sexta-feira, 30 de junho de 2023

segunda-feira, 26 de junho de 2023

 

LIVROS 5 ESTRELAS - XXXIV


AS MEMÓRIAS NÃO AFUNDAM


Manhã de domingo, cumprindo castigo no laboratório porque alguém tem que trabalhar mesmo quando é suposto aproveitar o fim-de-semana para descansar ou apenas vadiar ao sol pela beira-mar, enquanto pausávamos para um café pergunto à Hélia:
- Que andas a ler agora? 
Mostrou-me uma capa da qual já não me lembro porque entretanto ela disse:
- Bem, não sabes mas ontem li um livro espectacular, li-o todo durante a tarde! Sabes quem é a Madalena Sá Fernandes
E eu, por acaso, sabia... 




Uma semana atrás, por acaso, enquanto regressava a casa depois das compras para o almoço, na "Razão de Ser" a Diana Duarte entrevistava a Madalena Sá Fernandes e a entrevista foi tão forte que me reteve uns bons vinte minutos dentro do carro à porta de casa, sem coragem para perder um pormenor que fosse, castigando o James, ansioso e pendurado no muro a abanar-me a cauda e sem perceber porque demorava eu tanto tempo a entrar... E claro, como se de uma troca de cromos se tratasse, a Hélia emprestou-me o livro acabadinho de sair e eu pu-la a ouvir a entrevista, ela depois de a ouvir ficou com vontade de ler o livro outra vez e eu depois de ler o livro fui ouvir a entrevista novamente porque livro e pessoa completam-se...
É um livro pequeno mas cuja mensagem não tem medida, memórias fortes e violentas da infância misturadas com outras memórias felizes que servem de boia de salvação num mar revolto cheio de medos, perigos, obsessões, violência... Primeiro livro, muito autobiográfico e um pouco ficcional, escrito como terapia, deixa água na boca para futuras narrativas de outro teor...
E eu, que pensava ser a única pessoa no mundo a ouvir a Antena 3 num carro velho com pó de estradas de terra e pioneses no tecto... 

  
"O meu pai chegava sempre atrasado, o Paulo chegava sempre a horas. O meu pai conduzia mal e tinha um carro a cair aos bocados, cujo teto estava preso com pioneses. O Paulo orgulhava-se do seu carro imaculado, a cheirar a novo, brilhante. O meu pai tinha um certo orgulho no seu carro velho coberto por uma camada de poeira, o carro de quem se aventurou por estradas de terra.
O meu pai era uma força boa. Lembra-me um poema que li algures: «ele era tão forte que podia ser doce»."



João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

quinta-feira, 15 de junho de 2023

 

INTERDITO A ALIENS!


"Alien's stop" - Seixal, Lourinhã

João Plástico

(Artista de Valmedo)

quarta-feira, 14 de junho de 2023

"Avenida da Torre de Belém" - Lisboa

Jean-Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

domingo, 11 de junho de 2023


    MORREU O FANTASMA DE BELÉM!

 

O fantasma que assombrou Belém e o histórico BELENENSES nos últimos cinco anos morreu hoje! Essa excrescência maligna que o futebol moderno lusitano deu à luz em 2018 após uma conturbada separação d'"Os Belenenses" e conhecida por B SAD, uma espécie de clube de futebol que não passava de uma empresa de aluguer de jogadores constituída para dar lucro, depois de perder a "cruz de cristo" que abusivamente chegou a mostrar no emblema e depois de ser expulsa do santuário do Restelo, acaba felizmente de ser despromovida à Liga 3, curiosamente trocando de lugar com um Belenenses rejuvenescido e recém-promovido depois de um longo calvário desde as distritais... 



Mas as boas notícias não se ficam por aqui pois, para além de ter sido despromovida, a B SAD vai ser extinta porque a entidade financeira vai fundir-se com o Cova da Piedade, clube que viu a sua sociedade anónima desportiva entrar em insolvência! É caso para desejar aos senhores accionistas que fiquem por lá muitos anos e que nunca mais voltem a pisar as margens de cá do Tejo, desejando ainda que a sua nova presa não vá cedo demais para a cova sem piedade...



