quarta-feira, 29 de abril de 2020



JAMES, MY NAME IS DOG JAMES...


Amigos caninos, eu já andava desconfiado há muito tempo mas só agora percebi, clara e definitivamente, que é mesmo assim que muitas das coisas mais importantes da nossa curta existência acontecem, simplesmente por acaso! Foi mesmo um acaso estar ali na sala refastelado na minha cadeira preferida numa destas claustrofóbicas tardes de quarentena familiar, e notem bem que só muito raramente me é permitido tal luxo e especialmente quando a L. por cá está, quando acordo da minha sonolência pós-prandeal ao ouvir o meu nome:
- Bond... JAMES Bond!
Olho em volta e fico confundido, ali só estávamos eu e o J.C e num feeling de cão constato num ápice que não tinha sido ele a falar porque estava como que anestesiado no sofá, de cabeça cambaleante e com o olho de cá fechado e o de lá a piscar e fazendo zapping naquele intrigante e viciante ecran que domina a existência das pessoas...

- Que foi? - lança-me ele, por um momento desperto e reparando nas minhas orelhas levantadas...
- Ouvi alguém chamar-me... só isso, pensei que tivesses sido tu...
 - Ah, bicho! Ouviste ali o OO7, é o que foi... - E voltou a carregar no comando para voltar ao canal onde o super-espião ia despindo uma bela senhora com os olhos - Sabes, ele chama-se JAMES, como tu!
E então eu, confuso, retruquei: - Então mas como é que ele tem nome de cão?
- Nome de cão? O que é que estás para aí a dizer?
E eu, de olhos bem abertos respondi:
 - Todos os cães aqui de Verde-Erva-Sobre-o Mar têm nomes de cão, eu bem os oiço à noite a apresentar-se na conversa ao luar: eu sou o Black, ladra um, eu sou o Bobby, rosna outro, eu sou a Pedrita, geme a ali a fêmea da vizinha, e outro ainda lá ao fundo, ciumento, o Piruças, vai uivando à lua... Pensei que cães tinham nomes de cão e pessoas nome de pessoa, apenas isso...
E como o J.C se limitava a olhar para mim com os olhos entretanto arregalados e com aquela expressão um bocado parva que as pessoas fazem quando não entendem nada do que se passa à sua beira, eu ganhei coragem e perguntei:
  - Afinal, porque é que me baptizaste de JAMES?


- Olha, nem fui eu que escolhi o teu nome, foi o M! Tudo porque quando te fomos buscar, com um mês de idade apenas, e porque coincidiu com os anos dele, ele é que decidiu chamar-te assim...
- Mas porquê?
- Pelo que eu sei, naquela altura o M andava entusiasmado com a leitura das aventuras da CHERUB, uma agência que pertencia aos Serviços Secretos Britânicos e cujos agentes eram crianças orfãs com idade entre os dez e os dezassete anos recrutados em lares de acolhimento... Claro que o herói de toda a história tinha de se chamar James, JAMES ADAMS, um agente de quinze anos de idade, a mesma idade que o M tinha quando tu nasceste!

E de repente levanta-se e vai ao escritório buscar qualquer coisa, era um livro que tinha na capa duas MÃOS algemadas e um título nada simpático...
- Percebes agora? - disse ele encostando o livro ao meu nariz - Os humanos têm sempre uma boa razão para chamar o quer que seja a qualquer coisa, daí poder-se dar nomes de pessoas a cães e outros bichos, olha, por exemplo o galo ali da vizinha chama-se Pavarotti porque canta muito bem, a banda JAMES que muitas vezes ouves comigo no YouTube chama-se assim em homenagem ao grande escritor James Joyce, e por aí fora...
  - Mas quer dizer que eu tenho o nome de um cão danado? É isso? Sou um cão danado?
   - Não, bicho... Tens que ler o livro para perceberes. Nós chamamos cães danados a pessoas agressivas, raivosas, é apenas uma expressão... Além disso tu és um cão pouco danado, fartas-te de ladrar a quem por aqui passa mas é apenas fogo de vista, basta uma festinha e derretes-te todo...
E como se eu continuasse interessado no sermão o J.C sentenciou:
  - Tu és o exemplo do cão que ladra mas não morde, não nasceste para lutas e confusões, tens alma de artista e de sonhador... E isso faz de ti um cão especial!
 Amigos caninos, depois disto, espero que gostem tanto do vosso nome quanto eu gosto do meu: James, Dog James...



JAMES

(Cão de Valmedo)

terça-feira, 28 de abril de 2020


LIVROS 5 ESTRELAS # - XX








EFEMÉRIDE # - 73


O MAIS BELO VIDEOCLIP DE SEMPRE...




