quinta-feira, 7 de março de 2019


A MEMÓRIA, A IMAGEM E O ENGODO...


Muitos anos atrás, numa reunião festiva entre familiares e amigos, deparei-me com o Proença a olhar fixamente para a televisão, ainda era aquela dos quatro canais apenas, ainda o cabo e o satélite e o pirata não tinham sido inventados, e eu a espicaçá-lo:
  - Então que estás a ver? A porcaria da publicidade?
E o Proença limitou-se a olhar para mim e a sorrir, ele estava sempre a sorrir, para depois voltar o olhar novamente para os anúncios e dizer apenas:
   - Estou só a ver se há algo de novo... 
   - Não o distraias, este é o momento sagrado dele! Ele adora a publicidade, mais do que novelas e filmes. - disse-me a São, de passagem, ela que o conhecia de gingeira...
   - A sério?
   - Podes crer!
   - Porquê? - perguntaria eu depois ao Proença, ele que não tinha nada a ver com o negócio da publicidade...
   - É preciso ser muito criativo e inteligente para atrair a atenção de alguém numas escassas dezenas de segundos, é arte, quando sabes que à partida o destinatário sabe que tudo aquilo é um engodo para se comprar ou aderir a algo, e mesmo assim há anúncios muito bem feitos, que te surpreendem... Enquanto que nos filmes às vezes precisas de mais de uma hora para seres recompensado, para veres que aquilo tudo afinal até faz sentido e nem sempre isso acontece, aqui é como se o filme fosse visto a uma velocidade ultrassónica...
   Entretanto olhei para a televisão e reparei que alguém falava sobre qualquer coisa relacionada com elefantes..


in Diário de Notícias, 1993

Não, não é a tromba, é a memória! Embora por vezes fiquemos com uma tromba do tamanho da do elefante perante certas excrecências e discorrências deste mundo, este anúncio é uma ode à inteligência e ao bom gosto... Quando tudo se completa, ficamos a gostar um pouco mais da chata da publicidade. 



Certo é que depois daquela estranha ocorrência com o Proença, nunca até então tinha sequer imaginado que alguém não ligado ao meio pudesse achar interessante o mundo da publicidade, muitas vezes reduzida a uma trágica chatice de interrupção de filmes ou séries, ainda por cima recheada de anúncios horríveis, dei por mim a separar o trigo do joio e a deleitar-me com muitas boas peças de marketing...


João Propaganda
(Consumidor de Valmedo)

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