  
João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

sexta-feira, 9 de junho de 2023

 

TASCAS E ANTROS DE PRAZER - XXV


OS AMIAIS, AS PAPOILAS E O CAPADO...


Há meses que eu e o Andarilho tínhamos sido desafiados pelo Maurício a fazer uma excursão até aos Amiais de Baixo para conhecer e degustar o prato emblemático da terra, o capado, mas a aventura continuava pendente de ocasião apropriada que conviesse aos três, tinha ele ouvido de boca amiga maravilhas sobre o manjar que era servido com extrema simpatia numa casa com o curioso nome TRIBO DAS PAPOILAS...!    

Mas para mim havia ainda um grande mistério a esclarecer: como é que eu nunca tinha ouvido falar nesse tal capado, eu, que vivi até aos vinte anos a poucos quilómetros dos Amiais, que muitas vezes tinha visitado aqueles lados por causa da praia fluvial dos Olhos de Água, que lá tinha disputado clássicos de futebol, que tinha familiares que por lá andavam muito, eu que até tinha privado com alguns amienses colegas de escola como era possível nunca ninguém ter falado nisso ? Quis no entanto o destino que eu fosse obrigado a demandar com urgência e mais cedo do que o previsto as saudosas terras ribatejanas e agora que regressava mais leve por questão resolvida e com o estomago a dar sinal dou por mim a passar pelo cruzamento para os Amiais, "que diabo, os meus compinchas perdoar-me-ão certamente!" ditou-me a consciência e lá guinei em busca das papoilas...

"Hoje temos cozido!" - informou-me a simpática Aline assim que abanquei, como se fosse uma sugestão irrecusável e de facto seria caso para vacilar na escolha tomando como exemplo uma opípara travessa com o dito cujo que era levada com orgulho e como se de um andor se tratasse para uma mesa lá ao fundo... "Não, o cozido fica para outro dia, tem que ser o capado, afinal fiz muitos quilómetros para conhecer essa iguaria! Vai ser o meu primeiro capado!"... "Grelhado ou estufado?"... Optei, claro, pelo grelhado... 
- "Não se vai arrepender!" - alguém lançou da mesa ao lado. - "Acabei de comer capado, venho comer aqui duas três vezes por semana!"... Dois clientes assíduos da casa, já de capado arrumado e a tomar café, amienses de gema e com muita história para contar ou não fosse a conversa e o convívio a melhor coisa que se pode fazer para gozar algum do tempo da reforma, que mais poderia eu desejar naquele momento? 


"A chefe (chef) Sónia espreitando da cozinha


Conversa entabulada, falei do mistério que me inquietava, eu que era natural dos arredores e que nunca tinha ouvido falar de capado na minha vida até agora e a resposta veio célere do amiense mais falador: "Sabe, isto só tem para aí uns quinze, vinte anos, dantes as pessoas daqui comiam o capado apenas em casa! Ia-se ao talho buscar as costoletinhas do cabrito, sabe, na altura era a carne considerada de segunda e a mais barata! Depois alguém se lembrou de começar a servir o capado num restaurante e agora até já há um Festival que dura três dias!"... Mistério desfeito: já eu tinha imigrado quando o capado se mostrou ao mundo!




Entretanto cai na minha mesa a primeira leva de capado e com o solene aviso do simpático empregado: "Como é a sua primeira vez digo-lhe que o capado tem que ser comido quente, por isso, quando acabar estas traremos mais, ok?"... "Muito ok!", respondi inebriado com o aroma das costeletinhas que me inundava os sentidos...
-"E ainda bem que não pediu mal passado, é a pior coisa que se pode fazer, muita gente vem aqui e por ignorância pede o capado mal passado, como se de um bife estivesse a falar, nada disso, estraga tudo, tem que ser bem passado!" - disse o meu amigo amiense da mesa do lado com um gesto de despedida...  E enquanto a chef e chefe Sónia ia espreitando amiúde da cozinha por detrás do campo de papoilas eu ia pegando à mão nas finas costeletas e roendo tudo o que pudesse, carne saborosíssima, afinal o segredo estava em castrar (capar) o cabrito à nascença para que o bicho ganhe mais gordura e peso e perca os odores sexuais...