28 de Abril de 2014 era lançado pelos JAMES o single "MOVING ON" que integra o lote de canções inspiradas e sofridas do álbum "La Petit Mort"... E que título inspirado esse que nos lança muito para além da francesa "pequena morte" definida pelos cientistas como aquele breve período de abandono e perda de sensibilidade, inconsciência e desmaio até por vezes, que ocorre logo a seguir a um orgasmo... Para além de uma capa lindíssima que nos remete para o culto dos mortos mexicano, o álbum brotou da experiência pessoal de Tim Booth que em pouco tempo havia perdido duas pessoas queridas e essa perda, dolorosa ao princípio como sabem todos aqueles que por isso já passaram mas que com o tempo e reflexão torna-se por vezes inspiradora, catártica, renovadora, um renascer para a nossa pequena mas maravilhosa vida, como se tivéssemos recebido alguma energia vital deixada por aqueles que amamos e que entretanto partiram e por mais assustadora que ela seja isso torna a morte pequena,  pois os nossos entes queridos continuam de mansinho a acompanhar-nos no nosso caminho... Portanto, quando tornámos a verdadeira morte pequena que interesse tem falar de orgasmos? 









Mas para além da inspirada música e da deliciosa capa, "La Petit Mort" bafejou-nos com aquele que para mim é o  melhor vídeoclip que alguma vez foi feito, realizado por Ainslie Henderson para o tema "Moving on" e que com justiça ganhou um prémio BAFTA... É certo que se diz que gostos não se discutem, poderá haver milhentos de outros vídeoclips fantásticos, claro que sim e conheço muitos, mas neste caso existirão talvez razões de íntima experiência pessoal que me levam a ficar emocionado como em nenhum outro caso, é que aquela suave brisa que sopra pelo filme é a energia vital, e que não é só nossa... 



MOVING ON - JAMES





SEGUINDO EM FRENTE (MOVING ON)


Não me lembres o passado
para que possa seguir em frente,
Com coragem e de peito feito
aceito o fim quando ele chegar...
Deus não teve disto conhecimento,
acho que nunca te disse o quanto te amava,
espero que saibas isso...
O meu destino são as estrelas,
estou de partida,
em breve estarei no meu caminho...
Mas deixa uma pequena luz acesa,
sabe-se lá, num instante tudo pode mudar,
e se todos os limites que me impuseram 
os aceitei como definitivos
sei agora que os devia ter desafiado...
E enquanto inicio a minha viagem
e me vai faltando o ânimo,
pergunto-me se quando isto terminar
tudo irá recomeçar?
Iremos reencontrar aqueles de quem gostamos?
Estou a caminho,
seguindo em frente...

"Moving on" - JAMES



Tradução (muito) livre de  João Sem Dó (Musicólogo de Valmedo)

domingo, 26 de abril de 2020



"A MÃO" -  José Aurélio, 1966, Óbidos


"E aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando"




Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

TIRADAS DO GÉNIO -  III

OU

EFEMÉRIDE # 72


MÃO ASSASSINA E A MÃO CRIADORA...


26 de Abril de 1937 prometia ser uma segunda-feira normal como todas as outras para aquela pacata povoação basca sem qualquer interesse estratégico ou militar mas num instante deixou de o ser quando em plena Guerra Civil Espanhola bombardeiros alemães que eram aliados dos fascistas de Franco largaram 22 toneladas de bombas sobre GUERNICA, matando mais de um terço dos seus inocentes habitantes, todos civis e a eito, desde crianças a mulheres, de velhos a jovens e a homens, deixando pouco mais do que cinzas...
Passada uma semana chegariam às mãos de PABLO PICASSO a notícia e as fotografias do massacre e tudo mudou então na rotina do pintor, emocionado e revoltado largou o quadro que estava a pintar a convite da Frente Popular para a Exposição Internacional de Paris que iria ter lugar daí a dois meses, ao que parece uma tela que mostrava uma cena de um atelier  de um pintor que retratava uma modelo, coisa já vista, e Pablo passa então a trabalhar freneticamente noutra ideia que viria a resultar numa das obras mais marcantes de sempre da pintura, símbolo do horror de todas as guerras...  Após 45 desenhos preliminares e 6 versões, e em apenas um mês, simbolicamente a preto, branco e cinzento, Picasso tem pronta Guernica!



