segunda-feira, 30 de outubro de 2023

 

LAS PATATAS REVOLCONAS


São mais conhecidas as bravas porque de norte a sul de Espanha encontrámo-las em qualquer lado embora a sua origem remonte aos anos 40 nos bares e cafés de Madrid, mas para encontrar as patatas revolconas é preciso demandar a região de Castilla y Léon, principalmente Ávila e Salamanca... Mas antes de serem consideradas uma iguaria típica e uma experiência obrigatória para turistas e viajantes, as revolconas começaram por ser comida de pobre e eram a base da alimentação dos camponeses num mundo-cão já então em crise global... Económica e de fácil preparação aqui fica a receita das patatas revolconas:

PATATAS REVOLCONAS À VALMEDO

Ingredientes:

- 3 batatas;
- 3 dentes de alho; 1 folha de louro;
- pimentão doce e pimentão picante;
- noz-moscada (opcional)
- 200 grs de bacon (ou torresmos);
- azeite; vinagre; sal;


Preparação:

- cozer as batatas em água com sal, louro e um pouco de vinagre (30 minutos);
- juntar uma pitada de noz-moscada às batatas e esmagá-las até obter um puré cremoso;
- pode-se usar torresmos já feitos, especialmente se trazidos de Salamanca, ou então fritar o bacon cortado em pedaços na sua própria gordura até ficarem dourados e crocantes; (reservar);
- na mesma frigideira, juntar um pouco de azeite e aloirar o alho laminado; juntar depois o pimentão doce e o pimentão picante, misturar muito bem e ir mexendo durante dois minutos; juntar ao puré;
- finalmente envolver tudo muito bem e na hora de servir colocar os torresmos por cima;

E pronto, buen provecho!  

As patatas revolconas devem ser servidas quentes e pode-se, em alternativa, usar antes batata-doce ou substituir o bacon, por chouriço, por exemplo; as revolconas podem ser servidas a solo ou então como acompanhamento, hoje cá em casa calhou fazerem uma bela companhia a umas coxinhas de frango...




João Ratão

(Chef de Valmedo) 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

 

PASSEAR, TAPAR, PASSEAR...


"La Cueva de Salamanca

Tínhamos vindo da Cueva de Salamanca, esse lugar maldito onde, segundo a lenda e referências de mestres das letras como Cervantes, Calderon de La Barca ou mesmo o Walter Scott do Ivanhoe, Satanás tinha uma escola de ciências ocultas e que dizem ainda hoje ser  uma porta de entrada para outro mundo, a subida exigira algum esforço de modo que agora estávamos sentados nos jardins da Plaza Annaya observando a azáfama estudantil, catedral pelas costas e palácio defronte... O calor ameaçava inclemência, a hora já batia levemente no estômago e talvez por isso reparo numa sedutora esplanada ao fundo onde começa a Rúa Mayor e já bem concorrida, que raio, em troca de sombra e uma caña não se perderia muito e lá abancámos...   



Primeiro repara-se no papel afixado à entrada [AQUI SE COMEN LAS AUTENTICAS PATATAS REVOLCONAS, desde 1978] e só depois no modesto letreiro que anuncia o nome do pequeno café-bar: EDELWEISS! Tal e qual, edelweiss, que significa "branco nobre" em alemão e nome pelo qual é também conhecida uma frágil planta das montanhas alpinas, com as suas pétalas de puro branco, claro... 




Fico a pensar no porquê de um nome assim por aqui, que tem Edelweiss a ver com Salamanca? Terá o dono do estabelecimento vindo dos Alpes e por aqui se ficou enamorado de terras e gentes? Ou então, porque não, quem deu o baptismo ao café terá sido alguém fã do "Música no Coração", talvez o filme mais visto da história deste mundo-cão em épocas natalícias... Mas entretanto chegaram a caña, a pinta, os huevos fritos con farinato, o jamon serrano de La Alberca e claro, as patatas revolconas, e com tudo isso se deu início a uma sinfonia no estômago... 



Energias repostas, é tempo de voltar ao passeio e assim se pode ser feliz, passeando, tapando, passeando...


