quinta-feira, 9 de janeiro de 2020



ANEDOTAS QUE PARECEM POEMAS - IV


A DERRADEIRA CONFISSÃO... 


Cheirava a morte no quarto envolto em penumbra e na parede caiada de um branco a desfazer-se em pequenas lágrimas de óxido de cálcio onde encostava a cabeceira do leito via-se tremelicando a sombra esticada de uma mão enclavinhada suplicando por ajuda...
A mulher aproximou-se, pousou o castiçal de vela mortiça em cima do naperon da mesinha de cabeceira e num gracioso e sereno movimento sentou-se na beira da cama e olhou para o moribundo:
  -  Amor, preciso de te confessar uma coisa! Não quero morrer de consciência pesada... 
  - Querido, não te canses, e que parvoíce é essa, não precisas de confessar nada...
E ele, agitado, ia dizendo:
  - Preciso sim, para ir em paz tenho que te dizer umas coisas... Sabes, dormi com a tua irmã, foi um erro, eu sei, mas não resisti. E também dormi com a Clara, a tua melhor amiga... E também fui às putas umas quantas vezes, mas só depois daqueles jantares de amigos, por brincadeira, vá... Ah, e também comi a vizinha nova a semana passad...
E então ela pôs-lhe uma mão sobre a boca e com a outra fez-lhe sinal para se calar e tranquilamente disse:
- Tudo bem, amor, não te canses nem te preocupes com isso, eu descobri tudo há semanas. Agora descansa, tranquilo, deixa o veneno fazer efeito...


João das Boas Regras
(Sociólogo de Valmedo)

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