domingo, 16 de junho de 2019


LIVROS 5 ESTRELAS - XII


A DESPREZÍVEL INDIFERENÇA DOS AUTÓMATOS...


Podiam ser outras das muitas obras de ALBERTO MORAVIA para aqui chamadas mas fica-se muito bem acompanhado pelo seu romance de estreia, "OS INDIFERENTES", publicado em 1929, tinha o autor apenas 22 anos... Pode-se pensar que nessa tão tenra idade não caberá suficiente conhecimento sobre o mundo e as pessoas que resulte em obra meritória mas é exactamente isso que acontece, a obra revela um olhar crítico e profundo sobre a classe média burguesa italiana em pleno regime fascista, gente amorfa e superficial, inútil para um mundo a precisar de mudança e que não percebe, alimentada pelos vícios do regime e rituais sociais, indiferente e merecedora de desprezo... O jovem Moravia teve em tão pouco tempo de vida muito tempo para estudar o mundo e os outros porque viu-se obrigado a passar longos períodos de cama, em casa e em sanatórios, devido a uma grave tuberculose óssea contraída aos nove anos de idade. Os seus estudos foram muito conturbados e depois de se ter curado a muito custo e de ter acabado o liceu dedicou-se ao jornalismo e à escrita, sempre a esmiuçar a conturbada realidade e a sondar a misteriosa alma humana numa obra tão vasta quanto coerente e profunda, em títulos tão deliciosos quanto promissores como "As Ambições Erradas", "A Desobediência", "O Desprezo", "O Tédio", "A Vida Interior", O Homem Que Olha" ou "O Autómato"...   



Alberto Moravia nunca foi indiferente apesar de ele próprio pertencer àquela classe burguesa urbana que tanto criticou e odiou, e nunca tendo calado a voz naturalmente muitos problemas lhe arranjou o regime fascista, não só passou por muitas dificuldades económicas como em 1943, para escapar à prisão, fugiu de Roma e refugiou-se numa cabana durante 9 meses... E.um homem e um escritor desta estirpe merecia mais do que ser apenas um quase-Nobel, tanto mais que a sua obra continua inquietadoramente actual, "Os Indiferentes" podia ter sido escrito ontem tal a indiferença perante as calamidades que assolam este mundo-cão.... 

João Vírgula
(Leitor de Valmedo)

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