domingo, 2 de fevereiro de 2025

 
EFEMÉRIDE # 108

A BREVE AVENTURA DA RATA CEGA


"O comboio achega-se, meus senhores! Atenção a todos! Cavalheiros e damas! Atenção ao comboio que é chegado! Pela primeira vez é aguardado o comboio de Torres Novas a Alcanena! Finalmente se achega a máquina... - Gritou, prazenteiro, um funcionário do Caminho-de-Ferro, com o seu bigode farfalhudo e suíças esbranquiçadas." Este é um trecho do livro de Paula Araújo, "O Trilho da Rata Cega", e nele se retrata um acontecimento extraordinário ocorrido a 2 de Fevereiro de 1893 na avenida principal de Alcanena, há precisamente 131 anos!... Na véspera tinha sido inaugurado o troço do caminho-de-ferro que ligava Torres Novas a Alcanena, mas apenas isso, só a linha, sem comboio, vá lá saber-se porquê, e juntando esse troço ao outro que já existia há quatro anos ficava portanto possível a partir desse dia transportar mercadorias e passageiros entre a Linha do Norte (a partir da estação de Riachos) e Alcanena, passando por Torres Novas, um ousado empreendimento privado levado a cabo pelo Barão de Matosinhos...   


"A linha da Rata Cega em Torres Novas" - Jean-Charles Forgeronne

Mas foi breve a aventura da Rata Cega, assim chamava o povo ao pequeno comboio devido aos inúmeros acidentes e descarrilamentos que provocou, parecia cego sem saber por onde ia, passados apenas seis meses, em Junho de 1893, todos os serviços na linha foram suspensos, a linha desactivada e o material vendido ao desbarato... Mas hoje, quem deambular com atenção pela parte velha de Torres Novas ainda se cruza em plena rua com os carris por onde passava o Comboio Menino, também assim conhecido porque era deveras pequenino e, ao que parece, tão lento que uma pessoa caminhando em bom ritmo o conseguia ultrapassar... 

"Escrito na parede" - Jean-Charles Forgeronne

A minha memória da Rata Cega vem de histórias que ouvi de avós que a ouviram dos seus avós, transmissão oral daquilo que marcou um período da história de Portugal e especialmente das regiões de Torres Novas e Alcanena, coisa que a mim, ainda menino, me custava a acreditar, "Um comboio a passar aqui? Diante da nossa casa, onde não há restos de carris nem nada?", lembro-me de perguntar... Daí também a importância do livro de Paula Araújo, mais do que o seu valor literário importa destacar o seu testemunho histórico e social sobre a sociedade de então e a importância que aquela malfadada linha de comboio teve ou deveria ter tido na economia e na indústria da região, nomeadamente a de curtumes e fiação de tecidos... 

João Alembradura
(Historiador de Valmedo)

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