domingo, 28 de outubro de 2018

Explorador


NASCIDO PARA EXPLORADOR...



- Repara, James, parece que além em cima andam à cata de mais dinossauros! - disse o J.C, apontado para o alto da arriba...
- Daqueles bichos enormes que já não existem a não ser no DinoPark?- perguntei eu, amigos caninos, ao mesmo que ia pensando se não faltaria alguém da nossa espécie naquele grupo de exploradores, alguém como eu que adora cheirar, revolver e cheirar outra vez e outra vez... Mas o J.C já não me ouvia, tinha tirado a sua máquina retratadeira para captar a imagem.
Estava um dia luminoso e quente aqui por Verde-Erva-sobre-o-Mar e a maré vazia também ajudava ao libertar o imenso areal que convidava para umas corridinhas...
- Queres ficar ali com eles, James? Tu, que gostas tanto de explorar e com o teu faro apuradíssimo  talvez ajudasses a encontrar algo de importante.
Não respondi mas ia pensando que a coisa teria muito mais piada se o alvo da pesquisa não fosse apenas partes do esqueleto daquelas famosas criaturas mas sim se pudéssemos descobrir um verdadeiro dinossauro, de carne e osso...



- Sabes, James, acho uma actividade deveras interessante, gostaria de ter experimentado, se tivesse vinte anos outra vez talvez enveredasse por uma carreira de paleontólogo..
- Paleoquê?
- É o que aqueles cientistas andam ali a fazer, bicho, estudaram Biologia e Geologia e ao analisar os fósseis que encontram vão desenterrando a história do passado...
- Ah! Então mas não és tu que fazes análises também? Sendo assim, basta mudares-te lá do sítio para onde costumas ir trabalhar e do qual dizes estar farto e vires para aqui analisar... Para além de paleontologares ainda passarias o tempo em plena natureza. E eu seria o teu parceiro...
  - Oh, bicho! Quem me dera, mas já te disse muitas vezes que o mundo dos humanos é muito complicado.



Olha que novidade, pensei eu, amigos caninos, careca de saber a confusão que vai pela cabeça das pessoas. E enquanto analisava se valeria a pena escalar a íngreme falésia para ir cheirar de perto a actividade daqueles homens de ciência e  aprender mais umas coisas, ouço uma voz ao longe:
  - Então James, vou dar-te um bigode!
Era o J.C a desafiar-me para uma corrida injusta, o batoteiro tinha-me apanhado distraído e já me levava uns bons cem metros de avanço e corria que nem um desalmado mas como eu não sou de me ficar lá aceitei o repto e lancei-me a todo o gás no seu encalço...
 - Corre bicho, que estás gordo! 
  - Olha quem fala! - rosnei enquanto já tinha recuperado metade da distância. Escusado será dizer que ainda lhe ganhei por meia pata e enquanto o J.C se espalhou ao comprido no final do Caniçal, dizendo que estava morto, eu deambulei um pouco por ali, por entre rochas e poças de água e então vi...  


As misteriosas pegadas...
Era um rasto de pegadas enormes, amigos caninos, eu cabia naqueles sulcos na areia e olhei em volta à procura do animal que tinha deixado aquelas marcas mas as únicas criaturas visíveis em toda a praia éramos nós. 
   - Que encontraste, James? - ouvi atrás de mim, vindo de um J.C curvado de mãos nos joelhos, ainda ofegante e olhar esgazeado.
    - Será que... - ia eu perguntar...
    - Bicho, isto é muito estranho! Já viste o tamanho e olha só...-o J.C estava agora acocorado ao meu lado, com uns esgares de dor e apontando para um pormenor da pegada - Isto são garras, repara, e a fera deve ser bem grande e pesada pelos sulcos que deixou na areia. Pode bem ser um dinossauro que passou por aqui e recentemente porque a areia ainda não absorveu esta água!
    - Então mas não dizem os teus amigos cientistas que os dinossauros estão extintos? - 
     - Sim, mas este mundo, cão, está sempre a surpreender-nos, quem sabe se eles ainda existem por aí. - disse ele, enigmático, deixando-me na dúvida se falava a sério ou se estava meter-se comigo.
       - Então, porque esperamos, vamos seguir o rasto e descobrir o paradeiro...
         - Calma aí, bicho! - interrompeu de chofre o J.C - Não temos tempo para isso agora, lembra-te que tenho que ir trabalhar daqui a nada...
      

