segunda-feira, 1 de abril de 2019


LIVROS 5 ESTRELAS - IX


OS ARTIFÍCIOS DOS CAMINHOS MISTERIOSOS


Considerada unânimemente uma das obras literárias mais fascinantes do século XX, "FICÇÕES", de JORGE LUÍS BORGES, é um livro tudo menos convencional começando logo pela sua génese porque resulta da junção de dois livros de contos, O Jardim dos Caminhos que se bifurcam e Artifícios, inicialmente publicados em separado mas que se completam porque mergulham nos mesmos temas: o infinito, o tempo, o destino, a ilusão, os enigmas detectivescos e o esoterismo, numa mistura deslumbrante entre ficções e realidades, ciência e fantasia... 



Cada um dos dezasseis contos da obra é um monumento à imaginação, à cultura, ao culto da palavra e à inteligência, e apesar de difícil escolha, gosto particularmente de três: "A Biblioteca de Babel" em que o Universo é considerado como uma biblioteca, aliás Borges confessava que idealizava o Paraíso sob a forma de uma biblioteca; "O jardim dos caminhos que se bifurcam" em que basta o delicioso título para nos atrair mas que depois de uma labirintica narrativa de espionagem nos revela um final delicioso; "Funes ou a memória" onde se espelha a memória de elefante que era apanágio do escritor, conta Alberto Manguel que «(...) devido à sua colossal memória, toda a leitura, no seu caso, era re-leitura.Lembrava-se das letras dos primeiros tangos, lembrava-se de versos atrozes de poetas há muito mortos, fragmentos de diálogos e descrições extraídas de romances e contos, bem como de adivinhas, jogos de palavras e enigmas, longos poemas em inglês, alemão e espanhol, por vezes em português e italiano...» 


Talvez Borges ainda se tenha agarrado ainda mais à sua memória já de si prodigiosa, exercitando-a até ao limite, por forma a guardar na cabeça todos aqueles livros que gostaria de ler e que deixou de o poder fazer devido à sua anunciada cegueira, ele sabia que era uma questão de tempo perder a visão pois herdara os olhos fracos da sua avó e do seu bisavô, ambos ingleses e ambos cegos quando morreram. Também o seu pai tinha problemas de visão e o terrível veredito começou a instalar-se quando Borges começa a perder gradualmente a vista a partir dos trinta anos, ficando totalmente cego por volta dos  cinquenta e cinco anos, mas não se rendendo e à falta dos olhos agarrou-se à imaginação e à memória, numa vida e obra excepcionais...




João Vírgula
(Leitor de Valmedo)

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