingredientes:

- Água salgada
- 2 Kgs de mexilhão
- 1/2 litro de leite
- 1 cebola
- 1 cabeça de dentes de alho
- 1 limão
- 2 talos de aipo
- 1 alho francês
- sal e pimenta q.b
- salsa
- 1 folha de louro
- tomate seco q.b
- azeite q.b
- 1.5 dl vinho branco seco





A aventura começa por ir até à praia apanhar um pouco de sol e enquanto se respira a bela maresia resgata-se ao Atlântico aproximadamente 3 litros de água salgadinha e fresquinha na qual se colocam os mexilhões de molho;  os holandeses juntam leite à água para que os bichos fiquem mais macios e parece que resulta; deixar umas duas horas de molho; se necessário, retirar as barbas ao mexilhão;

- Num tacho fazer um refogado com o azeite, a cebola grosseiramente picada e o alho laminado, tendo o cuidado de não deixar alourar a cebola, deixá-la apenas quebradiça;








- Colocar metade do refogado numa panela grande e juntar o alho francês cortado em rodelas finas, o mexilhão, o aipo cortado em pedaços pequenos, salsa picada e o tomate seco,

- Temperar com sal e pimenta, agitar a panela para misturar e deixar cozinhar com a tampa fechada;








- No outro tacho, juntar ao restante refogado o vinho branco e deixar ferver; triturar com a varinha mágica e deitar por cima dos mexilhões quando estes começarem a abrir, juntamente com o sumo de um limão;

- Aguardar 1 minuto, retirar do lume e servir...








Nota: obrigatório acompanhar com batatas fritas e o restante vinho branco fresquinho! E quanto às batatas convém esmerar-se porque os belgas orgulham-se de ter as melhores do mundo, les frittes como lhes chamam eles, e é bem provável que tenham razão, comidas à mesa ou em bancas de esquina, simples ou acompanhadas com molhos, são divinais, crocantes por fora e macias por dentro; parece que o truque é fritá-las duas vezes e no entretanto lançá-las ao ar para eliminar o excesso de óleo! Nada como experimentar...



Mexilhões caseiros


E é só degustar... Ficam tal qual aqueles que se comem pela Bélgica e muito mais em conta! E não há que desmoralizar se acoisa não correr bem à primeira, quanto mais vezes se confeccionar mais a mão fica apurada...



Bon appetit!



Mexilhões em Bruxelas



João Ratão

(Chef de Valmedo)

sábado, 12 de outubro de 2019

Zenneken Pis

"Zenneken-Pis" - J.C.Forgeronne



XIXI, UMA QUESTÃO CULTURAL...


Amigos caninos, cada vez me convenço mais que não deve haver coisa mais estranha do que o louco mundo dos humanos! Ainda ontem, aproveitando uma nesga na porta da cozinha que alguém se esquecera de fechar, invadi a parte nobre da residência e aonde só de vez em quando tenho permissão de entrar e enquanto dava uma espreitadela por ali deparei com uma intrigante cena no computador que o J.C tinha deixado ligado... Então imaginem um amigo nosso, em plena rua de uma grande cidade, perna levantada e rabo empinado a espalhar as suas urinárias feromonas sobre um daqueles pinos que por vezes se encontram pelos passeios, uma cena lindíssima e não era difícil imaginar o prazer daquele nosso companheiro que, em plena liberdade, sem coleira nem dono por perto, assim conquistava para si aquele território...
      - James! Que fazes aqui? Rua, já! - alguém gritou repentinamente sobre a minha cabeça...
Passado o susto, tentei a minha sorte:
      - Ora, estava a admirar esta bela foto que tens aqui... Quem é aquele cão?
      - Não sejas tonto, não vês que é uma estátua? Por sinal até é bem famosa e fica em Bruxelas.  
    - Um cão a fazer xixi em plena rua é motivo para erguer uma estátua? - perguntei enquanto me aproximei mais um bocadito para comprovar de que se tratava mesmo de um cão em bronze...








