"Florença" - Jean-Charles Forgeronne |
terça-feira, 31 de maio de 2022
ATÉ UM DIA...
E aqui vou eu abalando de Florença com promessas de voltar, sinto uma comichão no nariz e ele parece-me maior, imaginação minha tento convencer-me mas depois sinto algo a mexer dentro do bolso do casaco e de lá tiro o meu Pinocchio de madeira, tal como a marioneta original imaginada aqui pelo florentino Carlo Collodi e parece que o oiço dizer: "Não prometas nada que não tenhas a certeza que podes cumprir, ainda te cresce o nariz!"...
Mas depois pensei que ainda que me crescesse o nariz poderia sempre cá voltar, afinal fiz a minha prece junto da Fontana del Porcellino, passei a mão pelo javali de bronze e dizem a lenda e os entendidos que é sinal de que assim voltaremos a Florença... Até breve, então...
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
O MALUQUINHO CAÇADOR DE SINAIS
Cheguei ao hotel cansado mas não descansei enquanto não desvendasse aquele mistério dos sinais, teria que haver uma explicação e foi fácil de encontrar, bastou uma singela pesquisa googliana com FLORENÇA, sinais de trânsito e arte et voilá: CLET ABRAHAM!
Certo é que na manhã seguinte pouco mais fiz do que procurar por entre os milhares de sinais de trânsito da cidade de Florença aqueles que estavam transformados em obras de arte, as pessoas olhavam e não entendiam, outras abanavam a cabeça e algumas mesmo, vendo-me a disparar a câmara para um sinal eleito riam-se deste maluquinho que não resistiu a coleccionar de entre muitos outros estes maravilhosos postais ilustrados...
segunda-feira, 30 de maio de 2022
A ARTE DE LER BEM OS SINAIS!
"Palazzo Pitti" - Jean-Charles Forgeronne |
Ali estávamos nós, sentados como adolescentes despreocupados no terreiro defronte do Palazzo Pitti, agora que o céu abrira por milagre, abandonados àquela sensação de bem-estar depois de um surpreendente e belo repasto no Dr. Ink, observando as hordas de turistas passando diante de nós, outras entrando e outras saindo do museu do palácio que alberga obras ímpares, o sol embora fraco ia atordoando a face e eis que abrindo os olhos reparo por instinto num pequeno pormenor... "Que raio, que é aquilo?" - perguntei para uma Nana de olhos fechados e anestesiada pelo calor dos breves raios de sol. Ali mesmo em frente, na esquina de uma ruela, um sinal de trânsito peculiar, alguém com rebelde imaginação desafiara os cânones da arte florentina, pensei... Aproximei-me, deleitado e de câmara pronta a disparar, que delícia, pensei, tenho que enviar isto para o Andarilho, amigo e comunista dos oito costados...
E a coisa ali teria morrido e sido enterrada com o epitáfio de uma mera curiosidade se no passeio de volta até ao centro histórico, transposta novamente a Ponte Vechia e depois de muita volta, não tivesse eu já lusco-fusco encarado com outro curioso sinal... "Isto não pode ser coincidência!" disse para mim mesmo e olhando para trás para a Nana que se ia entretendo com aquelas praças e edifícios medievais exclamei: "Já viste, outro!"...
E logo a seguir, bastava olhar com atenção para os sinais, outro:
"Espera lá!" - exclamei para mim próprio, já vi isto em qualquer lado, algo estava a brotar agora das minhas memórias mais profundas e recalcadas, adormecidas talvez há séculos, isto é um padrão... Já tinha lido algo sobre um controverso e subversivo artista que transformava os sinais de trânsito em icónicas obras de arte...
João Plástico
(Artista de Valmedo)
TASCAS E ANTROS DE PRAZER - XVI
HAVERÁ MELHOR PIZZA EM FLORENÇA?