"GUERNICA" - Paris, 1937


Passados 3 anos, em Maio de 1940 os nazis ocupam Paris e então PICASSO isola-se voluntáriamente no seu estúdio instalado num velho prédio da Rue des Grands-Augustins e passa todos os seus dias a dedicar-se em exclusivo à pintura, recusando todas as propostas de colaboração com os alemães invasores... Valeu ao pintor ser uma figura intocável, já era reconhecido e famoso pelo mundo inteiro e isso valeu-lhe não ter sido deportado para um purificador forno crematório!
Dizem os especialistas que antes de abraçar o cubismo Picasso teve duas fases distintas da sua criação: o período AZUL e o período ROSA, mas ninguém fala do período VERDE, descoberto por mim recentemente e aqui apresentado publicamente pela primeira vez: é um período muito breve e que se resume a uma hora, se tanto, quando em plena Paris ocupada, o nosso pintor, contrariado, recebe no seu estúdio a visita de uma comitiva nazi com o próprio embaixador alemão Abetz à cabeça, e então quando dois esfíngicos e corpulentos oficiais levantaram os braços e as suas manápulas assassinas esticadas para o alto dando em alemão vivas à besta, é fácil de imaginar o quanto Picasso terá ficado verde de raiva... Foi o seu período artístico mais breve mas tão importante como os demais!
É então que, ao reparar numa réplica de GUERNICA que Picasso tinha no estúdio, o nazi embaixador apontando para a obra com a sua mão criminosa se lembrou de lhe perguntar:
    - Foi você que fez isto?
E então o génio, que tinha atravessado há muito um vómito na garganta, teve esta tirada:
     Não! Foram vocês!









João Plástico

(Artista de Valmedo)


sábado, 25 de abril de 2020







MÃOS NÁUFRAGAS


Para longe as bravas ondas recuaram
deixando no imenso areal, liso, 
náufragos pedaços do progresso
de uma desumana existência...
Garrafas que o bicho da saudade
mataram a alguém em alto mar,
paus, canas, latas, rede, 
bóias que nunca salvaram ninguém,
máscaras, que é tempo de pandemia,
rolhas roídas do rei da rússia e
montes de plástico ao monte,
penas de gaivota perdida, concha
interna de lula, ossos indecifráveis, 
cordame de verde esmeralda, cordel
numa gruta de platónicas sombras refém,
onde estás tu ó realidade, ó fé,
dentro, fora ou em lado nenhum?

E que MÃOS foram estas que juntaram
tudo isto no sagrado chão que agora piso?
Porque embora condenado ao insucesso,
o lixo nunca acabará!, é pura ciência,
o gesto revela a boa humanidade
que ainda habita num incógnito ser ímpar... 
E desta duna almagre até além ao baleal, vede,
irei amanhã, sempre e depois também, 
juntar tudo o que achar com a alegria
de saber que ainda que nada resolva e
e tudo regresse, pelo menos o horizonte
será tão belo como agora, sem mancha,
e talvez ache aqueloutras MÃOS admiráveis, 
juntas este nosso canto ficaria pela metade cruel
e se outros viessem, três, vinte, cem,
a esperança viria com a próxima maré
e a beleza não morreria, de modo algum!


J.C

(Poeta de Valmedo)





"FINGER" - Autor desconhecido, Algures no Oeste...


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

quarta-feira, 22 de abril de 2020

"Encantadoras mãos sobre a joanina gárgula..."


Profanação da gárgula de Joana Encantado, Moledo...


João Plástico

(Artista de Valmedo)
"Avião de Papel" - Autor desconhecido, algures em Marvila...


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

MÃOS

Côncavas de ter
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender...


Sophia de Mello Breyner Andresen, 1950






"Een HAND" - Antuérpia

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


LENDAS E NARRATIVAS - X


A CIDADE FEITA COM UMA MÃO...



"HET STEEN"
Chamam a propósito à construção mais antiga da metrópole HET STEEN, ou seja, A Pedra, porque é mesmo isso, um pequeno castelo construído em pedra ali à beira do rio Schelde... O castelo foi construído por volta do ano 1200 para servir de fortaleza após as incursões vikings no início da Idade Média e a sua estratégica localização permitia controlar o acesso pelo rio e pelo estuário que liga ao bem próximo Mar do Norte...
Depois, durante mais de 500 anos, entre os séculos XIV e XIX, o castelo foi usado como prisão e já no século XX serviria ainda como Museu, primeiro de Arqueologia e depois de História Marítima, mas hoje em dia está em obras de recuperação para que ainda este ano possa integrar um terminal de cruzeiros e em que servirá de posto de turismo e oferecendo também ao visitante a possibilidade de um percurso interactivo pela cidade e pela sua história... 



Druon Antigoon
Mas reza uma famosa lenda que num dia longínquo e já perdido da memória o Het Steen foi tomado de assalto por um terrível gigante chamado Druon Antigoon e que tinha a embirrante mania de exigir dinheiro a quem pretendesse atravessar o rio, como se este lhe pertencesse, e àqueles que não lhe podiam pagar o brutamontes cortava-lhes uma mão e lançava-a à água! Então um dia, como em qualquer história em que entre um gigante, lá surgiu um pequeno mas mui valente herói para o desafiar, um soldado romano de seu nome Silvius Brabo recusou-se a pagar e o combate foi inevitável... Brabo venceu e para além de se tornar um herói mítico da cidade ainda teve a feliz ideia de se pagar da mesma moeda: cortou a enorme mão do gigante e tal como este fazia às suas vítimas arremessou-a ao rio!  A mão antigoonesca acabaria por dar à costa e encontra-se hoje orgulhosamente exposta numa rua da cidade e muito felizes ficaram os habitantes por duas razões: não só viram livres do gigante como nesta história ainda encontraram o nome para o nome da metrópole: Hand Werpen, ou seja, mão (hand) arremessada (werpen) em holandês, actualmente ANTWERPEN, ANTUÉRPIA  para os portugueses...