   

   - Pois, é mais fácil de perceber se souberes que desde há séculos o símbolo de Bruxelas é uma estátua de um menino a fazer xixi, chama-se Manneken Pis e é uma autêntica lenda, visitada por milhares de turistas vindos de toda a parte do mundo, e sabes que mais, é tão pequenina que nem tem metade do teu tamanho!
    - Mas o que é que o menino fez assim de tão importante para ser uma estátua?
    - Pois, diz-se que é uma homenagem a um menino que tentou apagar um incêndio que ameaçava o edifício da Câmara ao urinar para dentro de uma boca de incêndio!




"Manneken-pis" - J.C.Forgeronne


   - E depois também há ali perto outra estátua de uma menina a fazer xixi, a Jeanneke-Pis...
    - E a menina também apagou um incêndio? - perguntei usando da minha lógica canina...
   - Não, foi apenas uma exigência das feministas belgas, acharam elas que se havia um menino então também deveria haver uma menina a fazer xixi!
    - E o cão, apagou algum fogo?
    - Não me parece, deve ter sido ideia de um grupo de pessoas amigas dos cães... Se calhar daqui a alguns anos vão também aparecer por Bruxelas estátuas de gatos e outros animais a urinarem. E já chega de conversa, James, lá para fora já!




"Jeanneke-Pis" - J.C.Forgeronne


E amigos caninos, enquanto me dirigia ao meu cantinho privado para fazer um xixi, já matutava eu numa forma de um dia destes dar uma escapadela para a rua quando houvesse aquela fumarada que às vezes aqui chega vinda das queimadas que fazem por aí, e assim, urinando a meu bel-prazer e armado em cão-bombeiro irei testar essa teoria histórica de que se pode apagar um incêndio com uma boa mijadela! Depois dar-vos-ei conta das minhas conclusões...  



James

(Cão de Valmedo)

Bruxelas

"Grand-Place" - Bruxelas


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

Tintim



O TINTIM MAL-COMPORTADO!


TINTIM nem sempre foi um bom exemplo quer para jovens quer para adultos, e tanto ele como o seu criador, HERGÉ, não tiveram uma vida fácil, antes pelo contrário, sofreram ambos na pele muita contestação sobre a sua postura sobre questões sociais pertinentes e, facto curioso decorrente da evolução do pensamento ético das sociedades, muitas dessas críticas vieram a público passadas décadas sobre o lançamento dos livros e, como em tudo nesta vida de extremismos, algumas dessas opiniões podem ser razoáveis e outras serão completamente disparatadas e lançadas fora do contexto... E nesta questão das polémicas mensagens que os heróis, com intenção ou por má interpretação, possam passar para a opinião pública, no caso do nosso aventureiro repórter ressaltam as mensagens propaladas nos seus dois primeiros álbuns... 








HERGÉ foi contratado pelo jornal "XXéme Siécle" para lançar uma história aos quadradinhos para o seu suplemento infantil e com o declarado objectivo de propagandear uma mensagem anti-comunista e assim, por mais de um ano e semanalmente, entre 1929 e 1930, foi sendo publicado "TINTIM NO PAÍS DOS SOVIETES" em que o nosso jovem repórter é enviado para a União Soviética para desvendar os segredos e os podres do regime de Estaline... Tintim metido na suja política e armado em espião para combater os então considerados maus é uma ideia que hoje não vingaria de todo, mas os tempos eram outros e a história acabaria por se tornar num sucesso e viria a ser editada em livro pouco depois!









E se passado pouco tempo, em 1931, ano do lançamento do segundo álbum das aventuras de TINTIM, existisse por terras flamengas algo parecido com o nosso PAN, então talvez o nosso herói tivesse sido sido guilhotinado na praça pública e considerado um criminoso muito pior que Estaline e uma ameaça global ao bem estar do planeta tantas foram as atrocidades cometidas pelas exóticas paisagens da colónia belga...  Em "TINTIM NO CONGO", o nosso herói desata a matar sem dó nem piedade tudo o que mexa e que lhe apareça pela frente e alvejados pela sua carabina caiem redondos, entre outros, um macaco, um elefante, um gnu e vários antílopes, já para não falar de um rinoceronte que é dinamitado e se desfaz em mil pedaços... E ainda houve um crocodilo que escapou por pouco! Consta que mais tarde, devido às críticas de organizações ambientalistas e de defesa dos animais, HERGÉ redesenhou a história e eliminou algumas destas cenas mas isso não foi o suficiente para evitar a colagem a mensagens pró-colonialistas e racistas...

