AS VELHINHAS FAKE NEWS...
Agora que o que está na moda e que mais há por aí por este extraordinário mundo-cão são as fake news, de tal forma abundantes e rebuscadas que ficámos à nora sem saber se vivemos na realidade ou numa existência virtual, é de bom tom salientar que elas existem há muito e que não são uma invenção da rede digital, aliás veio-me mesmo agora à lembrança a mãe de todas elas, a mother-fucker fake news e que condicionou a minha vida durante algum tempo...
Lembro-me bem que foi no largo diante da escola onde existia um secular eucalipto dos tempos dos nossos bisavós, corria o ano 76 ou 77 e andava eu adolescentemente a descer a rua, entretido a ler a revista amarelecida e gasta pelo tempo quando ouço ao meu lado o roncar inconfundível de uma V5, era o Aníbal Estica, vindo sabe-se lá de onde...
- O que tás tu a ler, pá? - perguntou-me assim de sopetão em jeito provocador como era uso e costume enquanto rodava o manípulo do acelerador e mantinha a máquina aos soluços.
E eu, surpreso e com dificuldade em fazer-me ouvir pelo barulho da mota, só me ocorreu esticar o braço com a capa que mostrava uma rock star em pose enérgica e de guitarra em punho...
- Olha, a SUZI 4! - exclamou ele, com ar surpreso. - Onde foste arranjar isso?
E eu, animado pelo interesse que tinha provocado num dos elementos mais velhos e respeitados da tribo da aldeia, lá fui contando que tinha sido a minha avó que ao fazer a limpeza na casa do tio Puseu para a recepção dos sobrinhos que estavam a chegar de França tinha encontrado a bela da revista perdida algures debaixo de um móvel, lá deixada certamente pelo primo Jorge que era todo para a frente não só em termos de música mas também de carros e mulheres parisienses... E eu, por acaso, perante aquele achado e constatando com emoção que lá estava a SUZI 4 na capa e também nas páginas interiores evitei à última da hora que aquela preciosidade fosse parar ao lixo! De resto, era só pelas fotografias porque aquilo era tudo em francês e eu da língua de Flaubert na altura apenas sabia dizer, como era comum e quase obrigatório para a idade, merci e nick nick avec moi...
- Sabes que ela já morreu? - devolveu-me ele assim do nada...
E eu, animado pelo interesse que tinha provocado num dos elementos mais velhos e respeitados da tribo da aldeia, lá fui contando que tinha sido a minha avó que ao fazer a limpeza na casa do tio Puseu para a recepção dos sobrinhos que estavam a chegar de França tinha encontrado a bela da revista perdida algures debaixo de um móvel, lá deixada certamente pelo primo Jorge que era todo para a frente não só em termos de música mas também de carros e mulheres parisienses... E eu, por acaso, perante aquele achado e constatando com emoção que lá estava a SUZI 4 na capa e também nas páginas interiores evitei à última da hora que aquela preciosidade fosse parar ao lixo! De resto, era só pelas fotografias porque aquilo era tudo em francês e eu da língua de Flaubert na altura apenas sabia dizer, como era comum e quase obrigatório para a idade, merci e nick nick avec moi...
![]() |
SUZI 4, de cabedal e guitarra, aos 26!... |
- Sabes que ela já morreu? - devolveu-me ele assim do nada...
E como eu não tive resposta para lhe dar de tão gelado que fiquei ele tornou:
- Morreu há uns anos por causa das drogas, é pena, até cantava bem... - e acelerando desandou dali a alta rotação deixando para trás um odor a borracha queimada.
E eu, que ia em direcção ao adro da igreja ao encontro dos compinchas da lerpa ao rebuçado, pouco mais disse nesse dia devido ao choque. A Suzi 4 morreu? Custou-me acreditar, era a primeira vez que ouvia tal coisa mas não tinha razões para duvidar do Aníbal e depois naqueles tempos era normal não haver notícias ou então quando as havia elas chegavam com anos de atraso, daí ter ficado convicto durante muito tempo de que aquela heroína que fazia um coração adolescente acelerar já não existia, que desconsolo... E a partir daquela tarde, sempre que calhava ouvir no gira-discos o "Can the can" ou o "48 Crash", dava por mim a pensar na injustiça desta vida...