Quanto ao herói da história, o nosso SILVIUS BRABO, lá o podemos justamente encontrar na praça mais distinta da cidade em pleno acto de arremessar a célebre mão...


"Brabo" - Antuérpia - Jean-Charles Forgeronne 


João Alembradura

(Historiador de Valmedo)
"O Schelde" - Antuérpia


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

segunda-feira, 20 de abril de 2020



EFEMÉRIDE # 71


A GUERRA, O DESPORTO E A PAZ...




Passam hoje exactamente 100 anos sobre o início dos VII JOGOS OLÍMPICOS da era moderna, realizados em 1920 na cidade de ANTUÉRPIA, naquela que foi a vários níveis uma das edições mais importantes da história do Olimpismo... Mas primeiro convém alertar para dois pormenores aquele leitor atento que olhou com reparo para o cartaz oficial do evento e que pode ficar muito confundido e até ganhar ganas de colocar em causa a idoneidade deste escriba e a seriedade das coisas que para aqui vai botando, o nome da cidade e a data: primeiro, ANVERS é o nome gaulês para Antuérpia, coisa surreal num país artificial que nem deveria existir porque a Flandres tem tudo a ver com os Países Baixos e nada a ver com a Valónia francesa linguísticamente dominante até há poucos anos e, segundo e não menos importante, apesar da cerimónia de abertura ter ocorrido apenas a 14 de Agosto, as competições iniciaram-se de facto a 20 de Abril e a conta-gotas desenrolaram-se durante 5 meses devido às singularidades da época...








Embora a Europa ainda fumegasse por entre as ruínas da I Guerra Mundial, o barão PIERRE DE COUBERTIN, então presidente do Comité Olímpico, entendeu que apesar das circunstâncias era crucial que os Jogos se realizassem sob pena de se perder de vez o espírito olímpico uma vez que a edição anterior agendada para Berlim já não se tinha realizado em 1916 devido ao conflito... E nunca uma decisão do Comité teve um carácter tão político como essa de atribuir a ANTUÉRPIA a organização da sétima olimpíada, é que ela tinha sido inicialmente atribuída a Budapeste mas o papel da Hungria na guerra levou à mudança para a Bélgica, atitude que também homenageava um país neutro mas bastante massacrado pelo eixo do mal... E para além da Hungria, pelas mesmas razões, também a Alemanha, a Áustria, a Bulgária e a Turquia não foram convidados para o evento! A Rússia também não participou mas por outra razão, é que ainda estava cambaleante e a tentar organizar-se após a sua famosa revolução proletária... Tempos agitados aqueles! 




"Cerimónia de Abertura" - Antuérpia, 1920



É então para uma Bélgica parcialmente destruída e mergulhada numa grave crise económica e social que vão convergir 2626 atletas em representação de 29 países, dos quais 165 eram mulheres e 14 eram portugueses, naquela que era a segunda participação lusitana... Foram também os JOGOS DO IMPROVISO,  do nada e embora com outras preocupações sociais para resolver os belgas lá construíram em 7 meses um estádio olímpico com capacidade para 35000 espectadores, embora precário e com deficiências estruturais, as bancadas eram de madeira e a pista, de tão irregular, sempre que chovia naquele agreste clima  flamengo ficava inutilizável e obrigava à interrupção das competições... Não admira, portanto, que a coisa precisasse de 5 longos meses para se desenrolar, mas outro mérito ganha a organização se atentarmos que naquele tempo o transporte era difícil e lento e também não havia estruturas de alojamento e, só como exemplo, a comitiva que inaugurou a participação olímpica brasileira demorou mais de um mês a chegar a ANTUÉRPIA e esteve mesmo em risco de não chegar a tempo, a viagem de barco demorou tanto que ao passar pela Madeira os brasileiros tiveram que arrepiar caminho e mudar de planos, foram até Lisboa e daí seguiram também lentamente de comboio até à Bélgica, sobressalto que valeria a pena pois seriam recompensados com uma medalha de ouro na disciplina de tiro.... Também não havia aldeia olímpica ou hotéis suficientes, muitos atletas tiveram que ser hospedados por famílias bem intencionadas nas suas próprias casas! 




