sábado, 23 de março de 2019

A ÁGUA NÃO CORRE NO JARDIM...


Chama-se o JARDIM DA ÁGUA e foi um grandioso e complexo projecto de um grande artista, quase a obra que resume uma vida inteira dedicada à arte... "Vai ser cheia de água, que sairá pelas bicas, em repuxo. é uma alegoria à água e à cerâmica, que fazem parte da cultura das Caldas da Rainha....", assim dizia Ferreira da Silva, nascido no Porto, estudante em Coimbra e residente nas Gaeiras (Óbidos) por opção e amor à luz deste Oeste maravilhoso... O artista iniciou a sua relação com a cerâmica no Bombarral aos 16 anos de idade e cedo chamou a atenção de olhares mais atentos e exigentes como os de Júlio Pomar ou João Fragoso, por exemplo, que o incentivam...  Naturalmente, em 1954, apenas com 26 anos, é convidado para chefiar a secção de pintura da afamada e extinta fábrica de cerâmica Secla e nas horas vagas vai dando asas à sua criatividade no seu "CURRAL", assim chamava à sua oficina...




Muitas histórias para contar tinha Ferreira da Silva, como aquele inusitado e longínquo encontro na  década de sessenta na Nazaré com um dos homens mais ricos do mundo, Ingvar Kamprad, fundador da IKEA e que, podemos imaginar, passeando ali por acaso decide entrar num espaço que albergava uma exposição do nosso ceramista e fica abasbacado, compra imediatamente toda a colecção e o mesmo faria nos anos seguintes, sendo o maior coleccionador de obras do nosso artista...


"O artista no Jardim" - Foto:Carlos Barroso - CM 
O Jardim da Água começou a ser construído na década de 80(!) em terrenos do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, proprietária da obra, entre a Mata Rainha Dona Leonor e o antigo Palácio Real que hoje alberga o Museu do Hospital e das Caldas, e foi vítima da escassez orçamental artística típica do nosso Portugal, sem dinheiro a obra ficou parada muitos anos, nunca sendo entretanto concluída porque, infelizmente, Ferreira da Silva não resistiu a tanta espera e abandonou-nos em 2016... Todos os dias, a qualquer hora, o funcionário hospitalar, o transeunte ou o curioso que por ali passe naquele espaço aberto a toda a comunidade, não pode evitar um olhar deslumbrado para a obra inacabada e imaginar como seria ela na sua plenitude, água a correr por toda aquela cerâmica brilhante... Seria decerto um deslumbramento e mereceia, portanto, ser aquela magistral obra acabada, desde que por alguém de confiança do mestre e a partir dos planos da obra que Ferreira da Silva decerto terá deixado...! Hoje, o principal tanque da estrutura, em vez de receber água de inúmeros canais recebe alguns jovens que ensaiam artísticos números de skate, tudo bem, o artista, rebelde e de bem com a vida como era até poderia achar piada, mas convenhamos, é pouco para o que mereciam Ferreira da Silva e as Caldas!




João Plástico
(Artista de Valmedo)

1 comentário: