domingo, 10 de março de 2019


O ELEFANTE NA SALA DO NOBEL...


Por vezes não há apenas "um elefante na sala", como na célebre fábula "O homem curioso" de Ivan Krylov, o "La Fontaine" russo, eles também existem nas bibliotecas... E se, à semelhança do que acontece na vida real com muita gente, a curiosa personagem do conto, intencionalmente por não lhe interessar ou por desleixo, conseguiu reparar em todos os pormenores espalhados pelo museu que visitava excepto num enorme elefante que ocupava uma das salas, também nós, se não formos suficientemente curiosos, corremos o risco de não reparar que no meio dos nossos livros vivem elefantes com muitas memórias para contar...


Até o celebérrimo HÉRCULE POIROT, o invulgar detective que a não menos famosa AGATHA CHRISTIE dotou de curiosas e infalíveis célulazinhas cinzentas, teve um dia de se socorrer dos elefantes para deslindar um misterioso crime...  Não, ele não foi a África interrogar nenhuma testemunha paquiderme mas para solucionar uma morte suspeita de um casal ocorrida no passado e que tinha sido catalogada como suicídio pela polícia, Poirot reconstrói o crime a partir da inestimável ajuda das memórias dos elefantes, assim chamadas as pessoas com excelente memória e que não esquecem os pormenores do passado, ainda que longínquo. Quando o brilhante detective ressuscita a terrível verdade do crime, uma personagem da novela desabafa que ainda bem que aos seres humanos tinha sido concedida a faculdade de esquecer...





Memória imperdível também é a da viagem de SALOMÃO, o elefante assim baptizado pelo nosso Nobel SARAMAGO e que, tendo sido oferecido por El-Rei D.João III a Maximiliano II, Arquiduque  da Áustria e seu primo, foi obrigado a percorrer os milhares de quilómetros entre Lisboa e Viena... A história de vida do pobre e corajoso animal, que até então não se podia queixar muito porque já conhecia meio mundo, ele que tinha vindo da Índia para Portugal tempos antes, bem pode servir como uma metáfora da condição humana; depois de tanto esforço e desafios corajosamente ultrapassados, Salomão morreu decorrido apenas um ano em pátria austríaca e para além de ter sido então esfolado, cortaram-lhe as patas dianteiras para delas fazerem receptáculos para bengalas e guarda-chuvas... Irónico destino!



E se recentemente a desgraçada Academia Sueca, a recuperar de escândalos e polémicas desde o Outono de 2017 que culminaram na não atribuição do Nobel da Literatura do ano passado, anunciou que lá para o próximo Outono haverá dose dupla, 2018 e 2019, essa inusitada ocorrência poderá servir para finalmente os sábios suecos libertarem da sua sala um enorme elefante, alguém eternamente apontado como favorito mas que teimosamente continua a ser ignorado: António Lobo Antunes, ele que por acaso até tem memória de elefante... 



João Vírgula
(Leitor de Valmedo)

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