E PORQUE HOJE É O DIA MUNDIAL DO LIVRO...
Dona Constança chegou e logo o largo principal do Moledo se agitou, o Ezequiel e o Malaquias, amigos nonagenários desde que haviam nascido, sentados como podiam no banco de jardim defronte do moinho do Pantónio, comentaram em surdina um para o outro:
-Olha, que vem aqui fazer a criada da D. Inês a esta hora tão matinal?
- Se calhar vai ali à banca da fruta da Perpétua comprar algumas laranjas, não seria a primeira vez...
- Tás tonto, homem! Então lá em baixo no Paço não há montes de laranjeiras? Até se estragam! Ainda se fossem nêsperas, vá lá, parece que a senhora gosta delas, mas olha, não me parece...
E os dois seguiam a mordoma com expectativa e abriram de espanto as bocas desdentadas ao ver que a senhora se tinha abeirado da biblioteca-frigorífico, aquele objecto estranho e inusitado que tinham ali colocado há dias...
- Estranho, Malaquias, porque raio vem ela tão cedo buscar um livro? Aqui há marosca, queres lá ver!
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Micro-Biblioteca - Moledo |
E os dois velhotes, que haviam nascido paredes meias com dias de diferença, que desdenhavam os livros e essa coisa de saber ler, que davam mais importância às maledicências e aos mexericos das pessoas vulgares, haveriam também de morrer de curiosidade passado pouco tempo e no mesma tarde pois não se dignaram levantar e abeirar-se daquele estranho objecto onde agora a Dona Constança se debruçava e revolvia aquele amontoado de volumes... Melhor sorte teve a Isaura, a mulher do taberneiro e merecedora da estátua de maior alcoviteira do planalto por onde César deambulou e que, sendo uma das poucas pessoas que sabiam ler na região, era ela que lia em voz alta o Correio da Manhã Medieval, que lia às pessoas os pergaminhos do Imposto Real Solidário que o Cavaleiro Transportador de Telegramas trazia de vez em quando e assim, fazendo uso dos seus largos anos de treino ao balcão a dar à lábia e a sonegar trivialidades e segredos aos clientes, sabia como entabular uma conversa:
- Então, Dona Constança, que procura? Algum livro de receitas? Não me diga que o D. Pedro vem aí e exigiu-lhe algum petisco novo?
- Oh, se fosse isso estava eu bem, Dona Isaura, mas olhe bem para a minha sorte, vim encomendada por D. Inês de lhe fazer chegar sem falta um livro de aventuras cavaleirescas para ler ao seu amante, parece que o príncipe tem tido dificuldades em adormecer...

- Pois, mas D. Pedro anda mesmo com a mania da perseguição, não pára sossegado um instante, em cada esquina imagina um espião ao serviço do Rei e até já ouvi, sem querer, sabe como é, que ele tem um plano secreto para fugir com a D. Inês para outras paragens...
- Olhe aqui, Dona Constança, esta parece ser uma boa solução... - e apontava para um livro que ostentava na capa o título "A Demanda do Santo Graal"... - Fala sobre as aventuras de uns cavaleiros muito famosos que empreenderam uma busca de um livro que continha todo o conhecimento deste e de outros mundos...
-Oh! Dona Isaura, salvou-me a vida, era isso mesmo que a D. Inês queria. Muito agradecida e agora tenho que ir porque o príncipe já deve ter passado o Paço e não tarda nada sobe a Pena-Seca...
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
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