João Ratão
(Chef de Valmedo)
domingo, 29 de maio de 2022
IL GIARDINO DELL'IRIS
Atravessa-se a Ponte Vechia, espreita-se o rio sereno e encara-se o monte ao longe, a caminhada adivinha-se exigente mas desafia-nos a promessa da recompensa... Chegados à Piazzale Michelangelo falta-nos o ar, a vista mais privilegiada sobre a cidade é de facto arrebatadora, não admira que seja estampada até à exaustão nos postais turísticos, entretanto olhamos com reverência para o grande David de bronze que copia o original de mármore esculpido pelo grande mestre, deambulamos por entre as tendas dos vendedores ambulantes de recordações turísticas, ignoramos a chuva suave e intermitente, damos uma última olhadela á cidade lá em baixo espraiada e uma veneta nos assoma, vamos sair por aquela banda que desta já viemos e então, do nada, repara-se numa placa que facilmente passará despercebida às frenéticas hordes turísticas a anunciar que ali em baixo, em plena colina, nos espera Il Giardino dell'Iris, que é como quem lê italiano, "O Jardim dos Lírios"...
"Maio florido" |
Quando em 59 a.C os Romanos fundaram sobre um antigo povoado etrusco uma cidade deram-lhe o nome de FLORENTIA (a florescente, em flor...) já que corria o mês de Maio e todo este vale do Arno e colinas ao redor estavam espontaneamente coloridos por mantos de lírios exuberantes, brilhantes nas suas cores violeta, azul, amarelo, branco... Não admira pois que o lírio tenha sido escolhido para símbolo da cidade vai para mais de 1000 anos...
"Iris germanicca" |
O lírio esteve até presente na disputa pelo poder em Florença por parte das duas facções políticas e económicas, de um lado os gibelinos, cujo símbolo era uma flor-de-lis branca sobre fundo vermelho e do outro os guelfos, que acabaram por sair vencedores e que inverteram as cores em 1251, passando a ser emblema da cidade o lírio vermelho sobre fundo branco e que se mantém até hoje... Por curiosidade apenas, o grande Dante foi condenado ao exílio eterno porque era gibelino...
Hoje o lírio impera por toda a cidade, até no símbolo da FIORENTINA, clube mítico da cidade e conhecida como a equipa viola, que é como quem diz violeta, alusão ao lírio roxo... E quem se perde pela Piazza della Signora ainda encontra por lá o célebre marzocco, um escudo com o florentino lírio segurado por um leão, símbolo do poder popular que orgulhava tanto os habitantes da cidade dados ao luxo que se recuássemos até 1250 ouviríamos os rugidos dos 24 leões expostos em jaulas junto ao palazzo...
"Il marzocco" |
(Fotos de Jean-Charles Forgeronne)
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
quarta-feira, 25 de maio de 2022
ENCONTROS IMEDIATOS COM ESCRITORES - VIII
O INFERNAL DANTE...
Nunca houve título de uma obra tão glorioso e feliz como "A Divina Comédia" do visionário e exaltado DANTE e já passaram mais de sete séculos neste mundo-cão que cada vez mais parece uma comédia criada por deuses perversos... Em FLORENÇA, esse belo berço do renascimento cultural da humanidade e destino de qualquer amante da arte que se preze, viaja-se pela história à procura de um sentido para a existência, por entre riquezas e misérias humanas, afinal a comédia poderá não acabar no paraíso e nunca ter um fim... Enfim, poderemos sempre viajar com Dante pelo inferno e pelo purgatório guiados por Virgílio, poeta romano e sua maior inspiração, e também pelo paraíso agora conduzidos por Beatriz, a musa e amada do nosso poeta... E nesta fantástica viagem não estaremos todos nós agora em pleno Inferno? Eis a questão que me caiu mesmo agora do estrelado céu toscano...