   E olhei para ele, incrédulo, iríamos perder uma oportunidade de ouro para ficar na História se conseguíssemos descobrir e provar que os dinossauros ainda vivem e que andam por aí neste mundo anacrónico em que é mais fácil encontrá-los imóveis e plastificados em parques e rotundas.
  - Não desanimes, James, voltaremos cá em breve e iremos explorar esta zona em busca do nosso amigo dinossauro. Seremos famosos, vais ver! E tu, está visto, nasceste para explorador...




Essa coisa esquisita da fama que tanto move os humanos é, como devem calcular, o que menos me importa neste caso, amigos caninos, eu vou aqui acabrunhado a ouvir o J.C mas vou a matutar no modo como escapulir-me de casa sem dar nas vistas e regressar àquela praia para encontrar eu próprio aquele dinossauro. É que o J.C não é de confiar nestas coisas das combinações, o passeio é para amanhã, havemos de ir aqui e ali, etc, etc, mas depois aparece sempre alguma coisa vinda daquele mundo esquizofrénico dele que inviabiliza os projectos. Neste caso vital para a ciência, meus amigos, não vou desarmar,  hei-de, com ou sem J.C, fazer a descoberta do século!









JAMES

(Cão de Valmedo)

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

quarta-feira, 24 de outubro de 2018


LIVROS 5 ESTRELAS - IV


ESTE MUNDO NADA ANGELICAL...


"O conhecimento dos Anjos" não é apenas um belo romance, é também uma obra inspiradora e desafiante. A história decorre séculos atrás numa ilha imaginária mas bem poderia ser neste nosso mundo de hoje, tais são as semelhanças entre a obscuridade medieval e a desorientação do mundo moderno cada vez mais conflituoso e radical, mantém-se como outrora a eterna luta entre a tirania moral e a tolerância, entre o abuso de poder e a liberdade de opinião, entre o homem bestial e o ser humano iluminado...
Tudo começa com a coincidente aparição na ilha de duas personagens antagónicas: uma menina-selvagem que foi criada no alto da montanha pelos lobos e um esclarecido estranho oriundo de um país misterioso. Enquanto a primeira desconhece a necessidade de uma entidade divina, o segundo rejeita-a liminarmente embora respeitando opiniões discordantes, coisa que não é aceitável para as eminências civis e inquisitoriais que regem a ilha, originando uma série de peripécias e experiências numa corrida contra o tempo para tentar a sua salvação, uma se demonstrasse que a ideia de Deus seria inata à condição humana e a outra renunciando às suas convicções, ainda que sob atroz tortura...








Pelo meio, a obra, que mistura aventura e debate filosófico, apresenta uma galeria de personagens que retratam as trevas e a crueldade que estão na massa da humanidade, desde os pastores"São homens rudes. Passam meses a fio nas montanhas, longe das mulheres. Aliviam-se nas ovelhas. Que seria de esperar que acontecesse com uma rapariga a correr à volta dos rebanhos, com o rabo à mostra?" aos homens da Igreja ( "Não há nenhuma acção mais condenável do que tentar aumentar o brilho que irradia de cada um de nós roubando a luz que irradia de um outro homem. No entanto, é problemático chamar pecado a isso, quando as pessoas que mais o cometem são homens devotos, mestres reverendos, padres, sacerdotes muçulmanos..."). Restaria então demonstrar a existência dos Anjos para devolver alguma esperança à humanidade, mas até isso se tornou um pesadelo para uma das personagens...

Jill Paton Walsh foi finalista do Booker Prize em 1994, vá lá saber-se porque não ganhou...




João Vírgula

(Leitor de Valmedo)





 "Imagine que está a contemplar uma ilha. Não conhece essa ilha. Está a olhá-la de cima, a grande altitude. (...) Do lugar onde se encontra, tem uma visão mais semelhante à de um anjo que à de qualquer habitante da ilha. Aliás, a posição de um leitor em relação a um livro é muito semelhante à que os anjos detinham do mundo no tempo em que ainda gozavam de alguma credibilidade. Tal como eles, o leitor está a planar, observando tudo com uma atenção grave, sem que nada lhe possa ser ocultado. (...)
Claro que ele continuava a acreditar nos anjos - que outra forma haveria de explicar o movimento dos dardos depois de saírem da mão do atirador, o movimento da água, o desenrolar das folhas? Num mundo cheio de mistérios, onde nunca se deveria explicar com mais entidades aquilo que podia ser explicado com menos, não havia alternativa aos anjos. Aquilo em que ele já não acreditava era nas boas intenções que sempre atribuíra aos anjos; receava agora que eles pudessem ter más intenções, ou nenhumas."

