segunda-feira, 3 de julho de 2017




EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO - VIII


O grande amigo e vizinho Nuno Abreu (sempre crescido para a idade e, sem favor, com uns bons dois palmos a mais que eu) safava-me de um verão monótono e castigador... Ele sim, filho de um verdadeiro lavrador, terras a perder de vista e uma parafrenália de máquinas agrícolas à disposição, cansado de andar a fazer biscates de amanhanço de terras e ceifa, horas e horas solitárias sob o tórrido calor, dava-me por vezes o prazer de manobrar o seu tractor e a sua ceifeira... "Amanhã queres ir até à Nogueira ceifar?" - e eu, encantado a fazer-me de caro, fazia de conta que iria ver, iria estudar o assunto mas assim que chegava a casa o caso era apresentado como encerrado: "Amanhã vou com o Nuno ceifar....!" ou "Amanhã vou fazer companhia ao Abreu, ele vai gradar as Cabeças...". E à hora combinada lá estava eu, ansioso pela aventura....




A máquina ceifadora.



E para completar a santa trindade vinham depois a vindima e a azeitona! E se a vindima era o melhor da época, trabalho de força acarretando os cestos encosta acima, promessa de ombros doridos por semanas, a apanha da azeitona também era castiça.... As primeiras e doces memórias da lavoura que tenho são a pisa da uva no lagar dos Gaspar, menino para aí de uns dez anitos, de calções e pés lavados num alguidar, entretido num ritmo 1-2-3-4 que mais parecia um treino futebolístico, entre quatro ou cinco vizinhos com idade para serem meus avós, num ritmo de histórias e calhandrices às vezes picantes e às quais não ligava muito por não as perceber, mas que me faziam sentir parte de uma epopeia...  E depois, passados uns dias, quando apareciam lá em casa uma nota e uns pombos já amanhados para a canja, retribuição mais do que suficiente para aquela brincadeira, sentia-me feliz por fazer parte daquela comunidade generosa....



O poço...
E depois, finalmente, vinha a azeitona!... Panos estendidos, carroça estacionada e a aguardar os sacos cheios, de vara na mão a fustigar as ramadas carregadas de fruto.... Depois, na eira, aprendendo com o avô António, pegava na pá e lançava o mais que podia... A folha, mais leve, ficava aquém, a azeitona passava e aterrava no pano limpo... Depois, era só ensacar e esperar que o Fernando do Lagar viesse com o tractor buscar a colheita! E depois, era um deleite ir espreitar a azáfama lagareira, as mós rodando e rodando, as ceiras cheias e prontas para serem espremidas, os carros a abarrotar deslizando pelos carris e, finalmente, um fio de azeite puro a escorrer para as tinas... 


E a memória visual mais presente é a galera dos Gaspar em alto trote, movida por duas éguas garbosas e altivas, vaidosas na recolha do figo e nas vindimas, qual odisseia de cowboys na conquista de um Oeste selvagem....





A galera



J.C

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