"Primeira Bandeira Olímpica" - Museu Olímpico - Lausanne - Suiça 




Quanto a marcas os Jogos de Antuérpia foram evidentemente muito fraquinhos, não só os atletas presentes não se apresentaram na desejável forma por natural falta de condições de treino como muitos dos melhores tinham morrido em combate, mas apesar disso haveria de sobressair Paavo Nurmi, o "finlandês voador", aquele que se tornaria num dos maiores fundistas de sempre... Mas noutros aspectos as VII OLIMPÍADAS foram brilhantes e únicas, pela primeira vez foi hasteada a bandeira olímpica idealizada em Paris por Coubertin em 1914 e apresentada em Alexandria e que com os seus anéis entrelaçados sob fundo branco queria significar a cooperação e fraternidade entre os cinco continentes; também foi em Antuérpia que pela primeira vez foi feita a libertação de pombos simbolizando a paz universal e ainda também pela primeira vez o esgrimista, jogador de pólo aquático e belga Victor Boin leu o juramento olímpico dos atletas...
Por tudo isso e por tudo o mais valeu a pena...


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quinta-feira, 9 de abril de 2020

"NELLO & PATRASCHE" - Batist Vermeulen, Antuérpia


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)
"ODE TO THE PIG" - Jantien Mook, Antuérpia


Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)



LADRÕES, CÃES, PORCOS E DIAMANTES...



Existem por aí muitos gatunos, montes de larápios, carradas de ladrõezecos e patifes então são às pargas, mas LADRÕES a sério contam-se pelos dedos de uma mão e parecem estar em vias de extinção! Reconheço, tenho um enorme fraquinho, uma admiração mesmo por um verdadeiro ladrão, não um qualquer vulgar criminoso que usa da violência tantas vezes gratuita ou da fragilidade alheia para roubar porque a sua estupidez é tanta que não lhe permite sobreviver sem ser à custa do património alheio mas sim aquela personagem encantadora, alguém deveras muito inteligente, culto, eticamente responsável, muitas vezes de gosto refinado e de alto sentido estético, respeitador e até com alto sentido de justiça porque escolhe as suas vitimas, ou seja, não rouba por roubar, às vezes nem precisa de roubar mas arrisca roubar apenas aqueles que merecem ser roubados, como os bancos que representam os agiotas deste mundo-cão, outras instituições poderosas e mafiosas que representam o sistema, os ricalhaços que já nasceram ricos e que nunca fizeram por merecer essa sorte ou ainda os museus que são o repositório de obras de arte únicas e inacessíveis ao comum dos mortais, um fruto proibido mais do que apetecível, tudo muitas vezes apenas pelo desafio de ludibriar as mais tecnológicas barreiras de segurança e alcançar a glória do assalto impensável... Claro que o saque é fundamental para a sobrevivência de um bom ladrão mas muitas vezes isso não é o mais importante, o que conta e muito é o feito, a proeza de ter executado um roubo magistral e numa carreira de sucesso um bom ladrão apenas precisa de fazer dois ou três assaltos na vida inteira, lembrem-se da arte do Thomas Crown! Alguém assegura de mão beijada que, por mais estratégia de segurança que exista, seja impossível assaltar seja o que for? Eu não arriscaria, porque uma outra característica essencial de um bom ladrão é a imaginação, e imaginado tudo pode acontecer... Haverá por acaso algum realizador que resista à tentação de filmar uma historia de aventuras e desventuras de um bom ladrão? E que melhor sitio para encontrar tanto ladrõezecos de baixa estirpe como ladrões de alto calibre do que ANTUÉRPIA, a capital mundial do diamante? Aqui vão dois exemplos, começando pelos broncos:



No ano 2000 Guy Ritchie escreveu e realizou "SNATCH - PORCOS e DIAMANTES", uma frenética e hilariante comédia em que três grupos de vilões tentam recuperar um diamante de 84 quilates e valor incalculável que tinha sido roubado a um judeu de Antuérpia, e à medida que a história se desenrola num ambiente de violência e cenas caricatas vamos ficando convencidos de que a personagem mais inteligente de todas é mesmo um CÃO que chia, interpretado por DOG... Para além da grande interpretação do então ainda jovem Brad Pitt que consegue não dizer uma única palavra de inglês que se perceba, o filme vale por uma das primeiras aparições do agora consagrado Jason Statham, pelo carisma emprestado pelo profícuo Benicio Del Toro e pela banda sonora onde se podem ouvir os Stranglers, os Oasis, a Madonna, claro que ela não poderia faltar, e especialmente os Massive Attack com "Angel"... E ao contrário de muitos outros filmes que servem de entretenimento momentâneo e depois passam rapidamente à história e em que até nos esquecemos muitas vezes do principio ou do fim do enredo, SNATCH escapa a esse destino porque ninguém depois de ver o filme vai olhar para um porco da mesma maneira, é que fica-se a saber a melhor forma que há de nos desfazermos de um cadáver e pela boca de um expert na matéria, Côco de Tijolo, terrível e sanguinário bandido que dava um curioso destino às suas vítimas: com elas alimentava os seus PORCOS! E ele explica, qual manual de boas práticas assassinas, como se deve proceder:

"Primeiro dividir o corpo em 6 pedaços, rapar a cabeça das vítimas e tirar-lhes os dentes por duas razões: facilita a digestão dos suínos e evita que apareça depois qualquer vestígio comprometedor na porcaria da pocilga; muito importante é que antes de serem alimentados, os porcos devem passar fome nos dias anteriores para aguçar o apetite e pronto, é vê-los a comer ossos que nem manteiga... Para o processo ser rápido e eficiente convém ter 16 porcos, eles tratam de um corpo de 90Kg em  8 minutos pois cada um deles come 1 Kg de carne por minuto! Segundo Côco de Tijolo, é daí que vem a expressão ganancioso que nem um porco!"