in "O conhecimento dos Anjos" - Jill Patton Walsh





Pieter Bruegel, o Velho  -  "A queda dos anjos rebeldes"




João Vírgula
(Leitor de Valmedo)

quarta-feira, 17 de outubro de 2018


CRÓNICA DE UM RESGATE

ou

A natureza não é para almas sensíveis



Primeiro parecia o guincho de uma ave, de tal forma o som era agudo e lancinante, ecoando pela floresta ainda a acordar de uma noite húmida mas, olhando para o alto por entre as copas dos pinheiros e dos eucaliptos, não se vislumbrava nenhuma silhueta de asas pairando sobre crias ameaçadas pela presença de um predador inesperado, nem águia ou milhafre ou o quer que seja... Tentei continuar a corrida mas o apelo frenético que vinha do interior da mata era de tal forma estranho e pungente que abandonei o trilho e fui investigar, curioso, cauteloso... 
Minutos antes tinha eu desligado o motor do carro, aberto a porta e trocado os ténis mundanos pelos de corrida e de óculos na cabeça e chave e telemóvel no bolso, não faltava nada, ala que se faz tarde para mais um treino pela floresta e agora, ali me encontrava eu, olhar aguçado e olfacto apurado, qual animal selvagem, tentando descortinar a entidade camuflada que emitia tão sentido apelo... Sob os meus pés estalavam as ramagens e as folhas defuntas resultantes do último abate e eis que avançando uma trintena de metros me deparo com um cenário transcendente: aprisionada num emaranhado de ramos e folhagens debatia-se, sem sucesso, uma pequena e indefesa criatura... As suas imaturas patinhas estavam reféns de uma urdidura de ramos secos que tornavam impossível outro desfecho que não fosse a morte por esgotamento... Tinha-se perdido do seu rebanho certamente, ninguém, tanto a mãe caprina como o pastor diligente, tinham reparado no que tinha ficado para trás, um recém-nascido indefeso...











Que raio? Que fazer? Perguntava-me eu já com o bicho ao colo... E ele continuava a gemer, coitado, desconfiado da minha presença.
   -Calma!- sussurrava eu, vamos resolver isto. - Onde é a tua casa? - perguntava-lhe, inocente, sem receber outra resposta que não fosse o apelo desesperado por alimento e conforto... A débil criatura não se aguentava nas patas e soçobrava, gemendo, e quando pegava nela ao colo procurava desalmadamente o meu mamilo de atleta em busca alimento...
   - Vamos chamar-te Tálento, ouviste? Se não fosse este vício das corridas e morrias ali à fome...
A aldeia estava a uns dois, três quilómetros, no máximo, o campanário da igreja já se via ali  à frente, que raio, para alguém que treinava para a maratona esta seria a corrida por uma vida, por um final feliz...






A aldeia, deserta como é natural hoje em dia em todas as aldeias, ainda acordava para mais uma jornada de azáfama nas hortas ou nas fazendas mas eis que, saindo do nada, uma lambreta assoma à rua com um Anjo a cavalo, anacrónico pormenor numa ocorrência já de si extraordinária:
    - Amigo, onde encontro por aqui um rebanho que perdeu este infeliz?
    - É macho? - limitou-se a perguntar o meu interlocutor, recolhendo as asas...
    - De facto! - respondi eu após ter consultado pela primeira vez  os averbamentos do animal...
    - Então, esqueça... É um recém-nascido. Onde o encontrou? - e franziu tudo, o sobrolho, a testa, os olhos, as bochechas...
     - Além, na floresta. - disse eu, apontando para o matagal ao longe, ainda com alguma esperança.
      - Ouça... - e eu ouvi....

O Anjo, descido de outro mundo menos cruel, habitava ali há pouco tempo mas já se apercebera, entre outras coisas, de algumas estranhas práticas relacionadas com o pastoreio caprino, machos a mais significaria leite a menos nas tetas das mães cabras, menos rendimento, mais conflitos no rebanho! Ele próprio já tinha um dia aceite dois bodezinhos de presente mas a criação não tinha vingado, carentes do leite materno e reféns do leite industrial os bichos não tinham resistido.








