O CORVO E A RAPOSA - II
O VICENTE E A MANHOSA

estava um belo corvo pendurado,
e cá em baixo a raposa manhosa
olhava para o petisco desejado...
Um bem cheiroso pedaço de queijo
Tinha no bico o belo do Vicente,
Disse olá, até lhe mandou um beijo
mas não foi a raposa convincente...
Disse então: "Estou aqui pensando
que se fosses assim tão bom a cantar
como vistosa é a tua figura voando
serias eleita a ave mais bela, sem par!"
Então, sereno, o corvo o petisco engoliu,
"Ó minha velha velhaca que tens a mania,
desaparece, vai para a puta que te pariu,
a mim não enganas, seja noite seja dia..."
João Fábula, (Contador de Histórias de Valmedo)
Esta é uma versão recente e actualizada da célebre fábula do corvo e da raposa e que difere bastante das versões anteriores porque quer ESOPO, que a inventou, quer LA FONTAINE, que a recriou passados muitos séculos, quer ainda BOCAGE que depois dela fez belíssima tradução, todos eles foram vítimas do seu tempo, do preconceito e da falta de conhecimento científico sobre as qualidades do CORVO... De facto, desde tempos ancestrais e até há pouco tempo que o corvo carregava às costas o estigma da sua brilhante e assustadora cor negra e do seu rouco grasnar que parece soar desde as profundezas, simbolizando para muitas culturas a ave agourenta, a morte, o azar, valeu-lhe mesmo assim a simpatia de outras gentes que lhe associaram a astúcia, a cura, a sabedoria e a esperança, ou seja, é um bicho para o qual não há meio termo, ou se odeia ou se idolatra...
Pois bem, hoje em dia nos meandros da comunidade científica os corvídeos são conhecidos como os "macacos com penas" tais são a sua inteligência e poder de comunicação, por exemplo, em 2017, cientistas de uma universidade sueca puseram à prova um grupo de corvos que perante armadilhas e desafios demonstraram grande capacidade de planeamento e de escolha da melhor estratégia para alcançar o sucesso! Os corvos, para além de conseguirem fabricar ferramentas com três paus, conseguem prever o que irá acontecer no futuro se adoptarem um determinado comportamento e não se deixam seduzir facilmente: os cientistas colocaram-lhes à frente uma caixa recheada de alimentos e iam-lhes apresentando vários utensílios, um que eles descobriram que abria a caixa, outros que não tinham utilidade e ainda outros que garantiam um pequeno prémio imediato: pois bem, depois de analisarem a situação, eles recusavam o prémio imediato e preferiam esperar pela "chave" do grande prémio, denotando uma inteligência superior à de uma criança de 4 anos de idade, o que não é estranho se atentarmos que os corvos possuem um cérebro extraordinariamente grande para o seu tamanho!
"Vicente" - Jean-Charles Forgeronne |
Além disso, os CORVOS possuem uma prodigiosa memória, conseguindo lembrar-se ao fim de um mês das pessoas que foram justas ou injustas com eles, e essa é outra característica fantástica que possuem, a da justiça e da solidariedade, se numa interacção algum companheiro de experiência é prejudicado eles recusam-se a cooperar! Para além disso, partilham informações sobre predadores e outras ameaças e entreajudam-se em caso de grande ameaça...
Mas como mostrou o meu colega DAVID AATTENBOROUGH num documentário da BBC, fantástica foi a estratégia usada por um bando de gralhas-pretas, primas dos corvos, que num cruzamento na cidade japonesa de Akita se penduravam nos fios telefónicos à espera que o semáforo ficasse vermelho para os carros pararem; então, largavam as nozes que traziam no bico e ficavam à espera que, quando o sinal ficasse verde, ao arrancarem os carros lhes passassem por cima... Quando o sinal ficava vermelho novamente, lá desciam as aves para recolher o miolo de noz!
E agora, ainda pensarão Esopo, La Fontaine e Bocage que a raposa é mais inteligente que o corvo?
Gralhas inteligentes
(Naturalista de Valmedo)
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