quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

 
UM MUNDO-CÃO LOUCO E ARTIFICIAL!!


Há poucos dias, numa daquelas serenas tardes lisboetas que ainda nos surpreendem, abancado defronte do ainda belo, nostálgico e engalanado Pavilhão Carlos Lopes, ia eu admirando as estátuas e os lindos painéis de azulejos quando dei por mim alheado da azáfama citadina, ali não havia trânsito caótico nem magotes de pessoas em contra-relógio e aos encontrões, nem ruído, apenas se faziam ouvir os pássaros nas árvores do parque, dois cães atrelados a ladrarem-se enquanto os donos, um para cada lado, falavam ao telemóvel e lá ao fundo apenas o barulho intermitente de um skate, o que me fez sentir num ambiente virtual como se tivesse eu carregado numa função do meu smartphone e assim eliminado do espaço envolvente todas essas desagradáveis coisas...  
E pensei, talvez em alta-voz: "Olha que boa ideia! Será que no futuro vai ser possível eliminar do ambiente onde estamos os itens que nos desagradam, incluindo alguns humanos? Que bom que seria!"

Mas tudo muda num instante neste acelerado mundo-cão, de repente pessoas e mais pessoas começam a chegar e a formar filas, é que a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos eu e mais essas centenas de curiosos ávidos de informação e esclarecimento iríamos encher o Pavilhão para assistir a "Isto não é assim tão simples", um evento onde se iriam debater factos e ideias sobre a importância da Inteligência Artificial (I.A) e as suas implicações no futuro da humanidade, com a presença de um dos grandes especialistas da matéria a nível mundial, Neil Lawrence, professor catedrático de «Machine Learning» na Universidade de Cambridge e actualmente a investigar como será possível os humanos poderem controlar os grandes sistemas de I.A em acelerada evolução através do aperfeiçoamento da gestão de dados... Apresentava também o especialista o seu novo livro, "Humano, demasiado humano" e ainda haveria lugar a uma conversa partilhada com Bernardo Caldas, especialista português na área de dados e na sua utilização no âmbito da I.A e ainda fundador da associação Data Science for Social Good Portugal.

Valeu mesmo a pena! Oradores fantásticos, entrevistador excelentemente preparado como já nos habituou, e embora Neil Lawrence, fazendo o papel de optimista cauteloso, tenha sublinhado o lugar único e inimitável do ser humano num contexto futuro em que muitas funções e decisões poderão vir a ser tomadas pelos algoritmos das máquinas, vim de lá com a sensação que esta coisa monstruosa que é a Inteligência Artificial se pode tornar na Caixa de Pandora, não tanto pelos benefícios que poderá trazer mas pelos desiquilíbrios e conflitos que inevitavelmente provocará nas diferentes sociedades humanas... E não falta quem nos avise desses perigos, já Bernardo Caldas dizia há tempos que será, a breve prazo, quase inevitável o desaparecimento de algumas profissões e claro, quanto menos profissões menos postos de trabalho! Ontem olhei para a capa do Diário de Notícias e li que 80% dos empregos ameaçados  pela I.A são desempenhados por mulheres; que se fará então com todas essas mulheres que ficarão sem essas possibilidades de emprego?



No último fim-de-semana era o filósofo José Gil a dizer numa crónica publicada no jornal "Público" que a I.A era o pilar da organização e divulgação dos novos neofascismos, com o americano à cabeça, e talvez Trump o tenha lido porque hoje soube-se que declarou guerra aos jornais e aos jornalistas ao seleccionar a dedo aqueles que poderão ter acesso às conferências de imprensa da Casa Branca, segundo ele a liberdade de imprensa é uma ameaça para a América! No entanto já não o preocupa o facto de a I.A ter sido usada para divulgação de campanhas de desinformação com o intuito de favorecer a sua própria eleição e também a da extrema-direita alemã... E assim vai o mundo-cão, cada vez menos humano e mais artificial...
No final, só tive pena que não tivesse havido lugar para perguntas do público aos ilustres oradores, tinha eu uma preparada: para quando aquela tecla no smartphone que permitirá eliminar do nosso ambiente pessoas e outras coisas nocivas? 

João das Boas Regras
(Sociólogo de Valmedo)

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