Sofreu, como eu agora estava sofrendo ao olhar para esta pequena criatura, dócil, esperta, confiável, amiga, que belo animal de estimação daria? Talvez... Mas não, nem o Anjo nem eu podíamos ficar com esta incumbência...
   - Não, não vou ser a devolver esta criatura àquele destino atroz! Recuso-me! Ajuda-me! Talvez se tenha mesmo transviado do rebanho....
    O Anjo abanou a cabeça, baixou os olhos para o chão e murmurou:
   - Podemos sempre deixá-lo perto da mãe... Quem sabe o que pode acontecer, talvez ocorra um milagre....
     E assim fizemos, devolvemos o bode Tálento às suas origens, ali o deixámos prostrado debaixo de um manso pinheiro e com as cabras a espreitar do redil, à espera do destino que uma ausente alma humana iria traçar...

Agora, voltemos ao princípio, primeiro parecia o guincho de uma ave... A pequena e indefesa criatura tinha sido aprisionada na urdidura de ramos secos e ramagens, prometido banquete para as raposas do bosque encantado... E os rebanhos e o mundo haveriam de continuar a rolar por esse cosmos afora....





João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

"REPTILIAN KISS"


Jean Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)


"O guardião das chaves do castelo
põe obstáculos aos meus sonhos,
espero aqui fora, na porta dos peregrinos,
sem ideias nem planos para entrar.
A rainha negra entoa a marcha fúnebre,
os sinos de bronze rachado repicarão
para trazer de volta o fogo mágico
para a corte do Rei Carmesim..."

in "The Court of the Crimson King"
Peter Sinfield

Tradução livre
J.C - Poeta de Valmedo

sábado, 13 de outubro de 2018





"El Desengaño" - Peri Helio, 2017, Caldas dos Reis - Galiza

João Plástico
(Artista de Valmedo)




Falo com o vento...

Disse o homem mundano 
para o homem demorado:
"Por onde andaste tu?"
- Andei por aqui e andei por lá
e por aí peregrinei entretanto...

Eu falo com o vento,
ele leva todas as minhas palavras,
falo com o vento,
o vento não me ouve,
o vento não pode ouvir.

Eu estou do lado de lá olhando para aqui
e que vejo eu?
Enorme confusão, desilusão,
tudo ao meu redor...

Eu não faço parte de vós,
não me impressionam,
apenas perturbam a minha mente,
não podem mandar em mim ou controlar-me,
apenas consomem o meu tempo.

Falo com o vento,
ele leva todas as minhas palavras,
eu falo com o vento
mas o vento não ouve,
o vento não consegue ouvir...


"I talk to the wind" - KING CRIMSON
(Tradução livre de J.C - Poeta de Valmedo)










CRIMSON KING - I talk to the wind




João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)
O ouriço peregrino

Jean Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

quinta-feira, 11 de outubro de 2018



JAMES, O SANTO...



Amigos caninos, é com alívio que vos narro esta história extraordinária porque, como verão, não me foram nada fáceis os últimos tempos... 
"Estás mal habituado!" - dir-me-ia o J.C, na sua simplista maneira de ver certas coisas e teria alguma razão porque, reconheço, passei demasiado tempo de ansiedade que me desregulou o apetite, o sono e sei lá que mais... O sol nasceu várias vezes e nem sinal dele, coisa extraordinária porque, geralmente, um ou dois dias, como dizem os humanos, era a medida da sua ausência, mas agora, que a coisa passou desses limites, pressenti que era diferente, algo de importante estaria a acontecer, ele não me iria abandonar desta maneira e sem avisar. Mas agora, mais calmo, relembro o abraço mais demorado do que o costume, as festas mais exuberantes e as palavras sussurradas na orelha que só acontecem raras vezes, quando a distância é mais que longa e aperta, sei-o agora...



