A PRAÇA, O MURO E A MÚSICA...

Viajemos agora até Julho de 1990 até ao local da outrora magnífica praça e que com a demolição do muro poucos meses antes se tinha transformado num desolador e extenso terreno baldio e salta à vista mesmo da mais distraída criatura que algo de invulgar e estranho se passa por ali e que causa estranheza e desconforto aos berlinenses que por ali vão passando: numa área vedada e guardada por patrulhas que fazem lembrar as tropas do tempo da guerra fria estão a construir outro muro! De facto, e durante semanas, uma azáfama ocorreu por ali, mesmo por cima do local onde outrora Hitler construiu o seu bunker, é possível vislumbrar ao longe não só a construção de uma enorme estrutura metálica com 168 metros de largura e 25 de altura como também o levantamento de um muro... em esferovite! Explicação? ROGER WATERS prepara-se para levar a cabo aquele que se dizia ser o mais incrível espectáculo de rock alguma vez feito: THE WALL, a partir da magistral obra dos Pink Floyd de 1979... E de facto, se o argumento de "The Wall" não teve na sua génese nada a ver com o muro de Berlim mas sim com outros muros com que a sociedade isola os indivíduos, aliás Waters diria que tinha pensado antes em apresentar o espectáculo no Grand Canyon ou na Praça Vermelha, caiu como mel na sopa a queda do muro e daí toda a Berlim fez questão em comemorar o fim da vergonha... E de facto foi um estrondo a queda desse muro: 350 mil espectadores ao vivo e cerca de um bilião a ver pela televisão! E o show foi abrilhantado por muita ilustre gente como por exemplo Van Morrison, Marianne Faithfull, Jony Mitchell, Scorpions, Bryan Adams, Sinead O'Connor, Cyndie Lauper, Ute Lemper, Jerry Hall ou o grande Albert Finney...

Mas muito antes de ser derrubado, o muro já tinha sido o leitmotive para muita criação musical, com destaque para DAVID BOWIE que viveu anos na Berlim dos anos 70 e que plasmou esse ambiente em criações fabulosas como é o caso de "Heroes", gravada em 1977, uma das grandes canções da história do pop e que é também uma homenagem àqueles heróis que desafiaram a parede:
"(...) Eu, lembro-me bem
de estarmos encostados ao muro
e de as armas dispararem sobre
as nossas cabeças
e nós beijávamo-nos como se nada
pudesse cair...
E a vergonha,
essa estava do lado de lá.
Oh! Nós conseguimos derrotá-los,
para todo o sempre.
E podemos ser heróis
ao menos por um dia..."
Premonitoriamente, em 1987 Bowie tocaria "Heroes" no Reichstag num gesto que foi considerado e reconhecido pelos alemães como catalisador para a queda do muro que aconteceria apenas dois anos depois e como a memória não lhe era curta voltaria às suas memórias berlinenses em 2014 com o tema "Where are we now" e em que começa por apanhar o comboio para Potsdamer Platz...
Where are we now -BOWIE
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"Potsdamer Platz" - J.C.Forgeronne, 2003 |
Entretanto, e depois de muita obra musical e não só se ter feito por Berlim, a Potsdamer Platz voltou aos seus tempos de glória e hoje, com um gigantesco complexo de magníficos edifícios é o centro financeiro e comercial da cidade e o símbolo da moderna Alemanha reunificada de tal forma que para quem não testemunhou, não leu ou não ouviu será difícil acreditar que por ali já passou um muro ignóbil, mas para manter a memória viva dessa tragédia haverá sempre a música...
João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)
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