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

 

LIVROS 5 ESTRELAS - XXXV


OS TORMENTOS DA MISÉRIA


"Pois saiba vossa mercê, antes de mais nada, que me chamam Lázaro de Tormes, que sou filho de Tomé González e de Antona Perez, naturais da província de Salamanca, aldeia de Tejares. Nasci no rio Tormes, e daí me veio o apelido. E aqui tem. O meu pai, que Deus lhe perdoe, estava encarregado da moenda de uma azenha que fica à beira daquele rio, onde foi moleiro mais de quinze anos. E estando a minha mãe uma noite na azenha, pejada de mim, vieram-lhe as dores do parto e pariu-me ali mesmo. De maneira que posso em boa verdade dizer que nasci no rio." 
Assim começa "LAZARILHO DE TORMES", a primeira e mais notável novela picaresca da literatura espanhola, datada de 1554!





Numa época de romances de cavalaria e relatos de proezas de bravos guerreiros surgiu esta obra que nos apresenta uma personagem que é um autêntico anti-herói; o autor, anónimo e de baixa condição social, conta-nos num registo autobiográfico as suas aventuras e os seus azares ao longo dos anos em que se vê obrigado a servir sete patrões: um cego que via mais do que parecia, um padre avarento, um escudeiro arruinado, um frade trotador que lhe deu os primeiros sapatos que usou na vida, um proclamador de bulas especialista em falcatruas, um capelão que em boa hora lhe ofereceu um burro e um aguazil que lhe proporcionou uma oportunidade de independência... 



E quem descansa um pouco à sombra e à beira da ponte romana, olhando o magro Tormes e a medieval Salamanca, inevitavelmente é atraído para aquele par de personagens imortalizadas no bronze, o jovem Lázaro guiando o mestre cego...Curioso, caro leitor? Tem bom remédio, pegue na edição dos Livros RTP que tem para lá perdida em casa e conheça toda a história, a leitura revelar-se-á rápida, divertida e gratificante...


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

"Plaza Mayor, Salamanca - Jean-Charles Forgeronne

 

ENCONTROS IMEDIATOS COM ESCRITORES - XI


DESAYUNANDO NA PLAZA MAYOR


Entrar no Novelty é um mergulho em mais de um século de História e histórias ou não fosse o café mais antigo de Salamanca, fundado em 1905 e que ao longo dos seus 118 anos de existência foi testemunha privilegiada da vida social, cultural e política da cidade e do país, desde sempre ponto de encontro de artistas, escritores, intelectuais e políticos...  E de entre todos esses fregueses há um que não arreda pé e que imediatamente chama a atenção, sentado à espera de companhia para uma boa conversa vai mirando a Plaza Mayor, rodeado de grandes espelhos e pinturas ali encontramos Gonzalo Torrente Ballester... 



Galego de nascimento e após várias moradas, Ballester assentou definitivamente em Salamanca em 1975 para leccionar História e escrever compulsivamente, aqui vivendo até à sua morte em 1999. Foi professor, escritor, crítico literário e jornalista, publicou romances, peças de teatro, crónicas, ensaios e diários, elevando-se a um dos maiores expoentes das letras castelhanas...



Mas não se vai ao Novelty apenas para ver o escritor, vai-se essencialmente pelos deliciosos desayunos e desta vez, a conselho de voz amiga e pondo qualquer vontade de dieta de parte, a escolha foi uns soberbos churros com chocolate quente, sumo de laranja e café, irresistível! Mas também consta que os gelados são qualquer coisa do outro mundo e a qualquer hora que demandemos a belíssima Plaza Mayor é uma bela desculpa para os provar...




Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

"Catedral de Salamanca"

 Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

 

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO - XIII


OS DEUSES ASTRONAUTAS


Deus de capacete - México

A teoria diz basicamente o seguinte: milénios atrás, astronautas alienígenas estiveram no nosso planeta e foram considerados deuses pelos nossos antepassados! A ser verdade, isso explicaria muitos mistérios da humanidade, incluindo os religiosos, afinal não dizem os textos sagrados que estão no céu os criadores deste mundo-cão? Como prova desse extraordinário acontecimento, para além de uma interpretação nada ortodoxa dos textos sagrados das antigas civilizações, apresentam os especialistas defensores dessa teoria muitas descobertas e artefactos arqueológicos espalhados por todo o planeta como tendo sido inspirados ou até construídos pelos extraterrestres, como são, de entre muitos outros, os casos do famoso astronauta de Palenque ou a figura de uma divindade com capacete patente no Museu de Arqueologia, ambos no México... 

E então que dizer a alguém, iniciado no assunto ou mero turista, que fica embasbacado a olhar para o astronauta da magnífica Catedral de Salamanca, construída entre 1513 e 1733


"Astronauta de Salamanca" - Jean-Charles Forgeronne


E no entanto ali está ele, intrigante, esculpido numa coluna da porta norte da catedral por entre santos e figuras de outras eras; apesar disso, alguns apontam uma explicação muito mundana para o mistério: aquando do restauro dessa porta levado a cabo em 1992 e respeitando a antiga tradição dos construtores e restauradores de catedrais de introduzirem motivos contemporâneos dissimulados entre os originais como forma de assinar as suas obras, alguém terá esculpido o astronauta como símbolo do século XX...


"Astronauta e Diabo comendo gelado" - Jean-Charles Forgeronne

Mas claro que essa explicação não convence toda a gente, muitos continuam a afirmar que o astronauta se encontra ali desde a construção original da porta da catedral e nesse caso não faltariam testemunhos de quem  viu a figura antes de 1992, a menos que até então ninguém tivesse reparado nela... E muitos dizem ainda que não seria necessário o astronauta para simbolizar o século XX, já bastaria a outra curiosidade esculpida na porta: um diabo provocador e já de perna partida deliciando-se com um gelado, um apelo evidente ao pecado da gula! 


"O Diabo provocador" - Jean-Charles Forgeronne

E para a resolução deste delicioso mistério aplica-se na perfeição a mui velha máxima: "Venha o Diabo e escolha!"...

João Iniciado

(Ocultista de Valmedo)

terça-feira, 10 de outubro de 2023

 

ANEDOTAS QUE PARECEM POEMAS - XI


BARCO AO FUNDO


Toda a gente que estava sentada na sala olhava para o mar agitado e não ousava mexer uma pálpebra sequer, as mãos ferradas uma na outra ou então fincadas na cadeira mas apesar da enorme angústia o navio seguia o seu destino. De repente, alguém da primeira fila de cadeiras desata a gritar.
  - Vai afundar! O barco vai afundar!
Alguém perto remexeu-se, algumas pessoas entreolharam-se, ouve-se um suspiro ao fundo e as atenções viram-se novamente para o oceano assustador mesmo ali à frente..
  - Vai afundar! O barco vai afundar!
A mesma voz! Desta vez alguém lança lá de trás um tímido "Cale-se, porra!"...
O desconforto era cada vez maior naquela sala e para desespero de todos ouve-se novamente a mesma pessoa ainda mais alto:
  - Eu já vi isto! O barco vai afundar!
Foi então que três seguranças invadiram a sala, pegaram na criatura à força e retiraram-na do cinema... 
 



João Tonteria

(Humorista de Valmedo)

 

ESCRITO NA PAREDE - XXVIII




Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

 

CONTANDO A HISTÓRIA DE PORTUGAL


Encontrei por sorte o artista em cima de um escadote e de pincel na mão a trabalhar no mural da Escola Primária do Reguengo Grande, numa longínqua e solarenga manhã do Fevereiro de 2021... Encostei o carro e entabulei conversa com a personagem, chamava-se José Luís Nascimento e morava nas Cezaredas ia para vinte anos...




Fazia contas de acabar a obra lá para o Natal desse ano, disse ele por detrás da máscara que entretanto tinha colocado mas as contingências que o Covid acarretou, então no auge, iria atrasar a coisa... Tinham-lhe sugerido pintar cenas da História de Portugal numa banda desenhada mas ele, inspirado pelos azulejos das batalhas patentes na estação de São Bento no Porto, tinha antes e em boa hora optado por pintar painéis representativos de cada reinado lusitano...




