CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - XLVIII
A PEDRA PERDIDA NO TEMPO
Dou logo de caras com a quinta, coisa mais fácil de encontrar neste mundo-cão não deve existir, agora encontrar a redonda pedra já é outra história, estou no lugarejo de Pedra Redonda, meia dúzia de casas e menos ruas ainda já percorridas de trás para a frente e de frente para trás e sem vislumbre do achado arqueológico que me trouxe aqui, nem sequer uma placa a chamar a atenção, até que por sorte deparo com dois simpáticos vizinhos a uma esquina em amena cavaqueira, estão pondo a conversa em dia enquanto recebem o calor dos últimos raios de sol do dia... - Viva, sabem dizer-me onde fica a pedra? Aquela que dá o nome a este sítio? Ando aqui às voltas e não vejo sinal dessa coisa!
- Olhe, é mesmo ali... - e o homem apontou com a bengala - mas está tapada!
Olhei com desânimo para o local indicado, "tapada!", a palavra caiu-me em cima que nem um trovão, tinha eu vindo de Alcobertas para aqui para encontrar a pedra tapada, raios, alguém a terá tornado inacessível vedando o local ao público, pensei...
- Tapada? Então não se pode ver? - Pode, tem é que tirar a terra que tem por cima... Sabe, com estas últimas chuvas escorreu água lá de cima e a lama tapou a coisa... - quem o disse foi o senhor Tito, nado há setenta e sete anos e criado ali mesmo naquela casa defronte, tendo sempre vivido com a pedra à beira da janela...
- Ah, mas a gente trata do assunto - disse célere a senhora sua vizinha, Alda de nome próprio e Bugalho de apelido ali arranjado por casamento, que ela era de outras bandas há setenta e sete anos, e voltou do seu quintal com uma vassoura...
Enquanto nos aproximamos os três do sítio exacto onde jazia enterrada a pedra, sob as ramadas nuas de um enorme carvalho, e agora com outra perspectiva, reparo que estou então na Rua da Pedra, graças à placa que a Junta de Freguesia da Benedita amarrou a um poste de electricidade e na qual não reparara quando ali tinha passado de carro...
- É aí mesmo! - diz o Tito, apontando com o pé, sereno e convicto, afinal sempre vivera ao lado da pedra...
Pego a vassoura das mãos da Alda e começo a varrer com frenesim, algo começa a aparecer mas é necessário uma pá, diz o Tito, "deixe lá", digo eu e começo a vassourar com os pés a última camada de terra ainda húmida, que me perdoe a N. que me ofereceu estes maravilhosos ténis de marca... E eis a pedra, tal qual as fotos dos artigos publicados sobre ela...
- Mas isto devia ser preservado, não acham?
- Nunca ninguém ligou a isto! - um respondeu, os dois encolheram os ombros...
- E então, o que me contam sobre esta pedra? - pergunto aos dois, apontando para o achado novamente a descoberto... - O que ouviram falar desde pequenos acerca disto?
- Olhe, no meu tempo de criança as pessoas já velhas chamavam a isto "o olho" porque dava para orientar a direito desde o talefe lá no alto da serra até ao Monte de São Brás na Nazaré, uma ligação entre a serra e o mar... Depois ninguém sabia ao certo a história disto, apenas que devia ser do tempo da idade da pedra, mas uma coisa de que me lembro bem de ouvir dizer na altura é que este carvalho tinha mais de 400 anos! - e apontou para o alto, para o esqueleto da vetusta árvore...
E apesar de haver quem afiance que a pedra redonda é uma gravura rupestre com uns cinco a seis mil anos de pétrea idade e que faria parte de um calendário lunar que sinalizava os equinócios e os solstícios, ali, no largo central da Pedra Redonda, às portas de Benedita e Turquel, outros garantem que do que se trata é de uma enorme amonite incrustada num afloramento calcário do Jurássico Superior, ou seja, com 150 milhões de anos!
Uma pedra perdida no tempo, é o que é, votada ao abandono e ao esquecimento...
João Parte-Pedra
(Geólogo de Valmedo)