O ar de quem tem 84 quilates na mão...


Quem provavelmente viu o filme para aprender os truques ou não cometer erros crassos foram os elementos da quadrilha italiana que em 2003 executou aquele que é até hoje considerado "O Assalto do Século", o maior roubo de joías alguma vez conseguido e avaliado em mais de 100 milhões de euros em diamantes, ouro e  joalharia que desapareceram dos cofres do Centro de Diamantes de Antuérpia... Os larápios acabaram por ser descobertos tempos depois mas grande parte do saque continua desaparecido!




O segundo exemplo e que trata das aventuras de um bom e sofisticado ladrão chama-se "O ÚLTIMO DIAMANTE", é um filme franco-belga de 2014 e da autoria de Éric Barbier, interpetado por Yvan Attal e pela belíssima Bérénice Bejo... Conta a história de um ladrão de cofres em liberdade condicional que planeia um assalto muito especial, a obra de uma vida, nada menos do que roubar o lendário diamante FLORENTIN aquando da sua exposição em Antuérpia, só que para isso precisa de dar a volta a uma especialista em diamantes e responsável pela guarda da jóia, o resto é ver e desfrutar...  E ficamos a saber que o FLORENTIN existe mesmo e que é um dos mais célebres diamantes da história, é proveniente da índia, é amarelo-claro e tem 137 quilates! Ficam aqui os dados que podem ser úteis a quem se cruzar com ele, é que a pedra está há muito desaparecida, ninguém sabe do seu paradeiro...









A bela Júlia atravessando a mais bela estação de comboios...


João Película

(Cinéfilo de Valmedo)

quarta-feira, 8 de abril de 2020



A MISTERIOSA ORIGEM DAS PALAVRAS - XIV


QUEM FOI O PRIMEIRO LARÁPIO?


É de facto misteriosa a origem da palavra LARÁPIO porque a coisa não é consensual, senão vejamos, a coisa ficou séria quando o mui prestigiado filólogo brasileiro Antenor Nascentes, no seu "Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa", roubou a explicação apresentada muitos anos antes por Arthur Resende numa obra intitulada "Phrases e Curiosidades Latinas" e que reza assim:

Havia em Roma um pretor, ou seja, um magistrado, um funcionário público com autoridade, hoje chamar-se-ia doutor, e que se chamava Lucius Antonius Rufus Appius e que assinava como L.A.R. Appius, mas acontece que a criatura não era lá muito honesta pois decidia  sempre sentenças favoráveis a quem lhe pagasse mais, se vivesse nos dias de hoje não passaria de mais um entre os muitos corruptos que por aí vegetam, mas enfim, tornou-se célebre porque o povo passou a chamar de larappius  a todo aquele que agia com desonestidade!  Assim, a crer nesta bela história, o primeiro larápio terá sido mesmo Larappius!









Mas acontece que muita gente especialista torce o nariz a esta tese por não existir qualquer referência histórica sobre a existência desse tal pretor, mas por outro lado também não conseguem arranjar outra e melhor explicação porque simplesmente não a há! Terá sido uma invenção popular ardilosa que pegou, como muitas outras? Não se sabe, o certo é que à falta de melhor esta é uma bela origem para a palavra e disso também desconfiou o criticado Nascentes ao dizer que "se não é verdade, parece..."!



João Portugal

(Linguísta de Valmedo) 

domingo, 5 de abril de 2020



O INVENTOR, O LAPIDADOR E O CURIOSO...




"Van Berken" - Antuérpia
Dois mil anos depois de os hindus terem começado a usar o DIAMANTE em bruto como talismã após terem ficado fascinados com o seu brilho e durabilidade e crendo que a pedra era mística e que tinha o poder de os proteger do mal, em 1447 era lido pelas ruas de uma ANTUÉRPIA ainda sem o esplendor que viria a alcançar posteriormente um decreto que avisava o povo para os diamantes falsos que por ali proliferavam, testemunho de que a cidade era já um pólo importante no comercio de diamantes, que de resto era comum a toda a Flandres e Países Baixos, desde Brugges a Amesterdão e desde então até aos tempos modernos como podemos constatar nas crónicas de viagens de Ramalho Ortigão do início do século passado:

"A indústria mais rica - e bem assim a mais característica da Holanda - é a da lapidação de diamantes nas oficinas de Amesterdão. O comércio dos diamantes atinge nesta cidade a soma anual de dezoito mil contos de réis e fornece trabalho a dez mil pessoas. (...) A indústria dos diamantes é quase exclusivamente exercida em Amesterdão por judeus de origem portuguesa."      