Figura de simpatia extrema, saltou imediatamente à vista que era um conversador nato cheio de riquíssimas histórias por contar, haja alguém que as mereça ouvir, falou do seu avô algarvio, da luz e de histórias de Cacela Velha e da praia da Manta Rota, por coincidência o meu Algarve preferido... O que lhe dá mais prazer nesta vida é pintar, e é seu o mural do jardim de pedra de São Bartolomeu, no caminho para o Paço...




O que lhe dá mais prazer nesta vida é pintar, tem quadros seus espalhados pela casa e é também seu o mural do jardim de pedra de São Bartolomeu, no caminho que leva ao Paço... Já era tempo de deixar o artista trabalhar e despedi-me até uma próxima vez em que o encontre por aí de pincel na mão contando histórias... Já passaram mais de três anos desde então e nunca mais o vi, mas a sua história de Portugal ali está orgulhosamente exposta para quem a quiser ver...



João Alembradura

(Historiador de Valmedo)

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

 

TASCAS E ANTROS DE PRAZER - XXIX

A TASCA DO ISMAEL


Calha ser domingo e calha estar a passar pelo Reguengo Grande, sinto o apelo e faço um desvio pelo centro da aldeia, passo pelo mural histórico da escola e subo a rua até ao largo da igreja, paro em frente à casa amarela construída em 1947 e com o número 22, ontem perguntara-me o Andarilho: - Sabes quem morreu? - e sem esperar por resposta - O nosso amigo Ismael do Reguengo... 
Apesar de ser uma notícia pouco surpreendente devido à gravidade da sua doença, o impacto é duro, partiu o bom do Ti Ismael, essa alma pacífica e desalinhada que nos recebia sempre na sua tasca com boa disposição e ânimo e isso era exactamente o que aí buscávamos quando regressávamos já cansados das corridas ou bicicletadas pelo Vale da Cornaga...



Apesar da porta fechada parece um dia como os outros, a tasca não tinha horário de abertura, especialmente aos domingos porque dependia como tinha sido o sábado do Ismael e algumas vezes batíamos com o nariz na porta e lá seguíamos desconsolados, sem a ginginha fresquinha ou a mini refrescante, ficava para a próxima... 
Por detrás daquela timidez e simplicidade vivia alguém culto, bem informado, a velha telefonia a pilhas estava sempre sintonizada na Antena 1 para se inteirar do que se passava pelo mundo inteiro, ele a quem bastava o seu cantinho. Um dia, subido eu do vale e ao dizer-lhe que a cascata já tinha água e que merecia uma visita confidenciou-me: "Não vou lá desde os meus oito anos!". "A sério? Não tem curiosidade de lá ir ver como está aquilo agora, passado tanto tempo?". E ele desconcertante: "Não! Está visto, visto está!"...




E se a porta se abrisse agora ali estaria o Ismael sentado a fumar, ouvindo as notícias enquanto aguarda algum cliente, rodeado de posters do Benfica e outras pérolas humorísticas penduradas na parede, especialmente aquela acta do 1º Congresso de Peidos lavrada em folha A4 já com a tinta esmorecida pelo tempo... E várias vezes dali saí à maneira do congressista desportista anunciando: "Bem, Ismael, como atleta que sou vou-me peidar e sair a correr..."
E agora, no regresso a casa ainda longe, desejo que naquele dia em que chegar ao outro lado deste mundo-cão montado na minha Bulldozer por lá encontre o Ismael a servir ginginhas fresquinhas na sua tasca...  