E então, um par de anos mais tarde e já na plena efervescência da descoberta das grandes bandas que me acompanham até hoje, e numa conversa de circunstância em que alguém lançou à baila a Janis Joplin: -"Aquela que morreu de overdose, tão a ver?"- eu tive a feliz ideia de responder - "Tal como a SUZI 4?" porque imediatamente não sei quantos pares de olhos se cravaram em mim de um modo acusador - "Estás a comparar a Janis com a Suzi 4?" - e eu que entretanto tinha descoberto a voz poderosa e única da Janis e que já não ligava muito à Suzi 4 ia responder quando alguém se antecipou e disse as palavras mágicas: "Além disso a SUZI 4 não morreu, ainda anda por aí..."
Escusado será dizer que fiquei contente por sair humilhado da conversa até porque ela mudou a minha vida, afinal a Suzi estava viva, afinal o Aníbal estava enganado, certamente num devaneio tinha-a confundido com a Joplin e a partir daquele momento deixei de ser tão crédulo em tudo o que se ouve! Ah, e a SUZI 4 ainda não se cansou de tocar por aí, em modo mais avozinha é certo e ao que parece vai lançar um novo álbum em Março próximo e ainda tem genica para espectáculos ao vivo, para comprovar basta ir, por exemplo, no próximo 8 de Maio ao Stadthalle de Zwickau na Alemanha... Para quem ressuscitou dos mortos é obra!
João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)
E eu, que ia em direcção ao adro da igreja ao encontro dos compinchas da lerpa ao rebuçado, pouco mais disse nesse dia devido ao choque. A Suzi 4 morreu? Custou-me acreditar, era a primeira vez que ouvia tal coisa mas não tinha razões para duvidar do Aníbal e depois naqueles tempos era normal não haver notícias ou então quando as havia elas chegavam com anos de atraso, daí ter ficado convicto durante muito tempo de que aquela heroína que fazia um coração adolescente acelerar já não existia, que desconsolo... E a partir daquela tarde, sempre que calhava ouvir no gira-discos o "Can the can" ou o "48 Crash", dava por mim a pensar na injustiça desta vida...
E então, um par de anos mais tarde e já na plena efervescência da descoberta das grandes bandas que me acompanham até hoje, e numa conversa de circunstância em que alguém lançou à baila a Janis Joplin: -"Aquela que morreu de overdose, tão a ver?"- eu tive a feliz ideia de responder - "Tal como a SUZI 4?" porque imediatamente não sei quantos pares de olhos se cravaram em mim de um modo acusador - "Estás a comparar a Janis com a Suzi 4?" - e eu que entretanto tinha descoberto a voz poderosa e única da Janis e que já não ligava muito à Suzi 4 ia responder quando alguém se antecipou e disse as palavras mágicas: "Além disso a SUZI 4 não morreu, ainda anda por aí..."
Escusado será dizer que fiquei contente por sair humilhado da conversa até porque ela mudou a minha vida, afinal a Suzi estava viva, afinal o Aníbal estava enganado, certamente num devaneio tinha-a confundido com a Joplin e a partir daquele momento deixei de ser tão crédulo em tudo o que se ouve! Ah, e a SUZI 4 ainda não se cansou de tocar por aí, em modo mais avozinha é certo e ao que parece vai lançar um novo álbum em Março próximo e ainda tem genica para espectáculos ao vivo, para comprovar basta ir, por exemplo, no próximo 8 de Maio ao Stadthalle de Zwickau na Alemanha... Para quem ressuscitou dos mortos é obra!
![]() |
SUZI 4 aos 69! |
João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)
Sem comentários:
Enviar um comentário