"DANTE" - Florença, Jean-Charles Forgeronne |
"Il Duomo" - Jean-Charles Forgeronne |
"O campanário de Giotto" - Jean-Charles Forgeronne |
quarta-feira, 18 de maio de 2022
"Galleria degli Uffizi", Florença - Jean-Charles Forgeronne |
"O Nascimento de Vénus" - Foto - Jean-Charles Forgeronne |
João Plástico
HUMOR DESCONFINADO!
E depois, paralelamente ao "Livros a Oeste" mas que vai para além disso porque se estende até ao primeiro sábado de Junho, é pecado venial não ir à Galeria Municipal da Lourinhã ver e pensar a Exposição de Cartune Político "Diário de uma Quarentena em Risco", de NUNO SARAIVA, auto-apresentado como ilustrador lusitano com colaborações em toda a imprensa nacional à excepção do Diário da República, do Borda d'Água e do Correio da Manhã...
Fruto de um exílio auto-imposto e não decretado pelo filho-da-puta do vírus, Nuno Saraiva aborda a política, a economia e a sociedade emanadas da pandemia...
João Tonteria
(Humorista de Valmedo)
MANUAL PRÁTICO PARA EMOÇÕES FORTES
E o 10º Festival Literário LIVROS A OESTE terminou da melhor maneira e com emoções muito fortes num auditório bem composto e a vibrar com o poder de expressão e comunicação de NAPOLEÃO MIRA, alentejano de Castro Verde, jornalista, poeta, escritor e especialmente um declamador de poesia que veio até à Lourinhã apresentar o seu espectáculo "Manual Prático para Emoções Fortes", uma mágica simbiose entre a palavra, a imagem e a música... E depois de tudo o que foi dito falta dizer que foi uma bela homenagem ao Alentejo, aos seus poetas, aos seus cantadores populares e aos seus heróis... E claro, também a Fernando Pessoa...
Mas Napoleão não veio sozinho, trouxe companheiros de largas aventuras, das suas colaborações na voadora grafonola, por exemplo, lá estiveram o Rafael Correia no debitar do som, a Mariana Correia, já conhecida como a menina do violoncelo e pés nus, e especialmente Luís Galrito, músico e cantautor também ele alentejano de Reguengos de Monsaraz e já com nobre obra própria editada...
E Luís Galrito, numa bela homenagem ao Zeca Afonso numa estarrecedora interpretação de "Cantar Alentejano", chamada aqui apenas de "Catarina", arrasou a plateia com uma voz poderosíssima, parecia que era o Zeca que estava a cantar! E se não era ele então o seu espírito pairava ali no Auditório da AMAL, tive a certeza disso quando olhei para o lado e vi o meu amigo Andarilho sem jeito, para além de emocionado, extasiado...
J.C
(Poeta de Valmedo)
terça-feira, 17 de maio de 2022
segunda-feira, 16 de maio de 2022
LIVROS 5 ESTRELAS - XXIX
VERGONHAÇAS E REMORSOS...
Que vergonha, melhor dito, uma vergonhaça, pensei para mim enquanto me deixava escorregar pela cadeira do auditório abaixo numa ridícula tentativa de desaparecer num mágico fumo de ilusionista, seria eu a única alminha ali presente naquela sessão dos "Livros a Oeste" que, vá lá saber-se porquê, não tinha lido o fabuloso romance de estreia de Valter Hugo Mãe que foi galardoado com o Prémio José Saramago... Todos reconheciam a genialidade em "O remorso de baltazar serapião", até o próprio Saramago que prefaciou a obra e onde afirmou categoricamente que aquele livro era um tsunami! Um marco fundamental na literatura portuguesa contemporânea, todos juravam e mais juras não eram necessárias pois se até o mestre tinha ficado deslumbrado com a obra que melhor atestado de qualidade se poderia obter?