E meus amigos, quando ele me chega em cima daquela esquisita maquineta, sujo, cheirando mal e com um aspecto terrível, só pensei que ele vinha do inferno mas eis que a primeira coisa que lhe oiço é:
 - JAMES, meu santo!
Eu, santo? Estão a ver, meus amigos caninos, o meu ar surreal ao ouvir estas mirabolantes palavras e limitei-me a ficar sentado, aguardando que se fizesse luz na minha mente.
- Bicho, tiveste saudades minhas?
Aqui apeteceu-me, pela primeira vez ferrar-lhe o dente, tipo "isto não se faz ao melhor amigo, seu estúpido", mas contive-me mais um pouco...
- Sabes, fui peregrinar até um dos locais mais venerados do mundo, James, Santiago! E tudo devido a alguém como tu, chamado JAMES.
  - E o que é que se faz lá? - questionei, deveras impressionado com o seu mau aspecto, este era um J.C bem diferente daquele que daqui tinha partido há algumas luas atrás, até os seus olhos tinham um brilho mais luminoso.
    - Ora, James, há quem vá lá para pedir graças divinas, há quem vá agradecer algo de bom que lhe aconteceu, há quem vá para perdoar os pecados, há quem vá apenas para viajar e conhecer novas paisagens e até há quem vá apenas para tirar fotos para mais tarde recordar...
     - E tu, porque foste?
     - Eu fui para me apartar um pouco deste mundo louco e exigente que nos rouba tempo para a reflexão, para meditar... Quebrar o ritmo, acalmar, falar com nosso espírito, encontrar o equilíbrio, foi para isso.
   - E resultou?
  - Claro! Então não reparas que estou diferente?
  - Também gostaria de peregrinar um dia. - lancei para o ar, talvez a ideia pegasse...
  - Sabes, pelo caminho pensei várias vezes que adorarias ter ido também a Compostela, há muitos caminhos, carreiros e paisagens que irias gostar de explorar. Desta vez não foi possível levar-te porque fui nesta máquina maravilhosa - e apontou para a bicicleta - mas se voltar lá para fazer o caminho a caminhar, e se te portares bem até lá, levo-te comigo. Vi lá vários cães peregrinos a acompanharem os seus donos na sua caminhada....
Não resisti, amigos caninos, saltei-lhe para cima e dei-lhe um grande abraço canino!
  - Calma, bicho! Estás a lambuzar-me!




"Mentalizando-me para a minha peregrinação..."


E quando eu pensava que já nada me surpreenderia no mundo humano, eis que o J.C me demonstrou porque há tanta confusão e guerra de palavras entre as pessoas, disse-me ele:
     - E uma grande razão para ires lá, James, é que o santo que lá mora chama-se exactamente JAMES!
     - A sério?
     - JAMES, como bem sabes, é um nome inglês, que deriva do italiano GIACOBO, que deriva do latim IACOBUS, a mesma coisa que JACOB, o nome original do apóstolo. Em francês, Jacob derivou para JACQUES e aqui, na nossa língua lusitana que reina por Verde-Erva-Sobre-o-Mar, deu em TIAGO... Por isso, quando se vai à Galiza em peregrinação visita-se JAMES, JACQUES, JACOB, GIACOBO, IACOBUS ou TIAGO. Pelo menos, James, podes ficar orgulhoso por teres um nome tão especial!
Amigos caninos, eis a prova que nós somos muito mais evoluídos que os humanos, temos uma linguagem universal, todos nós ladramos as mesmas palavras e entendem-mo-nos todos, seja aqui ou no outro lado do mundo, enquanto eles têm milhentas linguagens e como cada humano só fala uma ou duas línguas, e até há alguns que nem falar sabem, estão a ver a confusão, aquilo que eles chamam de Babilónia...
E enquanto o J.C foi para dentro arrumar as suas tralhas eu farejei as rodas da sua maquineta e entrei em êxtase, amigos caninos, senti fortes odores do mundo cão e tantos aromas a natureza pura que me deitei à sombra da imaginação a matutar na minha própria peregrinação...


JAMES

(Cão de Valmedo)

quarta-feira, 10 de outubro de 2018



PEREGRINO...


Pelo longo caminho, sinuoso e duro,
a beleza por longas horas se esconde,
o suor tolda a vista, a garganta secou,
a roda não rola, os teus pés pedem clemência...
Não mudaste ainda, falhaste a mudança agora
que a montanha te espera, cruel e sombria,
partiu-se a corrente que te ligava ao mundo ancestral...