     






Mas depois, ao longo do século XX, TINTIM foi evoluindo na sua consciência social e tornou-se até num grande amigo de muitos animais, simbolizando assim as transformações que foram alterando a sociedade europeia...



João Quadradinho

(Leitor BD de Valmedo)

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O herói belga


TINTIM, O HERÓI NACIONAL DA BÉLGICA...



Por toda a cidade de Bruxelas se respiram as aventuras do repórter mais famoso do mundo, TINTIM, e dos seus companheiros, desde o fiel MILU, celebérrimo fox-terrier de pêlo branco, ao Capitão HADDOCK, aos desastrados agentes especiais DUPOND e DUPONT ou ao engenhoso Professor GIRASSOL...  Nascido há 90 anos da imaginação de Georges Remi, ou antes, HERGÉ (R de Remi e de Georges), Tintin mantém-se jovem e actual, ele que simboliza uma juventude irreverente e de nobre carácter, embora por vezes inocente, mas que disfarça bem essa faceta idealista pela coragem e pela esperteza...



TINTIM foi verdadeiramente a primeira banda desenhada moderna e o estilo cuidado de Hergé tanto na cor como nos pormenores da história em que nada é deixado ao acaso fez escola, que o digam os posteriores Astérix e Lucky Luck... Apesar de algumas polémicas em que se viu envolvido, Hergé acabaria por ver o seu talento devidamente reconhecido já depois da II Guerra Mundial e ficaria conhecido no meio da banda desenhada como o Walt Dysney da Europa!
E curiosamente, depois destes anos todos, depois de ter sido traduzido em 50 línguas e de ter vendido mais de 200 milhões (!) de exemplares pelo mundo inteiro, TINTIM mantém uma relação especial com Portugal: consta que foi por cá que foi publicada a primeira aventura do nosso herói noutra língua que não a francesa, antes só tinha sido publicado na França e na Suiça... Até na banda desenhada os portugueses são visionários! 



Hoje, TINTIM é uma verdadeira instituição e um símbolo universal da Bélgica e de Bruxelas em particular, podendo ser encontrado em qualquer lado, inclusive nos locais menos prováveis....




No Museu de Banda Desenhada...




No Metro...








Nas montras...





Ou na rua...



João Quadradinho

(Leitor BD de Valmedo)

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Brussels




ETERNA MEMÓRIA QUÍMICA!



Quem está agora por BRUXELAS, ou quem por lá já passou ou quem pretende por lá passar no futuro e que em qualquer dos casos não tenha resistido a uma viagem aos arrabaldes da cidade para visitar o parque do HEYSEL e a sua emblemática estrutura, e por mais ignorante nas ciências químicas que seja, nunca irá esquecer até ao final da sua existência o número de átomos que compõem um cristal de ferro...










Projectado e construído em aço para a Exposição Mundial de 1958, o ATOMIUM, com as suas nove reluzentes esferas representa os átomos de um cristal de ferro aumentado 165 mil milhões de vezes! Ainda hoje, passados mais de sessenta anos, o monumento de 102 metros de altura impressiona e embora construído para durar apenas um ano perdurou no tempo até se tornar num dos ex-libris de Bruxelas...  Partilha assim um destino comum com a celebérrima Torre Eiffel de Paris, também construída apenas para a Exposição Mundial de 1889 e que, tendo escapado à demolição, perdurou até aos nossos dias e tornando-se, de resto, no monumento pago mais visitado em todo o mundo! 








O ATOMIUM simbolizou para aquele tempo do período do pós-guerra o optimismo e a confiança num futuro de conquistas e descobertas científicas... E mesmo para aqueles que se desiludiram com os acontecimentos desde então restam alguns consolos: na esfera superior podem afogar as mágoas num restaurante moderno ao sabor de uns moules à marinniére e enxugar os olhos com uma vista espectacular, na esfera central podem fazer uma cerimónia de esquecimento emborcando as cervejas belgas que aguentarem num amistoso bar e noutras esferas, como convém, porque a vida não é só comer e beber, pode haver lugar a alguma reflexão perante interessantes exposições temporárias...







                                                                                                         (Fotos: Jean-Charles Forgeronne)



João Palmilha

(Viajante de Valmedo)