sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

 

O GÉNIO, O TEMPO E A FLAUTA...


O homem da flauta voltou quatro anos depois de ter actuado com os seus JETHRO TULL em Gouveia, IAN ANDERSEN, o líder carismático alucinado de uma das bandas mais populares do rock progressivo dos anos 70, qual elfo saído de um bosque encantado, deu hoje um espectáculo memorável no Coliseu dos Recreios... O homem tem quase 75 anos e mantém a energia de há décadas, consegue ainda fazer a sua celebérrima pose de tocar o instrumento apoiado apenas numa perna, coisa inacessível a muita gente mais nova, incluindo este escriba melómano! 



Mais de vinte álbuns de originais e incontáveis concertos ao vivo pelo mundo fora, os JETHRO TULL não continuam nestas andanças apenas para entreter uma geração sexagenária saudosista dos sons de antigamente, prova disso é o último álbum lançado há pouco e que teve direito a uma serena abordagem no palco do Coliseu mas a noite era mesmo de revisitação dos grandes álbuns "Thick as a brick", "Aqualang" ou "Songs from the wood", ou não se chamasse esta digressão "THE PROG YEARS", uma deliciosa abordagem sonora e visual sobre os fantásticos anos do rock progressivo da minha então adolescente geração... Obrigado, Ian, pelo maravilhoso serão e tens razão, nunca é tarde...







João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)



Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

O amolador

 

VÃO CHOVER FACAS E TESOURAS NO CASAL DA GAITA...


Aqui por Valmedo, também conhecido pelos mais antigos como Casal da Gaita porque há muito tempo ali em baixo viveu um velho e sábio tocador de gaita-de-beiços que passava a vida a lançar encantatórios acordes para o ar, o céu não anuncia chuva e de olhos fechados inspiro fundo, o almoço estava despachado e a sesta não pegou, uma leve brisa vinda do mar que me acaricia o rosto atenua os efeitos de um desgraçado turno da noite no hospital mais eis que, surgindo do nada e sem aviso, ouço o hipnotizador som daquela gaita como acontecia na minha ribatejana infância ou não fosse ele um som divino, afinal parece que , o deus cornudo dos bosques, das florestas, dos rebanhos e dos pastores tinha uma gaita igual e com a qual tocava melodias que encantavam as ninfas suas amadas e outras criaturas da natureza...  Aproximei-me do muro e espreitei lá para fora, Pã estava sentado na motoreta tocando a sua gaita e olhando em redor:

-Viva! - disse eu, sem cerimónias e mostrando a palma da mão levantada em sinal de paz...



Rafael, o Amolador


E o deus falou e disse... Chama-se ele Rafael, nome de artista renascentista, nasceu em Peniche, mora em Vale Covo, tem casa em Ribafria e faz esta volta pelo Oeste uma vez por mês, mais ou menos, e o seu ofício de amolador foi herdado do pai... E sim, para além de facas e tesouras e de outro qualquer instrumento de corte também conserta loiça, mas menos porque agora ninguém aproveita os cacos! E veio-me à lembrança outros amoladores de outrora que colavam os pratos partidos com agrafos...

A gaita de Pã

E a gaita, onde arranja essa coisa tão especial?

- Oh! Quase em lado nenhum, tenho que a ir comprar a Lisboa, já ninguém faz isto... E agora é tudo de plástico! Nada de canas como antigamente...

- Então fica combinado, da próxima vez que passar por aqui terei aqui umas facas e outras coisas para afiar, certo?

- Até lá então... - e antes de dar ao pé para arrancar com a motoreta levou a gaita aos beiços em sinal de despedida... Aguardou uns segundos, ninguém deu sinal e lá arrancou até à próxima paragem, talvez no Toxofal...


E umas gotas de água vindas sabe-se lá de onde caiem-me na testa, afinal quando o amolador passa a chuva não tarda, dantes se dizia, pelos vistos com sabedoria...




João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

"A literatura contribui para criar cidadãos críticos, que não se deixam manipular facilmente porque têm a capacidade de projectar-se em direcção a um futuro menos ruinoso, menos medíocre, mais à altura das suas expectativas. A literatura é fundamental para a formação de cidadãos verdadeiramente democráticos." 


Jorge Luís Borges

(Entrevista ao Expresso, 2020)





terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

 EFEMÉRIDE # 91


O NOVO, O VELHO E O YOUNG...


Lembro-me clara e cristalinamente da primeira vez em que, ainda adolescente imberbe, ouvi NEIL YOUNG pela primeira vez, aconteceu num daqueles finais de tardes de verão como só no Ribatejo ocorriam, quentes e peganhentos, o rádio a pilhas debitava hits atrás de hits e surpreendentemente algo me chama a atenção, o som cru mas simples e belo de HEY HEY, MY MY, negro adentro que bateu forte... Algum tempo depois haveria de conhecer a outra faceta de YOUNG através dos "DOIS PONTOS"  do Jaime Fernandes, e quando ouvi MY MY, HEY HEY o outro lado lírico e intimista, fora do azul visceral e reacionário até, fiquei sem reação até hoje, o homem de facto tem um pé nos dois mundos, o nosso e visível para quem tem os olhos com a graduação adequada e o outro, invisível mas palpável, só ao alcance de certas mentes transcendentes como a do velho cantautor que, sem abdicar dos seus princípios ainda que questionáveis por alguns, continua por absurdo a valer, afinal os velhos sábios nunca dormem, repare-se na sua recente revolta para com a falta de princípios dessa geringonça chamada "Spotify"...




Há 50 anos (!) via a luz "HARVEST", o quarto álbum do músico canadiano mas que até poderia ser o primeiro tal a frescura... Para outras calendas ficam as deliciosas polémicas sobre o racismo do estado do ALABAMA nomeadamente com os Lynyrd Skyrnyd....  Hoje ouçamos o álbum de fio a pavio, especialmente "Heart of gold" e "Old man"...


João Sem Dó

(Musicólogo de Valmedo)