Já sabes agora como é difícil seguires puro,
e essa fé em ti que tanto te orgulha, deixaste-a onde?
"Calma! No pasa nada...", uma voz te falou,
é o Velho da Revolta aconselhando paciência:
"A sabedoria não se alcança num dia ou numa hora,
alivia o teu peso, acalma a dor no regato de água fria,
deixa para trás o que não precisas, daí não virá mal..."


"Bom caminho" - dizes quando te cruzas
com o estranho que regressa de olhos ardentes
e nem reparas que ele és tu, transfigurado,
e por maior que seja o mistério, não fujas,
abençoado serás desde que muito tentes
tornar-te melhor, mais forte, iluminado...

Que demandas tu, solitário peregrino, enfim,
o perdão para o pecado pouco original,
a alma que perdeste algures no frenesim
ou a salvação do que ainda te é sobrenatural?


J.C

(Poeta de Valmedo)









terça-feira, 2 de outubro de 2018



O GUIA, ESPIRITUAL OU NÃO...


Ninguém sai hoje do conforto da sua casa para descobrir outras paragens sem, no mínimo, se informar sobre o que espera nessas aventuras, que paisagens, que gentes, que dificuldades, que clima ou que inúmeros outros aspectos.... Nem que seja apenas pela boca de quem já fez o mesmo antes! Hoje é muito fácil, meio mundo já viajou por meio mundo, basta questionar, ouvir ou observar, mas como era quando o mundo não era conhecido? Tempos houve em que a terra acabava na GALIZA, no cabo FINISTERRA, que é com quem diz, no fim do mundo, para além disso só existiam trevas....








Logo por azar, ou talvez não, foi nesse fim de mundo que deram à costa os restos mortais do apóstolo TIAGO, ou JACOB, originalmente falando, de que forma e com que veracidade é impossível atestar, mas o que é certo é que, realmente, nasceu um culto à volta de COMPOSTELA ( o terceiro lugar sagrado da Cristandade) que não deixa ninguém indiferente, crentes, opositores e agnósticos...




Códice Calixtino


De tal forma era perigosa a peregrinação nessas eras longínquas (aspectos físicos do terreno, condições meteorológicas, ataques de hordas de bandidos...) que o Papa CALIXTO II decide, em 1140, encomendar a um  abade da Ordem de Cluny, Aymeric Picaud, um guia para orientação dos peregrinos que se aventuravam pelo Caminho de Santiago...  Nasce assim, com o CÓDICE CALIXTINO, o primeiro guia turístico do mundo, com informações sobre as várias rotas do caminho, informações sobre alojamento, características das populações, sítios a visitar e até monumentos e obras de arte que mereciam uma visita!
Nove séculos depois, o guia turístico de Calixto continua hoje em dia a servir de base para muitos outros guias...








João Palmilha

(Viajante de Valmedo)



"Só existe uma jornada: caminhar para dentro                             de si mesmo..."


Rainer Maria Rilke


LENDAS E NARRATIVAS -  V


SANTIAGO, ou JACOB, ou...


De entre todos os discípulos, seguidores ou apoiantes, como se lhes queiram chamar, de JESUS CRISTO, SANTIAGO ganha preponderância não só porque é um dos mais íntimos mas também porque está presente em todas as ocorrências importantes da sua breve vida... E também porque, após a morte de Jesus, Santiago parte para uma missão evangelizadora na Palestina, afrontando inúmeros perigos até ter sido mandado decapitar por um fraco Herodes, neto do tal grande e bíblico HERODES, tornando-se no primeiro apóstolo mártir...







Aqui acaba a história e começa a lenda: a cabeça e o restante corpo terão sido transportados por dois dos seus discípulos até à Galiza, terras por onde Santiago tinha andado em missões de evangelização anos antes, tendo sido enterrado secretamente no bosque de Libredón e descoberto, muito tempo depois, após a ocorrência de uma milagrosa chuva de estrelas sobre a floresta, campus stella, actualmente COMPOSTELA...
Entre o que é verdade e o que é efabulação, no séc. IX mandou Afonso III, com uma boa perspectiva de gestão turística, construir uma majestosa igreja para receber as hordas de peregrinos que para aí demandavam, aquilo que hoje é a actual Catedral....








Acreditar ou não, ter ou não fé, fica ao critério de cada um, e tudo não passa de um intenso processo interior, de meditação, de encontro consigo mesmo, e aí, quando a magia acontece, pode deixar de interessar a verdade sobre os factos, prevalecerão talvez os benefícios da lenda....