(in Holanda, 1894)


Prato de Polimento
Mas a conjugação de uma série extraordinária de acontecimentos, uns de origem natural e outros talvez não, faria de Antuérpia, desde o século XV até aos dias de hoje o centro do mundo dos diamantes, a começar pela infelicidade que se abateu em 1503 sobre a próspera Brugges, ela que era até então o principal porto de entrada de mercadorias na Flandres: a cidade, situada apenas a 20 quilómetros do Mar do Norte, deste ficou isolada devido ao assoreamento do canal Zwin! Com essa contrariedade ganhou e muito Antuérpia, não só para aí se mudou de Brugges a Feitoria Portuguesa da Flandres como também o seu porto começou a receber as especiarias portuguesas que vinham da Índia, os tecidos ingleses e os metais alemães, atraindo também os banqueiros que foram tornando a cidade rica, feliz e imparável na sua confiança, até hoje... E pormenor importante, com os navios portugueses também chegavam da Ásia carregamentos de diamantes, aumentando a oferta de matéria-prima para uma indústria que sofreria um impressionante e decisivo impulso em 1456 com a invenção de LUDEWICK VAN BERKEN, o scaif,  uma engenhosa roda (ou prato) de polimento que embebida numa mistura de pó-de-diamante e azeite tornou possível alargar muito o número de facetas do diamante e através de um corte mais rápido e muito mais preciso!

Andarilho analisando a gema...

VAN BERKEN
, curiosamente nascido na rival Brugges, com a sua invenção que tornava os diamantes muito mais complexos, belos e autênticas peças de joalharia, mudou para sempre a indústria e de repente começaram a chegar a Antuérpia artesãos de todas as cortes da Europa, curiosos e ávidos de aprenderem a nova e maravilhosa técnica... Hoje Van Berken, misticamente protegido por um anjo, está imortalizado em Antuérpia numa estátua em que segura um pequenino diamante numa mão, talvez aquela pedrinha com que mudou o destino da cidade! Calcula-se que hoje em dia 84% dos diamantes brutos do mundo inteiro passem por Antuérpia e só no famoso bairro dos diamantes, o Diamond Quarter, concentram-se 380 oficinas que trabalham para 1700 empresas e por onde labutam quase 4000 zelosos especialistas entre corretores, comerciantes e lapidadores de diamantes de 70(!) nacionalidades diferentes, tudo junto aglutinando mais de 30000 empregos e representando 15% das exportações belgas para fora da Europa...





"Diamond Quarter... at Sabbath!" - Antuérpia


E agora, quando deixar esta jóia de terra para trás e regressar à Lusitânia, a primeira coisa que farei é pegar no meu grande amigo João Andarilho e pôr o parlatório em dia, ele que para além de possuir para aí umas sete costelas angolanas é também maratonista, blogger e, acima de tudo para o que interessa aqui, foi durante largos anos lapidador de diamantes na antiga e saudosa DIALAP - Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes -, um segredo que teve largo tempo escondido... E se até aqui as nossas conversas sobre diamantes foram rápidas e de circunstância, embora interessantes, agora que vou daqui com o bichinho da curiosidade vamos ter muito que conversar e talvez, quem sabe, a ele que nunca esteve em Antuérpia, lhe venha a ser insustentável a leveza da certeza que tem que vir cá um dia ao centro de um mundo que lhe diz tanto... Talvez aproveite para vir cá fazer a próxima maratona e simultâneamente descobrir mais coisas sobre os diamantes e muitos outros segredos que a cidade tem para desvendar, quanto a mim, cujas pernas já não aguentam tanto sacrifício, nem me importaria muito de cá voltar e servir apenas de guia turístico! 



O tangue do Andarilho


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

quinta-feira, 2 de abril de 2020




FLAMENGOS, PORTUGUESES E MARRANOS...


Se o meu comboio vinha cheio e se todos os outros que vejo chegar também vêem a abarrotar então não surpreende que as ruas de ANTUÉRPIA estejam fervilhantes de gente, especialmente neste quilómetro e meio de larga avenida pedonal que vai desde a estação até ao centro histórico, são famílias inteiras com cão incluído, grupos de malta nova a pigarrear com energia e alto volume aquela língua que me soa estranhíssima porque contêm muitos "erres" e trejeitos de boca, magotes de pares de donzelas carregando sacos de compras numa mão enquanto que com a outra vão apontando para as montras mais um possível investimento, o burburinho da multidão que avança devagar só é abafado por música que se ouve ao longe e então, tal qual nos filmes, no derradeiro instante do último segundo consigo desviar-me sem elegância e com atrapalhação de uma apressada e elegante ciclista que ainda teve tempo de me lançar um olhar que deveria conter três ou quatro elogiosos termos flamengos tipo dom, gek ou outros ainda mais simpáticos que ainda não aprendi... E apesar de só a ter visto de relance reconheci de imediato aquela mesma jovem que tinha dobrado a bicicleta à minha frente no comboio e enquanto eu abria os braços para pedir explicações já ela desaparecia ao fundo. E ali fiquei especado um par de minutos, pensando se o incidente teria sido uma mera coincidência ou se faria parte de uma conspiração para me eliminar até que, com embaraço, conclui que se tivesse sido abalroado a culpa seria minha porque só então notei eu que já vinha há muito caminhando distraído numa ciclovia berrantemente pintada de vermelho e só me restou chamar a mim próprio em voz alta e traduzido em bom português o que a moça me tinha dito com o olhar, estúpido, maluco e outras coisas que não devo dizer aqui!