E agora só me resta, até como acto de contrição, levar os meus compinchas Andarilho e Maurício até à "Tribo das Papoilas", seja num dia ordinário ou então no próximo festival, para lhes apresentar o extraordinário capado grelhado! E depois de repetir várias vezes o modo grelhado também estou curioso e decidido a provar a versão estufada! E ainda fiquei com uma dúvida a esclarecer na próxima visita, será que os capados se alimentam dos campos de papoilas daqueles montes e vales ribatejanos? Afinal tantas razões para voltar aos Amiais de Baixo, ainda por cima neste ano em que as papoilas foram campeãs!
 


João Ratão

(Chef de Valmedo)

segunda-feira, 5 de junho de 2023

 

ANEDOTAS QUE PARECEM POEMAS - XI


ELMANO, A PUTA E O FILHO...


Entre uma tertúlia e outra atravessava Bocage a Praça do Rossio quando é alvoroçadamente abordado por uma figura da sociedade lisboeta a quem o poeta fizera há tempos uma sátira:
   - Oh seu Elmano Sadino depravado! Quem pensa o senhor que é, seu anormal? Quem lhe dá o direito de se referir a mim naqueles termos, seu bêbado putanheiro que não tem onde cair morto?
E Bocage, assarapantado, sem resposta à mão, limitou-se a abrir os olhos e a encolher os ombros...
    - Sabe que mais? Vá para o diabo e para a puta que o pariu! - disse o outro...
E o homem já lhe ia virando as costas quando Bocage o deteve e lhe disse com toda a calma do mundo:
   - Não, caro senhor! O melhor é partir isso ao meio: vá você para o diabo já que eu ia mesmo agora para a puta que o pariu!



João das Boas Regras

(Sociólogo de Valmedo)

domingo, 4 de junho de 2023

 

CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - XLIII


AS ANEDOTAS DO FAMOSO PECAIS


Decididamente não é por falar que a gente se entende pois nunca foi, não é e nunca será simples e fácil entendermo-nos uns aos outros através da fala mesmo que falemos a mesma língua! Agora que solenemente anunciei esta conclusão fantástica a que cheguei depois de muito ter falado e de muito ter ouvido, muitas vezes sem me ter feito compreender e outras sem ter entendido patavina do que ouvia, passo à justificação: a linguagem sonora é o pináculo da confusão!
E tudo começa mesmo antes de qualquer som articulado nos sair da boca para fora quando o nosso cérebro, em menos tempo que o diabo se esfregou e numa catadupa de reacções neuronais, descodifica o caos que é uma língua começando na fonética e na fonologia, passando pela sintaxe e acabando na semântica... Depois vem a parte física da questão, a linguagem sonora e qualquer simples fonema que seja resulta da passagem do ar através do aparelho fonador, culminando nas funções sincronizadas dos seguintes orgãos: pulmões, brônquios, traqueia, diafragma, laringe (cordas vocais), faringe, nariz, dentes, palato, língua e lábios... É obra! E é caso para dizer que basta a língua se enrolar um pouco mais do que o devido, a falta de um dente, um ronco que não era suposto ou o nariz entupido e corremos grande risco de ninguém perceber os sons que fazemos!  Cuidado pois com as manhas da linguagem, devido a elas podemos andar enganados quase uma vida inteira, foi o que me aconteceu nos saudosos anos 70, era eu menino e moço e um dia oiço a seguinte pergunta vinda de uma das aprendizes de costura que estagiavam no atelier da minha mãe:
 - Queres ouvir uma anedota do Pecais?
 - Claro, conta lá! - disse eu prontamente, a precisar de anedotas para botar figura no recreio da escola...
E ela contou, achei piada e ela contou outra e outra...
 - Mas quem é esse Pecais? - perguntei intrigado pela estranheza do nome, a única vez que tinha ouvido a palavra "pecais" tinha sido na igreja e onde o padre da aldeia que assobiava os esses se tinha despedido da comunidade com um "Ide em paizee e não pecaissss"...
 - É uma pessoa que escreve coisas, existe mesmo lá para Lisboa, não é como o menino Carlinhos que é invenção... 