João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

A vieira espera o peregrino...

segunda-feira, 1 de outubro de 2018



TOUPEIRA DE OUTUBRO


O QUE FICA PARA A HISTÓRIA...



Antes de mais, há que falar do que realmente foi marcante e importante nos últimos dias: o adeus do nosso capitão aos relvados! LUISÃO entrou, por direito próprio, naquela galeria só ao alcance de notáveis e inesquecíveis como JOSÉ ÁGUAS, MÁRIO COLUNA, TONI ou SHÉU... Não só pelos anos invulgares para os dias de hoje em que vestiu a mesma camisola (quem fica hoje 16 épocas no mesmo clube?) como pela forma, elevada, inteligente e motivadora como soube envergar a braçadeira, exigindo respeito aos adversários mas também exigindo compromisso, responsabilidade e paixão aos seus colegas de equipa... Um exemplo! Por isso, obrigado, CAPITÃO!







E capitães há muitos, mas verdadeiros capitães há poucos... Bem, amigo Rui, por falar em Luisão ocorre-me o péssimo timing de algumas decisões e episódios infelizes que se têm vindo a tornar recorrentes na nossa equipa: que diabo (e este não tem que ser forçosamente vermelho), poucas horas após o nosso capitão ter anunciado a retirada, ainda por cima justificada pela não utilização (nem 1 minuto na Taça da Liga, amigo Rui?), lesiona-se o JARDEL e o CONTI desperdiça a oportunidade com um vermelho injusto, é certo, mas fruto duma entrada pouco inteligente, para ser simpático... E agora? Alternativas para o clássico da semana que vem? LEMA? Que nem 1 minuto tem em qualquer competição? Ou, como já li, adaptando SAMARIS a central? Haja pachorra, vale mais chamar novamente o LUISÃO!!! E és tu, amigo Rui, quem está em cheque, acusado na praça pública de não saberes gerir eficazmente o plantel e até, em plena Assembleia Geral, ao ser pedida a tua cabeça! E só te digo, chegados aqui, não faças como a avestruz VITÓRIA que enterrou a cabeça na areia e se lixou! Não ganhes ao PORTO e terás a vida transformada num inferno...





Uma raridade: bola na área do Bayern



A TOUPEIRA registou um mês de Setembro razoável: duas vitórias claras na Liga (Nacional e Aves) e um empate justo com o Chaves que fez uma grande partida, juntando uma vitória sobre o Rio Ave para a menosprezada Taça da Liga e, finalmente, aquela derrota evidente e sem espinhas contra o BAYERN, sem dúvida uma das 5 melhores equipas do mundo e em que os alemães mostraram que ainda estamos muito longe da competitividade necessária para a alta roda europeia, eles pareciam sempre mais rápidos, mais fortes, mais espertos, mais pragmáticos...  E por amor de Deus, uma equipa que apresenta um déficit brutal na qualidade de passe como nós (tanto passe estúpido e falhado) não se pode queixar, assim como uma posse de bola infantil e efémera, três passes já é bom, juntando ainda uma capacidade de pressão ridícula, que se pode esperar? A resposta é simples: limpar a imagem junto do AEK e do AJAX, as duas partidas europeias de Outubro e ambas fora de casa! No mínimo, uma vitória e um empate é o que exige a toupeira...
Depois, a nível interno, só terás duas partidas: Porto e Belenenses, duas vitórias exigidas sob pena de se instalar ainda mais desconfiança e crítica à tua vigência, amigo Rui....
Mas nem tudo é mau, fica o registo de uma agradável sensação: temos o JOÃO FÉLIX, um grande craque em maturação, um verdadeiro caso sério por aquilo que nos escassos minutos em que jogou já demonstrou, uma técnica fantástica, uma inteligência de jogo muito acima do padrão normal, um controlo emocional e um sentido de jogo de equipa de registar, tudo num miúdo de apenas 18 anos...!  O futuro é risonho e é obra, amigo Rui, e ainda que tudo te corra mal esta época numa coisa a história te fará justiça: foste tu que o lançaste! Mas isso nunca passará de um pormenor estatístico ou histórico se não ganhares tudo em Outubro, por isso, muito boa sorte para ti!


Foi-se um grande capitão, chegou um enorme talento...



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