O MILAGRE DAS AVES-DO-PARAÍSO
A menina deixou de poder andar aos três anos de idade, a defeituosa perna esquerda provocava-lhe dores atrozes e impediam-na de brincar com os irmãos e acabaria por passar quase toda a infância sentada na cama ou numa cadeira na cozinha e para se deslocar tinha que ser à boleia do colo de alguém... O desespero e a tristeza apoderaram-se do seu querido pai e dos outros membros da família, parecia que não havia remédios ou preces que a curassem e a sua grande consolação eram as histórias e as lendas que lhe contavam sobre aquela terra mágica, fantasias sobre fadas, feiticeiras, trolls, duendes e outras criaturas que habitam as insondáveis florestas à beira dos misteriosos lagos da Varmlândia...
Das janelas de Marbackca, assim se chamava aquele maravilhoso lugar onde vivia, sonhava com o dia em que o seu sofrimento chegaria ao fim e lutando contra o desânimo agarrava-se ao melhor que a dramática existência lhe proporcionava, admirar a paisagem, o lago, a floresta, as aves, os gansos, os patos, os corvos, imaginar histórias e vidas bem mais felizes que a sua...
Até que um dia, já desesperado, o pai anunciou que no verão que se aproximava iria a família passar uma temporada a umas termas que tinham a fama de que os banhos de imersão nas suas águas milagrosas curavam os problemas de esqueleto. De facto, a cura aconteceu, mas não foi obra das águas... Quis o destino ou alguma identidade sobrenatural que a casa que o pai da menina tinha alugado à beira das termas pertencesse a uma simpática senhora que se afeiçoara instantaneamente à menina e cujo marido era o comandante de um navio que estava de regresso de uma viagem a Java e que, sabia-o ela, trazia com ele aves-do-paraíso... Haveria de pedir ao marido que mostrasse essas aves prodigiosas à menina!
Levada ao colo até ao interior do navio, trouxeram então um casal de majestáticos pavões e quando o macho abriu a sua plumagem em todo o esplendor a menina foi tomada de um ataque de êxtase, nunca tinha visto tanta beleza num ser vivo e, sem dar por ela, largou-se dos braços que a seguravam e caminhou, determinada, em direcção àquela maravilhosa criatura... Milagre, ninguém sabe como, não houve explicação, mas a menina perante aquela fabulosa aparição tinha ultrapassado a sua paralisia, até ao final da vida...
A menina chamava-se SELMA LAGERLOF e acabaria por se tornar na primeira mulher a ganhar o Nobel da Literatura, em 1909, e cinco anos depois seria também a primeira mulher a ingressar na Academia Sueca... Além disso, é ainda hoje uma das escritoras mais lidas e com maior sucesso em todo o mundo! Para a história, quando a menina regressou a Marbacka, a sua casa, levava consigo um dos casais de pavões que o comandante entretanto lhe oferecera e quem hoje visitar a sua casa-museu ainda pode encontrar lá, à entrada, um casal dessas aves do paraíso, em memória de um acontecimento extraordinário...
João Alembradura
(Historiador de Valmedo)
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