28666

(Atleta de Valmedo)

domingo, 8 de outubro de 2023

 

O MONSTRO DE VALMEDO


-Olha só, James! Lembras-te de eu te dizer há tempos que tinha ouvido uns rumores de que andava por aí um bicho estranho, um monstro nunca visto antes, quiçá uma criatura de outro mundo?
Sim, amigos caninos, eu lembrava-me de ter ouvido aquela história da boca do J.C. mas também de o ter ouvido dizer, e é bem provável que ele já nem se lembre do que disse, de que não acreditava nessas fantasias, que era fruto da crendice popular em cenas paranormais tipo aquela história da loba, alguém talvez com miopia viu uma cadela de grande porte e depois do relato ter dado a volta à freguesia já o bicho se tinha transformado numa terrível loba que dizimava rebanhos e capoeiras... E parecendo que estava a ler os meus pensamentos, sensação das mais desconfortáveis que se pode ter, voltou o J.C. à carga:
- É que desta vez, James, parece não ser apenas uma história a passar de boca em boca e que muitas vezes descamba numa autêntica invenção, alguém conseguiu fotografar o monstro a espreitar de um buraco duma casa, olha só!




E quando ele vira para mim aquele artefacto tecnológico a que todos andam agarrados como se fizesse parte do seu corpo eu, confesso, abri os olhos de espanto, na imagem via-se a cabeça de uma criatura assustadora, com uns olhos demoníacos e uns dentes ameaçadores prontos a devorar... Talvez para me sossegar um pouco disse então o J.C ao reparar no meu desconforto que o que valia é que parece que a estranha criatura ainda só fez estragos nalgumas capoeiras das redondezas, não há relatos de incidentes com pessoas ou cães... Valha-nos isso e a esperança de que entretanto alguém consiga exterminar o bicho para que a tranquilidade volte...

James

(Cão de Valmedo)

sábado, 7 de outubro de 2023

 

"Nightrider III" - Jorge Charrua, (Moledo com Fome)

João Plástico

(Artista de Valmedo)

 O REI DO BAIRRO DO REGO


Após várias voltas sem achar um lugar para estacionar encontro-me encostado em segunda fila defronte dos blocos de habitação social do bairro, paredes meias com modernas residências para estudantes e séniores... Atrás de mim fica o hospital e o vale rasgado pela linha do comboio e por onde há muito tempo escoava até à ribeira de Alcântara um regato que vinha dos lados do Campo Pequeno, daí terem dado a esta zona o nome de Rego...



Está calor, abro a janela e só então reparo no cão pintado na parede, com uma orelha caída olha-me com ar sério e inquisidor e tem uma coroa sobre a cabeça, será o rei do Bairro do Rego? Deixo passar mais um barulhento avião em voo rasante e leio na placa: Rua Marciano Henriques da Silva, pintor, (1831-1873)... Busca rápida efectuada e fico a saber que era um pintor açoreano que se celebrizou por ter sido o retratista da corte no reinado de D. Luís I e que, calhava mesmo bem e feliz coincidência, tinha a maioria dos seus quadros no Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada, e eu com viagem marcada para São Miguel para daí a umas semanas não perderia a oportunidade de conhecer a obra do Marciano... E parecia ser a manhã das coincidências, o misterioso mundo-cão estava a enviar-me mensagens encriptadas pois veio-me então à alembradura que iria ficar hospedado em Ponta Delgada na casa da Sónia que curiosamente se situa numa rua com o nome de outro pintor açoreano, um qualquer coisa Rebelo...


Passa outro avião, pelas minhas contas passa um a cada cinco minutos e quando me volto, a meia dúzia de metros e deitado no colorido vão do prédio cheio de pinturas que nos transportam para o imaginário africano, vejo o cão outra vez! É o mesmo cão, aquele que está na parede só que desta vez em carne e osso, com o mesmo ar sério e a mesma orelha quebrada, afinal o rei do Bairro do Rego é um cão-personagem real!



Sai então alguém de um dos prédios e pergunto desavergonhadamente:
 - Este bicho é aquele que está ali na parede, não é?
 - É! É o Fany!
 - E quem é o dono?
 - Não é de ninguém e é de todos! Vive desde sempre aqui no bairro, todos lhe deixam comida e água... Foi a associação que o pintou ali na parede e que também fez todas estas pinturas que por aqui vê...
E enquanto passa outro avião descubro que a associação é o "Frame Colectivo" e que é ali que também têm a sua sede o Instituto Padre António Vieira e a "Passa Sabi", instituições que promovem a integração, a mobilização e a valorização da comunidade...




João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)