Desfile de rua



E a meio da MEIRSTRASS, que traduzido do flamengo significa a "rua mais importante" (meir - maior; strass - rua) e que ganha evidente lógica porque é aí que se concentra o comércio do centro da De Metropool, ou seja, a metrópole, como assim gostam de chamar à sua cidade os sinjoren, assim auto-intitulados os habitantes de Antuérpia a partir do respeitoso tratamento senõr atribuído aos nobres espanhóis que governaram a cidade durante o século XVII, desfaz-se o enigma da origem daquela música de fundo que há muito tempo me chegava aos ouvidos: era um desfile de moda improvisado em plena rua! E tudo ganhou sentido então, para além do monopólio dos diamantes e de ter um dos maiores portos do mundo Antuérpia é também conhecida desde os anos 80 por albergar conceituados designers e por ser hoje em dia um dos pólos da moda mundial...






"Grote Markt", a praça central...



Desfile terminado, entre aplausos e agradecimentos, avanço para o verdadeiro centro histórico e de impulso tomo como atalho uma rua mais tranquila, mais espaçosa e com menos turba, pináculos da Onze-Lieve-Vrouwekathedraal à vista, ou seja, a Catedral da Nossa Senhora para quem obviamente não percebeu nada, ou seja ainda, a Notre-Dame lá do sítio, quando, qual trombeta soando dos céus, ouço um dueto de corações apaixonados declamando juras de amor na língua de Camões, esperava eu tudo menos encontrar amantes lusitanos entrelaçados num  meloso weekend  à portuguesa a milhares de quilómetros de distância da pátria de Damião de Góis...
Mas depois, passado o espanto, relembro as palavras de Ramalho de Ortigão em "As Farpas":


"Em Antuérpia e em Bruges honrosos documentos lembram ainda numerosos e ilustres portugueses que aí residiram, uns como nossos feitores em Antuérpia, outros como representantes da sua família e da sua pátria junto da duquesa Isabel, em Bruges."




"Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha e da Flandres" - Van Eyck



E de facto, se os portugueses contribuíram inicial e decisivamente para o desenvolvimento económico de ANTUÉRPIA isso o devem a Dona Isabel, única filha de D. João I e Filipa de Lencastre e que sendo ínclitamente casada com o duque da Borgonha e da Flandres usou da sua diplomacia para se tornar um influente pilar nos negócios lusitanos pela Flandres, de tal forma que ficou conhecida como "A Grande Dama"...
Então os comerciantes portugueses foram especialmente privilegiados em todos os negócios, decretaram-se feitorias em Bruges e depois em Antuérpia de tal forma que os negociantes portugueses por essa altura aí detinham 112 casas de comércio!, Mas El-Rei D. Manuel, o tal venturoso ou bronco, depende da perspectiva, sabe-se lá e escolha-se, apesar de ter nas suas mãos o monopólio das indianas especiarias, pimenta, açafrão, gengibre ou canela, lembro-me agora, trata de enviar para a Feitoria Portuguesa da Flandres tudo aquilo que vinha das Índias, nem sequer a mercadoria era desembarcada em Lisboa, ala que se faz tarde! Em troca recebia tecidos, pratas e outras quinquilharias para adornar palácios e calar os nobres corruptos da corte.... Não satisfeito ainda consegue, o venturoso, tomar a medida mais estúpida da história da humanidade, lusitana e não só, porque refém da maldita igreja católica decidiu expulsar os  nossos judeus de Portugal, os MARRANOS, eles que eram talvez os únicos incorruptos duma sociedade suja e que tinham o método, a disciplina e a esperteza no comércio e negócio.... O certo é que esses mesmos judeus de origem portuguesa incrementaram por Antuérpia o negócio dos diamantes, o negócio das especiarias e o negócio de tudo o que vinha das Índias descobertas por um tal Vasco da Gama... Não me admira, portanto, que se fale ainda tanto português pela Flandres... E entretanto, Portugal vem definhando desde então às mãos de imbecis e corruptos, desde que se esgotou o ouro do Brasil....








João Alembradura

(Historiador de Valmedo)