"Basta ler a primeira página, a primeira palavra, sentir a primeira respiração. É um livro diferente. A sensação que esta obra me dá, além do ímpeto arrasador e ao mesmo tempo construtor de algum elo, é a de estar a assistir a um novo parto da língua portuguesa, um nascimento de si mesma." (José Saramago)
E pronto, não dormi sossegado, na manhã seguinte bem cedo era eu o primeiro a entrar na Biblioteca Municipal da Lourinhã e com um único e desesperado intuito, requisitar o famigerado livro... E agora aqui estou sentado no rebordo de um muro antigo da Quinta do Prior, bafejado pela sombra de uma velha árvore e a este abençoado recanto não chega o barulho dos carros apressados ao virar da curva do caminho, aguardo que termine o transplante do pára-brisas do velhinho Corsa, operação delicada e com riscos mas que lhe pode dar mais um ou dois anos de vida e para passar as duas horas de espera devoro os últimos e breves capítulos da aventura do Serapião, esse homem que ao casar com a moça mais bonita da sua terra se deixou corromper até ao tutano pelo preconceito e pela machista tradição... Assim, contas feitas, precisei apenas de dois dias intermitentes para a integral leitura e, de facto, o romance é ainda um tsunami passada década e meia sobre o seu parto... Hoje sinto-me muito melhor, como alguém que ao corrigir um erro enorme do seu passado tivesse agora uma segunda oportunidade, conhecer a obra de uma grande escritor.
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
E VEIO O DIA DE SARAMAGO...
A tarde encalorou-se, (e sublinho propositadamente esta palavra inventada por mim e ilegal que não faz parte de qualquer dicionário da língua lusa porque acho que o mestre iria ficar tocado com isso, ele que era atreito à desmontagem do rígido cânone da gramática portuguesa) e trouxe à Biblioteca Municipal João Céu e Silva, jornalista de longa data e jovem romancista, autor duma interessante série de entrevistas biográficas intitulada "Uma longa Viagem com..." e que vem viajando há uns anos com personagens como Álvaro Cunhal, Manuel Alegre, António Lobo Antunes ou Vasco Pulido Valente, por exemplo... E claro também fez uma longa viagem com o homenageado do dia, José Saramago, lembrando e festejando à priori o centenário do seu nascimento...
quinta-feira, 12 de maio de 2022
LÍNGUAS E DESACORDOS ORTOGRÁFICOS...
É sempre bom rever o Sérgio Godinho e especialmente fora do palco musical, à beira de contar 77 primaveras o homem respira sabedoria e sente-se como peixe num oceano de letras, ele que não tem fronteiras no que toca a géneros de expressão nem quanto à idade daqueles com quem colabora, tanto se dá com outros artistas da sua geração como com a juventude rebelde... E depois ao falar do seu último livro de poemas, "Palavras São Imagens São Palavras", lançado em Novembro de 2021, ficou a plateia a saber que os poemas nele contidos se criaram a partir de imagens, entre os quais uma homenagem a Bernardo Sasseti...
"22 Oeste" - Jean-Charles Forgeronne |
João Melo já o conhecíamos de outras paragens, romancista angolano, caluanda como gosta de se chamar, contista e ainda cronista nas páginas do Diário de Notícias, assume que faz da ironia e do sentido de humor a sua matriz de expressão e ainda bem que o faz, digo eu, farto de tantos autores sérios, formais e formatados... Parece que o João acabou de lançar um romance em que a principal personagem é um autor que só tinha um propósito de vida: escrever um romance! Tema demasiado simples e já recorrente? Talvez, mas com o humor e ironia dá-se-lhe a volta à maneira, leitura obrigatória para os próximos tempos....
E depois veio a surpresa da noite: Tony Tcheka, guineense erudito, jornalista e poeta que arrasou completamente o famigerado acordo ortográfico, em cujas reuniões participou, disse ele: "O acordo ortográfico está parado, é um nado-morto! Vale a pena? Não embarca nem desembarca..." Isto foi dito por alguém que nasceu num arquipélago com milhares de ilhas e onde se falam 36 (!) línguas, incluindo o português que era obrigatório quando ele frequentou a escola primária chamada Oliveira Salazar, nem de propósito...
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)