E À TERCEIRA FEZ-SE LUZ DE VEZ!
Na primeira vez, logo pela manhãzinha cedo, como gosto, primeiríssima sessão do dia, cheguei a entrar e até me sentei numa das sete almofadas espalhadas pelo centro do espaço, respirei fundo para oxigenar o cérebro e prepará-lo para outra dimensão, olhei em volta para a instalação de lâmpadas ainda inertes que me rodeavam, consultei ansiosamente o relógio, estava na hora, 10:30 em ponto, mas... nada aconteceu, tudo continuava escuro... Um par de minutos passou e a cortina abriu-se um pouco mostrando apenas uma cara em contra-luz, era o João Miguel, funcionário anfitrião e encarregue de accionar os interruptores certos para o início da coisa; "Nada?" - perguntou, e nada eu respondi encolhendo os ombros de mão estendida, e agora o que fazer? Ele não iria mexer no computador, isso era com os responsáveis da obra, ele apenas tinha feito aquilo que lhe tinha sido pedido... Desculpas à parte, teria que ficar para outra hora...

Na segunda vez, no dia seguinte exactamente à mesma hora, lá estava eu a colocar o pé para entrar na Galeria Municipal quando ouço uma voz atrás de mim, era o João Leirão, outro funcionário mas especialmente um animador cultural deste oeste profundo especialmente pelos lados do Moledo onde aí, sim, as coisas acontecem, a dizer-me: "Ainda não vai ser hoje que vais ver isso, ontem a coisa falhou e então à noite a coisa broncou mesmo, o quadro foi abaixo!. Os electricistas andam agora aí a ver se resolvem a coisa." "Não há problema! - disse eu - volto amanhã..." E eu sabia disso porque, na véspera, em plena apresentação de um pequeno vídeo sobre o "Revolução sem sangue", parecia que um morteiro tinha rebentado no anfiteatro tal o estrondo do quadro eléctrico ao ir abaixo... Manobras da reacção, pensei então...

E na terceira vez, ao terceiro dia e à mesma hora, não era só um mas sim 3 Joões, o João Miguel, o João Leirão e eu próprio, à porta ansiosamente esperando que dessa vez é que se veriam "três luzes acenderem ao mesmo tempo em três janelas diferentes", a instalação de David Santos e Berto Pinheiro, o primeiro conhecido como Noiserv para os musicólogos e o segundo como iluminador na área musical e teatral, sendo uma obra que junta o som, a voz e a luz durante 15 minutos e 57 segundos para nos apresentar o livro "Três-vezes-dez-elevado-a-oito-metros-por-segundos"...

E é uma história sobre o "Bairro das Quatro Esquinas", onde cada um, à sua janela e à sua luz, vê o mundo de uma maneira diferente, a menina mais pequena do bairro, o menino mais alto do bairro e um velho que colecciona lâmpadas de outros tempos, já gastas, como se com isso pudesse reter os momentos que elas iluminaram outrora... Nenhum dos três consegue ver o mundo por inteiro apesar das suas janelas se iluminarem no mesmo instante, nem os meninos com a ânsia de ver o presente e o futuro nem o velhote com o desígnio de preservar as memórias, tudo junto resulta numa abordagem deliciosa sobre a luz, o tempo, o espaço, a memória, sobre tudo afinal, cada vez mais à velocidade da luz...
Fotos: Jean-Charles Forgeronne
João Plástico
(Artista de Valmedo)
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