Mais tarde descobri que o tal Pecais era mesmo famoso, não havia ninguém que o não conhecesse e que não tivesse uma anedota dele para contar, até que um dia tratando eu dos recados na mercearia do Fernando vejo um dos fregueses a estender--lhe uma nota enquanto dizia: "Toma lá um Pecais e dá-me lá o troco!". Ainda fui a tempo de notar que era de uma nota de cem escudos que se tratava, coisa que raramente me passava pelas mãos mas não descansei enquanto não cheguei a casa e pedi alvoroçado para que alguém me mostrasse uma nota de cem porque estava lá o Pecais famoso das anedotas... E lá estava de facto o Bocage!  E nunca ninguém reparou que para mim Bocage sempre fora o Pecais, porque assim o tinha ouvido e percebido, afinal que culpa tinha o homem de ter herdado aquele estranho apelido de uma dama francesa?


João Portugal

(Línguista deValmedo)

quinta-feira, 1 de junho de 2023

 

O AUTORETRATO DO POETA!


De seu pomposo e inteiro nome Manuel Maria l'Hedoux Barbosa du Bocage, o Bocage, como era tratado pelo povo, é considerado por muitos um dos maiores poetas líricos portugueses de sempre... Embora tivesse sido um genial sonetista a sua fama popular adveio dos seus versos ora satíricos ora eróticos, alguns mesmo considerados pornográficos e que circulavam de mão em mão em edições clandestinas, de resto o poeta apenas publicou oficialmente os três volumes das suas "Rimas" desde 1791 a 1804. 
Em agradecimento ao primoroso desempenho com que Henrique José da Silva o retratou pela última vez em vida, corria 1805, o ano da morte do poeta devido a um aneurisma, Bocage, talvez num mero intervalo entre poses estudadas, escreve mais um soneto em que irmana a poesia e a pintura... O retrato mostra-o no seu ambiente natural, rodeado de livros, com um tinteiro e respectiva pena à mão de semear e diversas folhas de papel sendo que o poeta aponta para uma delas onde se pode ler o último terceto do soneto: 

"Honra Elmano o pincel, e o plectro Henrino:
compete aos vates dois, aos dois pintores,
correr na eternidade igual destino." 



Sempre Bocage se sentiu incompreendido e perseguido por uma sociedade portuguesa tradicional e bolorenta, avessa a novas ideias e tentou fugir dessa opressão em viagens pela Índia, Brasil e Macau, aventuras que no entanto não lhe apaziguaram nem a infelicidade no amor, nem as frustrações, nem o desespero... Refugiado numa intensa boémia e já expulso dos círculos literários acabaria por ser preso em 1797 por desrespeito à rainha e à Igreja! Para escapar ao cárcere é obrigado a retratar-se e na parte final da sua curta vida sustenta-se a si e a uma irmã com quem vive a fazer traduções miseravelmente pagas de poetas franceses e clássicos latinos como Virgílio ou Ovídio, tarefa que aliás executou com rigor e originalidade, ou não fosse alguém obcecado com a perfeição... Bocage, como muitos outros grandes génios incompreendidos, morreu na doença e na miséria aos 40 anos de idade e foi, sem dúvida, um irrequieto espírito fora da sua época...     


COMO O POETA SE RETRATA

Magro de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo de moças mil) num só momento,
Inimigo de hipócritas e de frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou cagando ao vento.


Não se equivoque o prezado leitor se ao abrir um livro de sonetos de Bocage der de caras com outra coisa que não esta maravilha, é que o seu autoretrato original seria depois revisto e alterado devido à perseguição inquisitorial de que era alvo e os versos onze e catorze tomaram depois a seguinte ambígua e amorfa forma:

11 - "E somente no altar amando os frades"

14 - ""Num dia em que se achou mais pachorrento"

Claro que, sempre e especialmente nos dias que correm em que já não há pachorra e em que Bocage se estaria cagando para muito deste mundo-cão, o poeta preferiria a versão pura e original, afinal é essa a alma de toda a sua poesia...



J.C

(Poeta de Valmedo)